O Coronel do Exército Português, na reforma, Marcelino da Mata (o segundo a contar da esquerda), f0tografado em 24 de Setembro de 2005, durante o convívio dos Grupos de Comandos que actuaram na Guiné entre 1964/66. O grupo fotografado é constituído por elementos que participaram na mítica Operação Trindente (Ilha do Como, Janeiro-Março de 1964).
Da esquerda para a direita (situação militar reportada a 1964):
(i) sold João Firmino Martins Correia;
(ii) 1º cabo Marcelino da Mata;
(iii) 1º cabo Fernando Celestino Raimundo;
(iv) fur mil António M. Vassalo Miranda;
(v) fur Mário F. Roseira Dias;
(vi) sold Joaquim Trindade Cavaco
Texto da autoria do Mário Dias, sargento comando (Brá, 1963/66):
Caro Luís:
Tens toda a razão, pois, realmente, ainda nada disse sobre o Marcelino (1).
Vou pôr de parte as controvérsias que figuras como ele sempre geram. É normal que assim seja e só demonstra que se alguém concita em si a atenção pública, com defensores e detractores, é porque essa pessoa - no caso vertente o Marcelino - fizeram algo que ultrapassa o comum dos mortais.
Vamos então aos factos:
Corria o início do ano de 1963 quando, tendo eu regressado ao serviço militar e sido colocado na 2ª Repartição (Informações) do QG de Bissau, conheci o Marcelino.
Ela era 1.º cabo condutor nessa repartição e desde logo me apercebi ser pessoa de muita confiança do Chefe da Repartição bem como do restante pessoal do QG de qualquer função ou graduação. Falava correctamente o português, conhecia várias línguas dos povos da Guiné e era um fiel e incansável colaborador na procura de informações que nesse tempo do início do conflito não eram muitas.
Eu falava muito frequentemente com ele, como é natural, e fiquei a saber que no início das actividades do PAIGC também havia sido aliciado, o que recusou. Talvez por isso, alguns familiares seus, entre os quais a mãe, foram alvos de sevícias e alguns, até raptados. Isso só aumentou a sua determinação de combater ao lado dos portugueses pois, conforme dizia - e continua dizendo - nasceu e quer morrer português.
Mais tarde, já em Janeiro de 1964, quando decorria a Operação Tridente na Ilha do Como, apareceu lá para se juntar ao grupo de comandos. Foi aí que comecei a admirar as suas extraordinárias capacidades de combatente.
O Marcelino era, realmemente, aquilo que nós costumamos designar por uma máquina. Era um dos mais entusiastas do grupo e senhor de uma coragem e determinação extraordinárias. Nunca o vi vacilar perante o perigo nem reclamar pelas duras condições a que estávamos sujeitos. E a minha admiração por ele cresceu por ele ser guineense e estar ao lado dos portugueses, quando havia já muitos portugueses aliados ao PAIGC ou, pelo menos, fazendo resistência passiva, o que só fortalecia o adversário.
Depois da Op Tridente (2), e após o regresso a Bissau, o Marcelino continuou nos comandos e colaborou com os seus conhecimentos do terreno e a sua natural aptidão de combatente na formação dos grupos de comandos que se instruiram no 1º curso de comandos realizado em Brá. Ficou a pertencer aos Panteras (3) e foi uma peça importante na operacionalidade desse grupo.
Mais tarde, criou o seu próprio e lendário grupo que se chamava Os Roncos, salvo erro.
Eu regressei a Lisboa em Fevereiro de 1966. Portanto, não poderei testemunhar tudo quanto o Marcelino realizou desde essa altura mas é do domínio público que foi muito. Não é por não ter feito nada nem por não ter extraordinário valor que se recebe por várias vezes a Cruz de Guerra a ainda a Torre Espada; nem que se passa de 1º cabo a tenente-coronel por sucessivas promoções por distinção.
Cometeu excessos, dizem alguns. Não sei. Não assisti. Porém, ponho as minhas reticências porque, enquanto com ele lidei, nunca o vi realizar acções menos dignas nem ter atitudes desumanas. Era duro e inflexível porque assim é a guerra; mas cruel e sanguinário, não.
Hoje, o Marcelino mantém-se igual ao que sempre foi: determinado, amigo do seu amigo, e senhor de um amor a Portugal que deveria fazer corar de vergonha muitos patriotas da nossa praça. Quando o encontro e por vezes o confronto com esse facto que não é, nos dias de hoje, politicamente (e vantajosamente, digo eu) correcto, ele me responde invariavelmente:
- Eu sou português e sempre serei. Esses gajos (PAIGC) que fizeram a independência só trouxeram desgraça. E em Angola e Moçambique é a mesma coisa. Os governantes enchem a barriga e o povo passa fome. E remata com o vernáculo p... que os pariu.
É este o Marcelino que eu conheci e conheço. Homem vertical que nada nem ninguém consegue dobrar. Nem mesmo os sanhudos torcionários do RALIS onde esteve preso durante o nefasto PREC (4).
Marcelino, daqui te envio aquele abraço.
Mário Dias
_____________
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts anteriores:
10 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1357: Testemunhos sobre o Marcelino da Mata, a pedido de sua filha Irene (3): Nem a cruz nem o altar (Mário Dias / Luís Graça)
10 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1355: Testemunhos sobre o Marcelino da Mata a pedido de sua filha Irene (2): Orgulho-me de o ter conhecido em Guileje (José Carvalho)
10 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1354: Testemunhos sobre Marcelino da Mata, a pedido de sua filha Irene (1): De 1º Cabo Comando a Torre e Espada (Virgínio Briote)
(2) Vd. textos (inéditos) do Mário Dias sobre a batalha do Como:
15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias)
16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXV: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)
17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias)
(3) Vd. post de 10 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1354: Testemunhos sobre Marcelino da Mata, a pedido de sua filha Irene (1): De 1º Cabo Comando a Torre e Espada (Virgínio Briote)
(4) Vd. blogue do Virgínio Briote > Tantas Vidas > 29 de Junho de 2006 > O que é feito deles (II)
(...) "O Marcolino das Matas [nome ficcional de Marcelino da Mata] voltou a pegar na G3 no tempo do Governador Spínola. Fez um grupo especial de africanos, o processo de promoção por distinção suspenso foi retomado, num ápice passou de cabo a capitão, cruzes de guerra incluídas, quase sem saber ler e escrever que os guerrilheiros exigiam outras habilidades.
"Pirou-se para Lisboa e fez muito bem, antes que fosse tarde demais. Continuou a sua vida de aventuras, quando o filme de Abril estava a ser rodado foi torturado por educadores da classe operária. Considerado como um dos militares mais condecorados por feitos em combate, é visto muitas vezes nos 10 de Junho e 1ºs de Dezembro. Apareceu também nos jornais e telejornais quando foi depor ao tribunal, a propósito de um escândalo qualquer numa universidade" (...).
Recorde-se que - segundo os jornais da época - em 15 de Maio de 1975 soldados do RALIS, militantes do MRPP, detém irregularmente um fuzileiro e depois o alferes comando Marcelino da Mata, o qual é torturado a 17 ... Enfim, um episódio triste da revolução dos cravos.
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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