Um ligeiro apanhado da missão cumprida pela CCaç 557 na Guiné... [Os versos são do nosso poeta popular Francisco dos Santos, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista, da CCAÇ 557, que fez agora, em 15 do corrente, 67 anos] (Foto, à esquerda).
2. Resposta, na altura, do L.G. (**):
Parabéns pela tua brilhante ideia de salvar as quadras do teu camarada Francisco dos Santos... Um dia destes iremos publicar o nosso romanceiro ou Cancioneiro da Guiné... E o Francisco dos Santos (alentejano ?) ficará lá muito bem, a representar os seus valentes camraradas da CCAÇ 557. Vê-se que são quadras feitas agora, de memória. Mas deve haver por aí muitas mais, se calhar envergonhadas, escondidas...
Todo este material tem um enorme interesse para a compreensão socioantroplógica do homem português da geração (a nossa) que fez a guerra de África. Isto é também a nossa História, a nossa Cultura...Dá os parabéns ao Francisco dos Santos e diz-lhe que ele merece figurar, com chapa e tudo, no quadro de honra da nossa Tabanca Grande. Vê se lhe sacas as duas fotos da praxe para o Carlos Vinhal poder fazer a sua apresentação ao resto dos tabanqueiros (**) e... mais umas tantas quadras... Tu mesmo podes acrescentar algumas notas e comentários: por exemplo, quando e onde morreu o Nabais ?
3. Resposta do José Colaço:
Luís, o Nabais era um rapaz muito simples, por esse motivo era muito apoiado por todos os camaradas. Quem lhe escrevia as cartas e os aerogramas era o Francisco dos Santos. A sua morte não teve nada a ver com combates de guerra, não sei se por ironia do destino ou sei lá assisti praticamente aos últimos minutos de vida do Nabais. Era uma tarde bonita cheia de sol, o Geba convidava-nos a tomar banho. Então um grupo de 10 ou 12 militares, fomos tomar banho. O Nabais não sabia nadar, ele estava neste caso mais ou menos à beira-rio. Entretanto notou-se a falta do Nabais mas como do grupo nenhum sabia mergulhar com capacidade para procurar o Nabais, [fez-se] uma corrida até ao quartel [para] chamar o Fernando, cabo condutor, óptimo mergulhador que em poucos segundos aparece com o Nabais na palma da mão, ao cimo da água, mas sem sinais de vida.. Ainda se tentou a recuperação mas o Nabais estava morto, não se sabe se por afogamento ou problemas por estar a fazer a digestão. Ficou sepultado em Bafatá, no talhão dos militares, em 13/04/1965. Quanto ao Francisco dos Santos, darei noticias, somos muito amigos. Um abraço. José Colaço.
4. Hoje, o Colaço manda-me uma foto do Fancisco e mais un versinhos ("Marcas da Guiné", abaixo reproduzidos):
[A CCAÇ 557]
Fomos a 557,
Companhia que cumpriu,
A história não se repete
Regressámos com muito brio.
Foi de Évora que partimos
No ano de sessenta e três,
A nossa missão cumprimos
Com altos e baixos... talvez.
Chegámos à Guiné-Bissau
Com novo clima a pairar,
Em guerra é tudo mau,
Tudo isto há que encarar.
De Bissau partimos um dia
Para o mato, com coragem;
Quase ninguém sabia
Que o Como era a paragem.
Mal a gente tinha chegado,
O pior aconteceu,
Com um tiro transviado
Um nosso colega morreu.
Onze meses foi a paragem,
Foi amargo como o fel;
Trabalhámos com coragem,
construímos o quartel.
Num espaço de labirinto,
Havia muitas madeiras,
Fizemos o nosso recinto
Só com troncos de palmeiras.
O que mais fazia falta,
Era a água potável,
A Catió ia a malta
Num serviço impecável.
No local a sobrevivência
Só por si era uma luta,
Havia que ter paciência
Pois a guerra era a disputa.
Nas matas desta Guiné
Lutámos bem com genica,
Nunca perdemos a fé,
Éramos uma grande equipa.
Fomos grandes camaradas
Nestas terras promotoras,
Mesmo com as morteiradas
E o som das metralhadoras.
Mês após mês passava,
Num total isolamento,
A comida escasseava
Mas não perdíamos o alento.
Éramos a família unida,
Por isso não digo nomes,
Sacrificámos a vida,
Que heróis todos nós fomos.
Mas veio então a mudança,
Bafatá que era a norte,
Havia mais esperança
E talvez melhor sorte.
Não queríamos muito mais,
O tempo passa a correr
Mas o soldado Nabais
No rio viria a morrer.
A morte por afogamento
Que já ninguém o previa,
Este triste acontecimento
Chocou muito a Companhia.
Há muito mais para contar,
Em toda esta aventura,
Só pensávamos em regressar
Para dar e receber ternura.
E isso aconteceu,
Em Novembro foi o dia,
O passado morreu,
Dêmos largas à alegria.
Desde o RAL3 em Évora, até ao cais da Fundição em Lisboa
Foi no RI 16 formada,
Sim, falo dela outra vez
Por 557 baptizada,
Foi a partir do RAL3
De Évora até ao Barreiro,
Se não me falha a memória,
O combóio foi o primeiro
Transporte da nossa história.
A viagem até foi boa,
Onde a ansiedade escalda,
Do Barreiro até Lisboa,
Depois o Ana Mafalda.
Pois foi este o navio
Que à Guiné nos levou,
Depois de largar o rio,
O oceano atravessou.
Chegámos àquela terra
Para nós tudo diferente,
Para além da dita guerra
Outros hábitos, outra gente.
E a Bissau se chegou,
Depois foi o dia a dia,
O que mais nos impressionou
Foi a miséria que havia.
Longe está a nossa partida,
De regresso ao nosso lar,
Um por todos p´la vida,
É a mensagem a passar.
Nesta missão encontrámos
Obstáculos a contornar,
Alguns meses ali passámos
Que pareciam não acabar.
Depois fomos parar
Ao Como e ficamos sós
P´ra lutar e trabalhar
Na defesa de todos nós.
Com o moral nada em cima,
Havia alguns requisitos,
É que, para além do clima,
Era a luta dos mosquitos,
Não havia água pura
Onde estava a Companhia,
Só havia com fartura
Na época em que chovia.
Não usávamos só a manha
Nas estratégias inimigas,
Tínhamos a dura bolanha,
Matacanhas e formigas.
Era tiro e morteirada
Mas tudo isso se alterou,
Quando uma bazucada
Na paliçada esbarrou.
Pouco depois para já
Diminuiu a pressão,
Porque a norte em Bafatá
Iria terminar a missão.
Tivemos como baluarte
Um excelente capitão,
Connosco em qualquer parte
Nunca fugiu à razão.
Chegámos ao fim da missão,
Voltámos à terra natal,
Desembarcámos na Fundição,
Em Lisboa, Portugal !!!
Marcas da Guerra
Isto passou-se na Guiné
mas a sorte teve a seu lado,
seu nome António José
mas de Espanhol alcunhado.
P`ra saír de madrugada,
toda gente comparece,
era a tropa preparada
para o que desse e viesse.
As vidas ali expostas
só dependiam da sorte,
e foi um tiro nas costas
que o ia levando à morte.
Foi os efeitos da guerra
e teve sorte, naquele azar,
mesmo caído por terra
a vida o quis brindar.
Do sofrimento ao dever
daquela missão cumprida,
o Espanhol não vai esquecer
foi marcado, p`ra toda a vida.
Parece estar encerrado
o que niguem vai esquecer,
lá diz o velho ditado
que recordar é viver.
Um alfa bravo para todos os tabanqueiros
Francisco dos Santos.
5. Comentário de L.G.:
A esta companhia, que esteve no Cachil (mas també Bafatá e Bissau), pertenceram:
(i) Alf Mil Médico Rogério Leitão (***)
(ii) Alf Mil José Augusto Rocha (****)
(iii) Sold Trms José Colaço (*)
Há dias pusemos o Francisco Santos a nascer no Ribatejo... Ora Sarilhos Grandes pertence ao Montijo, distrito de Setúbal, e fica a sul do Tejo, não "arriba"...O Colaço brincou comigo por causa desse "lapsus linguae"... Respondi-lhe que tinha razão, mas que, mesmo assim, considerava o Montijo mais "ribatejano" do que "estremenho", culturalmente falando... Não sei se os montijenses estão de acordo... Mas se não estiverem também não é grave... LG
_________
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 2 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2912: Tabanca Grande (73): José Botelho Colaço, ex-Soldado de Trms da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)
Vd. postes de 12 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4329: Tabanca Grande (139): Francisco Santos, ex-militar da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau, Bafatá - 1963/65)
(**) Vd. poste de 16 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4196: Blogpoesia (39): CCAÇ 557, Missão cumprida na Guiné (José Colaço/Francisco dos Santos)
Vd. também poste de 15 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5470: Parabéns a você (53): Francisco dos Santos, 1º Cabo Radiotelegrafista, CCAÇ 557, Cachil, Como, 1964 (Editores)
(...) Biografia do Francisco dos Santos:
Em Sarilhos eu nasci
e fui como outros tantos,
no Montijo, perto daqui,
registaram Francisco dos Santos
Comecei a ouvir depois,
ainda menino eu lembro,
que nasci em quarenta e dois
no dia quinze de Dezembro.
Sarilhos Grandes me criou,
só para a Guiné eu sai,
sou feliz aonde estou
tudo o que tendo é aqui.
Casei, construí família,
gozo de cinco maravilhas,
para além da esposa Emília,
três netos e duas filhas.
Vd. ainda poste de 15 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5470: Parabéns a você (53): Francisco dos Santos, 1º Cabo Radiotelegrafista, CCAÇ 557, Cachil, Como, 1964 (Editores)
(***) Vd. poste de 13 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5264: Os nossos médicos (8): O Dr. Rogério da Silva Leitão, aveirense, cardiologista, CÇAÇ 557, Cachil, Como, 1963/65 (José Colaço)
(***) Vd. poste de 14 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5267: História de vida (17): Um homem no Cachil, Ilha do Como, CCAÇ 557, 1964 (José Augusto Rocha)
Vd. também poste de 18 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5125: José Augusto Rocha: da crise estudantil de 1962 à Op Tridente, Ilha do Como, 1964 (José Colaço / Luís Graça)
1 comentário:
Camarada, o RAL3 já deixou de existir, pelo menos em Évora.
É hoje uma Universidade.
O RI16 também já não é o que era, passou a Quartel General.
Bonito este RI16, com claustros magníficos e um espaço invejável. Foi também partido em bocados. O picadeiro, segundo me disseram, já não existe e parte do campo de obstáculos foi cedido à Guarda Fiscal.
Passagem dos tempos, por isso somos hoje não mais velhos, mas mais antigos e experientes.
Um abraço
BS
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