O Saltitão
Quando, no final de Agosto/71, após as minhas primeiras férias na metrópole, regressei ao Saltinho, fui convidado pelo Capitão Carlos Trindade Clemente, Comandante da Companhia ali instalada (CCAÇ 2701), para levar avante a criação do Jornal da Unidade, que era uma coisa que ele tinha em mente há muito tempo. Só ele saberá das razões que o levaram a escolher-me para missão de tamanha responsabilidade, tanto mais que eu não fazia parte dos quadros da Unidade – estava lá em diligência desde Março/71, após estágio de informações, com a duração de cerca de três meses, em Bambadinca. Claro que logo aceitei a incumbência com o maior entusiasmo, ou não tivesse eu, sem que ele conhecesse o facto, grande experiência do antecedente naquelas coisas do jornalismo – fora, de parceria com um conterrâneo do mesmo pelotão, o grande feitor do Jornal de Parede da 5.ª Companhia no RI 5, nas Caldas da Rainha (recruta do 4.º turno de 1969 – Curso de Sargentos Milicianos), após termos afastado a indesejável concorrência à bofetada.
A Direção do jornaleco pertenceria por inteiro, e por inerência do cargo, ao mentor da obra, o Capitão Carlos Clemente, Comandante da Companhia, que, desde logo, delegou em mim todas as competências e mais algumas: Migueis, você fica com inteira liberdade para orientar e dirigir o Jornal. Não há censuras. Mas, respeitaremos o objetivo primordial – já falámos sobre isso –, que é contribuir para manter as tropas com o moral tão elevado quanto possível. Do resto, tratará o nosso bom censo. Gostaria também que o jornal não estivesse virado apenas para as elites. Com erros ou sem erros de gramática, ponha-me os soldados a escrever. Com estas ou com outras palavras, a mensagem estava passada. E, se, no imediato, não seria possível atender a esta última recomendação do nosso Capitão – lembremo-nos do baixo nível de literacia, ao tempo, da maioria esmagadora dos nossos soldados –, para lá caminharíamos rapidamente nos números seguintes.
O Corpo Redatorial, sem o qual nada seria possível, acabaria, então, constituído por mim próprio – o moiro de trabalho, pois claro – e pelos 1.ºs Cabos Operadores Cripto, José Sargaço e Rui Coelho – com gente desta estirpe, O Saltitão só poderia ter feito um enorme ronco não só na Guiné como também no resto do mundo e arredores (se não acreditam no sucesso da coisa, perguntem ao PIFAS, que ele ainda se há de alembrar).
Para gáudio dos seus mentores, feitores, colaboradores e apoiantes, ainda naquele mês de Setembro de 1971, saltaria para as bancas o primeiro número de O Saltitão (a ideia do nome foi-nos sugerida pelo lugarzinho onde nos encontrávamos, pois claro), em tamanho A4 (normalmente, cada número dos jornais do género não passava de meia dúzia de páginas e era impresso em folhas tamanho A5), e impressão em stencil, maquineta que, em conjunto com umas boas toneladas de papel almaço branco e liso, o Capitão Clemente se apressara a requisitar a Bissau – ainda estou a ver e a ouvir o helicóptero de dois rotores, pairando, a 10 metros de altura, sobre a pista do Saltinho, a descarregar cuidadosamente aquele fardo gigantesco de resmas e mais resmas de papel para impressão.
Para satisfação da curiosidade dos estimados seguidores do nosso blog, estou a anexar algumas das cerca de trinta páginas do primeiro número do mensário (Setembro/1971). Dependendo dos likes (leia-se comentários) recebidos, divulgarei ou não o segundo número editado (Outubro/71).
Esposende, 10 de Julho de 2019
Mário Migueis
O héli de dois rotores, descarregando as preciosas toneladas de papel para impressão do Saltitão
Com a devida vénia à Sputnik Brasil, onde a foto foi publicada oportunamente
********************
2. Primeiras 5 de 19 páginas do primeiro número de O Saltitão
(Continua)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 13 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19976: Os nossos seres, saberes e lazeres (340): Na Bélgica, para rever e para descobrir o nunca visto (5) (Mário Beja Santos)
Sem comentários:
Enviar um comentário