sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20046: Notas de leitura (1207): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (18) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Abril de 2019:

Queridos amigos,
Nesta fase do trabalho, mantenho a maior das expectativas quanto a contributos. A Operação Tridente foi alvo de propaganda do PAIGC: falou em 500 mortos das nossas tropas, em retirada caótica, numa derrota sem precedentes. A atoarda ganhou raízes, pessoas com a responsabilidade do historiador Carlos Lopes reproduzia em 1982 tal propaganda. Felícia Cabrita reproduziu atoardas semelhantes depois de ter visitado a Ilha do Como a convite de Nino Vieira, uma vergonha, o gosto pelo puro sensacionalismo, o desrespeito absoluto pelo contraditório. Há hoje muito material sobre a Operação Tridente, aqui se reproduzem dados sumários da história da Unidade e equacionam-se elementos da biografia de Alpoim Calvão que foi o comandante do DFE8 na referida operação, reconhecidamente com uma postura de valentia, dotando os seus homens de uma grande capacidade ofensiva e solidariedade com os outros militares.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (18)

Beja Santos

“Com o destino navegou
o Batalhão de Cavalaria
para a grande operação.
Algum pessoal morria.

Sua Excelência o Brigadeiro
no cais de Bissau se encontrava
e a saída ele ordenava
mais o comandante Cavaleiro.
Foi a 14 de Janeiro
que o cais se deixou.
O “Bor” e o “Geba” abalou,
ficando em terra uma Companhia
que na noite do mesmo dia
com o destino navegou.

Dia e noite navegando
ao largo do Como se chegou.
O 8.º Destacamento desembarcou,
debaixo de fogo avançando.
A 488 rastejando
com muita coragem seguia.
O bando que aí se acolhia
recuava com temor,
pois nunca perdeu o valor
o Batalhão de Cavalaria.

No mesmo dia se desceram
mais duas das Companhias
que, no espaço de alguns dias,
muita sede eles sofreram.
Rações de combate comeram,
com bolachas em lugar de pão.
Foi para cumprir a missão
que tudo isto passámos
e no Como nos instalámos
para a grande operação.

Na praia de Caiar
o resto do pessoal desceu
onde desci também eu
para o material descarregar.
Com os meus colegas a ajudar
muito frete se fazia.
Fez-se um buraco onde se dormia
tranquilo e descansado,
mas no grande mato cerrado
algum pessoal morria.”

********************

O que o bardo aqui nos dá conta é da Operação Tridente, do seu início. Sobre a mesma, considerada um dos principais acontecimentos de toda a guerra colonial, dispõe-se de inúmera documentação. Logo a história da Unidade, um relato detalhado. Vejamos alguns elementos essenciais. Tudo começa a 14 de janeiro, a Tridente durou 71 dias, as forças executantes iniciaram o regresso em 24 de março. Foi a primeira no seu género, integraram a operação forças terrestres, navais e aéreas. As forças terrestres eram constituídas por três destacamentos de fuzileiros especiais, uma companhia de caçadores mais um pelotão, um pelotão de paraquedistas, um grupo de comandos, um pelotão de obuses e outros efetivos do BCAV 490. Não houve resistência ao desembarque. O IN revelou-se bem instruído e muito agressivo e com poder de fogo extraordinário. O seu moral foi sendo abatido ao longo do tempo, no final da operação atuava em pequenos grupos dispersos, sem qualquer agressividade e fugindo ao contacto. Do lado das nossas tropas são repertoriados oito mortos e vinte e nove feridos e mortos confirmados do lado IN setenta e seis. É transcrita a carta em que Nino apela a reforços ao fim de 48 dias.

A biografia de Alpoim Calvão intitulada “Alpoim Calvão, Honra e Dever”, por Abel Melo e Sousa, Luís Sanches de Baêna e Rui Hortelão, Caminhos Romanos, 2012, dá amplo destaque ao comportamento deste oficial da Armada à frente do Destacamento de Fuzileiros Especiais n.º 8. Vamos reter alguns dados, outros acompanharão a evolução da Operação Tridente.
Porém, antes de mais, um dado singular da liderança de Calvão:
“Os processos utilizados pelo comandante do DFE8 para assegurar a eficiência da sua unidade nem sempre seguiam à risca o disposto nos manuais militares, mas eram seguramente os mais eficazes. Por vezes, quando as infracções cometidas por um dos seus fuzileiros caíam sob a alçada do Regulamento de Disciplina Militar, o que não era invulgar, o Tenente Calvão dava-lhe a escolher entre receber o castigo previsto por este regulamento ou calçar as luvas de boxe e com ele resolver o assunto a murro. Geralmente era esta segunda opção a escolhida pelos infractores, apesar do grande porte e da poderosa força do seu comandante”.

Estamos no Como, vejamos o registo de dia 23 em que Calvão sai com uma secção do seu destacamento, outra da CCAV 488 e um grupo de comandos a fim de proteger a progressão deste último que tencionava passar para o Uncomené (um local da ilha do Como).  
“O inimigo que aguardava emboscado na orla da mata, junto a uma picada, abre fogo com uma metralhadora pesada e armas ligeiras. Apesar de ter garantido a surpresa inicial, acaba por ser batido pelas forças portuguesas apoiadas pela aviação, sofrendo vários feridos e abandonando dois mortos no terreno. Ainda assim o grupo de comandos não conseguiu passar devido ao lodo existente junto ao tarrafo. Nesse mesmo dia, horas depois, um avião T6 despenhou-se a oeste de Cauane, pelo que antes de regressar ao estacionamento a força passou pelo local onde jazia o corpo do piloto, que foi recuperado meio carbonizado para de seguida ser recolhido por um helicóptero Alouette II.
Logo no início do mês de Fevereiro, o DFE8 recebe ordem para penetrar na mata a oeste de Cauane. Objectivo: a fixação e envolvimento da tabanca grande de Cauane. Inicia a penetração na mata sem ser detectado, colocando-se atrás da posição inimigo que a mata cerrada tornava invisível, apesar de estar a menos de 30 metros. Qualquer movimento naquela densa vegetação poderia denunciar a presença dos fuzileiros, pelo que o Tenente Calvão decide emboscar com um dispositivo estático comandado pelo imediato e constituído por duas secções com esquadras de MG42 em linha à frente. Em cada flanco, uma secção e o resto dos homens de apoio à retaguarda, ficando o comando colocado numa posição central um pouco descaído sobre o flanco direito. Um pequeno grupo inimigo, sem se aperceber da manobra, passa a alguns metros desse flanco, que de imediato abre fogo abatendo um inimigo armado e ferindo outros. A reacção foi pronta e resultou num fuzileiro ferido. Com o inimigo a dar mostras de grande vitalidade, as forças terrestres continuavam a pressionar toda a região das três ilhas.

No dia 7 de Fevereiro, uma companhia de cavalaria ataca a tabanca de S. Nicolau, fixando naquela povoação os guerrilheiros que reagiram com o poder de fogo de uma metralhadora pesada. Enquanto decorre o combate, o DFE8 progride silenciosamente em direcção ao objectivo, iniciando o envolvimento sem ser detectado. Abre fogo ao entrar em contacto com o inimigo, abate um guerrilheiro e provoca diversos feridos, pondo os restantes em fuga. Por duas vezes tentou o adversário reagir com a mesma estratégia, sendo de ambas repelido.

Dez dias passaram. Pelas 04h30 do dia 17 de Fevereiro, o DFE8 com um grupo de comandos e um grupo de combate da Companhia 488 inicia a progressão em direcção à ponta nordeste da mata de Curcô, de acordo com a táctica habitualmente seguida pelos fuzileiros. É sempre feita por fora de picadas e trilhos, o que apresentava duas grandes vantagens: evitar possíveis minas e armadilhas e surgir junto do inimigo por onde ele menos esperava.
Cerca das 10h00, um pequeno grupo inimigo tenta atacar a retaguarda da coluna, mas é sacudido e posto em debandada com duas granadas de mão. Depois, destruíram-se alguns depósitos de arroz. Uma hora mais tarde, a coluna chega à mata a norte de S. Nicolau onde avista homens armados, aos quais monta imediatamente uma emboscada com óptimos resultados: o DFE8 abate três inimigos e os comandos um. Os guerrilheiros entram, então, numa fuga desordenada, estimulada pela metralha cuspida por uma aeronave T6.
A progressão acabaria por ser retardada por um ataque de abelhas que inferiorizou os paraquedistas e as três secções da vanguarda da DFE8.

No dia 24 de Fevereiro, a Companhia do Capitão Cidrais, ao desembarcar no Uncomené, vê-se fixada na bolanha debaixo de violente fogo, ao abrigo do pequeno quadrado de um ourique, a cerca de 150 metros da orla de uma mata onde o inimigo se encontrava bem instalado e devidamente protegido. Os soldados mal podiam responder ao fogo pela exiguidade da posição ocupada e desprotegida. É então que o comandante das forças terrestres toma a decisão de fazer sair o DFE8 em seu socorro. Quando alcançou a posição dos sitiados, o Major Romeiras, Comandante do Agrupamento A, pediu aos fuzileiros para procurarem na mata os dois mortos que a CCAV 487 deixara no terreno durante uma investida à posição inimiga. Desta incumbência se encarregou o Segundo-Tenente Malhão Pereira, Imediato do DFE8, com duas secções, e após uma breve batida, veio a encontrar os dois corpos despidos e sem armas, estando um deles armadilhado com granadas. Enquanto isto, o Tenente Calvão e o Capitão Cidrais, em reconhecimento expedito, exploravam para sul da sua posição, a fim de conseguirem uma visão táctica completa da situação e poderem retirar a tropa da CCAV 487, esgotada pelo intenso e penoso combate. Acabou a força toda por ter de recolher às lanchas de desembarque para a conduzir à Fragata Nuno Tristão, onde os fuzileiros foram recebidos uma vez mais, entre marinheiros, com a amabilidade e amizade habituais”.

(continua)

Convívio em 2010 do BCAV 490
fotografia retirada do blogue Ilha do Como (Guiné)
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Notas do editor

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Último poste da série de 5 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20036: Notas de leitura (1206): “Guiné-Bissau, das Contradições Políticas aos Desafios do Futuro”, por Luís Barbosa Vicente, Chiado Editora, 2016 (1) (Mário Beja Santos)

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