sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Guiné 61/74 – P21251: Memórias de Gabú (José Saúde) (95): Imagens que nos tocam. O nosso quartel. (José Saúde)

 Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > c. 1973/74 >  Vista aérea do no quartel novo. Foto de Amílcar Ramos.


 


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamegp, Gabu, 1973/74) enviou-nos a seguinte mensagem:


Imagens que nos tocam: o  nosso quartel.

Camaradas, 

Levo até vós a imagem aérea do meu (nosso) quartel (o novo) que se localizava à saída de Gabu na estrada que nos conduzia a Bafatá. O velho situava-se no interior da localidade.  

Este é mais um pequeníssimo texto inserido no meu último livro – Um Ranger na Guerra Colonial Guiné-Bissau 1973/74 Memórias de Gabu –. 

Memórias que todos nós guardaremos no baú das recordações, uma vez todos vestimos o rótulo de antigos combatentes.  


Imagens que nos tocam: O nosso quartel 

por José Saúde


Obrigado, camarada Amílcar Ramos, por este pequeno/grande miminho que trouxeste a público: uma foto do quartel novo de Gabu. Uma imagem que me fez viajar no tempo e recordar o meu, aliás nosso, quartel. Tu, camarada de armas, também por lá passaste. Eras furriel miliciano BAA, estavas alojado em instalações avançadas junto à pista de aviação, mas, lá ias à messe de sargentos “carregar” o estômago.  

E tantos foram os almoços e jantares em que fomos companheiros de mesa. A minha memória teima em refazer imagens desses velhos tempos. Recordar espaços comuns, camaradas que o tempo ousou literalmente afastar e um sem número de aventuras acumuladas em pleno palco da guerrilha. 

“Uma lágrima ao canto do olho” vagueia pelo meu rosto abaixo e já crivado de saudosistas recordações. Olho atentamente a foto e curvo-me perante as lembranças. São, de facto, muitas que se concentram nesta já sexagenária e débil mente. Todavia, aquele horizonte leva-me a um mítico cheiro a África. Apeteceu-me viajar nas ondulantes asas do vento, imaginar-me a envergar o meu camuflado, “viajar” num Unimog, ou a “butes” por um trilho e desbravar aquele inigualável horizonte. 

Na pista alcatroada aterravam e descolavam aviões de maior porte (Noratlas, por exemplo) que obrigava o pessoal a uma proteção mais refinada.

A dimensão que a foto monopoliza, leva-me a outros sensações sentidas no tempo áureo da guerrilha. Aquela estrada para Bafatá!... Ui, tantas colunas que fizemos a terras do Geba e tantas histórias que farão eternamente parte integrante dos nossos baús.  

Depois a grandeza e profundidade daquele mato serrado. Os quilómetros palmilhados pelo interior daquele matagal. O contacto com as tabancas que habitualmente cruzávamos. O dialogar com os homens e as mulheres grandes. Ouvir a criançada quando a nossa chegada à tabanca ocorria. A brincadeira dos macacos, ou um inadvertido toque numa árvore que, entretanto, acolhia um enxame de abelhas e o subsequente delírio da rapaziada. Uma galinha de mato que levantava voo, ou uma gazela apetecível a um tiro que não se dava, por motivos óbvios. Enfim, uma panóplia de recordações que o guerrilheiro nunca esquecerá. Momentos inolvidáveis, sublinho eu.  

Por outro lado, havia os tais momentos sempre de incerteza. Incerteza no trilho; incerteza na picada; incerteza no que estava para lá da densidade do mato; incerteza no momento seguinte; incerteza numa mina que traiçoeiramente tinha sido colocada pelo IN com a finalidade de causar ronco num jovem em plena idade de afirmação e a incerteza numa emboscada. 

Reparo, também, as tabancas à beira da estrada. Revejo o meu quartel. Os aposentos dos oficiais, dos sargentos e do restante pessoal; a porta de armas; o refeitório das praças; as oficinas e  a parada.  

Camarada Amílcar, reforço o meu brigado pela lembrança!   

Um abraço, camaradas

José Saúde

Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.

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Nota de M.R.:

Vd. também o poste desta série em:

27 DE JULHO DE 2020 > Guiné 61/74 – P21201: Memórias de Gabú (José Saúde) (94): Dois guerrilheiros do PAIGC piraram-se da prisão de Gabu (José Saúde)

1 comentário:

Valdemar Silva disse...

Zé Saúde
Por curiosidade, o Quartel sede do Batalhão e Quartel de Baixo no centro da localidade foram desactivados com a construção deste novo Quartel em 1973 e todos o militares foram colocados nas novas instalações?
Nesse caso quem é que passou a ocupar as antigas instalações militares e como é que era feita a vigilância/segurança na cidade?

Ab. e saúde da boa
Valdemar Queiroz