sábado, 7 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23239: Os nossos seres, saberes e lazeres (503): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (49): O médico oftalmologista que ofereceu aos portugueses sublimes obras de arte (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Fevereiro de 2022:

Queridos amigos,
A Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves é uma das singularidades do colecionismo em arte, possui peças de reputação internacional ao nível da porcelana, valiosos espécimes de mobiliário e um acervo de indiscutível valor em pintura naturalista portuguesa, mas há muito mais que se oferece ao visitante, desde o jardim à edificação premiada com o prémio Valmor, medalhas, relógios, arte persa e turca, companhia das Índias, impossível ficar indiferente a um quadro quase miniatural de Columbano Bordalo Pinheiro, O Convite à Valsa. Visita a não perder, mais não seja para recordar o que já foi visto, seja qual for a estação do ano.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (49):
O médico oftalmologista que ofereceu aos portugueses sublimes obras de arte

Mário Beja Santos

O seu nome oficial é Casa-Museu Anastácio Gonçalves, situa-se no início da Avenida 5 de outubro, a entrada agora é perto da Avenida Fontes Pereira de Melo, em Lisboa. Tudo começou quando o pintor José Malhoa encomendou ao arquiteto Norte Júnior a moradia para residência e atelier, isto em 1904, no ano seguinte a construção recebia o Prémio Valmor. Malhoa virá a desgostar-se de viver em Lisboa, transferiu-se para Figueiró dos Vinhos. Em 1932, o Dr. Anastácio Gonçalves (1888-1965), um reputado oftalmologista adquiriu a casa, a finalidade era poder reunir um importante espólio para deixar aos portugueses. Era também a sua residência, aqui vivia cercado por cerca de 2500 peças, destacando-se três coleções principais: pintura naturalista portuguesa; porcelana chinesa e mobiliário europeu do século XVII a XIX.
Como se vê na primeira imagem, Norte Júnior articulou elementos neorromânticos e de gosto Arte Nova, esta bem visível na aplicação de azulejos e no trabalho de ferro forjado no portão principal da casa. Os vitrais são de origem francesa, encomendados para a sala de jantar e para a salinha anexa ao atelier. Abriu ao público em 1980, conheceu obras de ampliação graças a uma moradia contígua, também traço de Norte Júnior. Tem conhecido obras de 1997 para cá, tem hoje nova entrada devido à alteração urbanística do quarteirão que tinha edifícios na Avenida Fontes Pereira de Melo e também na Avenida 5 de Outubro.
Anastácio Gonçalves era um colecionador requintado deixou um acervo de grande abrangência cronológica. A coleção de pintura foi-se organizando entre 1925 e 1965, é no fundamental uma coleção de pintura naturalista, embora haja alguma pintura europeia dos séculos XVII e XIX; há uma coleção de mobiliário português e europeu, com preferência por exemplares de meados e terceiro quartel do século XVIII; a porcelana chinesa é uma coleção de nome internacional, com 379 objetos adquiridos entre 1941 e 1965. Estes são os três núcleos principais, mas há também ourivesaria sacra, prataria, cerâmica europeia e oriental, como é o caso de um pequeno conjunto persa dos séculos XVII e XIX e faiança Iznik do século XVII, mas também moedas, medalhas, bronzes e marfins e também relógios de bolso.

A porcelana, por direito próprio, merece toda a atenção do visitante, há porcelana azul e branca, há decorações com flores em pratos, taças e garrafas datáveis do século XVI, coincide com o período do domínio comercial português nos mares do oriente. Há também peças do grupo de “família verde”, “família rosa” e “azul soprado”. Na atualidade, entra-se pela sala das porcelanas que já esteve posicionada à entrada da casa propriamente dita do colecionador. Tal como este, iremos sentir o fascínio pela raridade e qualidade das obras, há mesmo dois exemplares da Dinastia Song, século XII e um vastíssimo conjunto de porcelanas “azul e branco” dos séculos XVI e XVII. Deixe-se ofuscar pelos motivos florais, pela elegância das formas, pelas taças decoradas, pelas peças de corpo fino, pintado a azul-cobalto, pelas cenas marítimas e paisagens com rochedos, há ali exatamente um prato de cerca de 1600 com cenas deste género e uma taça com gamos e cercaduras de garças e lotos, de que só se conhecem duas peças em Portugal. E não se esqueça de ver a Garrafa do Peregrino, hoje classificada como tesouro nacional.
Os jarrões da “família verde”, tem uma paleta de tons que vão desde o pálido ao esmeralda vivo, vermelho-ferro, azul, amarelo, beringela e preto. Atenda-se à decoração com grande variedade de flores, plantas ou árvores floridas, por vezes borboletas e outros insetos, podem existir cenas ribeirinhas, representações figurativas e até batalhas com combatentes a cavalo.
Vitral francês comprado propositadamente para a casa de José Malhoa
O mobiliário colecionado por Anastácio Gonçalves é muito requintado e espalha-se por toda a casa, onde encontramos secretárias, expositores, móveis de assento, armários, e há inclusivamente trabalhos em talha, isto para além de mesas de encostar, papeleiras, cómodas e canapés, há peças de várias origens europeias, na Casa-Museu expõem-se peças de origem francesa, inglesa, holandesa, espanhola e mesmo chinesa, tudo exposto à procura de várias comunicações, neste caso com a belíssima porcelana.
Manhã em Clamart, por Carlos Reis (1889-1896)
O Dr. Anastácio Gonçalves pintado por José Malhoa
A coleção de pintura começa com exemplares do neoclássico, há um núcleo do romantismo onde avultam nomes como Tomás da Anunciação, Miguel Ângelo Lupi e Alfredo Keil. Mas é bem patente que é o naturalismo que mais animou o gosto de Anastácio Gonçalves, logo Marques de Oliveira e Silva Porto, Malhoa ou João Vaz, os temas marítimos e campestres predominam.
Corredor do rés-do-chão correspondente ao espaço do quarto, escritório, casa de banho e sala de jantar
Pormenor do antigo escritório do médico, mantendo ainda as paredes forradas com o papel original. Podemos ver uma secretária de cilindro datada de 1930, ladeada por cadeiras de braços. Em cima da secretária está pousado um relógio de mesa do século XVIII, flanqueado por um par de potes de porcelana “azul soprado”, do lado esquerdo vemos um dos mais célebres quadros da coleção, o Convite à Valsa, de Columbano Bordalo Pinheiro e em local central O Retrato de Menina, de António Ramalho.
Um expoente máximo da pintura naturalista portuguesa, A Primavera, de Alfredo Keil
Uma amostra da combinação de elementos, cerâmica, mobiliário, relojaria e pintura.
Este elemento religioso inclui Santa Ana a ensinar a ler a Virgem Maria, sob a vigilância de S. Joaquim, é uma preciosidade.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 30 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23213: Os nossos seres, saberes e lazeres (502): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (48): A surpresa de uma pérola tropical ali ao pé do Palácio de Belém (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Fernando Ribeiro disse...

Só agora fiquei a saber quem era esse tal Anastácio Gonçalves, que eu imaginava gordo e barrigudo, vá-se lá saber porquê...

Seja como for, esta casa-museu é realmente digna de ser visitada e fica à mão para quem vive em Lisboa: a poucos metros da Maternidade Alfredo da Costa. Destaco a excelente pintura portuguesa que lá está.