quarta-feira, 4 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23226: 18º aniversário do nosso blogue (11): O enviado especial do "Diário de Lisboa", Avelino Rodrigues, em julho de 1972, no CTIG: uma "crónica imperfeita" em quatro artigos - IV (e última) Parte: 31 de agosto de 1972: "Spínola: Infelizmente ainda tenho que dar tiros, mas a guerra não se ganha aos tiros"... Mas o pior será quando a guerra acabar, conclui o Avelino Rodrigues...





Citação: (1972), "Diário de Lisboa", nº 17849, Ano 52, Quinta, 31 de Agosto de 1972, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_5170 (2022-5-3)




























FIM



(Com a devida vénia ao autor, Avelino Rodrigues,
aos herdeiros do António Ruella Ramos, e à Fundação Mário Soares)

Fonte: Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares | Pasta: 06815.165.26103 | Título: Diário de Lisboa | Número: 17849 | Ano: 52 | Data: Quinta, 31 de Agosto de 1972 | Directores: Director: António Ruella Ramos | Observações: Inclui supl. "Suplemento Literário". Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos


Comentário do editor LG:

Registe-se: duzentos mil contos gastos em "infraestruturas de desenvolvimento" (educação, saúde e assistência, agricultura e florestas, veterinária, obras públicas...), em 1971, na Guiné, sendo goverador (e com-chefe) o gen António Spínola, representava, em valores de hoje, mais de 53,7 milhões de euros... Sem contar com as despesas de manutenção do exército e o custo da mão de obra dos militares que trocaram a G3 pela pá, a pica, a enxada, o martelo, o lápis, a caneta, a seringa...

A propósito d0 jornalism0 português na guerra colonial (tema do colóquio que se realizou em 28 de maio de 2015, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa), escreveu Humberto Silva na página da Apoiar, em 16 de julho de 2015:

(...) O jornalista Avelino Rodrigues recorda os seus tempos na Guiné. Lembrou que os jornalistas que ficavam deslumbrados com o espetáculo da guerra mas que mostravam apenas e sempre apenas o lado das tropas portuguesas. Em Bissau por exemplo respirava-se a guerra mas não se a sentia.

Na Guiné, Spínola usava os jornalistas especificamente para divulgar a sua visão alternativa da guerra e Avelino foi chamado à provínicia por ser de esquerda, quase como que para validar a visão de Spínola.

Foi por isso que as crónicas de Avelino Rodrigues foram dos primeiros trabalhos verdadeiramente jornalísticos sobre a guerra em Portugal. Só uma entrevista ao General Spínola não passou porque Marcello Caetano interveio e a sua censura negociou o conteúdo dessa entrevista. (...)


Percebe-se, neste quarto (e último) artigo da reportagem "Guiné: uma crónica imperfeita", que o conteúdo da entrevista com Spínola foi censurado. O jornalista apenas pôde publicar um excerto aqui e acolá. O "spinolismo" (que punha a política à frente das armas) começava a ser perturbador para o titubeante e fraco líder que sucedera a Salazar, temeroso das consequências que podiam desencadear uma franca e aberta divulgação e discussão da estratégia política do general para acabar com a guerra na Guiné, já longa de 9 anos, e cada vez mais "africanizada".

PS - O ten cor inf Herdade, acima citado, de seu nome completo Nívio José Ramos Herdade foi o primeiro comandante do BCAÇ 3833 (Pelundo, 1970/72), sendo depois subtituído pelo ten cor inf Bernardino Rodrigues dos Santos. Companhias de quadrícula: CCAÇ 3306 (Jolmete e Bachile), CCAÇ 3307 (Pelundo e ilha de Jete) e CCAÇ 3308 (Có, Bachile e Capó).
___________

11 comentários:

Valdemar Silva disse...

"O manjaco é de todos o homem da Guiné menos arrenegado à terra", deve ser por isso que os manjacos eram os homens da extração do vinho de palma no cimo das palmeiras ah!a!ah!

Saúde da boa
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

"Arreigado", Valdemar, "arreigado à terra"... e não "arrenegado", como escreveste no teu comentário. Sei que eram/são bons marinheiros, mas foi grupo étnico com quem nunca contactei.

A brochura sobre a Guiné que nos entregaram, quando chegámos, ou mesmo no navio que nos transportou, era feito de muitos "estereótipos" (e portanto "preconceitos) sobre os vários "grupos étnicos" (não sei se ainda usavam o conceito de "raça"): um era trabalhador mas ladrão, outro era preguiçoso mas leal, e por aí fora... Alguém quer voltar a "reler" e "analisar" essa brochura, que devia ser de meados dos anos 60 ?

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Nhabijões ( e não Nabijões): um dos maiores, senão o maior reordenamento que se fez, no meu tempo,no TO da Guiné... Estive lá destacado, e lá apanhei com uma mina anticarro que me podia ter matado (foi o meu dia de sorte, o 13 de janeiro de 1971; mas de azar para o resto do do 4º Gr Com da CCAÇ 12, ironicamente eu ia no lugar do morto...)


https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/Nhabij%C3%B5es

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Impensável (a não ser pelo "peso pesado" que ainda era o Spínola, em agosto de 1972, no xadrez político do Estado Novo...) alguém, jornalista ou não, escrever nas "barbas da censura" uma frase como esta num jornal diárioda capital do império:

(...) em Teixeira Pinto, o campo de ensaio da nova política do general Spínola, um exemplo de como foi possível fazer em menos de quatro anos o trabalho de quatro séculos. (...) (Negritos meus).

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Podia-se cotejar a realidade da Guiné com as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto onde um número estimado entre 200 mil e 300 mil viviam ainda no início da década de 1970 em "bairros de lata" e "ilhas"...

Imaginem que esses desgraçados, sem água, luz, saneamento básico, se lembravam de ir para a porta de São Bento reivindicar também o "direito ao reordenamento"...como os balantas e os mandingas de Nhabijões... O Marcelo Caetano e os coronéis da censura ficariam com os cabelos em pé... Por isso nunca mais hoje veleidades de dar carta branca a jornalistas do "reviralho" para irem à Guiné cantar loas ao Spínola...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Os números são mais cruéis: estimava-se em 500 mil fogos (!) o défice habitacional português no princípio de década de 70 do século XX... Hoje Lisboa, Porto e outras cidades industriais de dimensão média estão irreconhecíveis... Também foram até ao final do século XX "reordenadas"...

Valdemar Silva disse...

Luís
Em tempos, numa das minhas idas ao Centro de Saúde da Agualva, meti conversa com um homem que depois passei a saber que ele era manjaco da Guiné. E a conversa nunca mais acabou....
Ele é que disse: manjaco está sempre nas palmeiras a tirar vinho de palma.
Parece que a extração do vinho de palma é em grande percentagem uma actividade dos manjacos.
Daí eu parodiar com o arreigado=enraizado por arrenegado=ter aversão, no sentido de estar sempre no cimo das árvores com os pés longe da terra.

Saúde da boa
Valdemar Queiroz

Antº Rosinha disse...

...) em Teixeira Pinto, o campo de ensaio da nova política do general Spínola, um exemplo de como foi possível fazer em menos de quatro anos o trabalho de quatro séculos. (...) (Negritos meus).

Luis Graça, foi tão pouco que se fez na Guiné naqueles 404 anos, que qualquer jovem da JAC se queixava e reconhecia que Portugal nem um Caminho de Ferro lá deixou.

Mas para nesses últimos 4 anos spinolistas nem um "simples" caminho de ferro lá ter ficado, não foi por falta de vontade de Spínola, e dos próprios guineenses.

Mas esse "limitado" orgulho de Spínola na sua obra, era propagandeado quase diariamente pelos governadores de distrito em Angola e Moçambique, propaganda usada como arma quer interna e externamente.

E de facto essa guerra em Angola e Moçambique teve sucesso (desenvolvimento: estradas, agricultura, educação, cativação das populações etc.) nos mesmos 4 anos spinolistas.

Na Guiné não se viu tal sucesso porquê?

A mobilização feita por Amílcar Cabral, explicada a soviéticos e cubanos, que não foi conseguida mobilização idêntica por Agostinho Neto, Savimbi, Holden Roberto e Samora.

Penso que até militarmente Amilcar e outros dirigentes do PAIGC, é que davam orientações aos soviéticos e cubanos como deviam usar os seus canhões sem eles correrem riscos e complicarem a vida ao Spínola.



Tabanca Grande Luís Graça disse...

O milagre do "spinolismo" (se é que ele existiu...) teve muito de arte mágica: tira-se daqui (exército), põe-se acolá, na "administração civil" (equipas de educação, saúde, reordenamentos, obras públicas, etc.).

Spínola desfalcou as companhias de quadrícula e de intervenção (o que afetou a sua operacionalidade e segurança), foi buscar os quadros técnicos e profissionais à tropa metropolitana... Não tinha outro jeito, os europeus não iam para a Guiné por amor (emboar depois, muitos deles, se apaixonassem por aquela bela terra e aquela boa gente).

Veja-se o caso da minha CCAÇ 2590 / CCAÇ 12... A CCAÇ 2590 veio da metrópole com 1 capitão, 4 alferes, mais os restantes graduados e mais os especialistas, num total de 60 homens...

Sobre o complexo e ambicioso reordenamento de Nhabijões, vd. poste de:

21 Setembro 2005 > Guiné 63/74 . CCII: O reordenamento de Nhabijões (1969/70) (Luís Graça)

(...) (5) Novembro de 1969: Início do reordenamento de Nhabijões

A partir deste mês, 1 Gr Comb da CCAÇ 12 passaria a patrulhar quase diariamente as tabancas de Nhabijões cujo projecto de reordenamento estava então em estudo, a cargo da CCS/BCAÇ 2852.

Nhabijões era considerado um centro de reabastecimento do IN ou pelo menos da população sob seu controle. As afinidades de etnia e parentesco, além da dispersão das tabancas, situadas junto à bolanha que confina com a margem sul do Rio Geba, tornava-se impraticável o controle populacional. Impunha-se, pois, reagrupar e reordenar os 5 núcleos populacionais, dos quais 4 balantas (Cau, Bulobate, Dedinca e Imbumbe) e 1 mandinga, e ao mesmo tempo criar "polos de atracção" com vista a quebrar a muralha de hostilidade passiva para com as NT, por parte da população que colabora com o IN. (...)

A CCAÇ 12 participaria directamente neste projecto de recuperação psicológica e promoção social da população dos Nhabijões, fornecendo uma equipa de reordenamentos e autodefesa, constituída pelo Alf Mil Carlão, Fur Mil Fernandes, 1º Cabo At Encarnação e Sold Arv Alfa Baldé (que foram tirar o respectivo estágio a Bissau, de 6 a 12 de Outubro de 1969) e ainda 2 carpinteiros (1º Cabo At Inf Sousa e 1º Cabo Aux Enf Rente). E indirectamente criando as condições de segurança aos trabalhos.

Resultado: chegámos a andar no mato só com um único 1º cabo aux enf, o Sousa, já que o fur mil enf nunca saía, estando afecto à "psico", e logo no início da comissão outro 1º cabo aux enf fora evacuado para a metrópole com hepatite!... O 2º Gr Comb ficou sem comandante, que era o alf mil Carlão, os outros ficaram desfalcados (menos um furriel, o Fernandes, menos 3 cabos e 1 sold arvorado, futuro cabo, do recrutamento local)...

Numa primeira fase estava previsto levar a efeito a desmatação do terreno, a fabricação de blocos e a construção de 300 casas de habitação e 1 escola. Durante este período a CCAÇ 12 realizaria várias acções, montando nomeadamente linhas descontínuas de emboscadas entre os núcleos populacionais de Nhabijões, além de constantes patrulhas de reconhecimento e/ou contacto pop.

(Continua)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

A CCAÇ 12 em Nhabijões

(Continuação)

(...) A partir de janeiro de 1970 seria destacado um pelotão da CCS/BCAÇ 2852 a fim organizar a autodefesa de Nhabijões. Admitia-se a possibilidade do IN tentar sabotar o projecto de reordenamento, lançando acções de represália e intimidação contra a população devido à colaboração prestada às NT.

A partir de Abril de 1970, o reordenamento em curso passaria a ser guarnecido por 1 Gr Comb da CCAÇ 12. Na construção de novo destacamento estiveram empenhados o Pel Caç Nat 52 e a CCAÇ 12, a 3 Gr Comb, durante vários dias.

A segunda fase do reordenamento (colocação de portas e janelas e cobertura de zinco em todas as casas, abertura de furos para obtenção de água, etc.) começaria quando o BART 2917 passou a assumir a responsabilidade do Sector L1 (em 8 de Junho de 1970).

A partir de julho d 1970, a CCAÇ 12 deixaria de guarnecer o destacamento de Nhabijões, tendo-se constituído um pelotão permanente da CCS/BART 2917 enquadrado por graduados da CCAÇ 12. (...)

Fonte: História da CCAÇ. 12: Guiné 1969/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores 12. 1971. Capítulo II. 17.

Manuel Luís Lomba disse...

O programa "Por uma Guiné Melhor" do General Spínola terá sido a "cooperação" mais transformadora social de que a Guiné terá beneficiado, acima de qualquer outro (certo ou errado?).
A sua inconsequência era inevitável - Spínola não podia outorgar aos guineenses o a liberdade e a autodeterminação de que os portugueses da Metrópole careciam.
O 25 de Abril foi gerado por ele na Guiné, nesse preciso ano de 1972. É facto.
Spinola ganhou a estima dos guineenses: Nino Vieira, então seu PR, visitou-o no hospital e, não tenho a certeza, veio ao seu funeral.
Manuel Luís Lomba