sexta-feira, 19 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19993: Notas de leitura (1199): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (15) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Abril de 2019:

Queridos amigos,
Chegou o momento de compulsar a história do BCAV 490, ter em conta o que nela se escreve para corroborar o que entusiasmadamente o bardo exalta. Diz-se explicitamente que faltam relatórios, ou não houve tempo de os apensar à História da Unidade, ficamos com referência ao que concretamente constituiu a ida ao Morés e os patrulhamentos no Oio. Terá sido uma operação espinhosa, com destruição temporária das bases do PAIGC. A seu tempo, aqui se reproduzirão o hino do batalhão e as recordações de um outro elemento do BCAV 490.
Devo ao nosso confrade Carlos Silva a amabilidade, nele muito comum, disponibiliza generosamente os papéis da sua farta biblioteca, desta História da Unidade. Espera-se que os intervenientes comentem, acrescentem, recordem e juntem-se à exaltação lírica do Santos Andrade... A missão vai-se cumprindo, até ao último de nós partir para as estrelas.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (15)

Beja Santos

“Foi então a retirada.
Nas tabancas se ficou.
Atacaram noite inteira e três dias se regressou.

O Comandante do Batalhão
toda a emboscada passou
e feridos às costas carregou
seguindo para a povoação.
É homem de bom coração,
deu provas de ser camarada.
Ele e toda a rapaziada
vir a coisa muito feia
e mais ou menos às 5 e meia
foi então a retirada.

Com o Sequeira carregava
o amigo Crespo do morteiro.
Mostrou ser bom companheiro,
ele e quem o ajudava.
A uma clareira se chegava
e um cerco se montou,
o helicóptero poisou
para os feridos mais graves levar.
E para a noite se passar,
nas tabancas se ficou.

À povoação abandonada
todo o pessoal chegou
e em redor se acampou
e a bandeira foi içada.
Tivemos um camarada
que viu chegar dois à sua beira.
O amigo Ventura Pereira
estava ferido e não dormia,
porque com muita rebeldia
atacaram a noite inteira.

Dois pelotões o renderam
para continuarem a missão
e abalaram estes então
e mais um ataque sofreram,
mais três colegas gemeram
porque o fogo lhes acertou.
Em seguida, a sede apertou
e numa bolanha se bebeu.
Tudo isto se sofreu
e três dias se regressou.”

********************

É o momento azado para se consultar a história do BCAV 490, há muita sintonia entre o que nos conta o bardo e o que ficou exarado em máquina datilográfica. Em resumo, o BCAV 490 estruturou-se em Estremoz, predominava o alentejano dentre as regiões de naturalidade do pessoal. Foi durante o período de licença que se recebeu a comunicação que o batalhão já não se destinava a Moçambique mas à Guiné, e escreve-se: “Esta alteração provocou uma certa perturbação no espírito do pessoal, até porque já tinham sido feitas as declarações de pensões, as quais, à última hora, tiveram de ser substituídas e reduzidas para cerca de metade. No entanto, ninguém deixou de comparecer ao embarque”. Segue-se a relação nominal de todo o efetivo, ler-se-á adiante que houve um sem número de alterações na sua composição. Partiram no Niassa em 17 de julho, conjuntamente com outras unidades. Durante a viagem houve instrução de armamento, o pessoal estava a familiarizar-se com a G3, arma que nunca tinham visto.

Por razões de ordem logística, sobretudo devido à falta de alojamentos em Bissau, o BCAV 490 só desembarcou em 27 de julho. Leia-se sobre as suas condições de habitabilidade:  
“Após o desembarque, ficou alojado na Bolola, recinto constituído por alguns barracões sem as mínimas condições de vida. O pessoal utilizava as marmitas (nos dois anos de comissão só utilizou pratos durante dois meses) para as suas refeições, sem qualquer recinto abrigado que o protegesse das inclemências do tempo. Os alojamentos não tinham portas nem janelas e os telhados dos barracões eram permeáveis à chuva. Não existia qualquer compartimento que pudesse ser utilizado como arrecadação. Na altura em que as obras já estavam quase concluídas, e em que o batalhão poderia beneficiar dos melhoramentos, em meados de dezembro de 1963, foi-lhe determinada a mudança para o Forte da Amura, com instalações mais apropriadas, mas mesmo assim deficientes. Antes de terminar este capítulo, não é descabido referir que no deslocamento da Unidade, de Bissau para o Setor 02, as condições especiais em que aquele foi executado, não permitiram nem aconselhavam que o pessoal transportasse a sua bagagem, até porque se calculava que o Batalhão desempenhasse uma missão de intervenção com a duração de cerca de 20 dias. Assim não sucedeu e o batalhão entrou em Sector, possuindo os homens apenas uma muda de roupa e organizando as suas posições ao mesmo tempo que combatiam um IN moralizado e atrevido. Em consequência das dificuldades de transportes, grande parte do pessoal, somente oito meses após a entrada em Sector, recebeu as bagagens com os seus pertences, alguns incapazes de serem utilizados devido à influência perniciosa do clima”.

De Bissau seguem para a região do Oio, na História da Unidade é tratada como o fulcro do terrorismo e o reduto do Morés como santuário. O BCAV 490 permanece até final do ano, está em intervenção à responsabilidade do BCAÇ 512, sediado em Mansoa. Irá atuar nas regiões de Mansabá e Bissorã, executando ações de rusga, reconhecimento, limpeza, remoção de abatises, fazendo emboscadas, patrulhamentos, dialogando com a população e participando em operações de maior envergadura. Não houve tempo para incluir os relatórios de todas as operações realizadas, apensam-se algumas das mais importantes, sempre o Oio, sempre o Morés.

Há o relatório de Operação Adonis A-2, uma operação para aniquilar um forte grupo IN na região delimitada pelas povoações de Mindodo – Sansabato – Iracunda – Fajonquito – Maca. Saiu-se de Bissorã, viaturas estacionadas em Ponte de Maquê e Olossato. Descansaram em Canicó, tabanca fiel, estabeleceram cerco a Sansabato, dispôs-se o efetivo para atacar e cortar os itinerários de retirada. Em Sansabato prenderam-se elementos de ligação dos terroristas e conhecedores dos caminhos utilizados pelos indígenas, o chefe da tabanca foi forçado a incorporar-se na operação, os outros elementos seguiam amarrados uns aos outros. De Sansabato encaminharam-se para Fajonquito, encaminharam-se duas mulheres e duas sentinelas. Foram recebidos por forte tiroteio, houve que retirar para a orla da mata e solicitar apoio aéreo. Como este não chegou, prosseguiu-se o caminho para o Olossato. Os guerrilheiros respondiam na mata. É nisto que apareceram dois T-6, voltou-se atrás, até ao local do primeiro tiroteio, numa pequena clareira houve uma nova troca de tiros, desta vez quase à queima-roupa. Foram abatidos elementos do IN e apreendido armamento. E regressou-se ao Olossato e daqui a Bissorã. O autor do relatório, o Capitão Romeiras Júnior considerava que a cooperação ar-terra se deveria basear em observação aérea para orientação e indicação das forças terrestres e também indicação por estas forças para os objetivos da aviação.

Vejamos agora o relatório da Operação Adonis B-3, a missão é detetar, aprisionar e destruir um bando IN referenciado no Morés, comanda a operação o Coronel Fernando Cavaleiro. Uma primeira força dirige-se diretamente ao Morés e uma outra fica emboscada na região de Mamboncó. A saída foi a partir de Mansabá. A força atacante não encontrou obstáculos até Cai, aí começou o fogo das nossas forças, um elemento IN fora gravemente ferido na anca e prontificou-se a colaborar para o cumprimento de chegar ao Morés. Um outro elemento pôs-se em fuga, progrediu a marcha e depois de Cai foram vistos 6 ou 7 elementos IN armados de pistola e espingarda.
E escreve-se:  
“Morés foi atingida pelas 8,30 da manhã. Imediatamente foi passada revista às palhotas existentes e detida uma nativa velha que estava numa delas junto do marido doente. A velha, que se chamava Mala Seidi, deu informações de grande interesse e coincidentes com as declarações anteriores do prisioneiro ferido. Ficámos então com a certeza que a casa de mato se encontrava junto do caminho que de Morés conduz a Talicó, pouco mais ou menos a meio das duas bolanhas existentes a Sul. Entretanto, foram vistos a cerca de 300 metros a Nordeste de Morés oito elementos IN armados, fardados de camuflado. Internaram-se na mata e não tornaram a ser vistos. Pelas 11 horas, aterrou o helicóptero com o Comandante-Chefe da Guiné e na sua presença foi hasteada a bandeira da Pátria em Morés e tiradas algumas fotografias. Mais adiante, chegaram dois T-6, de acordo com o pedido feito de intervenção sobre as zonas das casas de mato. Enquanto os aviões metralharam a área, procedeu-se à destruição de cerca de 300 palhotas que se encontravam de pé nos aglomerados do Centro e Sul da tabanca do Morés.”

Procurou-se alcançar a casa de mato considerada o quartel-general dos grupos que atuavam na região do Oio, a força atacante encontrou resistência, alguns foram abatidos, da parte da força atacante havia feridos, o 1.º Cabo-Enfermeiro Adozindo Carvalho de Brito fora gravemente atingido. Foi um período de 45 minutos de inferno de fogo e sangue até que chegaram os T-6 que metralharam o IN. “Durante a retirada, alguém se lembrou da velha que foi utilizada como guia, mas essa pagou com a vida a colaboração que anteriormente dera aos terroristas, varada com uma rajada de pistola-metralhadora dos próprios correligionários. O 1.º Cabo Adozindo não resistiu aos ferimentos. Permaneceu-se no Morés até ao dia seguinte, o IN espingardeou durante a noite".
O relator foi o Capitão António Pais do Amaral, escreve em dado passo:  
“É de justiça fazer uma referência muito especial ao nosso guia, Malan Seidi, que nos acompanhou desde Mansabá. Pretendemos evacuá-lo na manhã de 3 de Novembro por se encontrar com um ferimento no joelho recebido na emboscada da véspera, possivelmente por bala que não chegou a sair segundo a opinião do nosso médico. Depois de um comportamento exemplar, respondeu terminantemente que iria acompanhar a tropa. Estas palavras sinceras, ditas por nativo ferido, da cor e raça daqueles que nos fazem guerra no Oio, são extremamente consoladores e o melhor incentivo para não abandonarmos à ignomínia todos aqueles que por nós serão capazes de proceder como fez o nosso guia e amigo Malan”.
Na manhã seguinte foram recolhidos os feridos e chegaram munições e água, a aviação bombardeou e metralhou as zonas das casas de mato. No regresso, levantaram-se abatises colocadas nas estradas entre Bigine e Cudana e mais 24 abatises foram removidas no caminho do Morés até à estrada de Bissorã. No final do relatório, a propósito dos ensinamentos colhidos, o relator observa: “Hoje em dia, nenhum informador nativo se aventura a percorrer certas zonas do Oio e nós que já temos muitas dezenas de quilómetros percorridos na região, desola-nos nem sempre a podermos colher, porque raramente se encontra alguém e quando isto sucede os nativos interrogados ou não sabem ou não dizem talvez por recearem represálias por parte dos terroristas”. E não esconde o seu orgulho em citar o nome do comandante do batalhão pela sua nunca desmerecida valentia.

(continua)



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Notas do editor

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Último poste da série de 15 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19979: Notas de leitura (1198): “Estratégias de Vivência e de Sobrevivência em Contextos de Crise: Os Mancanhas na Cidade de Bissau”, por Mamadú Jao; Nota de Rodapé Edições, 2015 (2) (Mário Beja Santos)

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