Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.
Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Missirá > Pel Caç Nat 52 > 1968 > O Furriel Miliciano Casanova. "O Casanova é um dos meus mais agudos problemas de consciência. Chegou no final de Agosto a Missirá e, progressivamente, tornou-se o meu interino. Chegou muito triste, procurando estudar seres humanos e situações. Depois levantou voo, foi imaginativo e um grande colaborador. Distrai-me e não dei pela sua exaustão. Quando partiu com um colapso nervoso é que me apercebi do peso da sua ausência. Ele foi a minha rectaguarda, confiei-lhe as contas e a sorte dos aquartelamentos sempre que estava no mato" (BS).
Texto e foto: © Beja Santos (2006). (Com os nossos agradecimentos ao ex-furriel miliciano Luís Casanova que disponibilizou esta e outras fotos). Direitos reservados.
Texto enviado pelo Mário Beja Santos em 19 de Dezembro de 2006:
Aqui vai o primeiro texto referente a 1969. Foi uma semana agitada, aquela que preludia a primeira visita de Spínola a Missirá. Creio que com as fotografias do Casanova tu ganhaste um novo fôlego ilustrativo. Por exemplo, podias aqui recorrer à fotografia do bazuqueiro Adulai Djaló. Seguirá por correio o livro Barranco de Cegos, de Alves Redol, com dedicatória do autor a Mário Braga. Eu já desesperava de o encontrar nas minhas andanças pela Feira da Ladra, e em conversa com o Mário Braga ele disse-me que cedia a obra, seguramente o grande livro do Redol. Enviar-te-ei em breve o original da minha punição, que ficará a teu cargo, como tudo mais. Tudo farei para que esta semana recebas dois textos, já que na semana de Natal vou reorganizar os primeiros 6 meses de 1969 e procurar preencher lacunas com o Casanova, o Queta Baldé e o Fodé Dahaba. Depois fujo para a floresta, para Casal dos Matos. A saga continua. Recebe um abraço do Mário.
Nas margens do rio Gambiel, fogo imprevisto entre os palmeirais
por Beja Santos
A 1 de Janeiro, a pretexto de uma coluna e acompanhamento de obras em Finete, fui à missa a Bambadinca. Mas em Canturé, bem expostas à evidência, encontrámos sinal da cabança de bovinos de Mero a caminho de Madina: as bostas, por azar de quem viajou de noite, era um eloquente testemunho bem exposto na picada.
Reorganizei o programa, o Furriel Pires (recém-chegado a Missirá para substituir o Saiegh) ficou em Finete e fui patrulhar a bolanha entre Gambicilai e Boa Esperança. A colheita não foi despicienda: três carregadores de PPSH perdidos e sinais evidentes da cambança do rio em frente da bolanha de Mero.
Um RVIS sobre um dos santuários da guerrilha
Regressámos a Missirá onde já nos esperava uma mensagem para me apresentar na manhã seguinte ao oficial de operações em Bambadinca. É então que vou ouvir pela primeira vez a palavra RVIS, ou seja fazer um patrulhamento aéreo à procura de sinais da vida militar e civil dos rebeldes.
Subimos para uma DO, atravessámos os Nhabijões, cruzámos o Geba e subimos Mato de Cão, depois Sinchã Corubal e então Madina. Sem saber ao que vinha (ou fingindo ignorar que estava a ver do ar a guerra que outros preparavam nos gabinetes), pedi ao major de operações para examinarmos mais ao pormenor o terreno a partir da região do Enxalé, e adiante de Madina, subindo em direcção ao Oio.
Os resultados foram interessantes e para mim, completamente inesperados: um entrelaçado de caminhos irradiando de Madina nas quatro direcções, quase estradas que se diluiam na floresta impenetrável, também em todas as direcções. Subindo para Norte do Cuor, pedi ao piloto para cirandar de Madina até Quebá Jilã, do rio do mesmo nome até ao rio Passa e daqui para o rio Gambiel. Não acreditava no que os meus olhos viam: as bolanhas completamente lavradas a quatro quilómetros em linha recta de Missirá. Ora, já tinhamos patrulhado Sancorlá e Salá, visto milimetricamente todo o terreno firme em direcção da Pate Gide, regressando por Cancumba, e nenhum sinal foi avistado.
Ora, saltava à evidência que toda essa grande estrada que vem de Porto Gole, passando por Enxalé, atravessando o rio Gambiel em direcção a Sare Ganã e daqui para Bafatá era muito mais utilizada pelo PAIGC do que pelas nossas tropas. Guardei para mim o assombro da revelação, sabia que aquele RVIS tinha a ver com uma operação à região de Madina para a qual não obtive nenhuma informação, parti imediatamente para Finete com um bom carregamento de materiais de construção civil e ao despontar da aurora da manhã seguinte parti com um grupo de 30 homens, dois morteiros e duas bazucas em direcção ao rio Gambiel.
A paisagem deslumbrante de Gambiel
Para quem não sabe, Gambiel é um dos sítios mais formosos do mundo. Os palmeirais estendem-se pelo rio que vai desaguar no Geba, acima da Aldeia de Cuor. São luxuriantes, de porte elevado, em declive para as bermas do rio, estendendo-se pelo horizonte desafogado. Tivemos sorte com o dia, translúcido, com pouca humidade e temperatura aceitável àquela hora. Depois de vistoriar o pontão dinamitado pelos rebeldes no início da luta armada (e que impediu as ligações directas entre Missirá e Geba e Bafatá) começámos a circundar os palmeirais do lado do Cuor, procurando identificar aquilo que na véspera vira como claramente visto na bifurcação dos regulados do Cuor, de Mansomine e Joladu.
É uma progressão dificil entre terra firme e caminhos enlameados, entre floresta cerrada e o campo descoberto. Interessava-me, em primeiro lugar, saber se a população civil que cultivava o rio Gambiel cambava em direcção a Missirá e, em segundo lugar, esclarecer se havia presença militar contínua neste recanto noroeste do Cuor. Súbito, pelo meio dia, o sol tornou-se uma fornalha, enquanto subíamos para a fronteira dos domínios do Cuor. Aí pelas 2 da tarde, ergo os binóculos e asseguro-me que os campos lavrados estão de facto no Mansomine e em toda a fronteira do Oio, não no Cuor.
Para me certificar em absoluto do que estávamos a ver, chegámos à margem da bolanha junto do rio Cuiá para depois descermos por Paté Gidé, e assim regressarmos a Missirá. É então que se ouvem três tiros de trovão e a lama despedaça-se num milhão de salpicos à nossa frente. Tínhamos sido detectados por um grupo de vigilância armada. Ou se recuava correndo o risco de estalar o pânico dentro da floresta ou se respondia com um mínimo de concerto.
Aqui vai o primeiro texto referente a 1969. Foi uma semana agitada, aquela que preludia a primeira visita de Spínola a Missirá. Creio que com as fotografias do Casanova tu ganhaste um novo fôlego ilustrativo. Por exemplo, podias aqui recorrer à fotografia do bazuqueiro Adulai Djaló. Seguirá por correio o livro Barranco de Cegos, de Alves Redol, com dedicatória do autor a Mário Braga. Eu já desesperava de o encontrar nas minhas andanças pela Feira da Ladra, e em conversa com o Mário Braga ele disse-me que cedia a obra, seguramente o grande livro do Redol. Enviar-te-ei em breve o original da minha punição, que ficará a teu cargo, como tudo mais. Tudo farei para que esta semana recebas dois textos, já que na semana de Natal vou reorganizar os primeiros 6 meses de 1969 e procurar preencher lacunas com o Casanova, o Queta Baldé e o Fodé Dahaba. Depois fujo para a floresta, para Casal dos Matos. A saga continua. Recebe um abraço do Mário.
Nas margens do rio Gambiel, fogo imprevisto entre os palmeirais
por Beja Santos
A 1 de Janeiro, a pretexto de uma coluna e acompanhamento de obras em Finete, fui à missa a Bambadinca. Mas em Canturé, bem expostas à evidência, encontrámos sinal da cabança de bovinos de Mero a caminho de Madina: as bostas, por azar de quem viajou de noite, era um eloquente testemunho bem exposto na picada.
Reorganizei o programa, o Furriel Pires (recém-chegado a Missirá para substituir o Saiegh) ficou em Finete e fui patrulhar a bolanha entre Gambicilai e Boa Esperança. A colheita não foi despicienda: três carregadores de PPSH perdidos e sinais evidentes da cambança do rio em frente da bolanha de Mero.
Um RVIS sobre um dos santuários da guerrilha
Regressámos a Missirá onde já nos esperava uma mensagem para me apresentar na manhã seguinte ao oficial de operações em Bambadinca. É então que vou ouvir pela primeira vez a palavra RVIS, ou seja fazer um patrulhamento aéreo à procura de sinais da vida militar e civil dos rebeldes.
Subimos para uma DO, atravessámos os Nhabijões, cruzámos o Geba e subimos Mato de Cão, depois Sinchã Corubal e então Madina. Sem saber ao que vinha (ou fingindo ignorar que estava a ver do ar a guerra que outros preparavam nos gabinetes), pedi ao major de operações para examinarmos mais ao pormenor o terreno a partir da região do Enxalé, e adiante de Madina, subindo em direcção ao Oio.
Os resultados foram interessantes e para mim, completamente inesperados: um entrelaçado de caminhos irradiando de Madina nas quatro direcções, quase estradas que se diluiam na floresta impenetrável, também em todas as direcções. Subindo para Norte do Cuor, pedi ao piloto para cirandar de Madina até Quebá Jilã, do rio do mesmo nome até ao rio Passa e daqui para o rio Gambiel. Não acreditava no que os meus olhos viam: as bolanhas completamente lavradas a quatro quilómetros em linha recta de Missirá. Ora, já tinhamos patrulhado Sancorlá e Salá, visto milimetricamente todo o terreno firme em direcção da Pate Gide, regressando por Cancumba, e nenhum sinal foi avistado.
Ora, saltava à evidência que toda essa grande estrada que vem de Porto Gole, passando por Enxalé, atravessando o rio Gambiel em direcção a Sare Ganã e daqui para Bafatá era muito mais utilizada pelo PAIGC do que pelas nossas tropas. Guardei para mim o assombro da revelação, sabia que aquele RVIS tinha a ver com uma operação à região de Madina para a qual não obtive nenhuma informação, parti imediatamente para Finete com um bom carregamento de materiais de construção civil e ao despontar da aurora da manhã seguinte parti com um grupo de 30 homens, dois morteiros e duas bazucas em direcção ao rio Gambiel.
A paisagem deslumbrante de Gambiel
Para quem não sabe, Gambiel é um dos sítios mais formosos do mundo. Os palmeirais estendem-se pelo rio que vai desaguar no Geba, acima da Aldeia de Cuor. São luxuriantes, de porte elevado, em declive para as bermas do rio, estendendo-se pelo horizonte desafogado. Tivemos sorte com o dia, translúcido, com pouca humidade e temperatura aceitável àquela hora. Depois de vistoriar o pontão dinamitado pelos rebeldes no início da luta armada (e que impediu as ligações directas entre Missirá e Geba e Bafatá) começámos a circundar os palmeirais do lado do Cuor, procurando identificar aquilo que na véspera vira como claramente visto na bifurcação dos regulados do Cuor, de Mansomine e Joladu.
É uma progressão dificil entre terra firme e caminhos enlameados, entre floresta cerrada e o campo descoberto. Interessava-me, em primeiro lugar, saber se a população civil que cultivava o rio Gambiel cambava em direcção a Missirá e, em segundo lugar, esclarecer se havia presença militar contínua neste recanto noroeste do Cuor. Súbito, pelo meio dia, o sol tornou-se uma fornalha, enquanto subíamos para a fronteira dos domínios do Cuor. Aí pelas 2 da tarde, ergo os binóculos e asseguro-me que os campos lavrados estão de facto no Mansomine e em toda a fronteira do Oio, não no Cuor.
Para me certificar em absoluto do que estávamos a ver, chegámos à margem da bolanha junto do rio Cuiá para depois descermos por Paté Gidé, e assim regressarmos a Missirá. É então que se ouvem três tiros de trovão e a lama despedaça-se num milhão de salpicos à nossa frente. Tínhamos sido detectados por um grupo de vigilância armada. Ou se recuava correndo o risco de estalar o pânico dentro da floresta ou se respondia com um mínimo de concerto.
E segundos decidi com o Casanova partirmos a coluna, eu responder com os morteiros para os pontos de saída do fogo rebelde, enquanto se lhes fazia saber que dispúnhamos de bazucas. Vi algum temor na tropa quando um grupo vestido de caqui amarelo correu bem à nossa frente a escassas centenas de metros, do outro lado do rio. Então, exactamente naquela direcção, descarregámos todo o potencial dos nossos morteiros. Desconheço as consequências, mas vi a força rebelde espalhar-se aos gritos em todas as direcções.
Campino, o bazuqueiro, com duas pernas estilhaçadas
Os morteiros, do outro lado, confrontavam-se com as nossas bazucas, naturalmente menos eficientes. É nessa altura que Adulai Djaló e Mamadu Djau, num ímpeto, se lançaram destemidamente para junto do rio, à procura de atingir o armamento rebelde. Nisto, uma morteirada explode entre os dois, atirando-os ao chão. Mamadu Djau levantou-se logo mas Adulai parecia inanimado e a bazuca abandonada. Fomos a correr, temendo o pior. Não era o pior mas era grave. Adulai, o nosso Campino tinha as duas pernas estilhaçadas.
Usando alguns dilagramas como cortina protectora, retirámos com o nosso ferido, daqui seguimos em marcha forçada até Missirá. Com desespero, vi o dia a caminhar para o ocaso, sem poder dimensionar a gravidade dos ferimentos. Chegados a Missirá, rasgadas as calças do ferido apurou-se que eram estilhaços superficiais e que o nosso Campino resistiria perfeitamente até ao amanhecer seguinte. Ele foi prontamente evacuado e uma semana depois apareceu orgulhoso com as suas pernas enfaixadas, mostrando-se sombranceiro, minimizando a escala do acidente, desabafando mesmo:
-Isto não são ferimentos para um bazuqueiro!. - Mal sabia ele que no dia 19, em Chicri, o seu desempenho voltaria a ser importante.
É no regresso a Missirá que confirmo a lástima em que tenho a perna direita: coxeio cada vez mais e não é a primeira vez que me estatelo no capim, na lama ou na terra seca. Em Bambadinca o David Payne já me avisou que tenho que ir rapidamente à faca, pois é a exostose será gradualmente mais dolorosa. Planeámos tudo para eu me aguentar em Missirá e Finete até fins de Fevereiro (sente-se no ar que Bambadinca e Bafatá preparam uma operação no Cuor. Temos depois as obras, embora eu confie que o Casanova as acompanhe melhor do que eu.
Morre-se de malária no Cuor
Nos solavancos da roda da fortuna há outros acontecimentos que não quero omitir. Chegou um relatório acerca daquele Amadu, o madinga saracolé de Bafatá que nos apareceu em pânico em Canturé, referido aqui há semanas atrás. Afinal o ataque dos rebeldes foi já dentro do Cuor na bolanha de S. Belchior, houve três mortos e doze feridos. O mais surpreendente é que os rebeldes tiveram ao seu dispor a escassos metros da margem uma embarcação carregada de víveres.
O Capitão Baptista Neves, Comandante da CCS [do BCAÇ 2852], visitou Missirá em inspecção amigável. Prometeu duas viaturas, muito cimento mas exige abrigos levados da breca, com tectos de betão. Todos os dias fazemos desmatações, a época das chuvas está a findar, a partir de agora a natureza vai dar sinais de viço. O Furriel Pires, não satisfeito com as paredes nuas da messe decorou-os com cartazes turísticos do Algarve, reproduções de El Greco, Matisse e Delacroix. Depois, aprimorou a decoração com afirmações de Mouzinho de Albuquerque que rodeavam uma expressiva ilustração do enterro do Conde Orgaz... achei aquilo um bocado bacoco mas não reagi.
O Setúbal, um dia destes, entrou a 100 à hora na porta de armas, uma pedra manhosa fez com que o Unimog desse uma guinada cínica, o Domingos Silva, o Jobo e o Serifo andaram pelos ares. O primeiro perdeu os sentidos, o segundo rasgou os beiços, o terceiro estava glopeado da cabeça aos pés. Felizmente, não houve consequências.
Morreu um Bacari Soncó, de 30 anos, irmãozinho do régulo, vitimado pela malária e levámos a família Soncó ao choro no Cossé. Mamadu Djau, além de bazuqueiro é um homem que sofre. Entrou-me numa madrugada destas na morança com os olhos emudecidos. Soubera que um dos seus irmãos, soldado no Moricanhe, ficara volatizado quando pisou uma mina na estrada de Mansambo. Este o nosso quotidiano tranversal.
Barranco de Cegos e outras prendas do Ruy Cinatti
Nesta época, graças às prendas que o Ruy Cinatti (2) me mandou, ando de papo cheio. São leituras marcantes e registo-as num caderno que depois mando para Lisboa. Por exemplo, do Raúl de Carvalho, em Talvez Infância: "É vergonha ser forte e dar o braço a torcer; É vergonha falar de coisas que não se entendem, ou então das cosias que a gente não confessa a ninguém; não é vergonha ser pobre, e estar calado; não se queixar, ser assim: - não vês a terra, que por mais sol que faça ou chuva que encharque, fica sempre na mesma; árida, plana a toda a sua redondeza, e por mais que a gente cave ou charrue ou a revolva, fica sempre na mesma, não acaba... a gente deve ser assim como a terra".
Ou ainda Herberto Helder: "Assim uma cidade vem de longe, cantando muito baixo- e eu recebo-a em casa, ao pé do fogo. Limpo-lhe as folhas, e digo que a sua canção, entre a poeira, era bela e terrível. Aliso as penas de uma formidável morte. Branca é a europa diante da noite, soda ocidental. Grandes barcos chegam batendo as águas. Morrer cedo é como um livro onde as pessoas passem ao fundo, dormindo. Viro as páginas de noites leves. Grandes barcos chegam, batendo o coração. Morrer cansa, ao soletrar a noite de páginas distraídas".
De um livro de poemas de René Char, que o Cinatti também me mandou, sublinho de um poema: "Pour qui oeuvrent les martyrs? La grandeur réside dans le départ qui oblige. Les êtres exemplaires sont de vapeur et de vent.". Mas a leitura mais impressiva deste tempo é Barranco de Cegos, de Alves Redol, que o meu padrinho me ofereceu. É uma epopeia ribatejana, envolvendo a família Relvas, abastados lavradores com propriedades no Ribatejo e no Alentejo.
Tudo começa à volta do Ultimatum e o colapso financeiro, em 1891. Diogo Relvas, o senhor de Aldebarã, tem uma estatura literária gigantesca. Mal sabia eu que nunca voltaria a encontrar em torno do Ribatejo uma outra criação igual. É um pouco da História de Portugal, com miguelismo, marialvismo, sanha conservadora, um tirano agrário que põe e dispõe da vida dos filhos e dos trabalhadores. Com o advento da República, já envelhecido, desaparece numa torre, um neto manda embalsemá-lo e um dia numa corrente de ar desfaz-se em pó. Seria o salazarismo que Alves Redol visava também em 1961?.
As próximas semanas irão introduzir uma reviravolta nos meus projectos. Vou emboscar frente a Mero, vou receber o Comandante Chefe numa visita estranhíssima que culminará no mês seguinte numa punição. Vai haver de novo Chicri. Arrasto cada vez mais uma perna doente. No dia 1 de Fevereiro, o pelotão 52 joga uma partida de futebol com o pelotão 53, recém-chegado do Xime. Enquanto jogamos o céu escurece-se com uma força aérea que se desloca para os lados de Bafatá. Nós não sabíamos, mas ia a começar a evacuação de Madina de Boé. E Fevereiro será o mês de muita canseira em Mato de Cão, traremos um prisioneiro de Quebá Jilã e ouvirei os gritos horríveis de Fodé Dahaba em frente a Madina. É necessário, tenho que contar.
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 3 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1399: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (27): Sinopse: os meus primeiros 150 dias
(2) 10 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1032: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (5): Uma carta e um poema de Ruy Cinatti
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