segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21834: Notas de leitura (1338): "Voando sobre um ninho de STRELAS", por António Martins de Matos; Edições Ex Libris, 2020 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Janeiro de 2021:

Queridos amigos,
 
Na escassa bibliografia emanada de Oficiais da Força Aérea que combateram na Guiné, este depoimento de um então Tenente Piloto-Aviador permaneceu em atividade de 1972 a 1974, conseguintemente pôde assistir à evolução da guerra, à chegada dos mísseis terra-ar, fez parte das missões de grande delicadeza como bombardeamentos nalgumas das mais significativas bases de abastecimento do PAIGC, que presenciou os terríveis acontecimentos de maio de 1973 e a mudança dos Comandantes-Chefes, é de uma grande importância, que se saiba, não há outro de igual dimensão. 

Cinjo-me à narrativa dessas atividades, o agora Tenente-General postula considerações que merecem amplo debate e fazer uma recensão não passa por debater conjeturas ou especulações, como ele faz com o projeto de Sékou Touré em manipular o PAIGC para depois se apossar do território.
 
Nenhuma documentação valida estas especulações, elas seriam mesmo inviáveis por falta de apoio dos combatentes guineenses de Bissau, das populações em geral da Guiné-Bissau (recorde-se a trepa que deram aos invasores a guerra civil de 1998-1999), a Guiné-Bissau era então um rasto de luz para os movimentos revolucionários, não havia qualquer apoio internacional para um golpe sórdido de Sékou Touré para asfixiar um povo que se libertara pelas suas próprias mãos.

Um abraço do
Mário



A Guiné de 1972 a 1974 vista por um tenente da Força Aérea ao tempo (2)

Mário Beja Santos

O livro "Voando sobre um ninho de Strelas", redigido pelo Tenente-General António Martins de Matos, 2.ª edição, Sítio do Livro, 2020, é uma narrativa da sua caminhada para a Força Aérea e uma descrição exaustiva da sua comissão na Guiné de 1972 a 1974. Esmiúça ao pormenor a chegada do míssil Strela e como se processou a adaptação para contrariar os seus tão nefastos danos. 

O moral das Forças Armadas na Guiné já conhecera melhores tempos, Spínola aceitou um bombardeamento em território na Guiné Conacri, em Kambera, na zona Sul. 

“Tinha apenas uma vaga ideia do nome, base de apoio do PAIGC, recebendo o material de guerra de Kandiafara e posteriormente fazendo de entreposto para o Leste e Norte”

A missão foi à hora do almoço, o alvo rapidamente identificado, largaram as bombas e tudo ficou coberto por nuvens de pó. 

“Só muito mais tarde soubemos que os resultados tinham sido devastadores, de tal modo que o PAIGC resolveu abandonar definitivamente aquele local”.

E assim chegamos à reunião de 15 de maio de 1973, Spínola convocara uma reunião de Altos Comandos, estas altas patentes apresentaram-lhe os seus pontos de vista e enumeraram os requisitos operacionais necessários para se continuar a manter a superioridade militar na guerra contra o PAIGC, houvera discussão na Base Aérea n.º 12 e identificaram-se necessidades urgentes, a saber substituição das metralhadoras 12,7 milímetros do Fiat G-91 por canhões 20 ou 30 milímetros; em alternativa, a instalação de dois PODs com canhões nas estações interiores das asas. Tece uma reflexão: 

“Aqui que ninguém nos ouve, o armamento que a Força Aérea usava na altura para combater o PAIGC estava completamente em desacordo com o tipo de guerra que estávamos a travar. A ideia de andar a caçar guerrilheiros usando bombas variadas era um pouco como matar formigas com um martelo. A missão do Fiat G-91 nunca deveria ser essa, a sua especialidade era a destruição de objetivos com algum significado. Mas os erros em relação ao armamento utilizado até ao momento não se ficavam apenas nos Fiat G-91. Na área dos helicópteros as coisas não estavam melhores. O transporte de tropas com cinco helicópteros AL-III em coluna logo alertavam o inimigo. A arma mais indicada para combater aquela guerra de guerrilha contra o PAIGC não era o Fiat G-91 mas sim o helicanhão. Nunca soube quantos equipamentos de helicanhão existiam, suspeito que seriam poucos já que nunca vi mais de dois em simultâneo.”

Na reunião de Altos Comandos, o Coronel da Força Aérea salientou a total inexistência de meios de deteção e interceção e a limitada eficácia de defesa com armas antiaéreas, havia necessidade de um radar unidirecional e uma força suficientemente dimensionada de aviões com grande capacidade de retaliação. 

A Força Aérea na Guiné apresentou um documento enumerando os pedidos: 8 aviões SKYVAN para substituírem os DO-27; 5 helicópteros com armamento axial para substituírem os AL-III; 12 aviões MIRAGE para substituírem os Fiat G-91; radar de longo alcance. Todas as outras armas fizeram inúmeros pedidos, a Acta de 15 de maio anda publicada por toda a parte, é uma questão de conferir. Tece depois considerações sobre o radar e segue para o cerco de Guidaje, iniciado em 8 de maio, dá conta das atribulações sofridas pela tropa apeada, para aliviar a pressão realizou-se um ataque a Kumbamori, a Operação Ametista Real: as nossas forças contabilizaram 10 mortos e 22 feridos, o PAIGC teve mais de 60 mortos e a destruição do seu armamento foi uma cifra impressionante. Lamenta que a Força Aérea não tenha sido lembrada ao tempo em que se condecorara o Comandante da Operação Ametista Real. 

Segue-se Guileje, Martins Matos revela-se profundamente crítico da estratégia adotada, inclusive a escolha de Guileje para sede do COP-5. O episódio seguinte está relacionado com o anterior, é aquela cena quase apocalítica de Gadamael. E Costa Gomes volta à Guiné, de 6 a 9 de junho, pelo que propõe não há muitos mais meios a oferecer àquele teatro de operações, fala-se então em retração, o Comandante Militar apoia, Spínola é relutante, é bem provável que esteja aqui o motivo fundamental para ter pedido a demissão. 

O autor interroga o que levou a ofensiva do PAIGC no Sul a deter-se depois de Gadamael e faz a sua reflexão: 

“Por um lado a presença do Batalhão de Paraquedistas condicionou de imediato os movimentos dos guerrilheiros na zona; por outro lado a Força Aérea Portuguesa começou por bombardear as matas à volta de Gadamael, silenciando várias bases de fogo". Mais tarde entrou pelo território da República da Guiné-Conacri, destruindo a maior base de apoio do PAIGC (situada perto da localidade de Kandiafara, e descreve pormenorizadamente a Operação, que constituiu um sucesso. “A capacidade de abastecimento do PAIGC na região Sul ficou seriamente abalada e o grande esforço que vinha realizando nesta área diminuiu-se de imediato”.

Mantinha-se ainda intacta uma base de abastecimentos do PAIGC, em Koundara, a cerca de 50 quilómetros a leste de Buruntuma, o novo Governador, Bettencourt Rodrigues, não autorizou. O autor não esconde o descontentamento com o estilo do novo Comandante-Chefe. Em 31 de janeiro do ano seguinte novo avião abatido por um míssil Strela. Entra depois na questão polémica se havia ou não havia MIG-17 e MIG-19 do PAIGC na Guiné Conacri. Tece também conjeturas quanto à estratégia de Sékou Touré para conduzir o PAIGC à independência. E assim chegamos ao 25 de abril e Martins Matos não esconde uma relativa acrimónia sobre comportamentos e aspetos da descolonização.

O contributo do autor para o conhecimento das atividades da Força Aérea neste período crucial é do maior mérito. Quanto ao mais, como tenho vindo a insistir, há um conjunto de nebulosas sobre os acontecimentos militares na Guiné de 1973 e 1974 que requerem uma investigação dos arquivos dos Ministérios da Defesa Nacional e do Ultramar, pela simples razão que competia ao decisor político a última palavra. Quando o Comandante Militar alvitra na sequência da reunião de 15 de maio, 

“Se não forem concedidos os reforços solicitados e as armas que permitam às NF enfrentar o IN atual, para lhe evitar, a breve prazo, a obtenção de êxitos de fácil exploração psicológica e graves efeitos estáticos da maior influência na moral das NT, julga-se será necessário remodelar o dispositivo, reforçando guarnições que sob o ponto de vista militar se consideram essenciais (…) Mas neste caso, as missões atualmente dadas às NF, em termos de proteção das populações e apoio ao esforço principal da manobra de contrassubversão centrado na manobra socioeconómica, teriam de ser revistas…”

Costa Gomes irá perfilhar este ponto de vista, não havia possibilidade de reforço do teatro de operações. Iria ser adotada a manobra do retraimento do dispositivo para aquém da linha geral: rio Cacheu-Farim-Fajonquito-Paunca-Nova Lamego-Aldeia Formosa-Catió. Era reconhecido na retração que o PAIGC iria ocupar uma fatia considerável das áreas das fronteiras Norte e Leste, e no Interior, no Nordeste e Boé. T

udo se tinha complicado, como aliás consta do volume da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África, 6.º volume, tomo II, livro III, 2015, página 428, quando Bettencourt Rodrigues enviou em 20 de abril uma nota que confessava: “[…] são motivo de grande preocupação para este Comando-Chefe, cumprindo-lhe assinalara as consequências que podem resultar da possível evolução do potencial de combate do PAIGC ou do seu eventual reforço com novos meios das FA da Guiné, quer quanto à capacidade de resistência das guarnições militares que porventura sejam atacadas, quer quanto às limitações de intervenção com meios à disposição do Comandante-Chefe, em especial meios aéreos”

Enfim, o decisor político não tinha mais nada para dar, prenunciava-se um qualquer tipo de holocausto, antevisto numa linguagem elegante e formal de Bettencourt Rodrigues.

O passo decisivo para acabar com estas lendas negras é ir à profundeza dos arquivos, eles estão à nossa espera, com as revelações que permitirão esclarecer as responsabilidades dos últimos avatares do Estado Novo.
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21806: Notas de leitura (1337): "Voando sobre um ninho de STRELAS", por António Martins de Matos; Edições Ex Libris, 2020 (1) (Mário Beja Santos)

3 comentários:

Antº Rosinha disse...

"o projeto de Sékou Touré em manipular o PAIGC para depois se apossar do território."

Tambem não havia nenhum projecto para tomar Timor, como não tinha havido projecto para tomar Goa.

Como é que Beja Santos precisa de "documentação", quando assistiu ao descaramento da França em 98 apoiar o Senegal naquela invasão da Guiné Bissau?

Se em 1961 Salazar abdicasse das colónias para os "estudantes do imperio" tinha-se esfumado tudo, porque internacionalmente ninguem conhecia nem sabia que existiam aquelas colónias a não ser os nossos vizinhos francofonos na Guiné, e anglofonos em Angola e Moçambique.

E todos esses vizinhos com apoio internacional dos seus colonizadores, como aconteceu com Goa (inglaterra), como aconteceu em 1989 com a invasão de Bissau pelo Senegal (França, descaradamente), iam abocanhar e dividir entre si as partes daqueles territórios que lhe interessassem.

Nunca, até à "Guerra do Ultramar", desde o tempo do mapa cor de rosa, que internacionalmente, Portugal foi considerado seriamente dono de qualquer tipo de império.

Portanto aquilo, internacionalmente não passavam de "baldios".

Imaginemos em 1961, a confusão que seria a rivaalidade entre Senegal de Senghor e Sekou Toure se Salazar entregasse ao "berdiano" PAIGC, aquele naco baldio, que ninguem conhecia.

Portugal nunca foi levado a sério como império até Holden Roberto fazer o que fez no Norte de Angola e Salazar dizer que não ao a ele e tambem dizer que não ao play boy do Kennedy.

Em Angola e Moçambique toda a gente, desde o tempo do mapa cor de rosa sabia quais as partes de Moçambique e de Angola que interessavam À Namibia, sem rios,à Rodésia do norte e Rodésia do Sul, paises sem mar, e Africa do Sul.

Em 1961 Portugal não contava, e as suas colónias ainda menos.



Antº Rosinha disse...

"Berdiano", era a expressão que os "fidju" de Guine se referiam aos dirigentes caboverdeanos do PAIGC no dia 14 de Novembro de 1980, que se retiraram com Luis Cabral.

Foneticamente era assim que soava.

antonio graça de abreu disse...

Claro como água pura que não houve retracção nenhuma das NT, que nos mantivemos no terreno, 224 aquartelamentos e destacamentos até ao 25 de Abril,que não há derrota militar nenhuma, etc.O Beja Santos acha que, por causa dos ses, é preciso ir aos arquivos. O testemunho honesto e verdadeiro de quem como o nosso general , e eu, fez a Guiné 72/74, não chega para o entendimento do Beja Santos. Mas se não houve derrota militar, também é evidente que não íamos ganhar aquela guerra. A solução era política.Como veio a acontecer e eu explico bem no meu Diário da Guiné, escrito no tempo de guerra.

Abraço,

António Graça de Abreu