Queridos amigos,
Foi durante a arrumação do meu gabinete na Direção-Geral do Consumidor, a limpar tudo e à beira da aposentação, que encontrei um texto policopiado que foi publicado pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa – Ultramar.
Desconheço inteiramente a proveniência, embora haja aqui qualquer coisa nas meninges que me diz que terei assistido a um concerto onde foram distribuídas várias folhas acerca dos Mandingas, da sua música e lendas associadas às músicas e canções.
Não escondo a minha devoção pelo Korá que tanta companhia me dá enquanto trabalho, há mestres do Mali (de quem, aliás, o meu amigo Braima Galissá se sente devedor) que hoje são tratados como artistas de primeiríssima água, formam-se inclusive duos com violoncelistas, um deles deu um espetáculo na Gulbenkian na temporada de música de 2011.
O nosso blogue tende a ser depositário de relíquias onde os investigadores vêm espreitar, sinto muito orgulho por este contributo.
Um abraço do
Mário
Mandingas – Um pouco de história (1)
Beja Santos
Na Guiné existem dois grandes grupos de povos. Os povos litorálicos e os povos do interior. Os primeiros são animistas e os últimos maometanos. Entre estes podemos falar dos Fulas e dos Mandingas sendo estes últimos muito mais islamizados que os fulas.
Na Guiné a etnia Mandinga é computada entre sessenta mil a setenta mil indivíduos. Nos países vizinhos, tais como República da Guiné, Camarões, Senegal, Mali, Alto Volta, etc., esta etnia chega a atingir no seu total cerca de seis milhões de habitantes. Daqui se infere que só parte muito reduzida, perto de 1%, desta etnia é que habita a Guiné Portuguesa.
As canções que se irão ouvir são da autoria de homens ilustres à nossa província como também de heróis que nasceram dentro da Guiné.
Os clássicos portugueses europeus fazem referência a este povo. Assim, temos Duarte Pacheco Pereiro e outros e até os Lusíadas quando nos fala do país que fornece o ouro.
Na época das navegações todo o ouro em quantidade era da origem do Rio Gâmbia e vendido pelos Mandingas. Mais tarde, todo o comércio da Mina era também efetuado por intermédio deste grupo étnico. Os Mandingas ao contrário da quase maioria dos povos africanos não se constitui em tribo, são uns grandes construtores de um Império, o Império de Ghana, nascido por volta do século IV da era cristã, era formado pelo povo Saracolé, ainda Mandingas misturados.
O Império do Mali, que substitui o Império do Ghana, no século XIII (1220), era já formado só por Mandingas. Aquando da chegada às costas da Guiné dos navegadores portugueses estavam o Império do Mali em plena força e, enquanto os navegadores faziam a sua aparição pela costa, os Mandingas chegam pelo Leste e pelo Gabu, aparecendo também misturados com os Fulas, povos pastores, ao passo que os Mandingas são um povo de agricultores e artistas por excelência.
O rei D. João II mandou vários embaixadores ao Mandimansa (Imperador Mandinga) serviam estes medianeiros entre Fulas e Mandingas que por esta época se guerreavam.
Senhores, durante 7 a 8 séculos, de toda a região da Guiné, só em 1850 é que os Mandingas foram vencidos pelos Fulas, por estas alturas os Fulas de Gabu foram apoiados pelos Futa-Fulas.
Braima Galissá em concerto
Os tocadores
Os tocadores são indivíduos que pertencem a uma casta que unicamente têm por missão serem os historiadores, os genealogistas, enfim, transmitir de geração em geração todo um repositório de literatura oral.
A casta de tocadores é fechada, isto é, passa de pais para filhos e assim sucessivamente. De tal maneira isto é verdadeiro que para qualquer pessoa que esteja a par da vida social e familiar deste povo basta que alguém diga um nome para se saber se ele é da família de músico ou não.
Os franceses chamavam-lhes “griot”. Em crioulo da Guiné são chamados por Djidus. Em Mandinga Djalô (singular) e Djabolo (plural). Os Djidus ou Judeus em português podem identificar-se com os jograis da Idade Média do Cristianismo. O grupo de tocadores que ireis ouvir tem como norma, rigidamente observada, iniciar as suas atuações tocando o Hino Nacional.
Bilhete postal da era colonial, mostra os pais de Braima Galissá
Korá – Nótula descritiva
Na África Negra, os instrumentos de cordas dedilhadas que atraem mais a atenção são a lira, as cítaras e as harpas (as quais têm correspondência na música ocidental), são de preferência as composições de lira, harpa e cítara: a harpa-lira “Korá” da África ocidental, e a harpa-cítara “Muet”, que se encontra sobretudo na África central.
O Korá é um dos mais belos instrumentos de música da África Negra, ao mesmo tempo pela sua forma e pelo seu timbre. Compõe-se essencialmente de uma caixa-de-ressonância, de um braço, de um cavalete de grandes dimensões e 21 cordas.
A caixa-de-ressonância é um semi-cabaço de grande diâmetro, forrada de uma pele. Na parte convexa, pratica uma abertura onde se decora cuidadosamente o contorno. Esta abertura, pela qual “se escapam os sons”, corresponde evidentemente à rosácea de lira do ocidente. Por vezes o resto do hemisfério de ressonância é igualmente decorado, mas isto não é uma regra geral. Existe um longo braço em madeira, cilíndrica (fixada, cravada) nesta caixa. Uma destas extremidades (perto de 4cm acima da caixa) serve de ponto de partida de todas as cordas ao passo que, sobre o braço propriamente dito, diametralmente oposto a esta extremidade, as cordas são fixadas em 21 pontos diferentes, afastando-se progressivamente da caixa sonora. Os pontos de fixação são anéis de coro que podem deslizar sobre o braço, o que permite esticar as cordas à vontade e regular deste modo a afinação do instrumento. Um cavalete de uns alguns 20cm de altura, largura de 3 a 6cm, suporte 10 entalhes (armar a seta no arco) sobre um destes campos, 11 entalhes sobre o outro. Este cavalete forma com o braço os lados rígidos de um triângulo, entre os quais são fixadas as cordas. É esta a caraterística, essencialmente, que aparenta este instrumento com uma harpa. Mas, ao mesmo tempo, o Korá pode ser considerado como uma lira, pois que possui um braço, o que é próprio das liras.
É, pois, justo, tendo em conta estas notas, chamar o instrumento por harpa-lira. Trata-se, com efeito, de uma harpa dupla, o cavalete dividindo as cordas em duas (arrumações fileiras), uma de dez, a outra de onze. Para completar, os músicos tem por hábito fixar, no alto do cavalete, uma placa de metal de ângulos arredondados, cujo contorno tem fixados pequenos anéis destinados a fazer ouvir ao menor movimento. Encontramos aqui a procura dos sons impuros.
As notas de Korá são da mais grave à mais aguda:
fá-dó-ré-mi-fá-sol-si-ré-fá-lá-dó-mi (para a mão esquerda)
fá-lá-dá-mi-sol-si-ré-fá-sol-lá (para a mão direita).
Contudo, apesar do vigor técnico destes sons, será fácil constatar que, na prática, cada nota é afetada de um como a mais ou menos, o que faz com que os europeus digam que o instrumento está mal afinado. Precisamos igualmente que a afinação precedente é a do Korá do Senegal, tal como a Escola de Artes de Dakar a adotou. A afinação do Korá no Mali, assim como no país de origem deste instrumento, a Guiné, não é forçosamente a mesma, e faz frequentemente ainda em maior número o fi da gama de Bach.
Encontra.se assim, na Guiné, uma Korá de 19 cordas, chamado “Seron”. Este parece-se em todos os pontos com o Korá e toca-se praticamente como ela. Existem excelentes gravações de música de Seron, notavelmente solos tocados por um autêntico “griot” guineense da região de Kankan, que põe em relevo todos os recursos do instrumento, com uma música unicamente instrumental de muito boa qualidade.
(Continua)
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Nota do editor:
Vd. último poste da série de 25 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11151: Notas de leitura (459): "Olhares Sobre Guiné e Cabo Verde", organização de Manuel Barão da Cunha e José Castanho (3) (Mário Beja Santos)