quinta-feira, 8 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22350: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XII: A primeira noite em Nhacobá (Op Balanço Final)


Foto nº 1  > Guiné > Região de Tombali >  Nhacobá > CCAV 8351 > O furriel Costa: depois do assalto,  a primeira noite na nova casa 

Foto (e legenda): © Joaquim Costa (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Foto nº 2  > Guiné > Região de Tombali >  Nhacobá >
 Dias depois do assalto > Foto A. Murta  / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné,  com a devida vénia



Foto nº 3  > Guiné > Região de Tombali >  Nhacobá > CCAV 8351 > Operação “Balanço Final” > Assalto e ocupação da base do PAIGC > A grande e bonita bolanha de Nhacobá

Foto de A. Murta com a devida vénia



Foto nº 4 > Guiné > Bissalanaca > BA 12 > Um caça Fiat G.91 R/4 dos “Tigres” da Guiné. Crédito: Paulo Alegria






Joaquim Costa, ontem e hoje. Natural de V. N. Famalicão,
vive em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado.



Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74)

Parte XII: A primeira noite em Nhacobá (Op Balanço Final) 



Consumado com sucesso o assalto a Nhacobá, tomámos posse definitiva da base do PAIGC pernoitando aqui, evitando a sua reocupação. Não era hora de questionar decisões superiores pelo que, conscientes que nos esperava uma visita do IN antes do anoitecer (belo filme tendo como cenário o parque do Prater em Viena de Áustria, onde o Porto, em 1987, foi muito feliz bem como a minha família quando o visitamos em 2011), lá metemos mãos à obra com cada um de nós a abrir um pequeno abrigo com o que tinha mais à mão, neste caso, a faca de mato. Pela primeira vez (e única) fiquei com bolhas nas mãos.

Com a certeza da visita do IN, como o da Páscoa ao domingo (ou vitória do Porto na Luz), lá nos enroscamos no pequeno buraco cavado com a nossa faca do mato, numa espera “stressante”, estranhamente desejando que as “coisas” começassem, já que não suportávamos mais esperas. Já estávamos por tudo. Falando baixinho (com receio de me considerarem já por irremediavelmente apanhado), dizia para com os meus poucos botões do camuflado: "Já que tem que ser,  vamos a isto", permitindo assim algum descanso até ao amanhecer. No momento, era mais violenta a espera do que o confronto com o IN.

A resposta do IN (felizmente?), chegou cedo e com tudo a que “tínhamos direito”: desde morteirada a RPG, através da outra margem do rio. Dada a distância,  “amochámos” assistindo impotentes ao espetáculo das explosões das granadas de RPG nas copas das árvores, com pedaços de árvore caindo sobre as nossas cabeças, fazendo-se dia com os contínuos clarões e os rebentamento das granadas de morteiro por todo o lado, pois as nossas armas dificilmente alcançariam a outra margem, deixando essa tarefa aos obuses do Cumbijã.

Entretanto acontece o impensável: ao pedirmos apoio da artilharia a Cumbijã as granadas dos nossos obuses começam a cair, também, em cima das nossa cabeças (o chamado fogo amigo), o rápido contacto rádio, já em desespero (… e a ajuda preciosa do amuleto/mapa do Machado?), fez com que a segunda leva de granadas, com grande alívio do grupo, já passassem por cima das nossas cabeças. Felizmente não teve consequências. 

Quando chegámos no dia seguinte ao Cumbijã,  o Alferes artilheiro (um engenheiro químico, meu amigo, da Póvoa do Varzim) pediu desculpa e chorou perante o grupo. Não fossem os buracos cavados com as facas de mato e por ventura esta narrativa seria bem mais dramática… ou simplesmente, não haveria narrativa!?

Foi uma noite muito difícil, com uma grande sensação de impotência, dada a quase impossibilidade de ripostarmos ao ataque pois que nem o pequeno morteiro nem a bazuca conseguiam intimidar o IN muito mais bem equipados que nós. Ao mesmo tempo respiramos de alívio já que o nosso receio (não medo?) era um confronto direto tendo em conta as nossas precárias condições de defesa. O IN também receou e atacou da outra margem do rio…

Não obstante o volume e intensidade do fogo IN, e o fogo amigo, não tivemos nem baixas nem feridos graves, apenas feridos ligeiros. Enfim, algum descanso até ao amanhecer, como era o meu desejo.

Exaustos, sujos, desidratados e mal alimentados (não confundir com: feios, porcos e maus), fomos rendidos ao amanhecer (belo filme…).

Ao ver chegar os nossos camaradas que nos vinham render, depois de um longo dia de canseiras, tivemos de refrear um pouco o nosso entusiasmo pois o nosso desejo era atirarmo-nos aos braços destes “anjos” que chegavam e beijá-los.  Fo
i aquela sensação, tão agradável, do regresso a casa do lavrador, depois de um dia intenso de trabalho no campo! 

Esperava-nos um banho de água com gasóleo, umas “bejecas” fresquinhas, um arroz com estilhaços (do qual já tínhamos saudades) e, depois do jantar, um jogo de cartas (King) com um whisky Johnnie Walker, em amena cavaqueira sobre tudo (como ouvir as lições de política do Furriel Aleixo ) menos guerra.

Entretanto! Mais uma visita do “paizinho” General Spínola.

Não nos podemos queixar de sermos ignorados pelo Homem Grande da Guiné: Boas vindas no Cumeré; visita a Aldeia Formosa onde lhe prestei guarda de honra (com a minha farda “acabadinha” de ser lavada pela minha simpática lavadeira); visita a Cumbijã e agora visita relâmpago a Nhacobá

O homem sempre fez questão de mostrar que estava na linha da frente com os seus homens visitando zonas onde ocorreram sucessos militares com alguma complexidade. Foi neste contexto que, consolidado o assalto, fez uma visita relâmpago a Nhacobá sem antes mandar na sua frente dois aviões Fiat para bater a zona em frente na outra margem do rio de onde éramos atacados. 

Esta foi uma visita “de médico” já que uma mina rebentou acionada por uma máquina, felizmente sem consequências a não ser a projeção de terra para o impecável camuflado do General. Sendo de facto um militar destemido não deixou de sacudir a terra e dizer para os seus ajudantes de campo: "Vamos, vamos embora daqui!...

Foi a primeira vez que assisti (de camarote VIP), à atuação dos nossos Fiat (caças bombardeiros), fazendo voo picado sobre o objetivo largando as bombas e disparando as metralhadoras colocadas nas asas. Se não fosse a situação periclitante em que estávamos, e as bombas fossem de carnaval, teria batido palmas como se estivesse numa das espetaculares exibições dos “Asas de Portugal” (Li em algum lado, ou sonhei, que o Piloto “strelado” Miguel Pessoa chegou a fazer parte dos Asas de Portugal – Faz sentido!)


Continua...
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Nota do editor:

Último poste da série > 23 de junho de  2021 > Guiné 61/74 - P22308: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XI: Op Balanço Final: Assalto a Nhacobá ou o dia mais longo

10 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Valha-nossa o bom humor ! Ainda hoje sabemos rir das situações trágico-cómicas por que passámos na guerra. Essa do "fogo amigo" também passei por ela no subsector do Xime. É uma sensação muito estranha, de alívio e pânico, com as granadas de obus a silvarem por cima das copas das árvores. Excelente relato, Joaquim.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Queria dizer: "Valha-nos o nosso bom humor"!... Que agora, parece, vai faltando a muito boa gente na nossa idade e neste país...

José Botelho Colaço disse...

Esta do ramos de árvores cortados pelo rebentamento de granadas a cairem sobre as nossas cabeças, Faz-me lembrar 1964 no pós operação tridente o comando chefe entendeu que era o tempo certo para reabrir a estrada Catió Cufar então mobiliza as forças na zona disponiveis e nessas forças integra parte da c. caç. 557 ou seja acompanhia sediada no Cachil na Ilha do komo nesse dia houve vários feridos entre ele o ilhéu 2º sargento Conde e o soldado António Pires Belo da 557 (ambos já falecidos) mas isto só para dizer que o que nos protegia da vista do inimigo protegido pela forte floresta do cantanhês, enquanto nós era uma seara de milho só por esse motivo não era-mos o alvo á vista e apetecível do inimigo, então eram as massarocas de milho a cairem sobre as nossos corpos cortadas pelas rajadas constantes das armas do inimigo e nós só a pensar o nome mais ofensivel possível se baixas mais o pente ceifas-me.

Anónimo disse...



Gosto muito de te ler, porque escreves bem e sem paixão descreves momentos da tua vida militar, algumas difíceis, em operações de guerra. Falas com a objectividade dum miliciano , que foi parar a uma guerra, que não procurou. Não há heroísmo, não há aventura, não há medo, mas há também tudo isso, sem o descreveres, na tua modéstia.
Júlio César fez as campanhas da Gália e escreveu muito sobre elas. Tu não foste um chefe militar como o Júlio César ( foste sempre miliciano) mas a uma escala menor das "nossas guerras" fazes bem o teu papel de cronista. Parabéns Joaquim Costa.
Abraço
Francisco Baptista

Valdemar Silva disse...

Costa, mais um "filme" espectacular e tão bem humorado. Foi assim a guerra na Guiné, em directo e com fogo amigo a cores.
Faltou a aquela ideia "tínhamos de aguentar mais uns mesinhos, que os gajos já não aguentam mais", 'tá bem a ideia também só apareceu, como nos prognósticos, depois do jogo acabar (assim também eu e nem precisava do César Brito em 1991).
Venha a continuação, e melhor será reservares os direitos de autor por causa dos copianços lucrativos.

Abraço e saúde
Valdemar Queiroz

Valdemar Silva disse...

Queria dizer 'como nos prognósticos depois do jogo acabar'.

Valdemar Queiroz

gil moutinho disse...

Caro Joaquim Costa

Gostei do que escreveste até agora,e que tal vires à Tabanca dos Melros,este Sábado e contares algumas histórias ao pessoal ex-combatente.Aqui tão perto!!!
Gil

Joaquim Costa disse...

Obrigado Gil Moutinho pelo convite e pelas simpáticas palavras

Tenho o dia de sábado bastante ocupado, com afazeres familiares. Contudo informa-me se é um Almoço/jantar da Tabanca e a que horas é o encontro. Não prometo participar no repasto mas teria todo o gosto, sem compromisso, de fazer uma pequena visita para o café
Um abraço do vizinho
Joaquim Costa

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Gil, o Joaquim é uma grande aquisição para a "equipa" dos Melros... Tenho saudades vossas. Amanhã dá um abração a essa malta fixe da tua Tabanca. Luis

gil moutinho disse...

Boa noite Joaquim Costa
O convívio é ao almoço e a hora do café por volta das 14-14h30,aparece!!Com algum tempo para conheceres o museu do Combatente.

Ao Luís Graça,nada posso fazer quanto às saudades.Certo é que haverá convívio,salvo os imponderáveis da pandemia,sempre aos 2ºs Sábados(almoço)de cada mês.
Transmitirei os abraços!
gil Moutinho