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quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27180: Historiografia da presença portuguesa em África (495): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, primeiros meses de 1940 (51) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Março de 2025:

Queridos amigos,
Estamos em guerra,há´restrições, preparam-se as comemorações dos Centenários, estreou-se a Mocidade Portuguesa em Bissau, a aviação sobrevoa diariamente os Bijagós, não se sabe exatamente para quê (parece existir a lenda que havia bases de submarinos alemães, infraestruturas criadas à socapa por comerciantes dessa nacionalidade), inaugura-se o monumento à pacificação de Canhabaque, lê-se no despacho do governador que o dito monumento foi pago pela população Bijagó, os processos disciplinares continuam e estou certo e seguro que o leitor lerá com espanto o processo disciplinar do Dr. Petronilho, tomada a decisão pelo Conselho Disciplinar, o governador Carvalho Viegas quis dar a volta ao texto, o ministro das Colónias, Vieira Machado, não aceitou parte da argumentação do governador e explica categoricamente porquê, é prosa que merece reflexão.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, primeiros meses de 1940 (51)


Mário Beja Santos

O ano anuncia-se com as festas da Restauração de dezembro e a chegada da Mocidade Portuguesa a Bissau, assim se escreve no Boletim Oficial n.º 1, de 2 de janeiro, e escreve Carvalho Viegas:
“No dia primeiro de dezembro último, data em que na Colónia foi celebrado com vibrante entusiasmo e patriotismo o aniversário da Restauração de Portugal, foi-me dado o prazer de apreciar a exibição de vários pelotões da Companhia de Polícia Indígena e das classes de ginástica infantil e de adultos da Mocidade Portuguesa numa magnífica parada que empolgou, mostrando-se à altura dos objetivos das respetivas organizações, pelo garbo primoroso da sua apresentação;
Considerando que os exercícios militares efectuados no campo de jogos da cidade de Bissau pelos referidos pelotões revelaram, pela correcção, disciplina e desenvoltura na execução dos variados números do programa, apreciáveis cuidados, zelo e dedicação dos graduados dessa formação e bem assim boa vontade dos indígenas que assim vêm adquirindo hábitos de disciplina e amor pela defesa da Bandeira de Portugal;
Considerando que o desfile nas ruas e no mencionado campo de jogos e os exercícios de ginástica rítmica executados pelas referidas classes da Mocidade Portuguesa suscitaram a atenção geral do público e provocaram aplausos do público unânimes e sinceros, devido ao entusiasmo que despertaram nas populações juvenis pelos exercícios de cultura física, pelo que é justo pôr em relevo que esses resultados foram alcançados pelo esforço e dedicação do funcionário Adolfo de Oliveira, determino: que sejam louvados os oficiais, sargentos e praças, da companhia de polícia indígena e Adolfo de Oliveira.”


Ponto curioso, é até agora não esclarecido, sabendo nós que estavam a ser tomadas medidas de vigilância das fronteiras, dá-se a informação que estava a ser sobrevoadas quase diariamente o arquipélago dos Bijagós, impunha-se a maior moderação no gasto de combustíveis.

No Boletim Oficial n.º 11, de 26 de fevereiro, voltamos às medidas disciplinares, emanam do gabinete do governador. Escreve-se que em 7 de novembro do ano anterior, o funcionário Odorico Gomes de Pina fora punido com doze meses de inatividade por se terem verificado, na sua gerência, como encarregado da Circunscrição Civil do Gabu, sobretudo quanto a emendas e rasuras nos livros de contabilidade e ainda à falta de concordância entre documentos e lançamentos a eles respeitantes; e ainda mais, falta de encerramento de contas da cobrança de impostos de palhota, falta na prontidão na entrega dos fundos do Estado, etc., etc. O arguido vem agora recorrer com novos elementos de prova e o Governador Carvalho Viegas tece a seguinte crítica:
“Mais uma vez sou forçado a registar a forma deficiente como os funcionários defendem nos processos disciplinares que lhes são instaurados, alguns certamente de má fé o fazendo, para depois, julgados os processos apenas com os elementos de prova que oportunamente ofereceram, virem apodar de injusta a decisão da entidade que puniu. No recurso, Odorico Gomes de Pina não terá dado respostas satisfatórias, e o inspetor dos serviços da fazenda considera que havia para ali muita desorganização, escrituração feita à pressa e por quem não tem a obrigação de conhecer os serviços administrativos, etc., etc., não substituindo nenhuma dúvida acerca da irresponsabilidade do recorrente. Dá-se em parte provimento ao recurso alterando-se a pena."


No Boletim n.º 31, de 29 de julho, voltamos a Canhabaque, vai-se falar no monumento construído pelos indígenas, é uma narrativa de glorificação:
“Tendo sido colocado interinamente como chefe de posto de Canhabaque, em 10 de agosto de 1939, José d’Assenção Júnior, o qual inteligentemente tem desenvolvido uma política de atracção fundada na justiça, bondade e interesse pela vida indígena, demonstrando assim uma nítida compreensão de qual deve ser a nossa atuação e finalidade sobre povos ainda num atrasado estado de civilização;
Considerando que o mesmo funcionário manifestou um claro conhecimento dos seus deveres e ainda pôs uma absoluta lealdade e disciplina nas directrizes recebidas do governador da colónia, quanto à orientação da política indígena, a bem do aperfeiçoamento da sua vida material e psíquica;
Considerando, ainda, que tendo os indígenas patenteado o desejo de realizarem qualquer acto que ficasse ligado às suas crenças religiosas e que perdurasse aos olhos de todos como afirmação segura de início de uma era de amizade perpétua com o Governo português, o mesmo funcionário soube traduzir essa mesma ideia e desejo numa feliz representação material que à crença do indígena se impusesse, dando-lhe assim um ambiente de religiosidade.”


Tudo isto para dizer que foram os Bijagós que pagaram o monumento onde se glorifica a ação militar das operações realizadas em 1936. E o governador louva José d’Assenção Júnior. O monumento foi inaugurado no lugar de In-Orei, Canhabaque em 31 de março de 1940, muita gente presente, coube ao governador descerrar o referido monumento que se achava coberto com a bandeira nacional.

Neste mesmo Boletim Oficial se volta às questões disciplinares, desta vez após um recurso entreposto pelo médico Dr. António dos Santos Petronilho. Indo aos factos, o administrador da circunscrição civil de Bafatá participara que o delegado de saúde procedia sem consideração pela sua profissão em detrimento de pessoas cuja saúde lhe está entregue e que abandonou, aos cuidados do enfermeiro indígena, o chefe de posto Eiras, atacado de pneumonia, recusando-se a ir vê-lo apesar da insistência do doente e do administrador. O Dr. Petronilho requereu um inquérito aos seus atos como delegado de saúde. Diz a acusação que o médico se recusara a visitar o chefe de posto Cruz Eiras e que por motivos da sua recusa o doente foi obrigado a solicitar os socorros médicos de Bissau, apenas entregue ao cuidado do enfermeiro, o doente veio a falecer; o delegado não cumpria com zelo e assiduidade os seus deveres profissionais, tinha um feitio por vezes ríspido e ganancioso, cobrando pelas suas visitas.

Na defesa, alega que no mesmo dia em que recebera o telegrama lhe chegara a notícia de um outro caso através do sírio Jamil, faltava em Bambadinca óleo canforado, eletrargol e linhaça, e só após ter entregue ao portador esses medicamentos é que o dito Jamil lhe disseram eu tinha vindo chamar o arguido para ir ver um chefe de posto Eiras, ora o arguido estava com a temperatura de 38ºC e acessos palustres, respondeu que não podia ir ver o doente mas que no dia imediato viesse buscá-lo, iria então visitar o doente e regressar a tempo de presidir à mesa eleitoral de Bafatá… E porque torna e porque deixa, e até porque o arguido, por motivos que brigam com a sua dignidade está e estará de relações cortadas com o pessoal do administrador, este, sem nenhuma consideração pelo médico pretendia requisitar para seu uso o carro que se pusera à disposição do arguido.

O instrutor do processo, ponderados todos os argumentos, não deixa de frisar que a circunstância do arguido estar de relações cortadas com o administrador não pode anular o sentimento do dever profissional, acresce que estava provado que o Dr. Petronilho tinha mostrado pouco zelo e assiduidade no exercício da sua profissão, daí a proposta de aplicação do castigo de 181 dias de inatividade. O governador manteve o castigo em recurso, diz que há duas partas distintas na acusação: uma, diz respeito ao caso do Chefe de Posto Eiras e a outra trata do procedimento em geral do recorrente. Quanto a não ter ido socorrer o chefe de posto, há divergência de opiniões; analisando o telegrama, não se vê que fosse pedida urgência ao recorrente e não se explica porque é que o administrador, em vez de regressar o carro de Bambadinca a Bafatá para levar o recorrente, pediu, para Bissau, a ida de um médico.

O documento é longo, o governador considera que há para ali acusações vagas e genéricas e observa cabalmente:
“Ter este ou aquele feitio não é infração, as infrações ou omissões influenciadas pelo mau feitio é que podem cair sob a sanção disciplinar. Se o recorrente infringiu as disposições da tabela dos honorários, é indispensável dizer-se-lhe quais os casos em que as infringiu, para eu poder ou justificar-se ou convencer-se de que errou e deve corrigir-se.”


O governador pede a anulação do teor de algumas alíneas, mas dá como comprovadas certas irregularidades, havendo que reformular a instrução. Acontece que o ministro das Colónias, Vieira Machado, exara o seguinte despacho:
“Tenho muita pena não poder estar de acordo com o Conselho, mas não posso admitir que por questiúnculas pessoais um médico não cumpra o seu dever. O médico podia muito bem ir no automóvel com o administrador e não falar com este, com quem estava de relações trocadas. O facto de utilizar o mesmo meio de locomoção, sobretudo em África e nas circunstâncias que constam no processo, não implicava um reatamento de relações. Pelo critério seguido pelo médico, não tomava ele assento num carro elétrico ao lado de um desconhecido, porque o simples facto da vizinhança aplicaria relações pessoais. Isto não quer dizer que aprove o procedimento do administrador, antes pelo contrário, entendo que lhe deve ser instaurado um processo disciplinar. Anulo o processo quanto às acusações de duas alíneas desde a audição do arguido para poderem ser feitas as averiguações propostas que afinal se julgar qual a pena que se deve aplicar, é ponto assente para mim que o médico não pode deixar de ser castigado.”

Monumento à Pacificação de Canhabaque, onde se lê “Àqueles que tombaram pela civilização”, fotografia de Francisco Nogueira, publicada no livro Arquitetura dos Bijagós, Tinta da China, com a devida vénia

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 27 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27157: Historiografia da presença portuguesa em África (495): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1939 (50) (Mário Beja Santos)

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