sábado, 6 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21859: Os nossos seres, saberes e lazeres (436): Andar a um certo vapor na Linha do Oeste (5): A despedida de Óbidos, em breve regresso (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Dezembro de 2020:

Queridos amigos,
É o princípio do adeus temporário a Óbidos, a tal vila de grandioso acervo e muita história que deve ser visitada com um guião para não se perderem contemplações tão estimáveis como as torres medievais de D. Dinis e D. Fernando, os seus templos religiosos onde pontificam obras de Josefa d'Óbidos, há que visitar o palácio quinhentista de D. João de Noronha, transformado em pousada, percorrer a cerca, entrar nos museus e nas livrarias, sentir que até ao século XVI esta vila de Óbidos teve um desempenho determinante na região até que a rainha D. Leonor fundou o Hospital Termal das Caldas da Rainha. E poder usufruir dos diversos movimentos artísticos posteriores, caso do Renascimento e do Maneirismo, e aí o visitante anda entre os templos religiosos e o Museu Municipal que é o que de seguida vamos fazer antes de aqui partir com imensa vontade de regressar.

Um abraço do
Mário


Andar a um certo vapor na Linha do Oeste (5):
A despedida de Óbidos, em breve regresso


Mário Beja Santos

Está quase na hora de partir deste povoado que ainda guarda vestígios da antiga Medina, onde é marcante a presença do gótico, onde há muito Renascimento e Barroco, impressionantes livrarias, como a do Mercado Biológico, olha-se para um lado e temos o casario adossado à muralha, as igrejas esperam-nos com novas surpresas, há sempre elementos para nos surpreender no museu municipal, ninguém fica insensível à porta de Nossa Senhora da Graça. Temos o castelo e as torres medievais, a incontornável Rua Direita, quem tem tempo e pernas pode ir visitar a igreja medieval de Nossa Senhora do Carmo, fora das muralhas, a Oeste, o mesmo se dirá do Aqueduto Rainha Dona Catarina, da Torre do Facho, contemplar o edifício provável do que terá sido a judiaria, e temos finalmente o Paço Quinhentista. É a omnipresença do passado com a devassa permanente das atrações turísticas. Vila de grande influência, destronada pelas Caldas da Rainha. Percorrem-se as muralhas, e há aquelas fendas que mostram lá em baixo a Várzea estuante, os livros recomendam um passeio no interior da Cerca Velha, estamos agora na Rua Direita, há várias portas, a Porta da Telhada, a Porta do Vale, a Porta da Vila, a Porta da Cerca, a Porta da Traição. Prosseguimos desinteressados de nomes, o que queremos é panorâmica desafogada, talvez bafejados pela sorte captou-se esta primeira imagem e não se esconde regozijo, para todos os efeitos é uma imagem que iremos recordar deste encontro feliz com a história e a cultura de Óbidos.
A princezinha que nos acompanha, a minha adorada Benedita, a neta que testemunha o meu futuro, avisou que se quer expor numa grande angular, também para um dia recordar como estava feliz, mesmo sem ter subido à Torre de Menagem, mesmo sem ter dado um grande apreço aos acervos das igrejas de Óbidos, estava a dar-se muito bem com a viagem, o nome do rei D. Afonso Henriques não lhe era estranho e apreciava aquele entusiasmo do avô com os quadros da Josefa d’Óbidos e até não desgostou do túmulo de D. João de Noronha, havia aquela promessa não concretizada de à tarde haver um bom banho nas praias do Baleal ou na Lagoa de Óbidos, correu tudo ao contrário, a água bem fria e nevoeiros caprichosos. Mas nada disso tirou a boa disposição à Benedita, radiante com a sua boa mesa e a variedade de passeios, entre a serra e o mar. Daí não ser de estranhar ela estar a sorrir-nos como dona do mundo, e pronta para continuar o passeio, aprendeu a lição que a viagem nunca acaba desde que o viajante não desista.
Não há só um museu em Óbidos, Abílio Mattos Silva, artista plástico, cenógrafo de nomeada (1908-1985) era do Sardoal e de Óbidos por adoção, fez de tudo um pouco na vida, chegou mesmo a ser Diretor de Cena do Teatro Nacional São Carlos, distinguiu-se na Pintura e deixou cenários impressionantes, este está patente no museu que dele tem o seu nome, ali mesmo no centro histórico. No Museu Municipal também goza de digno acolhimento.
A região de Óbidos e das Caldas goza da fama e proveito de ter azulejaria de renome, ninguém resiste à decoração barroca da passagem central da Porta da Vila, invulgar em todos os sentidos. Envolvendo um oratório, temos, como era da praxe, alegorias à Paixão de Cristo, tudo admiravelmente integrado no suporte arquitetónico. O revestimento prolonga-se pelas paredes laterais, a obra é situável cerca de 1740, é associada ao pintor Valentim de Almeida. No livro Linha do Oeste, já aqui referido, escreve-se: “A decoração desta porta de Óbidos talvez esteja relacionada com as várias passagens de D. João V pelo local, para usufruir dos banhos das Caldas após o ataque de paralisia que sofreu, em maio de 1742, fazendo grandes ofertas e promovendo obras neste local”. O que interessa é a harmonia do conjunto e o deslumbramento que provoca cada um destes painéis, é a satisfação de todas estas partes somarem um todo.
Seguem-se imagens diversificadas, só possíveis de tomar em diferentes pontos da muralha do castelo.
Não foi ao acaso que a UNESCO atribuiu a Óbidos o título de Cidade da Literatura. Aqui se concentram livrarias de impressionante dimensão, é o caso da livraria da Adega ou a do Mercado Biológico, unidades de cultura de dimensão impressionante, há mesmo um livreiro que vende antiguidades e livros antigos e tem tipografia para edições quase personalizadas. Com regularidade, aqui decorrem encontros como aquele em que esteve presente Luís Sepúlveda, vítima mortal do COVID-19. Quem visita Óbidos não pode deixar de contemplar os livros transformados em obras-de-arte, como se fossem as mais criativas instalações de papel.
E volta-se ao bulício da Rua Direita, fixa-se a atenção numa buganvília, um vermelho de sangue a relevar do branco imaculado, com enfeites de vária ordem, chamariz para o turista, olha-se para o relógio, o grupo está de acordo, é a última visita ao Museu Municipal e depois ala morena que se faz tarde, estão todos com vontade de um bom peixe em Peniche, ainda há paragens pelo caminho, até Lisboa.
(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21826: Os nossos seres, saberes e lazeres (435): Andar a um certo vapor na Linha do Oeste (4): Regresso a Óbidos, o desfrute de uma vila artística, agradecimentos a Dona Josefa (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Mário, como está crescida a tua princesa, a tua neta Benedita!...

Óbidos está totalmente "gentrificada", dentro das muralhas vivem umas escassas dezenas de turista... A empresa de charretes é de um amigo meu, o João Batista, bem como o mercado biológico... Gosto de lá ir, em tardes calmas, ao põr do sol... Passo ao passo, a maior das vezes, a caminho do Norte. E fica aqui a 30 km da Lourinhã... Mas confesso que, por aversão ao turismo de massas, comheço mal alguns monumentos...

Deve ser um privilégio para a tua Benedita ter um guia como o avô, com a sua paixão e cultura, mostrando o quanto há de belo e interessante e maravilhoso na nossa santa terrinha...Obrigado, pelas tuas fotos e pelas tuas preciosas dicas... LG