segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10256: Convívios (462): Tabanca de São Martinho do Porto, sábado, 11 de agosto de 2012 (Parte I)


Alcobaça, São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro > 11 de agosto de 2012 > 3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto >  Um pormenor de um pano africano da sala de convívio da casa de veraneio da família Schwarz da Silva



Alcobaça, São Martinho do Porto  > Casa do Cruzeiro > 11 de agosto de 2012 > 3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto > A dona da casa, Clara Schwarz da Silva, com a neta Cristina... A Casa do Cruzeiro é das mais antigas de São Martinho do Porto (pertenceu a um ator de revista e foi comprada pelo Eng Samuel Schwarz para a sua filha Clara Schwarz, nascida a 14 de fevereiro de 1915).


Alcobaça, São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro > 11 de agosto de 2012 > 3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto >  A dona da casa e decana da Tabanca Grande, Clara Schwarz, mãe do Pepito.


Alcobaça, São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro > 11 de agosto de 2012 > 3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto > Clara Schwarz, de 97 anos, lendo a dedicatória do João Graça, manuscrita na contracapa do úiltimo CD dos Melech Mechaya



Alcobaça, São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro > 11 de agosto de 2012 > 3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto >  A senhora Leonor Levy Ribeiro, mãe da Isabel.



Alcobaça, São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro > 11 de agosto de 2012 > 3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto > Cristina da Silva, filha do Pepito e da Isabel, ex-.quadro superior da empresa que explora ao Aeroporto Internacional Osvaldo Vieira, em Bissau. Nasceu na Guiné-Bissau, estudou psicologia social em Lisboa, no ISCTE.  Tem mais dois irmãos: a Catarina (Pepas) que está também na Guiné-Bissau, erabalha neste momento num projeto financiado pelas Nações Unidas, ligado ás questões da biodiversidade e da proteção do ambiente; e o Ivan, que vive em Portugal. 


Alcobaça, São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro > 11 de agosto de 2012 > 3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto > O nosso grã-tabanqueiro, e uma vez por ano nosso anfitrião na Tabanca de São Martinho do Porto...


Alcobaça, São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro > 11 de agosto de 2012 > 3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto > Outra grã-trabanqueira, a Isabel, esposa do Pepito,  especialista em questões de educação ambiental.


Alcobaça, São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro >11 de agosto de 2012 > 3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto > O nosso Esquilo Sorridente... o Zé Teixeira, que veio expressamente de Matosinhos, com a esposa e o camarada  Eduardo Moutinho F. Santos... É presença habitual (e obrigatória) dos  encontros desta e doutras Tabancas...


Alcobaça, São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro > 11 de agosto de 2012 > 3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto > A esposa do Zé Teixeira... Tivemos pena que os filhos, desta vez, não tenham podido vir: Joana Teixeira, psicóloga, e Tiago Teixeira, médico, infecciologista, com forte ligação à Guiiné-Bissau e de cujo trabalho na área da cooperação e da solidariedade já aqui temos falado...


Alcobaça, São Martinho do Porto > 11 de agosto de 2012 > 3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto > O grã-tabanqueiro João Martins cujos antepassados estão fortemente ligados a São Martinho do Porto... Ele próprio sempre passou férias nesta belíssima praia... e tem lá a casa  de férias dos pais, que está a restaurar... Veio expressamente de Lisboa para poder estar neste encontro, a convite expresso do Luís Graça e do Pepito...


Alcobaça, São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro > 11 de agosto de 2012 > 3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto > Outra grã-tabanqueira, Alice Carneiro...


1. Esta é a terceira edição do convívio da Tabanca de São Martinho do Porto. O ano passado foi a 13 de agosto.  E há dois anos, em 25 de agosto

Marcaram presença este ano: 

 (i) o Zé Teixeria e a esposa, o Eduardo  Moutinho F. Santos, o Luís Graça, a Maria Alice Ferreira Carneiro, o João Graça, a Joana Graça, o José Eduardo Oliveira (o JERO), o João Martins;

(ii) Do lado do nosso anfitrião, o Pepito, deu-nos a honra da sua presença, a sua querida mãe, Clara Schwarz, a Isabel Levy Ribeiro, a mãe da Isabel (Leonor Levy Ribeiro), a Cristina Silva, filha do Pepito e da Isabel;

(iii) E ainda os amigos do Pepito, o médico cubano, urologista no Hospital de Aveiro, que trabalhou na Guiné-Bissau, o dr. Reynaldo Urgaleno, a esposa, portuguesa, Cecília, e ainda um irmão, que também vive e trabalha em Portugal, engenheiro naval.

Recorde-se que o  nosso anfitrião, Pepito, tem aproveitado, nos últimos três anos, as suas férias portuguesas para juntar (e conviver com) alguns dos seus amigos portugueses (uma parte dos quais são membros da Tabanca Grande, parceira da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento)... O encontro da Tabanca de São Martinho do Porto, em Agosto de cada ano, já se tornou "obrigatório"... E é sempre um grande prazer aceitar o convite dos donos da casa... 

Este ano foi possível conciliar algumas agendas: foi o caso do nosso grã-tabanqueiro João Graça (cujo grupo musical, os Melech Mechaya,  ia actuar, no dia seguinte, em Porto de Mós, curiosamente uma terra onde, nos anos 40, o pai do Pepito, Augusto Silva, exerceu advocacia).

(Continua)
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Nota do editor: 

domingo, 12 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10255: Bibliografia de uma guerra (62): Primeiro Capítulo do próximo livro "Quebo", de Rui Alexandrino Ferreira (3): Primeira parte do depoimento do Major General Pezarat Correia (2)

1. Fim da apresentação do primeiro capítulo do próximo livro, "Quebo", de autoria do nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira* (foto à esquerda) (ex-Alf Mil na CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67 e ex-Cap Mil na CCAÇ 18, Aldeia Formosa, 1970/72):


COMPANHIA DE CAÇADORES 18


2. A CCaç 18 em reforço do Sector S-2


Por Pezarat Correia

Foi neste ambiente geográfico, humano e operacional que, em Janeiro de 1971, se integrou a Companhia de Caçadores 18 (CCaç 18), comandada pelo Capitão Rui Alexandrino Ferreira e que tinha sido acabada de formar na própria Guiné. A atribuição desta companhia não ia constituir uma surpresa para o Comando do BCaç 2892, nem a área de actuação e a correspondente missão seriam novidade para grande parte do pessoal da Companhia.

O Comando do BCaç 2892 soubera, já não recordo através de que vias, que a CArt 2521, que lhe estava atribuída de reforço e que estava a terminar a sua comissão, iria ser rendida por uma companhia da guarnição normal, isto é, a formar na Guiné e, predominantemente na base do recrutamento regional, da etnia fula, portanto. Aliás isto era voz corrente na tabanca, onde muitos desses militares tinham família e o que se sabia na tabanca sabia-se no quartel e vice-versa. Tal significava que parte do pessoal seria oriundo da região do Quebo cujo regulado tinha sede em Aldeia Formosa. Alguns deles já tinham mesmo experiência operacional, pois haviam pertencido aos pelotões de milícias e caçadores nativos, sob controlo operacional do Comando do Sector S-2. Estavam intimamente familiarizados com o terreno e com as populações, conheciam as formas de actuar do PAIGC na região, não lhes era estranho o ambiente dentro do BCaç 2892 e das suas Companhias e a forma de actuação do seu Comando. Sabia-se ainda que o comandante da companhia era um capitão miliciano, em segunda comissão na Guiné e, portanto, voluntário, que na anterior comissão, como subalterno, se distinguira brilhantemente na sua actividade operacional tendo sido condecorado com uma Cruz de Guerra de 1.ª Classe. Havia, portanto, de parte a parte, uma expectativa positiva com a entrada em sector da CCaç 18.

A Companhia chegou a Aldeia Formosa em 17 de Janeiro de 1971, na coluna logística que nesse dia regressou de Buba, onde chegara na véspera vindo de Bissau em Lancha de Desembarque Grande (LDG), da Marinha de Guerra. Era já noite e no Batalhão preparara-se uma recepção modesta mas, tanto quanto possível acolhedora. Depois de instalado todo o pessoal, reuniram-se os oficiais na velha e acanhada casa de tipo colonial que servia de messe de oficiais, com uns frugais aperitivos (a inevitável mancarra e castanha de caju em lata, insípidos bocados de queijo e fiambre de conserva) para acompanhar uns whiskies e cervejas e dar as boas-vindas aos recém-chegados. Mas as primeiras impressões foram algo frustrantes. Não pelos subalternos, naturalmente ansiosos, certamente desiludidos com as péssimas condições do aquartelamento, desordenado, mal iluminado, predominando o enquadramento operacional, arame farpado, torreões, trincheiras, abrigos. Os veteranos, todos com mais de um ano de comissão, olhavam sobranceiramente, como sempre se olhavam os novos “periquitos”. A frustração vinha do capitão, parecendo pouco comunicativo, mal-encarado, senão mesmo desconfiado. Deitámo-nos cedo, como habitualmente e o pessoal da CCaç 18 vinha “estoirado” e precisava de descanso. No dia seguinte as impressões alteraram-se radicalmente. Para melhor, muito melhor. O Capitão Rui (como rapidamente passou a ser conhecido), apareceu bem-disposto, conversador, irónico, cheio de iniciativa. Afinal ele vinha, na véspera, a sair de uma crise de paludismo que, com o cansaço da viagem, era o responsável pelo seu humor enganador. O dinamismo com que imediatamente começou a tratar da instalação da Companhia, a preparar metódica e eficazmente o treino operacional e a sobreposição com a CArt 2521, a integrar-se no ambiente geral e na missão que lhe ia ser atribuída, justificou as mais optimistas perspectivas. E rapidamente daria provas.

Consultando os registos de que disponho verifico que, em 19 de Fevereiro de 1971, ainda em período de sobreposição com a CArt 2521, a CCaç 18, a dois GC e comandada pelo seu Capitão, actuava pela primeira vez no corredor de Missirã. Os resultados foram significativos e revelaram uma boa acção de comando e uma conduta eficaz (aí estava mais um êxito de uma operação que fugia à rotina diária do GC emboscado passivamente). As tropas emboscadas detectaram um movimento no “carreiro”, verificando que era apenas um elemento isolado (no “carreiro” já se sabia, quem nele se deslocava e não fosse das NT era IN). Revelando uma serenidade notável para uma acção de estreia em que a tensão é sempre muito elevada e propiciadora de precipitações, o dispositivo deixou passar esse elemento concluindo que seria um explorador avançado e não se denunciou, o que só terá sido possível pela acção experiente do comandante se bem que, deve salientar-se, a Companhia contasse com combatentes já experimentados como milícias e caçadores nativos. Conseguiu manter a emboscada atenta e, passadas cerca de duas horas e meia, surge o grosso da coluna do PAIGC, com avultados reabastecimentos em material de guerra, logístico e diverso. Só então a emboscada foi desencadeada, desbaratando a coluna IN que, experiente em combate e conhecedora do terreno, reagiu pelo fogo e dispersou mas deixando no terreno a maior parte do material que era transportado por carregadores e não por guerrilheiros. Estes não perderam nenhuma das suas armas individuais. O Capitão Rui não considerou a operação terminada como, provavelmente, muitos outros o fariam, reorganizou as suas tropas e transferiu a emboscada para outro local mais adiantado em relação ao sentido de marcha do grupo do PAIGC que, entretanto, também se recompusera. Uma hora mais tarde verifica-se novo contacto de fogo em que a CCaç 18 causou baixas ao IN e lhe capturou armamento. A acção mereceu referências elogiosas do Comandante-Chefe, General Spínola.

Cinco dias mais tarde a CCaç 18 assumia integralmente a sua missão como unidade de reserva (intervenção) do Sector S-2. Em 30 de Junho um GC da companhia tem um novo contacto no corredor de Missirã e agora em missão de rotina na rede de emboscadas, com resultados menos favoráveis e sofrendo sete feridos ligeiros.

Quando o BCaç 2892 foi rendido pelo BCaç 3852, que assumiu a responsabilidade do Sector S-2 em 26 de Agosto de 1971, a CCaç 18 passou a reforçar o novo Batalhão e, já experiente e com provas dadas, constituiu para ele uma unidade fundamental. Em 13 de Janeiro e 8 de Fevereiro de 1972 voltou a registar vultosos resultados em novos contactos no corredor de Missirã, dos quais o Rui me ia mantendo informado através de correspondência que trocávamos.

Mas a acção do Capitão Rui e da sua Companhia não sobressaiu apenas na actividade operacional. Pela sua maneira de ser expansiva, relacionamento fácil e aberto, aproveitando muito bem a ligação que grande parte dos seus militares tinham com as populações locais, conseguiu estabelecer com estas relações estreitas, que lhe foram muito úteis no papel de relevo que desempenhou nas tarefas de reordenamento (escolha, planificação e construção de novos aldeamentos para as populações civis) na região de Aldeia Formosa, que constituiu uma missão importante do BCaç 2892.

O certo é que, muito justamente, em Junho de 1971, apenas 4 meses depois de ter assumido a sua missão no quadro do BCaç 2892, o Capitão Rui foi louvado pelo Comandante deste. E, ao terminar a sua comissão nos finais de 1972, foi condecorado com uma nova Cruz de Guerra de 1.ª Classe. Mas, atenção, Rui Alexandrino Ferreira, Capitão Miliciano, era um combatente de eleição mas não era um belicista sádico ou vingativo. Tinha sentido de missão, procurava cumpri-la bem, sem alardes ou exageros. Era racional e respeitava o adversário.

Justifica-se aqui uma breve reflexão que, excedendo a mera apreciação da actuação da CCaç 18, me parece oportuna. Cumprir bem as missões de combate, logo num contexto de guerra, isto é, fazer bem a guerra, não implica que se goste da guerra ou, mesmo, que se concorde com ela. E não há nada de paradoxal nisto.

Quem é mobilizado para combater numa guerra tem duas opções antes de se encontrar perante o facto consumado: ou recusa liminarmente o seu contributo e deserta, ou vai. Mesmo contrariado, até eventualmente revoltado, mas vai. Esta delicada questão colocava complexos problemas de consciência dadas as conexões políticas da guerra colonial. Evidentemente que todas as guerras têm conexões políticas (a guerra é a continuação da política por outros meios, Clausewitz dixit) mas a guerra colonial levantava o problema da legitimidade política, uma vez que era determinada por um regime político que não resultava de uma escolha democrática dos cidadãos, era uma ditadura assente na repressão e na recusa dos direitos fundamentais. A guerra colonial era a expressão dessa política ilegítima nas colónias e os militares eram seus instrumentos. Respeito os que assumiram desertar por convicções legítimas, por vezes forçados a rupturas radicais nas suas vidas, rupturas dolorosas, enfrentando riscos e situações muito precárias. Foram actos de coragem. Mas também sabemos que sob a capa de motivações respeitáveis houve quem desertasse por mero comodismo, porque dispunha de condições materiais para enfrentar um exílio dourado, sustentado pelas famílias que os visitavam com frequência, sem que tivesse sobre a guerra e a situação política qualquer objecção de consciência ou rejeição ideológica. Para os militares dos quadros permanentes a mera admissão da deserção era mais traumática e, em tempo de guerra, envolvia o anátema da traição, da cobardia, do abandono “perante” o IN, colocando por isso delicados dilemas no campo moral e ético. Era uma opção extremamente problemática, particularmente quando se tinha de deixar mulher e filhos cuja subsistência estava a seu cargo. Mesmo assim houve quem, honesta e temerariamente, fizesse essa opção.

Para quem não podia, ou não queria, seguir o caminho da deserção, a alternativa era só uma, ir à guerra. E, uma vez na zona de combate, em operações, face ao IN, cumprir e cumprir bem ou não cumprir e cumprir mal, podia significar a diferença entre sobreviver ou morrer, não apenas para o próprio mas para os que o acompanhavam. Isto era especialmente verdadeiro para quem tinha responsabilidades de comando, quando dos seus actos não dependia apenas a sua integridade pessoal, mas também a dos seus comandados. As decisões de um comandante em campanha não têm um mero alcance individual ou egoísta, envolvem sempre os seus comandados e, por isso, não tem o direito de, por não concordar com a guerra, recusar ou abrandar a actividade operacional, desmotivar-se a si e aos seus subordinados, dar, pela sua passividade, todos os trunfos ao adversário. Para além de profissionalmente condenável seria eticamente inaceitável que, por causa das suas convicções, por muito louváveis que as considerasse, pusesse em risco a integridade física, a vida dos homens que dependiam e confiavam na sua acção de comando. Este era um problema humano de uma enorme delicadeza, que se colocou a muitos oficiais e testemunho-o por experiência própria. O comandante não só tinha de cumprir e cumprir bem, como tinha que fazer com que os seus subordinados cumprissem e cumprissem bem.

Mas, então, e aqueles que já tinham, ou foram adquirindo consciência cívica, inteirando-se da injustiça da guerra e dos interesses reais que esta servia, da natureza perversa do sistema colonial e da ditadura na metrópole a que estava associado? Como conciliar estas convicções político-ideológicas com as suas obrigações de comandante? A solução só poderia ser aguentar os riscos materiais e os custos morais de uma guerra com a qual se discordava, exercer com sacrifício mas com honra a sua acção de comando e tratar de aproveitar o próprio paradoxo da guerra, as contradições que introduzia no sistema, para alimentar as fragilidades que iam minando o regime, tornando inevitável o seu derrube e, no momento oportuno estar no lado certo e com as pessoas certas para lhe aplicarem o golpe decisivo. As imposições éticas que tinham com os seus homens, com os seus comandados, não as tinham para com os responsáveis políticos nas alcatifas do poder que, como atrás assinalei, nem sequer era legítimo e era, esse sim, o responsável pelas verdadeiras causas e perversões da guerra. Em relação ao poder político ilegítimo e ditatorial, a obrigação do militar consciente era colocar-se do lado do povo, revoltar-se e derrubá-lo. E foi isso que veio a acontecer mas levou tempo a amadurecer. A própria guerra se encarregou de gerar os factores e os agentes que estariam na base do derrube do regime que levara à guerra e era agora dela prisioneiro.

Não estou a dizer que esta tipificação se aplicasse ao Capitão Rui Ferreira. O que quero dizer é que, em termos teóricos, é deslocado identificar, linearmente, bom combatente e apologista da guerra, bom combatente da guerra colonial e defensor do sistema colonial. A segurança e a vida dos seus homens, a mais importante obrigação de um chefe, obriga um comandante, uma vez que aceitou assumir o comando de uma unidade, a comandar bem. E nesse particular não tenho dúvidas, o Capitão Rui Alexandrino Ferreira foi um excelente comandante de companhia em campanha e um excepcional condutor de homens. Posso testemunhá-lo porque convivi com ele directamente durante oito meses, em ambiente de campanha e de guerra, acompanhei-o algumas vezes nas saídas para o mato e, afirmo-o convictamente, ao longo da minha experiência de trinta e seis anos de serviço militar efectivo, na grande maioria em contacto com as tropas e em todos os sucessivos escalões de comando, com seis comissões na Índia e em África desde alferes a major, o Capitão Rui Alexandrino Ferreira foi dos melhores condutores de homens que me foi dado conhecer.

Há uma característica da liderança que considero o tempero decisivo capaz de conferir virtude a determinados atributos de comando que, sem ela, podem tornar-se excessivos e transformar-se em defeitos perversos. Refiro-me ao bom senso, o equilíbrio moderador que impede que a coragem resvale para temeridade gratuita empurrando os seus homens para riscos desnecessários, que evita que o culto da disciplina dê lugar ao autoritarismo desumano, que a tolerância resvale para o laxismo, que o gosto pela decisão rápida caia na precipitação, que o excesso de ponderação conduza à hesitação. O bom senso confere sangue frio nas situações de pressão emocional, presença de espírito quando à volta se instala a ansiedade. É uma virtude que, normalmente se adquire com a idade, com a experiência, com a dimensão da responsabilidade. Mas, apesar da sua juventude, o Capitão Rui Alexandrino Ferreira aliava ao seu entusiasmo contagiante uma notável dose de bom senso, o que lhe permitiu aplicar a sua coragem, o seu sentido de disciplina, o seu gosto pela decisão, na medida e no sentido convenientes. Não estou a fazer um elogio fácil. Não devemos nada um ao outro nem pretendemos nada um do outro. Estou apenas a registar uma opinião madura e consolidada, que é a minha.

*     *     *

Mas há ainda uma outra característica do Rui Alexandrino Ferreira que me interessa destacar. É a sua faceta humana, a facilidade para conquistar e cultivar amizades, a sua disponibilidade para conviver, para colaborar e para ajudar, o que também foi um trunfo na sua elevada capacidade de liderança.

Em Aldeia Formosa as instalações eram muito deficientes, nomeadamente as dos oficiais, bem piores do que as dos sargentos e as das praças, cujas casernas foram as primeiras a serem concluídas depois da chegada do BCaç 2892. Quando este foi rendido estava ainda em construção um novo edifício de quartos para oficiais que só veio a ficar concluído depois da sua rendição pelo BCaç 3852.

O Rui resolveu alugar uma casa rudimentar na tabanca, fora do perímetro do quartel e aí se instalou com os seus oficiais subalternos. Era pouco mais do que uma palhota melhorada, coberta a zinco, mas ampla e os seus novos residentes fizeram os arranjos possíveis, com cartazes (do tipo das motivações mais correntes em ambientes masculinos e bélicos), com boa instalação sonora, com um conforto mínimo. Era um oásis dentro de Aldeia Formosa e passou a ser o local de convívio para muitos oficiais, incluindo o Comandante, Segundo-Comandante e Oficial de Operações, que ali iam à noite beber uns copos, ouvir música (predominando a música da época, do pós-década de sessenta, de intervenção e contestatária), falar com liberdade de tudo, sem mesmo deixar de lado temas mais incómodos, culturais, sociais ou políticos. Às vezes chegava-se ali vindo de actividade operacional e saia-se a correr para responder às flagelações dos grupos do PAIGC.

O Rui tinha um relacionamento muito próximo com todo o seu pessoal, oficiais sargentos e praças, sem nunca ter sido beliscado o seu ascendente de líder natural. Mas também eram muito boas as suas relações com os camaradas das outras subunidades e com os oficiais superiores do Batalhão sem que daí resultasse a mínima perturbação para os condicionamentos hierárquicos. A “palhota” da CCaç 18 era um sítio onde todos se sentiam bem, desinibidos e descontraídos. 

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3. Para além da CCaç 18

Pela minha parte felicito-me por ter feito com o Rui uma sã amizade.

Depois do seu regresso da Guiné, finais de 1972 princípios de 1973, antes de nova mobilização minha, restabelecemos a nossa relação que, aliás, nunca interrompêramos completamente pois mantivemos alguma troca de correspondência. Ele pretendia continuar ao serviço do Exército e queria ir para Angola, de onde era natural, onde crescera até vir para Portugal para a tropa, onde tinha a sua família há várias gerações (na então cidade de Sá da Bandeira, actual Lubango) e onde queria fixar-se. Em meados de 1973 iniciei uma nova comissão em Angola, tendo sido convidado para ir chefiar o Gabinete das Forças Auxiliares na Zona Militar Leste (GFA/ZML) com sede na cidade do Luso (hoje Luena), que incluía as força estrangeiras catanguesas (nome de código Fiéis), zambianas (Leais) e os angolanos Grupos Especiais (GE). Convidei o Rui, que entretanto se tinha oferecido para nova comissão em Angola, para ir trabalhar comigo, isto é para, uma vez eu chegado a Angola propor a sua nomeação para um dos lugares de adjuntos no GFA/ZML, alguns dos quais eram destacados junto dos campos dos Fiéis e Leais. Aceitou, em princípio, mas ficou combinado que, assim que chegasse a Luanda entraria em contacto comigo. Assim fez mas, entretanto, ficou colocado em Luanda onde sua mulher – tinha acabado de se casar – também tinha aí emprego. Não fazia sentido que ele fosse para o leste nessas condições apesar de eu ter gostado muito de ter contado com a sua valiosa colaboração.

Estas palavras finais já ultrapassam o espaço temporal sobre o qual o Rui me convidou para contribuir com o meu modesto depoimento – aquele que cruzou as rotas da CCaç 18 e do BCaç 2892. Mas justifica-se porque invoca uma amizade que resultou desse cruzamento. Depois seguiram-se os anos, trinta e quatro longos, agitados e riquíssimos anos. Por vezes posicionámo-nos diversamente em relação a determinadas rupturas e evoluções posteriores a 1974 mas nunca, tenho a convicção disso, em relação aos fundamentos e aos princípios que de então para cá mudaram Portugal, o Mundo e a sua Terra, Angola. Mas estas já são outras matérias que excedem o objectivo destas linhas. Creio que temos dado provas, de parte a parte, que mantemos uma sólida amizade e nos respeitamos mutuamente. A CCaç 18 está na origem dessa amizade. A sua invocação ajusta-se plenamente neste livro em que o hoje Tenente-Coronel Rui Alexandrino Ferreira quis registar a memória da Companhia que, brilhantemente, formou e comandou, enquanto jovem Capitão, nas matas e bolanhas da Guiné.

PEDRO PEZARAT CORREIA
Dezembro de 2008

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Mapas a elaborar:

Mapa 1 - Guiné c/ localização do Sector S-2 e assinaladas as localidades onde estavam guarnições militares:
ALDEIA FORMOSA
CHAMARRA
PATE EMBALÓ
MAMPATÁ
NHALA
BUBA
EMPADA
Assinalar ainda:
CONTABANE
República da Guiné
Sectores limítrofes: S-1, S-3, L-1 e L-5
Mapa 2 - Sul da Guiné localizando os corredores de Guilege, de Missirã e de Buba e assinalando:
INJASSANE
XITOLE
Rio Grande de Buba
Rio Corubal
Mapa 3 - Guiné realçando a posição do Sector S-2 como tampão do sul do TO e assinalando:
CANTANHÊS
CANSEMBEL
Canal de Bubaque

Guiné 63/74 - P10254: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (9): Operação Tábuas

1. Terceira estória, de mais uma série de três, dos Fidalgos de Jol, enviada pelo nosso camarada Augusto Silva Santos (ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73), em mensagem do dia 2 de Agosto de 2012:



ESTÓRIAS DOS FIDALGOS DE JOL (9)

Operação “Tábuas”

Felizmente para a minha Companhia, a questão das minas nunca chegou a ser um verdadeiro problema. Sabíamos da sua existência, temíamo-las, mas foi um autêntico milagre nunca termos feito accionar qualquer engenho.

Sendo o Chão Manjaco uma região essencialmente de passagem para os elementos do PAIGC, penso que esse terá sido o principal factor para tão poucos registos relativamente a minas. Falava-se até (obviamente sem qualquer confirmação oficial) que em tempos houve uma tentativa de minar alguns trilhos utilizados pelo inimigo, mas alguns dias depois as minas haviam sido levantadas e, no local, estaria a seguinte mensagem espetada num pau por parte do PAIGC: “ Se continuarem a minar os nossos trilhos, nós também minamos os vossos. Parem!”

Sinceramente foi algo em que na altura me foi difícil acreditar, pois mais parecia um daqueles episódios de guerra contados pelo Raúl Solnado, mas o que é certo é que, como já anteriormente referi, durante toda a comissão não houve qualquer registo de incidentes com minas.

Assim, foi com certa surpresa, mesmo já no fim da comissão, que fomos “obsequiados” com a notícia de termos de ir levantar um campo de minas antipessoal existente na região de Pepantar, mais propriamente na Bolanha de Ponta Vicente, sobre o qual só sabíamos da sua existência através de um croqui já muito antigo e, obviamente, desactualizado.

Chegados ao suposto local, foi com muita dificuldade que, dadas as alterações do terreno e dos pontos de referência assinalados, conseguimos chegar a alguma conclusão. Importa salientar que o referido campo não fora montado por nós, e que já ali se encontrava há alguns anos.

Tentando seguir todas as regras que nos haviam sido ensinadas para estes casos (mas sem a devida prática) e, na ausência de verdadeiros especialistas na matéria (sapadores), lá fomos tentando identificar os possíveis locais onde as nossas “amigas” deveriam estar, porém sem resultados práticos. Ao fim de algum tempo lá encontrámos dispersas, mas já muito deterioradas, duas das famosas tabuinhas (se bem me recordo do tipo dos caixotes de madeira da margarina), sob as quais as mesmas se deveriam encontrar, mas quanto a elas, “népia”.

Como é lógico começámos a ficar algo baralhados e preocupados com a situação, pois por acção das águas da bolanha, as mesmas poderiam já não se encontrar nos locais onde supostamente deveriam estar. Assim, por uma questão de segurança, abandonámos o local antes que pudesse ocorrer alguma tragédia, pois o mais provável era tanto eu como o Alferes que à minha frente seguia com o croqui, já termos passado por cima de alguma, além de que já nos encontrávamos expostos no local há bastante tempo. Qual picagem qual quê, quanto a minas, nada…

Segundo nos explicaram mais tarde, das três uma, ou os nossos “amigos” do PAIGC tê-las-ão levantado /neutralizado em devido tempo, ou a acção corrosiva das águas acabou por as deixar inoperacionais (graças a Deus…) visto tratarem-se de minas antipessoal metálicas já com muitos anos, ou então poderiam ter sido de facto arrastadas para um local diferente devido a alguma corrente mais forte das águas da bolanha. Sendo minas metálicas, sinceramente na altura achámos uma situação pouco provável.

Não sei bem o que mais tarde ficou decidido fazer, mas falava-se na possibilidade de solicitar a presença de sapadores, e também de se abrir fogo para o local para provocar o possível rebentamento das minas, para o caso de elas efectivamente ainda lá estarem.

Que me desculpem os especialistas na matéria (minas e armadilhas), se eventualmente cometi aqui alguma incorrecção, mas é desta forma que me lembro deste insólito (ou não) acontecimento.

Foi assim que, sem minas, acabámos por ficar apenas com duas velhas tabuinhas nas mãos.


Jolmete, Junho de 1972 > Trilhos do Pioce

Jolmete, Junho de 1972 > Traseiras do meu abrigo

Jolmete, Julho de 1972 > Bolanha de Gel

Jolmete, Julho de 1972 > Trilhos de Gel

Jolmete, Junho de 1972 > Junto a um bagabaga

Jolmete, Novembro de 1972 > Bolanha de Ponta Vicente

Jolmete, Novembro de 1972 > Preparação para recepção aos piras
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10240: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (8): Nada de "mariquices"

sábado, 11 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10253: Bibliografia de uma guerra (61): Primeiro Capítulo do próximo livro "Quebo", de Rui Alexandrino Ferreira (2): Primeira parte do depoimento do Major General Pezarat Correia (1)

1. Continuação da apresentação do primeiro capítulo do próximo livro, "Quebo", de autoria do nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira* (foto à direita) (ex-Alf Mil na CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67 e ex-Cap Mil na CCAÇ 18, Aldeia Formosa, 1970/72):


COMPANHIA DE CAÇADORES 18

 1. O BCaç 2892 e o Sector S-2 no sul da Guiné-Bissau

Por Pezarat Correia

O Batalhão de Caçadores 2892 (BCaç 2892), mobilizado no Regimento de Infantaria 16, Évora, chegou à Guiné em 28 de Outubro de 1969 e, em 10 de Novembro, assumiu a responsabilidade do Sector S-2, com sede em Aldeia Formosa no sul do Teatro de Operações (TO) (Mapa 1), sob o comando do Tenente-Coronel Rocha Peixoto e sendo 2.º comandante e oficial de operações respectivamente os Majores Moura Sampaio e Pezarat Correia, este último o subscritor destas linhas. Em Abril de 1970 o Tenente-Coronel Agostinho Ferreira substituiria o Tenente-Coronel Rocha Peixoto no comando do batalhão.

O BCaç 2892 rendeu, no Sector S-2, o Comando Operacional (COP) 4, tendo as suas companhias orgânicas ficado assim estacionadas: Companhia de Comando e Serviços (CCS) em Aldeia Formosa, Companhia de Caçadores (CCaç) 2614 em Nhala, CCaç 2615 em Aldeia Formosa e CCaç 2616 em Buba. Passou a ser reforçado com mais 3 companhias operacionais que já se encontravam no sector sob comando do COP 4, CCaç 2381 sedeada em Empada, Companhia de Artilharia (CArt) 2519 em Mampatá e a CArt 2521 em Aldeia Formosa e com 3 Pelotões de Caçadores (PCaç) do recrutamento provincial, 55 em Chamarra, 68 em Mampatá e 69 em Pate Embaló (Mapa 1).

O BCaç 2892 passou também a contar com o apoio, de combate e logístico, de várias subunidades que já encontrou em sector, Pelotão de Artilharia de Campanha (PAC) 14 cm em Aldeia Formosa, PAC 10,5 cm em Buba, 1 Pelotão de Morteiros (PMort) 2138 de 8,1 cm com sede em Buba mas com as suas secções dispersas por Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Nhala, Pelotão de Intendência (PInt) 2191 em Buba e Destacamento do Serviço de Transmissões Militares (DSTM) em Aldeia Formosa. O Pelotão de Reconhecimento (PRec) Fox 2175 entrou em sector juntamente com o BCaç 2892 e ficou em Aldeia Formosa rendendo o que aí anteriormente já se encontrava. Em Junho de 1971 o Sector S-2 passou a contar também com o 2.º Pelotão da Bateria de Artilharia Anti-Aérea (BAAA) 3381, que ficou sedeado em Aldeia Formosa (Mapa 1).

Sob controlo operacional do BCaç 2892 passaram a estar ainda o Destacamento de Fuzileiros Especiais (DFE) 3 sedeado em Buba, duas Companhias de Milícias (CMil) em Empada e Mampatá, esta última com Pelotões de Milícias (PMil) destacados em Aldeia Formosa, Nhala e Buba e um Grupo de Caçadores Nativos (CNat) dispersos por Aldeia Formosa, Chamarra e Pate Embaló (Mapa 1).

Foi com estes meios, aparentemente numerosos, que o BCaç 2892 assumiu a responsabilidade operacional do Sector S-2 em 10 de Novembro de 1969, recebendo do General Comandante-Chefe, do qual, operacionalmente, dependia directamente, a Directiva Operacional “Caça Grossa” que, nas suas linhas gerais, configurava uma típica missão de quadrícula que se articulava em quatro tarefas prioritárias:

- protecção aos trabalhos de construção da pista para aterragem de aeronaves em Aldeia Formosa (temporária e até à conclusão dos trabalhos, o que se verificou em Março de 1970);

- contrapenetração[1] nos eixos tradicionalmente usados pelo PAIGC para, a partir das suas bases na República da Guiné reabastecer e rodar efectivos das suas bases no interior, em Injassane (norte do Rio Grande de Buba) e em Xitole (norte do Rio Corubal);

- controlo da região de Contabane, fronteiriça com a República da Guiné;

- condução da Acção Psico-Social (APS), tendo como principais alvos as populações civis sob controlo das Nossas Tropas (NT), as populações civis sob controlo do Inimigo (IN)[2], as populações civis sob duplo controlo e as NT.

Com base na Directiva Operacional “Caça Grossa” e em resultado de detalhado Estudo de Situação a que se procedeu, o comandante do BCaç 2892 elaborou a sua própria Ideia de Manobra na qual fundamentou o Plano Operacional do Batalhão que se chamou “Galgos Ligeiros”, onde constavam as missões para as suas diversas subunidades e cujo esforço deveria incidir:

- nas acções de contrapenetração, especialmente sobre o chamado “corredor de Missirã” e sua derivação do “corredor de Buba” que, prolongando o “corredor de Guileje”, constituíam os principais eixos de abastecimentos do PAIGC para o interior sul, nomeadamente para as regiões de Injassane e Xitole, a partir das suas bases na República da Guiné (Mapa 2);

- complementarmente, no controlo das respectivas Áreas de Responsabilidade (AR), através de uma constante nomadização e de acções dinâmicas de segurança próxima dos estacionamentos (emboscadas nas imediações das zonas mais favoráveis aos grupos do PAIGC para instalação de bases de fogos para flagelações).

Todas as companhias operacionais, orgânicas e de reforço, ficaram, assim, com AR atribuídas, em missões de quadrícula que preenchiam toda a AR do Sector S-2, inclusive a CCS a quem coube a área envolvente de Aldeia Formosa incluindo os PCaç de Chamarra e Pate Embaló. A única excepção foi a CArt 2521, à qual não foi atribuída AR e que recebeu a missão de unidade de reserva, actuando como força de intervenção do Comando do Sector, prioritariamente destinada a reforçar as acções de contrapenetração no “corredor de Missirã” e em acções de controlo da região de Contabane na fronteira com a República da Guiné. Outro caso particular foi o do DFE, que nem incluo como excepção, uma vez que estava apenas sob controlo operacional do BCaç 2892 e a sua missão, definida pelo próprio Comando-Chefe, estava objectivamente orientada para o controlo do Rio Grande de Buba e seus afluentes, em especial para os locais mais favoráveis à “cambança” (travessia) dos guerrilheiros e reabastecimentos do PAIGC o que, obviamente, também se inscrevia na missão da contrapenetração. Mas o Comando do Sector S-2 podia utilizar o DFE – e utilizou-o excepcionalmente – como unidade de intervenção do sector. Apesar de ter sido várias vezes rendido o Sector S-2 nunca deixou de contar com a presença de um DFE em Buba.

Estas preocupações especiais do Sector S-2 com a contrapenetração, para além de corresponderem à missão recebida do General Comandante-Chefe, são facilmente compreensíveis se atendermos à sua posição na quadrícula da zona sul do TO da Guiné (Mapa 3). A Zona de Acção (ZA) do Sector S-2 deveria constituir um verdadeiro tampão contra a infiltração das colunas do PAIGC vindas do litoral norte da República da Guiné, uma vez que se estendia desde a fronteira com a região de Cansembel, a leste, até ao mar (Canal de Bubaque), a ocidente, procurando isolar a região de Cantanhês, uma das mais fortes do PAIGC. No entanto e apesar da aparente riqueza de meios de que o Sector S-2 dispunha – riqueza apenas efectiva se comparada com as quadrículas em Angola e Moçambique, mas absolutamente ilusória face às condições objectivas da Guiné e, por isso, atrás lhe chamámos aparente –, a contrapenetração nunca foi eficaz, nem neste nem em qualquer outro sector da Guiné. Como não foi em Moçambique, nem em Angola, nem na Indochina, nem na Argélia. A rede de emboscadas da manobra de contrapenetração era mais do que insuficiente, a incontornável rotina da permanência sobre o corredor (o “carreiro” como lhe chamavam os nossos militares), fez com que o PAIGC se fosse apercebendo dos locais preferentemente escolhidos para a sua montagem, jogando habilmente com os horários de instalação e levantamento, aguardando os momentos oportunos para passarem em segurança. Bons conhecedores do terreno contornavam as emboscadas com facilidade e efectuavam manobras de diversão, ameaçando nuns locais ou provocando encontros noutros para passarem ao lado. Várias intercepções as NT conseguiram, algumas com assinaláveis resultados, mas as colunas e grupos do PAIGC nunca deixaram de passar, as suas bases no interior nunca deixaram de ser abastecidas e os seus efectivos nunca deixaram de ser rendidos e reforçados.

Como oficial de operações do BCaç 2892 tive ocasião de percorrer, a pé, toda a ZA do Sector S-2. Observei pessoalmente muitos dos trilhos que constituíam os corredores de Missirã e de Buba e os locais onde as NT montavam emboscadas. Percorri também assiduamente em coluna auto a estrada Buba-Aldeia Formosa que constituía o eixo nevrálgico do Sector e conhecia bem a zona vista do ar, que sobrevoei muitas vezes. Testemunhei, por isso, as dificuldades e fragilidades da acção de contrapenetração. Os corredores não proporcionavam locais ideais para montagem de emboscadas, longe disso. A ausência de elevações de terreno e a mata densa não permitiam observação a distância, o trilho era uma longa recta sem curvas apertadas, sem desfiladeiros, sem pontes ou zonas não torneáveis. Havia meia-dúzia de lugares mais favoráveis, nomeadamente algumas clareiras ou bolanhas mas, esses, o IN conhecia-os bem, evitava-os ou, se os atravessava, rodeava-se de precauções especiais. Acresce que as NT tinham de estar, em permanência, 24 horas emboscadas, tinham de variar os locais vendo-se obrigados a escolher, por vezes, posições menos apropriadas mas a que não podiam fugir, sob pena de se tornarem, não apenas inúteis porque detectáveis, como alvos fáceis para flagelações do IN. Era um tipo de actividade que, por ser tão aleatória, se tornava cansativa e frustrante. Os Grupos de Combate (GC)[3] das várias companhias empenhadas na contrapenetração, de Buba, Nhala, Mampatá e Aldeia Formosa passavam, de 3 em 3 ou de 4 em 4 dias, 24 horas emboscados nos “carreiros”, actividade que, por vezes, se reforçava com GC da companhia de reserva. Era uma rede de emboscadas dispersa e os GC, obviamente, nunca se rendiam uns aos outros no mesmo local. Ao fim de poucos meses os militares estavam esgotados, saturados e o silêncio absoluto necessário para o êxito nas emboscadas era progressivamente afrouxado. Os guerrilheiros do PAIGC, experientes, com muitos anos de guerra, intimamente conhecedores do terreno, quase “adivinhavam” os locais das emboscadas, que detectavam através dos trilhos que as NT deixavam no terreno para os atingirem. Por tudo isto foram muito escassas as intercepções conseguidas mas, mesmo assim, o mais espantoso terá sido terem-se conseguido essas poucas. De uma maneira geral, quando se efectuavam operações de maior envergadura no corredor de Missirã obtinham-se melhores resultados, mas essa não era a opção táctica do General Comandante-Chefe que desejava uma presença permanente na rede de emboscadas a que atribuía um papel dissuasor mas que, na realidade, não funcionava como tal. E este empenhamento permanente não deixava disponíveis efectivos para efectuar operações mais rentáveis.

Vale a pena contar aqui uma história real, relacionada com esta matéria. Em 9 de Junho de 1970 um GC da CCaç 2614, de Nhala, emboscada no corredor de Missirã, intercepta uma coluna do PAIGC. Houve intensa troca de tiros e baixas de parte a parte. As NT sofreram três mortos e quatro feridos mas, com excepção de um morto causado por fogo IN, as restantes baixas resultaram de um acidente com o dilagrama[4]. Era um acidente infelizmente muito vulgar pois, na tensão do combate, por vezes o atirador de dilagrama perturbava-se na troca de carregadores e acabava por accionar o dilagrama com a munição normal, o que provocava o rebentamento da granada à boca da arma com resultados funestos, para o próprio atirador e para os camaradas que lhe estavam mais próximos. Quando na sede do batalhão recebi, em cima da hora, a informação rádio do incidente e os pedidos de evacuação, falei imediatamente com o comandante e concluímos que deveríamos ir rapidamente ao local da emboscada, com a presença no local do GC interveniente e, aí, analisarmos as condições em que tinha ocorrido o contacto de fogo. Até porque, a experiência nos ditava, o General Comandante-Chefe, mais tarde ou mais cedo e como era seu hábito, quereria ir ver o que se passara e era importante estarmos previamente esclarecidos. Assim fizemos e poucos dias depois o GC estava de novo emboscado no mesmo local e eu acompanhei o Comandante do Batalhão, idos de Aldeia Formosa com outro GC. À chegada constatámos que o local da emboscada correspondia, dentro dos condicionamentos atrás descritos, a uma escolha criteriosa, que houvera uma boa aproximação pelo meio da mata sem deixar vestígios e o dispositivo era perfeitamente aceitável e, a verdade, é que o IN até tinha nele penetrado sem o ter detectado. Apenas o incidente do dilagrama impedira um maior sucesso operacional. De qualquer forma lembro-me de ter prevenido o comandante – o tenente-coronel Agostinho Ferreira, um excelente comandante, experiente, que já ia na segunda comissão no comando de batalhão na Guiné em zona operacional, muito dinâmico e sempre disponível para se integrar pessoalmente em operações – que tínhamos de munir-nos de argumentação sólida pois o General Spínola devia vir de “faca afiada” para desancar a emboscada. Não nos enganámos. Avisámos o Comando-Chefe do resultado da nossa análise no local e, no dia seguinte recebíamos uma mensagem avisando que o General Spínola se deslocaria em dia que indicava ao local da emboscada, onde deveria estar o GC envolvido na acção, reproduzindo o mesmo dispositivo e ainda o Comandante e o Oficial de Operações do Batalhão. Com o GC que nos escoltara a partir de Aldeia Formosa montámos a segurança num local onde aterrou o helicóptero que transportava o general, que chegou com o seu Ajudante-de-Campo e com o Chefe da Repartição de Operações. Dirigimo-nos imediatamente para o local da emboscada e ao chegarmos e quando dissemos “É aqui”, o general parou, ajeitou o monóculo, olhou à sua volta e, apontando o inseparável “pingalim”, ripostou de imediato “Aqui é que eu nunca montaria uma emboscada”. O Comandante do Batalhão e eu trocámos um olhar cúmplice, nada surpreendidos e respondemos de imediato: “Foi o possível para quem tem de mudar todos os dias; este nem é dos piores e a verdade é que o IN até caiu na emboscada. E posições ideais para emboscadas só se encontram em caixas de areia e em temas escolares”. Certo é que Spínola até nem alimentou a controvérsia. Falou com o pessoal que participara na emboscada, inteirou-se das condições em que decorrera o contacto de fogo e deu-se por satisfeito. Afinal ele até gostava que argumentassem com ele, apreciava a combatividade de quem lutava pelo que achava certo.

Nas salas de operações do Comando-Chefe tinha-se uma percepção teórica da potencial eficácia da contrapenetração e queriam resultados diários. Mas a realidade no terreno era bem outra. Esta diferente perspectiva alimentou um conflito permanente entre as unidades de quadrícula e o Quartel-General (QG), independentemente de quem estava nas respectivas funções. Operacionais e “ar condicionado” sempre fizeram guerras diferentes, em todas as épocas e em todos os lugares.

Há um outro aspecto que interessa assinalar e que contribuía para a fragilidade da contrapenetração. Uma das inovações corajosamente assumidas pelo General Spínola quando, em 1968, assumiu o Governo e Comando-Chefe da Guiné, na sequência do Estudo de Situação que mandou elaborar, foi o reconhecimento de que havia áreas do TO que se encontravam sob controlo do PAIGC e, perante isso, tomou a decisão de proceder a uma profunda remodelação do dispositivo de quadrícula – aquilo a que se pode chamar uma retracção do dispositivo – e à reformulação da conduta operacional. Algumas guarnições das NT que estavam completamente cercadas nessas áreas, sem possibilidade de desenvolverem qualquer actividade operacional útil para além de defenderem as suas instalações e que representavam um enorme e não compensador encargo logístico, foram mesmo totalmente abandonadas pelas NT. Essas áreas passaram, justificadamente, a ser exibidas pelo PAIGC como áreas libertadas onde proporcionavam visitas a representações estrangeiras. O exemplo tragicamente mais assinalável foi o de Madina do Boé, a mais extensa e situada no SE do TO, onde em Setembro de 1973 o PAIGC declararia unilateralmente a independência da República da Guiné-Bissau. E digo tragicamente porque, quando da retirada da última guarnição militar portuguesa, a travessia para norte do Rio Corubal foi marcada pelo acidente de uma jangada que causou quase cinco dezenas de mortos às NT, entre militares e milícias. Este reconhecimento de que havia áreas do TO sob controlo do PAIGC levou o Comando-Chefe a delimitá-las dentro das ZA dos respectivos Sectores, com a designação de Zonas de Intervenção do Comando-Chefe (ZICC), nas quais às unidades de quadrícula estava vedado conduzir actividade operacional sem autorização do Comando-Chefe, até porque eram áreas de bombardeamento sistemático da Força Aérea que poderiam atingir as NT se aí estivessem em operações sem conhecimento superior. Passaram a ser zonas reservadas a operações de iniciativa do Comando-Chefe, com as suas unidades de intervenção na base de forças especiais (paraquedistas, fuzileiros, comandos ou grupos especiais), desencadeadas quando recortava notícias indiciadoras de objectivos remuneradores e com as quais, por vezes, colaboravam as unidades da respectiva quadrícula. Foi, por exemplo, numa dessas ZICC, no limite que separava o sul da ZA do Sector S-2 com o norte da ZA do Sector S-3, no mítico “corredor de Guilege”, que forças paraquedistas emboscaram a coluna do PAIGC na qual se integrava o cubano Capitão Peralta, que foi ferido e capturado. Esta operação verificou-se entre 16 e 19 de Novembro de 1969, pouco depois de o BCaç 2892 ter assumido a responsabilidade do Sector S-2 (10 Nov).

É claro que estas ZICC se transformaram (ou melhor se reforçaram porque já o eram) em bastiões do PAIGC, com muita população sob seu controlo e boas zonas de cultivo de arroz e criação de gado. No sul da Guiné as zonas mais férteis para a agricultura estavam todas nas mãos do PAIGC. Os seus grupos circulavam aí com algum à-vontade e tinham bases de apoio aos guerrilheiros, tornando muito mais curtos e menos vulneráveis os troços dos corredores de abastecimento susceptíveis de serem interceptados pela contrapenetração. Na ZA do Sector S-2, quando o BCaç 2892 assumiu a sua responsabilidade, as ZICC representavam, em superfície, quase 50% da área total do sector (Mapa 4).

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[1] Chamava-se contrapenetração à actividade operacional das NT resultante da conjugação de meios terrestres, navais e aéreos, mas que era, no essencial, uma manobra terrestre, destinada a dissuadir, impedir ou, no mínimo, dificultar a utilização, por grupos guerrilheiros, acompanhados ou não de populações, dos eixos que, a partir das suas bases em países fronteiriços, conduziam ao interior do TO, com objectivos de atingir, reforçar ou abastecer áreas por si controladas, ou para desencadearem acções contra as NT.

[2]A designação de Inimigo (IN) não deve ser entendida com um sentido calunioso ou depreciativo, nem subentende qualquer valoração, como por vezes, fora do meio militar, se tende, erradamente, a interpretar. Na terminologia técnica militar e em tempo de guerra o inimigo é o outro, o que se opõe às NT e que é sempre identificado pela sigla IN. Aliás, na Guiné, os militares portugueses respeitavam o PAIGC como movimento de libertação e os seus combatentes como guerrilheiros valorosos, que, apesar de serem apelidados, na linguagem corrente da época, de terroristas, na realidade nunca optaram por acções terroristas.

[3] O GC era uma subunidade operacional da CCaç, portanto correspondente ao escalão pelotão de atiradores, mas reforçado com armas colectivas, metralhadora ligeira, lança-granadas (bazooka) e morteiro ligeiro. Se a CCaç era a subunidade fundamental no dispositivo de quadrícula, o GC era a subunidade predominante nas acções de rotina de contrapenetração, segurança próxima dos estacionamentos, escoltas, etc.

O dilagrama era um dispositivo aplicado à saída do cano da espingarda automática individual G-3 que, através de um disparo com munição especial, facultava o lançamento de granadas de mão a maior distância do que se lançadas manualmente. O lançador de dilagramas transportava carregadores de dois tipos de munições de G-3, munição normal da arma automática e munição exclusivamente destinada ao lançamento do dilagrama. Tinha de ter os carregadores bem assinalados, para os poder distinguir pela vista ou pelo tacto (à noite), conforme as necessidades.

(Continua)
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 10 DE AGOSTO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10249: Bibliografia de uma guerra (60): Primeiro Capítulo do próximo livro "Quebo", de Rui Alexandrino Ferreira (1): Mais que um superior hierárquico um amigo de eleição - Pezarat Correia