sábado, 26 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23033: Os nossos seres, saberes e lazeres (493): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (39): Os esplendorosos jardins do Palácio dos Marqueses de Fronteira (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Dezembro de 2021:

Queridos amigos,
O perito em azulejaria Santos Simões considerou que o repositório azulejar da Casa dos Mascarenhas é do maior interesse histórico e artístico. Como escreve um dos familiares dos Mascarenhas, "À exceção de alguns da Galeria dos Reis, que parecem de origem espanhola, possivelmente de Talavera ou Valência, e de uns outros, policromos, na fachada do palácio que deita para o Jardim Grande, de origem holandesa na Sala dos Painéis, os restantes são de fabricação portuguesa". Desconhecem-se os seus fabricantes, o que importa é que nesta casa seiscentista a existência de tantos conjuntos azulejares deve.se a um período de prosperidade, estes conjuntos possibilitam o estudo do gosto da época, tanto as representações profanas, com os painéis alegóricos e a exaltação da estirpe vitoriosa dos Mascarenhas, o que importa é que o azulejo português era pujante e de grande qualidade, e se tem graciosidade própria nos jardins, entrelaça-se harmoniosamente no interior do palácio com os estuques de salas verdadeiramente deslumbrantes. Jardins e palácio, adverte-se os interessados, merecem visitas repetidas, tal e tanta variedade de obras-primas carecem de olhares demorados, de preferência intermitentes. Acresce, como recorda José Saramago, que o que se vê no verão não é o que se vê no inverno e o que se vê em plena luminosidade não é o mesmo em dias baços. Então, votos de bons passeios, começa-se aqui pelo triunfo do azulejo, maior paraninfo para este período de ouro de uma das mais imaginativas artes da decoração não pode haver.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (39):
Os esplendorosos jardins do Palácio dos Marqueses de Fronteira (1)

Mário Beja Santos

Em São Domingos de Benfica, confinando com um fim ao Parque Florestal de Monsanto, de paredes meias com a Quinta dos Marqueses de Abrantes, levantou-se o Palácio dos Marqueses de Fronteira, por todos considerado um dos mais belos de Portugal, um verdadeiro museu de azulejos, de cerâmica, de belo estuque lavrado, fundado pelo 2.º Conde da Torre e 1.º Marquês de Fronteira, D. João Mascarenhas. E se o palácio é um tesouro, os seus jardins não lhe ficam atrás. É deles que vamos mostrar imagens que não iludem as preciosidades que acolhem os visitantes.

No entanto, podemos aduzir sérias dúvidas se há um verdadeiro compartimento estanque entre a beleza azulejar e a graciosidade dos jardins e o que oferece o interior do palácio, o mínimo que se pode dizer é que as estéticas se complementam, mesmo no interior do palácio cruzam-se estuques com painéis de azulejos de brutesco, há mesmo uma sala de painéis com belíssimos azulejos holandeses. Obviamente que há distinções entre palácios e jardins: a decoração interior é do século XVIII enquanto a riquíssima decoração cerâmica dos terraços e jardins são seiscentistas. Mas se o visitante tem a possibilidade de visitar palácio e jardins descobrirá que o diálogo é constante, impensável um viver sem o outro.

Ajuda-nos na itinerância pelos jardins a obra "Jardins em Palácio dos Marqueses de Fronteira", por José Cassiano Neves, Quetzal Editores, 1995. A reter: jardins ao gosto italiano, sumptuosos, com imensos acessos a partir do palácio e por portões de quinta, entrando pela porta do pátio, somos lançados num enorme terraço descoberto, tendo a meio uma escadaria para o Jardim Grande e, de cada lado desta, uma bela balaustrada em mármore de Carrara. Ao fundo do terraço, depois de um corredor, temos duas fachadas e a surpresa de uma fonte com conchas, búzios, vidros de várias cores – é a fonte da Carranquinha.

Entramos, cada conjunto azulejar lembra obras de pinacoteca, há para ali cenas de Corte, muita mitologia à mistura, veja-se o regalo para os olhos.
Quem se delicia com tanta originalidade azulejar não deixa de vez em quando de voltar a cabeça para os jardins, pois são dois, o Jardim Grande, ao gosto italiano, e um outro mais pequeno, mais moderno e em plano superior a este, o Jardim de Vénus. E com a vista indecisa, mirando até uma variedade de estátuas em chumbo, damos com uma fonte do Jardim Grande, encimada pela Galeria dos Reis, impõem-se a disciplina de continuar a ver com o máximo de cuidado estes rodapés e esperar o momento próprio de descer até ao Jardim Grande.
No Jardim Grande, com 65,30 metros de comprido por 57,50 metros de largo, tendo como fundo um grande tanque e lá em cima a Galeria dos Reis, com o seu buxo em tabuleiros geométricos e simétricos, formando ruas, travessas e pequenas praças, com doze estátuas mitológicas e cinco tanques octogonais, junta-se a sumptuosidade ao gosto de imaginar os recantos frescos, os passeios à conversa cercados por paredes revestidos de azulejos, a azul e manganês, representando o ciclo zodiacal e os meses do ano, novo esforço de disciplina, até apetece ir para a Galeria dos Reis e contemplar o Jardim Grande, todo ele italianizante.
Não nos detemos agora na Galeria dos Reis, pejada de bustos, importa dizer que bem formosos são os painéis de azulejos no lago da galeria, aparecem doze cavaleiros de inspiração velazqueana, ou seja, posturas imponentes do aristocrata em cavalos com as patas dianteiras no ar.
Os jardins têm que ser vistos vagarosamente, os azulejos do lago a mesma coisa, são painéis soberbos, apetece agora ir até à Casa do Fresco, mas como recusar o que a vista alcança, não há conjunto azulejar que não timbre pela originalidade, macacos e gatos, cenas de pesca ao coral, aulas de música e barbeiros e uma série infindável de divindades mitológicas, veja-se este Mercúrio rodeado de figuras tão curiosas como aquele pássaro que parece tirado de Jerónimo Bosch e um parzinho no transe da felicidade, isto à beira do relvado. E diz-se isto só para confirmar que a vista exige o máximo de atenção para não deixarmos para trás uma das muitas obras-primas da azulejaria portuguesa que enxameiam estes jardins possuidores de uma atmosfera mágica.
(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE FEVEREIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23009: Os nossos seres, saberes e lazeres (492): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (31): De regresso à primeira grande obra da arquitetura manuelina (Mário Beja Santos)

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