segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21245: Notas de leitura (1297): A política económica e social na Guiné-Bissau, por Carlos Sangreman, Doutor em Estudos Africanos (1974-2016) (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Maio de 2017:

Queridos amigo,
Socorro-me desta síntese de Carlos Sangreman para se fazer uma viagem à vida da Guiné-Bissau até quase aos nossos dias. São postas questões determinantes, vários autores, caso de Julião Soares Sousa, tem procurado dar resposta, mas todos nós sentimos que há um pano de fundo na trajetória democrática, na pedagogia das elites, na obrigação dos partidos políticos se sentirem minguados há uma ideologia de coesão, solidariedade e prática dos valores nacionais sobrepondo-se à raiz étnica, enfim, nos grandes valores e princípios, há algo que falta para que a nação vibre e o Estado passe de frágil a um entidade viva, por todos respeitada.

Um abraço do
Mário


A política económica e social na Guiné-Bissau (1974-2016) (1)

Beja Santos

O autor deste documento é Carlos Sangreman, doutor em Estudos Africanos, consultor internacional com missões em todos os PALOP. Logo no resumo, dá-nos conta do propósito essencial: “Que políticas económicas e sociais a Guiné-Bissau concebeu e executou ao longo de 42 anos? Que base colonial existia em 1974 que tenha sido um ponto de partida para a governação do PAIGC? Com governos e presidentes fortes e fracos, com uma imagem de instabilidade permanente, acusados de favorecer o tráfico de drogas para a Europa, mas com uma paz social relevante para uma região assolada por guerras civis, como se expressou a governação na escola de modelos económicos e sociais a partir de um ideário construído por Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Pedro Pires, Nino Vieira e outros?”.

No trabalho periodizam-se as políticas económicas e sociais em cinco períodos: as políticas coloniais até 1974; as políticas de desenvolvimento de iniciativa nacional, de 1974 a 1986; as políticas de ajustamento de iniciativa FMI/BM, de 1986 a 1998; as tendências caóticas na governação, em diferentes períodos (1998-2003, 2005-2007 e 2012-2014); e as políticas de recuperação (2004-2005, 2008-2012 e 2014-2015).

No primeiro período, recorda-se a legislação dos anos 1920 e 1930 com vista a estruturar a administração, criando ou reforçando serviços desde as alfândegas e registo civil à justiça e saúde. Os mandatos dos Governadores Velez Caroço, Vaz Monteiro e Sarmento Rodrigues revelaram-se particularmente dinâmicos. Adotaram-se medidas de apoio à agricultura, incitou-se a população a cultivar produtos que fossem comercializáveis externamente por Portugal. A política económica incidiu sobre a conceção de monopólios de comércio e produção a firmas como a Casa Gouveia (ligada à CUF – Secção África), a Sociedade Comercial Ultramarina (ligada ao BNU), Mário Lima, Ed. Guedes Lda., Aly Soulemaine, Barbosa & Comandita e aos franceses da CFAO, SCOA e Nouvelle Societé Commercialle Africaine, bem como facilidades de comércio e produção a famílias como os Nozolini, Pereira Barreto, Carvalho de Alvarenga e outros. Até ao fim da glória houve mais propostas, como as de Picado Horta, que preconizava a necessidade de integração progressiva dos setores tradicional/rural e moderno/urbano, apoiando-se em polos de desenvolvimento agroindustriais, agrícolas e industriais.

No segundo período, já na independência, o PAIGC em 1977 definiu orientações de política económica em que a reconstrução nacional assentava na agricultura, infraestruturas e pequena indústria, educação e saúde. Tal não aconteceu, a industrialização, as infraestruturas de transporte e comunicações e administração pública do país ganharam prioridade, o país parecia circunscrito em Bissau. Vasco Cabral dizia abertamente que a economia refletia o centralismo democrático, daí a centralização da governação no aparelho central do Estado, a estatização era o objetivo último. Esta política não foi interrompida com o golpe de Estado de Novembro de 1980. Mas nos anos subsequentes os desastres revelaram-se clamorosos, as empresas que compunham o setor empresarial do Estado estagnaram ou faliram, a capacidade instalada nestas empresas foi utilizada em média em 20 a 25%. Chegou-se a uma situação em que as receitas internas cobriam apenas 50% das despesas correntes do governo e uma percentagem nula das despesas de investimento. A inflação trepou astronomicamente, a dívida externa aumentou em permanência. Tentou-se uma política de alfabetização de adultos e das forças armadas.

Pretendia-se continuar a prática das escolas nas zonas libertadas. Mas tudo foi esmorecendo, quer pela falta de materiais e instalações quer porque as famílias viam no ensino uma atividade elitista, cujo calendário estava em conflito com a necessidade dos jovens participarem no trabalho agrícola. Em 1976, foi elaborado um Plano Nacional de Saúde, com farmácias de tabanca, unidades de saúde de base, hospitais de setor, assim se pretendia a cobertura do país, recorrendo à descentralização. Contou-se com a assistência técnica externa (francesa, italiana, holandesa, cubana, chinesa continental, chinesa Taiwan e soviética, com a execução de muitas ONG estrangeiras e nacionais depois de 1991). O sistema acabou por ruir, a despeito da criação de infraestruturas modelares, como a de Canchungo.

Grassou o descontentamento, e numa primeira fase atribuíram-se plenas responsabilidades a Luís Cabral. No congresso extraordinário do PAIGC de 1981 falou-se na retificação de erros e desvios da linha anteriormente aprovada. Como se disse atrás, o discurso teórico não coincidiu com a prática, a proliferação de projetos de desenvolvimento por todo o território, processou-se de forma descontrolada, desacreditou-se por si próprio.

Com Nino Vieira nada mudou com o papel dirigente do Estado seja na atividade económica seja nas áreas sociais, o que se abandono foi o objetivo de um Estado binacional. Acordou-se num programa de estabilização económica, contou-se com o apoio do FMI e do Banco Mundial. Os eixos básicos desta política económica tinham os seguintes elementos: eliminação dos desequilíbrios entre a produção e consumo, através de medidas de saneamento da situação económica e financeira; a reorganização do setor público e o impulso ao setor privado com a liberalização dos circuitos comerciais e económicos; a definição de critérios para uma melhor utilização de ajuda externa; e manutenção do controlo da economia por parte do Estado. Como o objetivo do equilíbrio orçamental mexeu-se na política fiscal procurando-se aumentar as receitas com os impostos sobre tabaco, álcool e combustíveis.

Mas tudo se agravou em 1983 para 1984, não houve qualquer progresso na via da estabilização, nada melhorou nos preços nem no abastecimento e a política cambial de desvalorização deslizante pouco melhorou o mercado paralelo de divisas. As razões de tal insucesso terão tido a ver com o atraso da conceção de fundos de ajuda externa à balança de pagamentos, com a incapacidade em recursos humanos e técnicos de levar à prática as decisões políticas do governo ou do partido. Em síntese, quatro anos depois do golpe de Estado de 14 de Novembro, a governabilidade, a incapacidade de execução das instituições públicas era referida como uma das causas centrais do insucesso no desenvolvimento do país.

(Continua)


O caju e o seu sumo, realizações viáveis
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21219: Notas de leitura (1296): “Guiné-Bissau: Um caso de democratização difícil (1998-2008)”, por Álvaro Nóbrega; Coleção Estudos Políticos e Sociais, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 2015 (3) (Mário Beja Santos)

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