quarta-feira, 17 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19986: (Ex)citações (355): Mortes por afogamento - A morte por afogamento, sem recuperação do corpo, do 1.º Cabo Radiotelegrafista Manuel Andrade da CCAÇ 2701 (Mário Migueis da Silva)

1. Em mensagem datada de 17 de Julho de 2019, o nosso camarada Mário Migueis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), fala-nos das circunstâncias da morte, por afogamento no Corubal, nos Rápidos do Saltinho, em Agosto de 1970, do 1.º Cabo Radiotelefonista Manuel Andrade da CCAÇ 2701, cujo corpo não foi recuperado.

A morte por afogamento, sem recuperação do corpo, do 1.º Cabo Manuel Andrade, especialidade de Radiotelefonista, foi a única baixa fatal sofrida pela CCAÇ 2701 durante a sua comissão de serviço no Saltinho desde Maio/70 a Fev/72.

Segundo o José Sargaço, ex-1.º Cabo Operador Cripto, com o qual, por coincidência, estivera a falar sobre o afogamento do Andrade, duas horas antes da publicação do post de 15/07, tudo se passou assim:

O Andrade, dias após a chegada ao Saltinho, em Maio/70, foi, com um grupo de combate da CCAÇ 2701, destacado para Cansonco, tabanca em autodefesa situada a sensivelmente quinze quilómetros do aquartelamento, onde se manteve cerca de dois meses. Na tarde - seriam mais ou menos dezasseis horas - do próprio dia em que regressou de Cansonco, isto é, em 09/08/1970, o Andrade, ainda empoeirado da viagem, convidou o José Sargaço para irem tomar uma banhoca no rio (a Companhia dispunha de balneários, mas era aquela vontade de se refrescar no rio, tal como fizera antes).

Como, desde a ida do Andrade para Cansonco, o caudal do Corubal engrossara imenso (estava-se já em plena estação das chuvas - Maio a Novembro) e a corrente das águas era tremenda, eram eles dois os únicos elementos presentes junto ao rio e limitavam-se a ensaboar-se e a refrescar-se sentados numas pequenas pedras da margem. A certa altura, o Andrade, excelente nadador, talvez por ignorar a terrível força da corrente que se fazia sentir (quando partira para Cansonco, os rápidos eram ainda de grande mansidão), levantou-se e mergulhou num local em que a profundidade das águas não iria além de um metro. Só que, levado pela corrente, quando emergiu já estava nas proximidades dos pegões da ponte do Saltinho, sendo arrastado irremediavelmente naquele turbilhão tremendo, onde desapareceria para sempre.

Impotente para lhe valer, até porque o Andrade logo desapareceu sob as águas, limitar-se-ia o José Sargaço a alertar imediatamente os camaradas da Companhia. Mas, apesar das diligências efetuadas por nativos e tropas apeadas ao longo das margens do rio no próprio dia e no dia seguinte ao desaparecimento, sempre apoiados por um helicóptero, o corpo jamais seria recuperado.

Esposende, 16 de Julho de 2019
Mário Migueis


A bordo do Carvalho Araújo, rumo à Guiné, em Abril/70. Da esquerda para a direita: José Simão, 1º cabo escriturário (já falecido); José Sargaço, 1º cabo operador cripto; com a farda nº3, Manuel Andrade, 1º cabo radiotelefonista (morto por afogamento em 09/08/70).

Ainda a bordo do Carvalho Araújo, o José Simão, o José Sargaço e, mais à frente, o Manuel Andrade

Aspeto do Corubal, junto à ponte do Saltinho, durante a estação seca 

Aspeto do Coruba,l junto à Ponte do Saltinho, durante a estação das chuvas

A ponte do Saltinho
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Notas do editor:

Comentário de Mário Miguéis  no poste Guiné 61/74 - P19982: Jorge Araújo: Ensaio sobre as mortes por afogamento no CTIG: atualização: o caso do 1º cabo Henrique Manuel da Conceição Joaquim, do BENG 447, afogado em 31 de julho de 1974, na ilha da Caravela e cujo corpo não foi recuperado

Por coincidência, hoje mesmo estive a falar com o José Sargaço, ex-1.º cabo operador cripto da CCAÇ 2701 (Saltinho), a propósito de uma fotografia por ele afixada no Solar do Marquês, em Cantanhede, onde, no mês passado, decorreu o último convívio da Companhia. 
Na foto, que vou remeter a/c do Vinhal, para eventual publicação, estão presentes três 1.ºs cabos da CCAÇ 2701, a bordo do navio que os levou à Guiné em Maio/70: José Simão, José Sargaço e Manuel Andrade. Este último é precisamente o morto por afogamento no R. Corubal em 09/08/70. Um abraço, 
Mário Migueis

Último poste da série de 16 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19983: (Ex)citações (354): como é que a máquina burocrática do exército fazia chegar, à família, a notícia funesta da morte ou desaparecimento em combate de um militar ? O caso do sold at cav nº 711/65, José Henriques Mateus, desaparecido no rio Tompar, afluente do rio Cumbjiã, no decurso da Op Pirilampo, em 10/9/1966 (Jaime Silva, seu colega de escola, no Seixal, Lourinhã, ex-alf mil paraquedista, BCP 21, Angola, 1970/72)

6 comentários:

paulo santiago disse...

Miguéis

Na data da morte do 1ºCabo Andrade,ainda não existiam os balneários.Não me lembro quando foram "inaugurados",mas quando lá cheguei em Outubro de 1970,ainda o banho era obrigatoriamente no rio.

Abraço

Santiago

Anónimo disse...

Caro Camarada Mário Migueis,

Obrigado por esta tua narrativa que é, simultaneamente, uma homenagem ao camarada Manuel Andrade, perecido nas águas do Rio Corubal, quando contabilizava apenas três meses de comissão, e onde alguns de nós, como eu, nos banhámos... para lavar o "corpo e a alma".

Esta é, com efeito, uma má memória do Saltinho, e um sofrimento que teima em não passar, quer para o colectivo da CCAÇ 2701, quer para os seus familiares.

Pelo valor deste depoimento (memória), vou guardá-lo pois considero-o de grande valia para o levantamento historiográfico que continuo a realizar sobre este tema.

Um grande abraço e saúde da boa.

Jorge Araújo.

Anónimo disse...


Paulo:
Não deixas passar nada e fazes tu muito bem: haja rigor naquilo que se diz e escreve.
Quando, em finais de Fevereiro/71 (salvo erro), cheguei ao Saltinho, já havia balneários, disso não tenho a menor dúvida. À data da morte por afogamento do Manuel Andrade, em Agosto/70, não havia ainda balneários, conforme referes e eu passo a não ter dúvidas nenhumas disso. Talvez os banhos na estação das chuvas não passassem, para a maioria da malta, de um simples banho fula, mas longe do rio, pois, com este revolto, ninguém ousava aventurar-se, sem estar amarrado, pelo menos, aos ramos de uma qualquer árvore nas margens - mesmo com a água pelas canelas, se alguém tivesse o azar de se desequilibrar e não tivesse ao que se agarrar firmemente, era imediatamente arrastado pela corrente, não tendo salvação possível. De qualquer maneira, vou ligar ao José Sargaço, procurando avivar-lhe a memória (havia ou não balneários?!...) e convidando-o a comentar o presente poste, cujo texto eu tive o cuidado de lhe ler antes de o remeter, para eventual publicação, ao nosso estimado editor e grande amigo Carlos Vinhal.
Aproveito para te convidar a passares os olhos no nosso "Saltitão", que hoje mereceu honras de publicação no blogue.
Um grande abraço,
Mário Migueis

Anónimo disse...


A propósito ainda do elevado grau de perigosidade do rio Corubal durante a estação das chuvas, eu próprio tive uma experiência terrível, quando, armado sei lá em quê, resolvi afrontar o rio, a jusante da ponte, numa simples canoa. Naufraguei, pois claro, e só por milagre, ou quase, consegui salvar-me. Com mais tempo e um pouco mais de espaço, talvez, mais à frente, eu perca a vergonha e venha a contar com mais detalhe a palermice em que me meti - tive a sorte que faltou ao Manuel Andrade, foi o que foi.
Mário Migueis

paulo santiago disse...

Miguéis
Talvez em Fevereiro/71 já existissem balneários,mas tenho dúvidas.Foi neste mês que tive o acidente com o mort.60,e tenho uma foto a tomar banho fula com a perna ligada.
O edifício dos balneários,que incluia as sanitas,esteve algum tempo sem o depósito da água,ou faltava a moto bomba.
Abraço
Santiago

Anónimo disse...

Mário Migueis
Sabes que falar da morte (desaparecimento)no rio Corubal do camarada e amigo Andrade, é para mim sempre difícil, uma vez que foi deveras frustrante e traumatizante. Frustrante pelo fato de vendo-o em dificuldades a tentar levantar-se para se agarrar a algo que o ajudasse a sair daquela situação, fui completamente impotente para lhe prestar qualquer ajuda. Traumatizante porque durante dias, semanas, meses e anos foi difícil esquecer uma situação das mais tristes que vivi em toda a minha vida. Agora quanto à duvida levantada pelo Paulo Santiago, sobre a existência ou não de balneários na data do acidente, ele tem razão ao dizer que ainda não existiam. Como tu dizes na notícia, realmente deste-me conhecimento telefonicamente do texto que ias publicar, mas talvez por distracção minha,não te chamei à atenção para esse fato. Em jeito de complemento da notícia, apenas dizer que o Andrade era natural da Lamarosa, Concelho de Tomar. Um abraço para ti e para o Santiago.
José Sargaço.