sábado, 6 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21858: Memórias de José João Braga Domingos, ex-Fur Mil Inf da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516/73 (4): "O Machado"; "O Tiago e a pena" e "Viagem para Bissau"


1. Continuação da publicação das memórias, em curtas estórias, do nosso camarada José João Domingos (ex-Fur Mil At Inf da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516 (Colibuía, Ilondé e Canquelifá, 1973/74):


10 - O MACHADO

Numa deslocação de reconhecimento e emboscada numa zona que supostamente o inimigo frequentava e que durou dois dias e uma noite, atravessámos várias bolanhas para chegar ao local referenciado onde encontrámos vestígios antigos de presença humana.

Retiramos do objetivo e procuramos no regresso um local para passar a noite que se aproximava. Instalamo-nos, perto das 18H00, para comer a ração de combate e dormir, quando, logo a seguir, desabou uma carga de água que estimo, porque não tinha relógio, terá durado algumas horas. O pessoal foi-se encostando às árvores, em pequenos grupos, cobrindo-se com os panos de tenda que alguns levavam mas que não impediram uma molha geral.

Algum tempo depois de passada a tempestade, noite cerrada, alguém aflito chama pelo graduado do seu pelotão que logo o manda calar. Mas, a cegarrega continuou em tom mais baixo, com grande aflição, pelo que o graduado se deslocou ao local onde pediam a sua presença e perguntou ao militar, sem o ver, a causa de tão grande aflição. O Machado disse que não tinha uma perna, afirmação que causou algum alvoroço, com alguém a comentar que teria sido algum bicho, o que angustiou ainda mais o soldado. Era uma situação complicada de resolver, a meio da noite, sem se ver nada. Tendo-se acalmado, o Machado verificou que afinal tinha a perna mas não a sentia, situação bem mais favorável.

O que aconteceu, está bem de ver, é que o Machado completamente ensopado deitou-se em posição fetal, adormeceu e com ele adormeceu a perna sobre a qual se deitou.

Ao alvorecer, sem chuva, com o chilrear dos pássaros qual despertador amigo, iniciámos o regresso ao quartel com o Machado a andar perfeitamente e, por dentro, a chilrear também. Claro que não se livrou de alguns remoques dos companheiros.


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11 - O TIAGO E A PENA

Estávamos alguns militares junto ao cavalo de frisa, porta de armas do quartel, à espera da viatura proveniente de Cumbijã para irmos ao médico a Aldeia Formosa.

Também ali estavam dois jovens guineenses que se puseram na brincadeira, enquanto a viatura não chegava, medindo forças, rindo, até que um derrubou o outro e o manietou.

Sentado numa pedra, junto deles, estava o Tiago, com uma pena na mão, riscando o chão, perfeitamente concentrado na sua tarefa. Entretanto, o jovem que estava dominado contorcia-se, rindo, para se libertar do domínio do outro e quanto mais se contorcia mais o que estava por cima aumentava o seu esforço para o manter quieto.

A dada altura pareceu-me haver qualquer anomalia na brincadeira e olhei para os dois engalfinhados no chão e para o Tiago, que estava junto deles. Então, percebi que o jovem que estava dominado contorcia-se mais porque o Tiago viu ali um pé à mão de semear e, paulatinamente, começou a fazer-lhe cócegas com a pena levando o jovem a esforçar-se cada vez para se libertar sem que o outro aliviasse a pressão exercida, por não perceber o que se passava nas suas costas.

Confesso que não tenho a certeza, mas creio que o jovem não conseguiu conter as águas.


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12 - VIAGEM PARA BISSAU

Em outubro de 1973, saímos de Colibuia para os Adidos, em Brá – Bissau, tendo a viagem sido feita de Lancha de Desembarque Média (LDM) a partir de Buba. Na viagem, já de noite, estalou uma tempestade assustadora que deixou o pessoal e a bagagem completamente encharcados.

Na bagagem havia malas de todo o tipo e feitio. Umas, em plástico ou pele, de cores diversas, com vistosos e seguros fechos, que pareciam aguentar bem aquela chuvada e mais umas quantas. Outras, de cartão revestido com tecido, com ar de que aos primeiros pingos de chuva se desfariam.

Eu tinha uma mala mais pequena de pele que, se bem informado, seria suficiente para toda a comissão, e tinha outra maior de cartão revestido a tecido.

Fosse pela colocação mais ou menos privilegiada de cada uma das malas no espaço a elas destinado, fosse pela qualidade das mesmas, a verdade é que a mala de cartão chegou em excelentes condições e a mala de pele ficou encharcada na base tendo-se estragado alguma da bagagem e os sinais da intempérie duraram o resto da sua vida.

Lá se chegou a Bissau e, na nossa deslocação para os Adidos, atravessámos a cidade de Berliet sendo praxados pelos militares que circulavam nas ruas, parte substancial da população que se movimentava em Bissau, com o tradicional piu-piu. Chateados, respondíamos com o “vai para o mato, malandro” adequado.

Adidos: a estender roupa e, depois, ficar à espera que seque e proceder à sua recolha para não mudar de dono
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21849: Memórias de José João Braga Domingos, ex-Fur Mil Inf da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516/73 (3): "Colibuia"; "O banho e o atavio" e "Os esperados"

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