Desde 1975 tomaram o nome de Quedas de Calandula
1. Em mensagem do dia 4 de Agostoo de 2020, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta Boa memória da sua paz, desta vez dedicada ao "retornado" Laurindo Arriaga.
BOAS MEMÓRIAS DA MINHA PAZ - 16
LAURINDO ARRIAGA, O RETORNADO
PARTE II
O Manel, o filho mais velho, estava para Luanda, a estudar mecânica e os outros dois frequentavam a escola de Malange. E lá continuaram no Liceu Nacional Adriano Moreira. Estavam hospedados na casa da D. Palmira, cujo marido era o Pinto taxista. Como ele se meteu no negócio dos diamantes e enriqueceu rapidamente, despachou-os para casa da cunhada D. Rosa.
O Tio Quim ambientava-se facilmente com o pessoal indígena. Depois de uma relação ligeira com uma rapariga, abdicou dela em favor do irmão Tono, que era mais introvertido. Juntou-se então com a Mariquinha, com a qual tiveram um Quinzinho. O “Quissuto” não era branco nem negro, mas o pai gabava-se da sua semelhança, através do abonado pirilau.
O Tio Tono, que veio a casar por procuração com a Isaura, assumiu a paternidade de uma lindíssima miúda, a Madalena, que foi muito acarinhada. Em tons de brincadeira íntima (ou copito a mais), o Tio Quim confessava que não se sabia bem qual deles era o verdadeiro pai.
Foram tempos de grande progresso na fazenda que muito rentabilizava pela sua excelente produção. Vivia-se bem. Faziam-se bons piqueniques e grandes patuscadas. O Laurindo já mandara fazer o projecto para uma boa casa lá no cimo do monte.
Angola desenvolvia-se excepcionalmente, independentemente de se saber que existiam os chamados movimentos de libertação.
Naquela zona, apesar de se falar na força dos diamantes, não se sabia da dimensão política que ali se vivia. E na fazenda S. José ninguém se manifestava.
Quando surgiu a revolta do 25 de Abril, o Arriaga era mais conhecido pelo “Kambuta do Pungo Andongo”.
Aquele elo que o prendia ao nome do grande democrata português, quase há meio século, já não tinha o mesmo significado. Já se havia adaptado às circunstâncias e já não via necessidade de alterações no poder e na ordem pública. Julgava como crença generalizada, que Angola estava pacificada e no bom caminho e que, mesmo que se desligasse da administração portuguesa, continuaria no seu rumo de sucesso.
No entanto, sentiu alguma satisfação pelo acontecimento e pela esperança de melhoria dos portugueses.
Porém, na minha modesta opinião, as coisas afastaram-se muito das previsões. Os interesses internacionais sobrepuseram-se facilmente e o novo poder de Lisboa limitou-se a seguir pressões/orientações ideológicas, negociadas ao mais alto nível. Em pouco tempo, a revolta pelos interesses reivindicados pela classe dos capitães do quadro, que passou a ser a luta pelos ideais de Abril, foi habilmente instrumentalizada pela experiência e militância dos ex-perseguidos políticos.
A apologia aos regimes comunistas/socialistas propalada pelos detentores da revolução, levou-nos candidamente para uma orgulhosa alienação esquerdista. Assim, assistimos pacificamente à entrega das províncias ultramarinas aos movimentos de libertação ligados ao poder soviético, com o apoio incondicional das nossas forças armadas. E para que os portugueses (brancos) não pudessem contrariar ou reivindicar qualquer estatuto/direito, foi-lhes retirado o apoio devido, forçando-os a uma ponte aérea para Lisboa.
Independentemente da sua possível justificação, interpretação ou desmentido, ficam-nos três testemunhos para perdurarem dessa fase terrível da nossa democracia:
1 – Os portugueses não brancos e não comunistas; “…ex-militares guineenses que permaneceram na Guiné-Bissau após a saída das tropas portuguesas e que acabaram massacrados pelas autoridades daquele Estado. Desta maneira, embora não se possa afirmar que Portugal se tenha furtado às suas responsabilidades para com aqueles militares portugueses (e que haviam sido assumidas no Acordo de Argel), a verdade é que não curou de acautelar os seus interesses e, no limite, a sua própria sobrevivência.”
Fonte: OS MILITARES PORTUGUESES NA GUINÉBISSAU: Da Contestação à Descolonização
2 – Os detentores do poder político forçaram uma solução antidemocrática, sem nunca terem estado/convivido no terreno;
Publicação de “A Rua” em 2 de Junho de 1977, baseando-se num artigo de “O Estado de S. Paulo”, de 15 de Maio, que se referia a afirmações de Mário Soares, proferidas no Brasil em 1973. Acrescente-se que o Der Spielgel, de 19 de Agosto de 1974 publicou afirmações similares, obtidas ao mesmo Mário Soares, já como MNE.
Nota da Avaliação do Polígrafo em programa da SIC: Em suma, é muito difícil afirmar de forma concludente que Mário Soares efetuou esta afirmação - mas dizer o contrário também seria um exercício especulativo.
3º - A cobardia de um poder militar submisso, cruel e antipatriótico.
Referido por: António Barreto -13.04.08, artigo com o título “Angola é nossa!”, jornal Público
Documento pouco credível por ser desnecessário, para caracterizar a acção antipatriota do “Almirante Vermelho”.
Pouco a pouco foi-se notando alguma preocupação quanto ao futuro de Malange. A partir de Março de 1975, quando se desentenderam, os movimentos de libertação passaram a lutar entre si pela sua afirmação. Apareceram então elementos ligados a movimentos de libertação que, mesmo sem experiência se exibiam a manejar armas modernas.
As fazendas grandes tinham algum armamento antiquado, ligado à OPVDCA. No caso da Fazenda S. José só havia duas armas de caça. Chegaram a ter duas armas e algumas granadas, mas enterram tudo isso, quando entregaram as caçadeiras. O Laurindo, por precaução, colocou em Malange, na casa da D. Rosa, a Barbara com o Zezito e a cunhada Isaura com a pequena Madalena e o bebé Joãozinho, nascido recentemente na sua deslocação à Metrópole para o parto.
Um dia em que o Laurindo havia saído, para os lados do Cacuso, houve escaramuças entre MPLA e UNITA e quando regressava, foi interceptado e impedido de prosseguir. Mudou de percurso outras vezes, e voltou a acontecer o mesmo. Em Malange, os familiares refugiaram-se no quartel militar. E quando o Laurindo lá chegou, eles já tinham seguido em coluna militar, para Nova Lisboa.
O Tio Quim e o Tio Tono ficaram na Fazenda sem saber o que fazer. Os empregados já não trabalhavam e alguns fugiram. O Laurindo conseguiu contactar com a Fazenda Cahombo e pediu-lhes que, de avião, recuperassem os seus cunhados e o filho Toninho, que lá continuavam isolados.
Em Luanda, o filho Manuel, que havia casado com a angolana Ana Maria acabava de ser pai do Zézinho, o primeiro neto do Laurindo. A criança ficou com a mãe e eles arrancaram de carro para Nova Lisboa.
Logo que se descobriram em Nova Lisboa, meteram-se a caminho de regresso, em coluna de carros em fuga, com destino a Luanda. Já lá estava o Tio Tono, mas choroso porque o pequeno avião não pudera trazer o Tio Quim e o Toninho. Viviam-se os momentos mais dramáticos daquela crise. O Laurindo teve muitas dificuldades em conseguir que os fossem buscar. Meteu-se na sede do antigo patrão Manuel Vinhas até convencer que um amigo piloto lhe resgatasse o filho e o cunhado Quim.
Este ficou bastante abalado porque lá deixara o Quissuto e sua mãe Mariquinha, sem saber o que fazer.
O Zézito, então com 13 anos, que sempre acompanhara a mãe Barbara, viveu momentos marcantes, que ainda hoje tem dificuldade em recordar.
Ele viu coisas horríveis. Ele recorda os mortos abandonados na via pública, os militares da Unita a divertirem-se disparando de cima do terraço para as ruas, sem oposição e as corridas que fazia no turbilhão de gente desesperada, atrás das viaturas dos militares, de onde atiravam pequenas embalagens de bolachas, batatas fritas, chocolates e outros alimentos apanhados em lojas e mercados.
Lembra ainda a última refeição preparada pela mãe Barbara. Lá em Malange, na casa da D. Rosa, ela havia feito um arroz malandrinho de lulas. Fez comida a mais para a poder oferecer a mais alguém. Só que a D. Rosa, que já tinha vários familiares e amigos ali refugiados, fê-los invadir a cozinha e pôs-se a matar a fome a todos eles, sem que a bondosa mãe Barbara reclamasse. E lembra o olhar da mãe como se lhe estivesse a pedir desculpa e a pedir sua compreensão.
Também viveu muito preocupado com a exposição do pai, que não parava, nem descansava, na procura de assegurar o salvamento dos seus. Por vezes, não se sabia dele, se comia e se dormia.
Em Luanda, despidos de tudo que possuíram, despidos do orgulho que os alimentava e despidos dos sonhos que os guiavam, apenas queriam sobreviver.
Vieram em 27 de Setembro de 1975, no auge da Ponte Aérea. Exactamente no dia em que o Zezito “festejava” o seu 14.º aniversário!
Pouco trouxeram além da roupa vestida. Os casados seguiram para junto das famílias das mulheres. Porém, o cunhado Neca, que veio mais cedo, limitou ainda mais o espaço na casa da Mãe Linda. O Laurindo, a Barbara, os três filhos, a nora e o primeiro neto já lá não cabiam. Mesmo assim, chegaram a dormir 17 pessoas naquela casa.
A boa fama de gente humilde e trabalhadora contribuiu para que, em poucos dias, muito se tenha resolvido. Como a casa do vizinho Sância era grande, foi-lhes facultado o abrigo durante alguns anos. A proprietária Dona Generosa justificava o nome, com a generosidade que demonstrava.
Todavia, ela soube bem aproveitar as aptidões dos Arriaga, dando-lhes trabalho nos seus terrenos.
No entanto, o Laurindo queria mais. Arranjou um pequeno tractor e nunca mais parou. Toda a gente admirava a vitalidade do Senhor Laurindo. Ele fazia de tudo com aquele tractor.
Dos terrenos ocupados (estaleiro dos camiões, caterpillars e campos de lavoura), ele quis destacar uma parte para fazer casa. Foi fácil o entendimento e a respectiva compra ao “Sôraugusto”, filho da Dona Generosa.
Em poucos anos, vimos aquele homem reconstruir exemplarmente uma grande família.
Foram anos de muito trabalho, mas também, de grande sucesso. Com alguma animosidade dos políticos de esquerda, os retornados também enfrentaram muito os invejosos. Possivelmente o maior invejoso de Crestuma, teve o azar de se meter com o Arriaga, junto à tasca do Arouca. Ainda hoje se ouve, lá no tasco: - "o baixote Arriaga, já com mais de 70 anos e uns 20 acima do invejoso, arreou-lhe duas lambadas no focinho que o pôs a gaguejar como um anjinho”
Como meus bons vizinhos, como admirador do seu grande trabalho e como solidário com o heróico esforço dos retornados, eu teria que ter uma boa relação com a família Arriaga. Ainda hoje, subo a escada, entro na porta, sem chave, na enorme sala, sento-me junto a uma grande mesa, onde raramente está vazia. É este tipo de abertura e de franca amizade que muito caracteriza quem viveu em Angola, independentemente da situação de maior ou menor poder material ou social de cada um.
Quando a “Sôrabarbara” caiu de cama, acentuaram-se as nossas visitas. O “Sôlaurindo” estava sempre por perto. Dessas carinhosas visitas temos muito gratas recordações. Ali, a pretexto de se ver os jogos do Porto juntos, vinham outros amigos que nos proporcionavam bons serões de convívio. Eram todos portistas, mas havia sempre discussões acesas, visto uns simpatizarem mais que outros nas decisões do treinador ou na “azelhice” de alguns jogadores. Porém, todos unidos no slogan “contra tudo e contra todos”. Até a “Sôrabarbara” murmurava baixinho: - O vermelho é cor do diabo.
O “Sôlaurindo” esforçava-se sempre por ter companhia. A sobrinha Emília – “Milita” (filha do tio Neca) que casara com o primo Zezito, também gostava de nos ver por lá e logo colocava na mesa excelentes petiscos caseiros. É uma joia de pessoa. Tem um coração de oiro. Está sempre a cuidar dos outros. Ela largou o emprego para se dedicar inteiramente ao cuidado dos tios (também sogros).
O Laurindo sentava-se sempre no mesmo canto, perto da lenha, para abastecer o fogão de sala. Estava sempre de ferro na mão, feito engenheiro de fogueiras, atento ao controlo das achas que iam ardendo. E eu, sempre friorento, colocava-me frente a ele. Gostava dele, porque o admirava muito. E gostava também quando ele contava coisas extraordinárias da sua vida. E sobre Angola, lamentava muito a sua difícil evolução. Dizia-me às vezes:
- Ó “Sôjosé”, aquilo nunca mais se endireita. Mandaram de lá para fora pr’aí um milhão de pessoas que lhes fazem muita falta. Meu Deus, ele há tanto que fazer naquela terra tão rica! Saíram de lá os que mais gostavam de trabalhar. E agora, o que vemos? Os amigos que lá voltaram, não aguentaram tanta corrupção e tanta miséria. Dizem que já ninguém respeita ninguém. É só vigários, pessoas sem escrúpulos e oportunistas. O dinheiro do petróleo, mesmo que fosse distribuído, não chega para alimentar tanta gente. Mas primeiro estão os políticos e os militares. Os que foram agora para lá roubar são acarinhados pelo governo como cooperantes e os que lá trabalharam honestamente, como verdadeiros angolanos, são apelidados de colonialistas. Coitados dos amigos quimbundos, tenho tanta pena deles!
Também me repetia orgulhoso a história de uma empresa de alfaias agrícolas que confiou nele, sem qualquer garantia. Creio que era de um Sr. Herculano, ali dos lados de Aveiro. Foi lá comprar umas aivecas para o ajudar a lavrar e veio de lá com um atrelado novo e cheio. Foi marcante e decisivo esse apoio inicial, que ele tanto agradecia.
Vivia orgulhoso pelo que fizera, mas mais orgulhoso pela família que o rodeava. Mesmo depois da crise da imobiliária, mantinham a boa ambiência. Dos três filhos e sete netos, destaco o filho Zezito que, com a Milita e os dois filhos: o Hugo (Conde das Cavadas) e a “Princesa” Bárbara (Babita) sempre viveram junto do exemplar Casal Arriaga, a quem dedicaram um carinho inexcedível e um amor enorme.
Lembro que o neto Zezinho, filho do Manuel e Ana Maria, nascido naquele Setembro negro de 1975, foi o primeiro a ser pai. Vive perto dos pais, desde que se instalaram lá para o Fundão.
Era uma alegria imensa vê-los todos juntos em dias especiais: aniversários, casamentos e baptizados. Também era agradável vê-los a visitar a Mãe Bárbara que acamara durante vários anos. Todos eles, pessoas de bem que muito honram a família Arriaga.
O filho Zézito sempre viveu com a mãe Bárbara e sempre lhe deu um carinho excepcional.
José Ferreira
(Silva da Cart 1689)
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Nota do editor
Último poste da série de 8 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21236: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (17): Laurindo Arriaga, o retornado (Parte I)
16 comentários:
Aquele documento assinado pelo Rosa Coutinho é muito interessante, até diria interessantíssimo.
Por que raio o Rosa Coutinho haveria de escrever ao Agostinho Neto toda aquela confidência, com encontros secretos e tudo, em papel oficial? Então eles não falavam pessoalmente um com o outro?
Para ter sido publicado, pouco tempo depois, em Joanesburgo, provavelmente nunca chegou às mãos do Agostinho Neto, ou então foi-lhe roubado depois. Esquisito.
Pouco tempo depois da ponte aérea do regresso dos retornados de Angola, começou a aparecer no Rossio-Lisboa "escritórios" do quer que se queira de documentos em timbrado oficial. Alguns dos ex-funcionários em Angola trouxeram resmas desses timbrados em branco. Muita gente sabia disso, e as nossas entidades oficiais da época aceitavam como 2ª.vias, por na confusão da evacuação as pessoas terem deixado ficar os documentos originais. Diplomas escolares e certidões com tempo de serviço foram feitos aos milhares.
Houve até um caso em que eu estive relacionado e até meteu a PJ, por uma queixa da Embaixada dos EUA. Fazia parte da documentação para viagem aos EUA, um documento de uma firma atestando que um seu empregado ia passar férias com uns familiares em NY, documento esse que na minha empresa era feito por mim. Sorte a minha, pese embora o papel ter o nosso timbre, a redacção, a forma da descrição e assinatura eram bem diferentes e os Serviços da Embaixada desconfiaram com outros para confrontar. Só ficou no ar a suspeita de como teriam arranjado o papel timbrado, como havia vários sectores da empresa com o mesmo tipo de papel, safei-me de mais interrogatórios.
Quanto a 'Boas Memórias da Minha Paz', do José Ferreira da Silva, como já nos vem habituando, são sempre excelentes textos com curiosos acontecimentos e vivências inesquecíveis.
Valdemar Queiroz
Há gente que olha para a vida como se a vida fosse um jogo.
E se assim é, "jogaram na carta errada" aqueles que como eu e Laurindo Arriaga deram o cavanço, ou in extremis por uma tal ponte aérea, ou de outra maneira qualquer, ou outros que vieram sem um filho ou sem um pai ou irmão esventrados ou degolados numa rua qualquer ou confinados numa praça de touros sem protecção, apesar de existir um exército irmão em campo e com parte activa no problema que ajudou a criar.
Camarada José Ferreira da Silva trouxeste um problema que aos camaradasdaguiné diz pouco, tal como o debate da droga também diz pouco, e isso pode deixar gente indisposta, pois na Guiné não houve Retornados, antes pelo contrário, houve ordens expressas para não "chatear branco", e drogados também não houve e vê a indignação que isto deu.
Essa boca da "carta errada" foi do ministro dos negócios estrangeiros do momento quando lhe perguntaram sobre o problema dos portugueses radicados nas colónias: chegou-me aos meus ouvidos via rádio, a resposta desse ministro: "Tiveram azar, jogaram na carta errada".
Ou seja...!
A legenda «As Quedas do Duque de Bragança (...)» está fora do sítio. Ela aplica-se à primeira fotografia, que tem a menina em primeiro plano, e não à segunda, que se refere às Quedas do Dala, na Lunda.
Em frente às Quedas do Duque de Bragança, agora chamadas de Calandula, havia uma pousada, onde não fiquei alojado (fui dormir a Malange), mas onde almocei. Como facilmente se imagina, foi um almoço absolutamente inesquecível.
Muito próximo do local onde a menina foi fotografada andavam dois ou três leprosos de aspeto disforme a pedir esmola. Na estrada vi ainda mais leprosos. Devia haver uma gafaria nas proximidades. Como são as coisas! Num mesmo lugar estavam reunidos o maravilhoso e o chocante. Desgraçadamente, eram os seres humanos que eram chocantes, sem terem culpa nenhuma da sua infeliz condição.
Muito obrigado, amigo Fernando Ribeiro, foi distracção minha porque mudei a foto de sítio e esqueci-me da legenda.
Está corrigido.
Carlos Vinhal
Coeditor
Oh Valdemar,
sobre a história dos papeis timbrados, também tenho uma.
A seguir ao 25 de Abril, vim a descobrir que um sujeito, que até chegou a ser da Direcção do SBSIlhas, apareceu como empregado bancário em Lisboa, através de uma cena dessas, e depois veio-se a saber que era ferroviário em Moçambique.
Outra coisa que eu desconhecia, é que em 1973, já havia retornados. É obra.
As tuas melhoras.
Abraço.
Caros Camaradas,
O texto que escrevi é sobre as pessoas e factos identificados. Ao conhecê-los, senti quase a obrigação de registá-los. Julgo que é uma história da nossa geração de que nos devemos orgulhar. Muitas outras,também devem constar na nossa memória colectiva.
Todavia, não ponho em causa outros testemunhos, menos dignos, não os justifico nem os defendo. Para mim, não passam de pequeníssimas excepções que nunca deverão fazer esquecer esse período IGNÓBIL da nossa história. Mais que os militares que foram obrigados a defender o território nacional, os chamados "retornados", consideravam-se em casa (não eram nem tinham direitos de emigrantes), a usufruir dos resultados do seu trabalho. Tal como se estivessem no Minho, no Algarve, na Madeira ou nos Açores.
A referência à data de 1973 é sobre uma entrevista a Mário Soares, efectuada em S. Paulo, onde alegadamente terá proferido aquela frase, sobre o que fazer com os brancos. Penso que o meu texto explica isso.
Obrigado pelo vosso interesse e pelos comentários.
Abraço
José Ferreira
(Silva da Cart 1689)
Carlos Moreno (por email)
11 agosto 202o 13:11
Caro Luis
Muito obrigado pela minha inscrição na Tabanca Grande.
Todos nós, que estivémos dois anos ou mais na Guiné, nunca esqueceremos esse tempo, embora cheio de dificuldades e de privações, mas onde fizémos bons amigos.
Gosto do blog pela muita informação e recordações que nos proporciona, e onde vou procurar colaborar no futuro.
Um abraço e continuação de bom trabalho.
Carlos Moreno
Sou muito cauteloso em relação a documentos "apócrifos" que circulam na Net, nas redes sociais, etc... E não gosto de "emprenhar pelos ouvidos", nem pelo outros sentidos...
Eu sei que, muitas vezes, não somos racionais (quase nunca o somos...) quandp reagimos, a quente, em situações de conflito...Não nos peçam para ser racionais quando nos matam um ente querido ou quando perdemos tudo: as economias, a casa, o emprego, a pátria, o futuro... O que aconteceu a muitos amigos nossos que, com a descolonização, infeliz, apressada, catastrófica (para todos), ditada por um a terrível conjuntura geopolitica, em plena guerra fria, ficaram reduzidos à condição de "retornados"...
Gosto muito do José Ferreira, mas não gosto de ver o nosso blogue transformado em pasquim, ou reproduzir documentos relhos e velhos que já foram há muito utilizados como armas de arremesso político... Deixemos os nossos mortos, seja à esquerda ou à direita.
Boa continuação do desconfinamento. Vou comer uma sardinada, amanhã como Zé Teixeira e família, que fugiu do Covid-19 e montou o bivaque junto às muralhas de Óbidos. Ontem trouxe o neto a ber o DinoParque, o parque dos dinossauros da Lourinhã... Fiquei muito feliz por ele me ter telefonado... Luís Graça
Zé Ferreira
Um pequeno comentário sobre 'Tal como se estivessem no Minho, no Algarve, na Madeira e nos Açores'.
Hás uns anos, na casa dos pais de um meu amigo, retornados* de Angola, o pai dizia ter sido um dos fundadores da localidade Gabela, embora a pedido do meu amigo para não falar em política, veio à conversa exactamente a mesma questão do 'como se estivessem no Minho, ou.....' e eu questionei, sendo assim porque era necessário uma carta de chamada para ir para Angola, ir ao Minho ou à Madeira não havia necessidade disso pois era tudo Portugal.
O que eu fui dizer.
-Já cá faltava essa porcaria, então você queria ir para aquela terra que tanto nos custou a criar e depois não arranjava ocupação e teríamos que ser nós a o sustentar, respondeu ele todo irritado.
E prontus, vim para o quintal fumar um cigarro (ainda fumava a merda dos cigarros).
Ab., saúde da boa e continua a escrever interessantes textos.
Valdemar Queiroz
* IARN - Instituto de Apoio aos Retornados Nacionais
Ser Retornado, é ter uma experiência coletiva rara.
Passaram-se experiências e sensações tão raras, que aqueles que tiveram a sorte de sobriviver, e sobriviver sem grandes danos psicológicos, (danos materiais nem contam absolutamente nada), ficou com uma sabedoria que não há universidade que nos transmita tanta sabedoria.
Só que ter sabedoria, mas memória curta, não adianta nada.
Eu, pessoalmente, vou resistir a não me esquecer de amigos com mais de sessenta, que não tiveram hipóteses nem saúde para se refazerem.
É que nem todos eram funcionários, bancários ou militares.
É que estes agora até se chamam "trabalhadores da função pública", vejam lá trabalhadores, quando naquele tempo trabalhadores eram aqueles que faziam calos nas mãos.
E estes dos calos nas mãos, eram a maioria dos retornados, os mais velhos, morreram quase todos na praia, tipo soldado desconhecido.
Rosinha, sabes isso muito bem.
Por cá, no final na II Guerra Mundial e antes da debandada dos homens do campo para trabalharem na Europa destruída, o Salazar arranjou maneira de mandar famílias de colonos para Angola. Coitados passaram as passas do algarve e por lá ficaram a fazer a suas vidas, calhando, alguns, com a ideia de serem também donos de plantações de café como os 'coloniais' já instalados há décadas.
Aqui, na nossa terrinha, começou a propaganda sobre o fulano tal que foi pra Angola e já tem uns criados pretos.
Criados e criadas é que havia muito por cá, a solução para deixar de cavar batatas era trabalhar nas obras para os homens e ser sopeira para as mulheres.
E assim, havia a criada da D. Maria das Dores e o criado do Dom Diogo da Silveira e os trolhas dos construtores Gomes & Costa.
E também havia os assalariados rurais, os assalariados/operários fabris, os empregados do comércio e escritórios e os funcionários públicos.
Entretanto, deixou de haver assalariados à semana, toda gente passou a ganhar ao mês e passaram a ser juridicamente trabalhadores por conta de outrem (TPCO), mantendo-se os funcionários públicos.
Depois, nos anos de 1990 apareceu uma 'inflamação na pele' d'alguns e o 'meu funcinário' começou a surgir e mais recentemente apareceu um abrenúncio e surgiram 'os meus colaboradores'.
E vá lá a gente se entender com esta tropa, ah! e também havia o se calhar até fico por lá na tropa.
Ab. e saúde da boa
Valdemar Queiroz
Oh Valdemar...
E aquela dos retornados, dizerem, que os soldados tugas, iam para a África, passar férias.
que não precisavam de ninguém, pois eles resolviam a questão???
E os barcos e aviões, a caminho da Guiné, Angola e Moçambique, por mais de 10 anos, e o assunto de policia como dizia o botas de santa comba, nunca mais era resolvido.
Como dizia o velho Scolari...e o burro sou eu???
Abraço, velho Lacrau. As tuas melhoras.
Caro amigo Zé Ferreira
Aquela saga do Laurindo e a sua gente por terras Angolanas é um retrato do que aconteceu com muitas famílias Portuguesas que por aqui viam todos os caminhos tapados e naquelas terras amplas e virgens encontraram espaço para tornar reais os seus sonhos.
Gostei muito´e tal como o vinho Fino cada vez estas melhor.
Um abraço
Manuel Carvalho
Caro Rosinhha,
Desculpa vir aqui defender a minha dama, mas a afirmação de os funcionários públicos não fazerem calos nas mãos é incorrecta. A minha empresa, ligada desde sempre ao Ministério dos Transportes e Comunicações, tinha mais de 1500 funcionários, muitos dos quais faziam, e não eram poucos, muitos calos nas mãos. Estou a lembrar-me dos forjadores, caldeireiros, serralheiros civis, pedreiros, trabalhadores de pá e pica, operadores de martelos pneumáticos, trolhas e outras profissões de grande desgaste. Outra coisa é a ideia do número de horas de trabalho por semana. Quando em 1966 entrei para a função pública, trabalhávamos 48 horas, alguns anos depois passámamos para as 45, e só depois do 25 de Abril passámos para as 40 horas semanais, que mantive até me reformar. No meu caso pessoal, principalmente nos últimos 6 anos em que chefiei a minha secção, não tinha horário fixo, o mínimo eram 9 horas por dia, com muitas semanas de 7 dias de trabalho, muitos deles a 14 horas e não raros, com 23 horas de trabalho, só com intervalos para as refeições. Quando alguém diz que os funcionários são todos uns malandros, digo logo: - todos menos eu. Claro que este eu incluí, entre outros colegas, os meus colaboradores que serviam os portugueses sob a minha orientação.
Um abraço
Carlos Vinhal
Carlos Vinhal, eu tambem fui funcionário público, (JAE)e "os calos nas mãos" para vencer na vida, é no sentido figurativo, e quero corrigir, em vez de calos nas mãos, corrijo para calos no cérebro.
Eu só não fiquei cá nos adidos Porque preferi ir para o Brasil e sabes um que fez imensos calos e foi também para o Brasil, desesperado e aos 50 anos deixando em Angola uma das melhores empresas naquele Portugal do Minho a Timor?
Foi simplesmente o Engº Manuel Vinhas, e que não aguentou o embate, morreu num hotel de luxo aos 52 anos a ver o império do grupo Cuca em Angola e a Laurentina em Moçambique, etc. etc. evaporar-se, desmoronar como um baralho de cartas.
Calos para mim é o inverso de quem modestamente e limitadamente se sujeita ao "certinho" que o orçamento do Estado nos concede.
Foi uma coisa que aprendi com o meu Retorno.
O engº. Manuel Vinhas, grande milionário da nossa praça, ligado à indústria cervejeira e agro-pecuária, foi uma personagem muito interessante.
Foi grande mecenas de vários poetas e pintores, como Pomar, Ary dos Santos e o poeta maldito Luís Pacheco.
Salazar nunca gostou dele e a pide não o largava chegando a o proibir de viajar para o estrangeiro.
Após o 25 de Abril houve várias polémicas com ele, e só Luís Pacheco dizia 'pagou-me muitas vezes a renda da casa'. Nunca se consegui saber quem seriam os 'militantes do partido comunista armados de G3' que assaltaram a sua casa.
Exilou-se no Brasil, onde veio a morrer.
Valdemar Queiroz
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