1. Trágica efeméride: vai fazer 59 anos, daqui a dias, que arderam 50 quilómetros quadrados / 5 mil hectares (cerca de um terço da área plantada) da Serra de Sintra, e morreram 25 militares do Regimento de Artilharia Antiaérea Fixa de Queluz.
Cinco mil hectares. Esta foi a área aproximada que ardeu no trágico incêndio que deflagrou na Serra de Sintra em setembro de 1966, um dos maiores e mais devastadores incêndios florestais da história da região.
O fogo, que teve início a 6 de setembro de 1966, lavrou durante vários dias, consumindo uma vasta mancha florestal, estimada em cerca de um terço da área arborizada da serra na altura. As chamas, impulsionadas por ventos fortes, alastraram rapidamente, ameaçando a vila de Sintra e marcos históricos e naturais.
Para além da imensa perda a nível de património natural, o incêndio de 1966 na Serra de Sintra ficou marcado pela morte de 25 militares do Regimento de Artilharia Antiaérea Fixa de Queluz, que perderam a vida enquanto combatiam as chamas.
A tragédia teve um profundo impacto no país e levou a uma maior consciencialização sobre a necessidade de prevenção e combate a incêndios florestais em Portugal.
2. Disse o Fernando Ribeiro, em comentário ao poste P27166(*):
Antº Rosinha, em Portugal sempre existiram incêndios e sempre existirão, porque são uma forma de a Natureza se renovar. Não há volta a dar-lhe. O que não existia, era tantos eucaliptos e tantos pinheiros bravos, que ardem como palha, nem tanto despovoamento do interior.A afirmação de que sempre houve incêndios florestais em Portugal ao longo do século XX acaba por ser uma realidade histórica inegável. O que mudou, e muito, foi perceção pública e a escala dos incêndios nas últimas décadas.
(i) Registos históricos de incêndios florestais
Existem indicações de uso e ocorrência de fogos florestais que remontam a milhares de anos, detetados por depósitos de carvão com mais de 11 mil na Serra da Estrela, associados a grandes incêndios ligados à ocupação humana e gestão agropastoril.
Desde a Idade do Bronze e do Ferro, o fogo foi utilizado para desflorestação e construção de novas áreas agrícolas, o que provocava incêndios regulares.
Registos escritos de municípios portugueses já no século XIV documentam preocupações e legislação para evitar incêndios em matas, particularmente zonas de sobreiros e azinheiras.
No Pinhal de Leiria, registaram-se grandes incêndios, como os de 1806, 1814, 1818, 1824 (cerca de 4.000 ha), 1825 (cerca de 5.000 ha) e 1875 (cerca de 300 ha).
No século XIX, já se encontravam em vigor portarias e legislação para proteção florestal e combate às queimadas.
Desde a década de 1960, os incêndios passaram a ser mais frequentes, intensos e recorrentes, tornando-se mais comuns a partir dos anos 1970 devido a profundas transformações sociais, demográficas e econonómicas (guerra do ultramar, emigração, expansão de áreas florestais, abandono rural, industrialização e urbanização do país, etc.)
1930 > Censo da população > 6 825 883 habitantes (Continente e Ilhas). Só 19% reside em cidades: 594 mil em Lisboa, 232 mil no Porto e 485 mil nas restantes.
1950 > População activa: 3.2 milhões (50% no sector primário, 24% no sector secundário e 26% no sector terciário). Por outro aldo, mais de quarenta anos depois da instalação, por Alfredo da Silva, das primeiras fábricas de produtos químicos nos terrenos de aluvião da Margem Sul do Tejo, o complexo químico-industrial do Barreiro ocupa agora uma área de 21 hectares. O maior grupo económico português é constituído por centena e meia de empresas e 10 mil trabalhadores.
O fogo é considerado um fenómeno natural nos países do Mediterrâneo, tendo papel importante na dinâmica ecológica e na sucessão de algumas espécies vegetais. Factos a destacar:
- o uso tradicional do fogo para renovação de pastagens e controle de vegetação sempre esteve presente na paisagem portuguesa e mediterrânica;
- os pastores eram recorrentemente acusados de "incendiários";
- clima mediterrânico. verões longos, quentes e secos, favorecem a propagação do fogo;
- práticas agrícolas tradicionais, como aS queimadaS para renovação de pastagens ou limpeza de terrenos, que muitas vezes saía de controlo;
- trovoadas secas;
- descuidos e acidentes: desde tempos medievais há relatos de incêndios ligados a fogueiras, produção de carvão, cal, ferrarias ou até relâmpagos;
- estrutura da vegetação: matos, pinhais, sobreirais, giestais e eucaliptais (mais recentes) sempre foram combustíveis disponíveis; todavia, o coberto mediterrânico, com sobreiros, azinheiras e castanheiros é mais resistenete ao fiogo.
A diferença em relação ao passado é a escala, a frequência e o impacto socioeconómico. Antes, os fogos eram mais localizados, porque a floresta estava mais fragmentada entre campos agrícolas, baldios e áreas de pastoreio. Hoje, com o abandono rural, a continuidade de matos e florestas densas e a expansão do eucalipto e do pinheiro, o fogo alastra de forma muito mais rápida e devastadora.
Portanto, dizer que "só há incêndios hoje" é, de facto, uma mistificação histórica. O que mudou foi o contexto social, económico e ambiental, que faz com que os fogos atuais sejam mais extensos e difíceis de combater.
Aqui vão alguns exemplos documentados que ajudam a perceber que os incêndios florestais fazem parte da história de Portugal muito antes do século XX:
Séc. XIV
Séc. XV-XVI
Pinhais de Leiria (plantados desde o reinado de D. Afonso III e expandidos por D. Dinis) sofreram incêndios várias vezes nos séculos XVI e XVII; há referências a fogo “que ardeu muitos pinheiros” e necessidade de reflorestação.
O Terramoto de 1755 originou incêndios urbanos e rurais que se estenderam a zonas florestais próximas de Lisboa e outras zonas atingidas,
Em 1792, um alvará régio regulava o uso do fogo em baldios e pastagens, por causa dos “grandes danos dos fogos desmandados que frequentemente incendeiam os matos e arvoredos”.
Há várias notícias em jornais da época sobre incêndios em pinhais e serras. Por exemplo:
1824 – referência a incêndios no Pinhal de Leiria.
1843 – notícia no Diário do Governo sobre fogos em matas nacionais.
1853 – grandes incêndios em Trás-os-Montes e Beiras são relatados como “desgraças repetidas”.
Em 1888, o engenheiro silvicultor Francisco Caldeira Cabral (um dos pioneiros da ciência florestal em Portugal) já alertava para o problema do fogo em matas mal geridas.
Embora a sistematização de dados sobre áreas ardidas só se tenha tornado mais rigorosa a partir da década de 1980, é possível delinear uma cronologia de eventos significativos que marcaram o século XX.
No início do século, os incêndios eram frequentes, mas muitas vezes de menor dimensão e mais ligados a práticas agrícolas e pastoris. A gestão do fogo fazia parte do quotidiano rural, sendo utilizado para a renovação de pastagens e limpeza de terrenos. No entanto, a falta de controlo resultava frequentemente em incêndios de maior escala.
A partir da década de 1960, a frequência e a dimensão dos grandes incêndios florestais começaram a aumentar de forma notória. Eventos como os incêndios em Vale do Rio/Figueiró dos Vinhos e Viana do Castelo (1961), na Serra de Sintra (1966) (que resultou na morte trágica de 25 militares) e na Serra de Monchique (1966), evidenciaram uma nova e mais perigosa realidade.
As décadas seguintes foram marcadas por uma escalada no número de ocorrências e na área ardida.
As Raízes do Problema: Causas e Consequências
A omnipresença dos incêndios florestais em Portugal no século XX pode ser atribuída a um complexo de causas interligadas:
- Políticas de Florestação:
- O Êxodo Rural e o Abandono de Terras:
- Declínio da Agricultura e Pastorícia Tradicionais:
- Fatores Humanos:
A Evolução (Lenta) do Combate e da Prevenção
A resposta do Estado e da sociedade aos incêndios florestais evoluiu de forma lenta e reativa ao longo do século XX.
Nas primeiras décadas, o combate aos incêndios era rudimentar, dependendo largamente da mobilização de populares, com meios escassos e pouco eficazes. A estrutura de bombeiros voluntários, embora fundamental, debatia-se com a falta de formação e de equipamento adequado para fazer face a grandes incêndios florestais.
A tragédia da Serra de Sintra em 1966 foi um ponto de viragem que expôs as fragilidades do sistema de combate e impulsionou uma maior consciencialização para a necessidade de uma estrutura mais organizada.
As políticas de prevenção também tardaram em ser implementadas de forma eficaz. A aposta centrou-se durante muito tempo no combate, em detrimento de uma gestão florestal integrada que promovesse a descontinuidade dos combustíveis e a criação de mosaicos agrícolas e florestais mais resilientes ao fogo.
Em suma, a história dos incêndios florestais em Portugal no século XX é a crónica de uma paisagem em transformação, marcada por decisões políticas, mudanças sociais profundas e uma crescente vulnerabilidade ao fogo.
(*) Vd. poste de 30 de agosto de 2025 Guiné 61/74 - P27166: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (9): Secas e fomes levaram ao longo do séc. XX à morte de mais de 100 mil pessoas
Sem comentários:
Enviar um comentário