domingo, 9 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21242: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (74): Canábis - II (e última) Parte : Efeitos psicoativos, imediatos e a longo prazo



Segunda (e úlima) parte de um  folheto, já antigo, elaborado pelo IDT - Instituto da Droga e da Toxicodependência, que mais tarde (em 2012) deu origem ao SICAD - Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependência, dependente do Ministério da Saúde.

O SICAD tem, na sua página oficial, mais  informação, actualizada e bastante didática, sobre as substâncias psicoativas (leia-se: "drogas", termo hoje evitado pelos técnicos),  e de que reproduzimos, com a devida vénia,em  adaptação livre, alguns excertos.

Já aqui lemos, no blogue, um comentário a sugerir que a liamba, em Angola, era considerada, pelos naturais, como  pouco ou nada perigosa. Temos que ouvir o "contraditório", incluindo "os especialistas que falam de cátedra" sobre estas matérias... 

Naturalmente que o nosso blogue não tem "competências" técnico-científicas para mandar "bitaites" em matéria tão sensível e melindrosa, do ponto vista médico, social e político,  como o uso e abuso de substâncias psicoativas (vulgo: "drogas"). Muito menos tomamos partido no debate político-partidário sobre "a legalização da canábis para efeitos recerativos"...

Respondendo a um comentário, bem humorado, do nosso camarada António J. Pereira da Costa: "Só me faltava esta! Um manual do utilizador de drogas!" (*):

(...) "Pois é, Tó Zé, hoje há manuais para tudo... Deformação profissional: afinal, ainda tenho a mania de que o saber não ocupa lugar... e o gosto de o partilhar. Mas também sei do sofrimento daqueles (amigos, conhecidos, familiares, etc.)  que já experimentaram estas "coisas" ou  tiveram que lidar com o problema; são histórias de vida tramadas.(...)

(...) "De qualquer modo, o aviso é claro: é melhor não experimentar esta e outras 'drogas', com ou sem "capacete"... Imagina a rapaziada do obus, lá no Xime, com uns charros valentes em cima... Eram capazes de fazer o pino em grupo!" (...)

E deixam-me lançar aqui um desafio: temos um rúbrica ou um série ("O segredo de...") onde se podem "dar testemunhos" ou "fazer confissões"  sobre práticas socialmente menos bem aceites, como por exemplo o consumo de drogas na tropa, na guerra ou na vida civil... 

Por razões óbvias, as mensagens serão publicadas sob pseudónimo, mas é importante conhecer o perfil (militar) do autor: posto, arma, especialidade, teatro de operações, período da comissão...  Endereço de email: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné: luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com (sem acentos).

SICAD > Cidadão > Substâncias psicoativas > Derivados da Cannabis (continuação)

Os efeitos do consumo dos derivados da canábis (Cannabis Sativa) aparecem a curto prazo e variam em função das doses, da potência da substância utilizada, da maneira como é fumada, do estado de ânimo, do estado de saúde,da história clínica e das experiências anteriores. 

A. Efeitos imediatos 

(i) Sintomas e sinais físicos:
  • Aumento da frequência cardíaca;
  • Aumento da pressão arterial sistólica quando se está deitado e a sua diminuição quando se está de pé;
  • Congestão dos vasos conjuntivais (olhos vermelhos);
  • Dilatação dos brônquios;
  • Diminuição da pressão intraocular;
  • Fotofobia;
  • Tosse;
  • Diminuição do lacrimejo.
(ii) Sintomas psíquicos:
  • Euforia, que aparece minutos depois do consumo;
  • Sonolência;
  • Fragmentação dos pensamentos, podendo surgir ideias paranoides;
  • Intensificação da consciência sensorial, maior sensibilidade aos estímulos externos;
  • Instabilidade no andar;
  • Ação antiemética [, faz cessar ou ou evitar o vómito];
  • Alteração da memória imediata, assim como da capacidade para a realização de tarefas que requeiram operações múltiplas e variadas, juntando-se a isto reações mais lentas e um défice na aptidão motora, que persistem até 12 horas após o consumo. Isto provoca uma considerável interferência na capacidade de condução de veículos e outras máquinas.
Nas pessoas com pouca experiência e que a ingerem em lugares desconhecidos:  os efeitos negativos mais frequentes são  sintomas de ansiedade e ataques de pânico. Também, depois da euforia inicial, podem surgir sintomas de depressão.

Em pessoas vulneráveis ou consumidores de doses muito elevadas: pode provocar, em menor grau, um quadro psicótico-alucinatório-delirante agudo. Estes sintomas são mais frequentes nos países onde se consomem produtos potentes em THC (Delta 9 tetrahidrocannabinol, o alcaloide responsável por quase todos os efeitos característicos desta substância) . Os transtornos são de breve duração e em geral não é necessária uma assistência especializada. 

B. Efeitos a longo prazo

(i) Efeitos físicos:

Nos fumadores produz bronquite e asma. O risco de contrair cancro do pulmão é maior, devido ao fumo ser inalado de uma forma mais profunda.

Os efeitos endócrinos mais destacados são a diminuição da testosterona, inibição reversível da espermatogénese no homem e uma supressão da LH plasmática, que pode originar ciclos anovulatórios na mulher.

Os filhos das mulheres consumidoras crónicas podem apresentar problemas de comportamento. Produz alterações na resposta imunológica, apesar da sua importância clínica ser desconhecida.

(ii) Efeitos psíquicos:

Nos fumadores crónicos, o consumo pode provocar um empobrecimento da personalidade (apatia, deterioração dos hábitos pessoais, isolamento, passividade e tendência para a distração). Esta situação é semelhante à dos consumidores crónicos de outros depressores do Sistema Nervoso Central. Alguns autores denominaram-na como "síndrome amotivacional".

A existência de uma psicose canábica crónica é controversa e atualmente admite-se que só apareceria em indivíduos propensos a padecer de algum transtorno psicológico.

Potencial de dependência: provoca uma síndrome de abstinência leve (ansiedade, irritação, transpiração, tremores, dores musculares). A tolerância só ocorre nos grandes consumidores. Já que o seu mecanismo de ação no sistema nervoso se faz através de recetores específicos, não existe tolerância cruzada com nenhuma outra substância. 

Tendo em conta o elevado número de pessoas que consomem derivados da canábis, são muito poucas as que procuram ajuda para deixar o consumo.

Usos terapêuticos: Há canabinoides em uso em alguns países, como antiemético oral para tratar as náuseas provocadas pela quimioterapia.

... Esta listagem de efeitos é suficiente para se perceber que nenhum exército regular, moderno, no mundo, poderia fazer uma longa guerra como foi a nossa em África (Angola, Guiné e Moçambique) recorrendo a (ou incentivando) o consumo generalizado de substâncias psicoativas como esta, a canábis...  Eventuais casos, pontuais,  de consumos individuais ou grupais, "em contexto recreativio" ( em Angola  e Moçambique), não permitem fazer generalizações abusivas. 

Daí que o título de caixa alta do artigo do "Público", de 2/8/2020 ("Cannabis e álcool: companhias esquecidas dos combatentes da guerra colonial") (**), a não ser "malévolo", é extremamente infeliz e boçal, ofendendo a dignidade e a honra de cerca de um  milhão de portugueses que de 1961 a 1975 envergaram a farda do exército, da força aérea e da marinha e deram o seu melhor no cumprimento das missões (civis e militares) que lhe foram confiadas.

__________

Nota do editor: 

(**) Vd. poste de 4 de agosto de 2020 > Guiné 51/74 - P21222: Recortes de imprensa (112): entrevista ao antropólogo Vasco Gil Calado sobre droga e álcool na guerra colonial, "Público", 2 de agosto de 2020 (Carlos Pinheiro)

4 comentários:

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Isto é que é divulgação do conhecimento!...
Temos aqui o "Drogado sem Mestre". Aproveitem e documentem-se. O saber não ocupa lugar.
Pena que venha com certo atraso. Mas nunca é tarde para começar.
Se não tivesse surgido a questão da "tese" nunca teríamos acesso a esta forma de conhecimento.
Só por isso ela já foi útil.
Estudem e esclareçam-se e com um Ab. tenham um bom domingo.
António J. P. Costa

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Escreve o "nosso mais velho", Antóno Rosinho, a seguinte frase lapidar sobre a guerra de África eo nosso dever de mem+oria, em comnetário ao poste P16807, de 6 de dezembro de 2016:

"Não deve ficar nada por esclarecer sobre a guerra do ultramar.

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2016/12/guine-6374-p16807-o-nosso-blogue-como.html

E eu comentei o seguinet:

Rosinha, é essa a postura do nosso blogue: somos uma montra aberta e até os armários da loja devem estar escancarados, com as portinholas bem abertas, de par em par para mostrar que não há lá esqueletos escondidos lá no fundo...

Mas não é bem assim, isso depende de todos e de cada um de nós que aqui escreve, comenta, lê, vê... Há zonas da nossa memória que poderão estar eventualmente minadas ou armadilhadas... E algumas estarão mesmo: alguns de nós terão dificuldade em abordar este tema (uso de substânbcias psicoativas durante a guerra colonial), na medida em que ele envolve crítica ou censura social...

Quem se assumiria, em público, consumidor de liamba em Angola ou Moçambique, hoje, perante os filhos e netos e perante os seus camaradas ?

No meu tempo, liamba e outras drogas ainda não tinham chegado à Guiné. (E muito menos a coca, se ela lá chegou, mais tarde, depois da independência, não será por nossa culpa)... Nesse aspeto, a Guiné não era o Vietname... A nossa droga (social, culturalmente.. e disciplinarmente aceite!) era o álcool...

Mesmo assim soubemos lá aprender a beber... Falo da generalidade do pessoal... Sabíamos quando, onde, o quê e com quem beber... Nomeadamente, os operacionais...E depois há que operar a distinção: no mato e no quartel (, no regresso de operaçõoes...).

Drogas & álcool em combate ? Andar com uma elevada taxa de alcoolémia, no mato, em operações, podia ser a morte do artista...

Aliás, era impensável levar para o mato um gajo bêbado (ou "drogado"), com tempertaturas elevadíssiumas e 100% de humidade no ar, e muitos quilómetros a palmilhar, num terreno tramado para um europeu, e em que era preciso estar na melhor forma física possível, com todos os olhos e ouvidos bem abertos...

Portanto, nada de fanfarronices, camaradas... Em matéria de álcool (e sexo), temos sempre a tendência para a fanfarronice: somos os maiores!...

Anónimo disse...

Consumo de "droga" na Guiné ????

Como é que se consome aquilo que não existe.
Da minha experiência pessoal nunca vi consumir, muito menos vender, mesmo em Bissau.
Quando éramos reabastecidos os desgraçados dos soldados tinham cerveja quente,que normalmente durava uma semana, após a qual esgotava, e "água de Lisboa" que esgotava muito antes do próximo reabastecimento.
Os graduados tinham direito a uma garrafa de água do luso e uma de "old parr",cada vez que havia reabastecimento.
O que nunca esgotava era água da bolanha que depois de filtrada ainda era castanha.
A propósito de doutoramentos, conheço doutores em "orientação das escamas da sardinha" ou na "impregnação de iodo no trevo".
Cada um dá a importância que quiser a coisa nenhuma de rigor cientifico.

AB

C.Martins



Anónimo disse...

Caros Camaradas

Em verdade éramos todos uns drogados durante a guerra na Guiné!

Será que o douto Doutor incluiu nas suas estatísticas tão abrangentes a nossa velha amiga Camoquina/200 mg. tomada religiosamente uma vez por semana contra a malária?

Deu grandes “pedradas”...as bajudas que o digam!

J.Belo