segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21867: Histórias... com abracelos do Carlos Arnaut (ex-alf mil, 16º Pel Art, Binar, Cabuca, Dara, 1970/72)(4): O meu saudoso Xico, um "macaco verde" que comprei a um garoto de Dara



Foto nº 1 > O meu saudoso Xico ["macaco verde", um juvenil da espécie Chlorocebus sabaeus (Linnaeus, 1766),  localmente conhecido por  Macaco do Mangal (em português), Santcho di Tarafe, Santcho preto (em crioulo) ou Cula-Mela (em fula)] (*)


Foto nº 2 > Eu e o Xico, em dia domingueiro

 
Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > Dara > 16º Pel Art (1970/72)

Foto (e legenda): © Carlos Arnaut (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Carlos Arnaut, membro nº 817 da nossa Tabanca Grande, ex-alf mil art, cmdt do 16º Pel Art (Binar, Cabuca, Dara, 1970/72):


Date: domingo, 7/02/2021 à(s) 15:15
Subject: Macacadas



Carlos Arnaut


Histórias... com abracelos (4) > 
O meu saudoso Xico, um "macaco verde" 
que comprei a um garoto de Dara


Camarigo Luís

Vendo hoje os diversos depoimentos sobre a macacada que saltitava pelas matas da Guiné (*), não pude deixar de recordar o meu saudoso Xico, macaco de refinada educação, que,  embora não usando talheres, sabia comportar-se à mesa melhor que muitos primatas ditos superiores.

Este macaquito foi comprado a um garoto em Dara, que o apanhou quando ajudava a família a plantar a mancarra mas, como eu aprendi, mal os plantadores voltavam costas a macacada aparecia como que por magia e era fartar vilanagem.

Os garotos da tabanca tinham por missão afugentar os invasores e foi numa dessas acções que o meu Xico foi capturado.

Depois de várias dentadas punidas com alguma benevolência, as técnicas pedagógicas usando sobretudo a prática reiterada de subornos vários começou a resultar, dando início a uma convivência pacífica e de grande cumplicidade.

Eu vivia numa tabanca tradicional, planta circular, tecto cónico de colmo, melhorada no sentido em que o chão foi cimentado e as paredes originais de entrançado foram revestidas com uma grossa argamassa de barro e caiadas. 

No espaço ainda coberto fora da parede, onde os animais à noite se recolhiam, sendo eu proprietário de um número indeterminado de galinhas, que os meus soldados, não me perguntem como, sabiam identificar, coloquei um caixote com palha onde uma das galinhas vinha pôr os ovos e chocá-los.

Fiquei altamente intrigado quando a galinha às tantas abandonou os ovos, cujo destino foi inevitavelmente o lixo, tendo no entanto pouco depois o caixote recebido outra locatária.

Decidido a proteger a gestação desta ninhada, cujo destino seria a grelha que eu regularmente partilhava com os meus homens, descobri então a razão do anterior abandono do choco - o sacana do macaco, mal apanhava a galinha a aninhar-se para cumprir a sua função de mãe de família, embirrava com ela e escorraçava-a  dali p'ra fora (seria ciúme ?).

Perante isto, agarrei o macaco e virando-o de cabeça para baixo dei-lhe com a cabeça no tampo da mesa umas quantas vezes, mostrando-lhe de seguida o local do crime, neste caso uma caixa de palha com ovos mas sem galinha.

A lição surtiu efeito, o macaco não mais se chegou à caixa, a galinha não perdeu o choco e dali saíram oito belos pintos.

Com o aprofundamento da convivência, logo que eu vestia o camuflado o macaco ficava doido, sabia que era dia de passeio, e bastava eu abrir o bolso da perna que ele logo saltava e ali se instalava.

Dormia invariavelmente todo o caminho até Nova Lamego e, quando disse que ele se sabia comportar, era vê-lo sentado no tampo da mesa do Libanês,  a partilhar um frango de chabéu (que saudades).

Almoçarada farta, bem regada, servia-lhe um pires com arroz, alguma mancarra, fruta a rematar, adormecia de seguida ao meu lado até quase à hora do regresso.

Muito me custou deixá-lo lá, ao cuidado de um Cabo da CCav 3406,  estacionada em Madina Mandinga.

Para o trazer para o "Puto",  a hipótese mais segura era a de arranjar um "primo", mesmo que de outra espécie,  para ser vacinado, mas a carga era tal que raros eram os que sobreviviam e o adoptado viajava como tendo sido vacinado.

Quem deste "esquema" me informou também me disse, conselho amigo, que não morrendo ali iria morrer a Portugal.

Por lá ficou, menos um primata a morrer fora do seu chão.

Grande abraço de parabéns pelo teu aniversário (desculpa o atraso).

Obs.- Pode ver-se na fotografia nº 2 que era Domingo. Vd. camisa folclórica do cavalheiro em 2º plano

___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 6 de fevereiro de  2021 > Guiné 61/74 - P21861: Fotos à procura de...uma legenda (135): Que espécie de macaco é este ? (Foto: António Marreiros; texto: Luís Graça)

2 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Carlos: obrigado pela partilha destas recordações...Sempre vi, nas tabancas do leste, e nomeadamente do regulados de Badora e Cossé, os "djubis", os miúdos, a guardarem, de dia, as plantações de mancarra, a maldita "semente do diabo" (,como diziam os fulas). Mancarra e, em geral, as hortas à volta das tabancas...

A coexistência entre os homens e os outros primatas (, que vivem em meio selvagem,) nunca foi (nem é) fácil na Guiné e em toda a parte. Por certo que o pobre "santcho" do mangal faz menos estragos nas plantações do que o macaco-cão (babuíno)...Mas ambos são perseguidos e caçados, sendo um produto "gourmet" em Bissau...

Há um trabalho de informação e sensibilização que está a ser feito nos parques nacionais da Guiné-Bissau... Espero que os seus resultados sejam visíveis, a médio e longo prazo. As populações é que são os verdadeiros guardiões da natureza (de que elas fazem parte)...

Diz o Gui dos Mamíferos do Parque Nacional do Cantanhez (PNC), p. 41:

(...) "No PNC, o nome desta espécie em crioulo, significa «macaco do mangal», por estar especialmente presente neste habitat. Diz-se que fala a língua da etnia Tanda. Os gritos de alerta que imite dizem «sobe! sobe! Ou o cão que se alimenta dos seus congéneres te comerá».

"Os aldeãos queixam-se das incursões nas culturas (amendoim, milho, laranja, ananas e manga). Não é caçado pela sua carne (o Islão proíbe o consumo de macaco) ou para uso na medicina tradicional)."(...)

... Mas, para os "aninistas", é petisco...

Anónimo disse...

Esta espécie de macaco não é a pior da sua raça. Os chamados Santchu fula (burmedjo) e os babuinos (kon) são os mais desgraçados de todos para os camponeses. Primeiro porque estes, salvo raras excepções andam em bandos que podem rondar algumas dezenas e sua capacidade de destruição gratuita é enorme. Todavia os macaquinhos verdes (Santchu preto) são menos numerosos, mais matreiros e silenciosos, pelo que sempre conseguem surpreender o mais paciente dos vigilantes num campo de mancarra, comendo só o estritamente necessário sem devastar a cultura desnecessáriamente como fazem os babuinos e os chamados Santchu fula.

Abraços,

Cherno Baldé