1. Mensagem do nosso camarada Hélder Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 13 de Setembro de 2011:
Caros camaradas Editor e Co-Editores
Já faz algum tempo que não contribuo com algum texto, embora procure acompanhar o Blogue e intervir ao nível do 'comentários'.
Há que dar lugar aos novos, para que também eles assumam este colectivo.
Caso vejam interesse, envio então este texto que podem inserir numa série que eu teria de ir completando e que se chegou a intitular "Histórias em tempo de guerra", com uma história verídica e que se passou ainda não tinha uma semana de Guiné, ou seja, de Bissau. Ainda era tudo novo, tudo misterioso. Depois ganha-se calo.
Peço desculpa por não poder rechear o texto com fotos a propósito, por exemplo do aparelho de rádio referido, mas é que não encontrei, nem na net. Apenas junto essa que o Vítor Raposeira me facultou e que pode servir para avaliar o formato e dimensão do aparelho em questão.
Depois acho que também devo pedir desculpa aos camaradas para quem a sua "primeira missão" não foi como a minha, mas trata-se de contar aqui a verdade. A minha foi assim.
Abraço
Hélder Sousa
HISTÓRIAS EM TEMPOS DE GUERRA (10)
A PRIMEIRA MISSÃO
Caros camaradas, amigos e outros…
Impulsionado por algumas coisas que recentemente apareceram no nosso Blogue, lembrei-me desta experiência que passo a relatar.
Ela assenta em factos reais, verdadeiros, com algumas certezas e algumas dúvidas, a saber:
Certeza: ocorreu logo depois de ter chegado à Guiné, aí à volta do dia 15 de Novembro de 1970 (cerca de uma semana antes da ‘Operação Mar Verde’).
Dúvida: não sei dizer o dia certo, mas espero que isso não seja impeditivo para o relato do desenvolvimento da acção.
Certeza: participaram dois estrangeiros, um deles Engenheiro (não sei se civil se militar) e o outro, um militar com patente de Oficial. Um era rodesiano e o outro sul-africano.
Dúvida: não sei dizer qual era o rodesiano, acho que era o Engenheiro, da Racal, mas sem certeza, nem qual o sul-africano, acho que era o Oficial, salvo erro Coronel de Engenharia ou Transmissões, mas também sem certeza.
Certeza: a operação destinava-se à realização de testes de eficácia, de prova da capacidade, de bom desempenho, de uns rádios que se pretendiam vir a equipar em breve algumas unidades do STM. Tratavam-se de versões do Racal TR-15. Não, meus camaradas, não era o TR-28, o que foi colocado à experiência era de muito maiores dimensões, cerca de 60cm de frente e para ficar assente em mesa, de que podem observar, embora só um pouco, na foto que me foi cedida pelo Vítor Raposeiro em que está em frente a um, já em Bissau.
Dúvida: tenho a ideia que a seguir à identificação TR-15 havia uma letra, não sei se um “A” se um “L”, nem me lembro agora para onde foram alguns exemplares, para além de Catió.
Fur Mil Vítor Raposeiro no seu posto de trabalho
Para a realização dos referidos testes montou-se um ‘posto director’ numa espécie de pátio que havia lá nas Transmissões, com uma tenda para evitar que o aparelho em apreciação fosse alvo da curiosidade e para o proteger das acções climatéricas (nessa altura ainda apanhei chuva nesse dia), e com a execução de uma antena dedicada ao aparelho pelo Alferes Pereira da Silva, que era um especialista nesse tipo de equipamentos.
Um outro aparelho foi montado numa das viaturas típicas das transmissões e servido apenas por uma antena ‘vertical’.
Antes de prosseguir quero aqui deixar a minha homenagem ao Alferes Pereira da Silva, que nunca mais vi nem sei o que é feito dele, mas que era “Aspirante” no BT aquando da minha passagem por lá a fazer o 2.º Ciclo do CSM, pelo que já nos conhecíamos desse tempo, um ano atrás. O Pereira da Silva era de facto uma figura típica, um bom homem, um grande especialista em antenas e muito bom em tudo o que dizia respeito a rádios e transmissões, parecendo contudo que estava sempre ’pendurado’ num cigarro que lhe saía da boca. Havia até quem apostasse que ele só acendia um cigarro por dia, os restantes acendiam-se sucessivamente, chegando a haver ocasiões que não era raro haver dois cigarros em simultâneo.
Nesta operação calhou-me a mim e ao Furriel Nelson Batalha fazer o trabalho na viatura, onde havia um condutor, os dois Furriéis recém-chegados, o ‘Oficial’ estrangeiro e creio que também um ‘operador’ de grafia. No ‘posto director’, para além do Alferes Pereira da Silva no apoio técnico, ficaram vários ‘quadros’ das Transmissões entre os quais os Capitães Cordeiro e Oliveira Pinto, bem como outro pessoal relacionado com o STM, nomeadamente o Sargento Taveira.
A seguir ao almoço (a montagem dos equipamentos ocupou a manhã) lá seguimos com a nossa viatura por vários e diversos caminhos e locais, que para mim na altura pouco ou nada diziam. Fomos para Antula, depois para o lado oposto, para a zona do aeroporto, também seguimos para o caminho de Quinhamel, embora não chegando lá.
As comunicações entre os dois rádios, quer em fonia, quer em grafia, foram satisfatórias, pelo menos assim foi dito. Mérito do rádio? Mérito da antena? Há um comentário do nosso camarada Carlos Filipe que refere uma máxima “é preferível um mau emissor com uma boa antena, que o inverso.” Estou convencido que foi de todo o conjunto: o rádio era bom, a antena também e as condições de ensaio foram favoráveis.
Contudo a experiência não ficou por aqui. Era necessário saber como era o comportamento em situação nocturna, com condições atmosféricas desfavoráveis. Vai daí, havia que repetir a experiência da tarde mas agora com ida a Prabis e depois Quinhamel.
Foi aqui que a ‘coisa’ se tornou caricata. O condutor e o operador, já com a viatura a circular por Bissau, disseram que não era nada aconselhável nem ‘saudável’ aventurarmo-nos pelos referidos caminhos, de noite, sem protecção, que o Comandante não tinha a noção do perigo, ainda para mais com um equipamento novo, que não estavam para se arriscar por causa ‘deles’, pelo que inquiridos sobre qual era a sugestão que faziam, sem se falhar o ensaio nem se entrar em desobediência, ficou entendido avançar-se um bocado na estrada de Prabis e depois recuar, avançar novamente e depois voltar a recuar: faziam-se os testes, faziam-se os quilómetros, e tudo correria bem. Ainda de noite fomos depois também para junto de um local que me lembro de terem dito ser a Missão Católica e tornear várias vezes o edifício e voltar a haver os avanços e recuos.
No meio destas cenas o Oficial estrangeiro que nos acompanhava ‘percebeu’ a situação, piscou o olho numa prova de entendimento e meneou afirmativamente a cabeça pois também não se tinha revelado muito confortável com a situação. Afinal, tudo aquilo ‘corria a favor’ dos testes….
Como conclusão posso adiantar que os testes foram positivos, o rádio agradou em pleno, a encomenda seria feita seguidamente, os ‘vendedores’ do produto saíram satisfeitos e nem percebi porque na despedida o Oficial completou a saudação com um cumprimento e novo piscar de olho. Os homens da viatura ficaram também contentes e eu e o Batalha confortados pelo êxito da nossa primeira missão.
Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur Mil Transmissões TSF
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 22 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8587: O Mundo é Pequeno e o nosso Blogue... é Grande (44): Aqui e ali, prossegue a recuperação da memória.... (Hélder Sousa)
Vd. último poste da série de 15 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5821: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (9): A Presse Lusitana
Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra col0onial, em geral, e da Guiné, em particular (1961/74). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que sáo, tratam-se por tu, e gostam de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 14 de setembro de 2011
Guiné 63/74 - P8773: Contraponto (Alberto Branquinho) (39): O tempo está embrulhado
1. Em mensagem do dia 12 de Setembro de 2011, o nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), conta-nos este caso de meteorologia empírica:
CONTRAPONTO (39)
O TEMPO ESTÁ EMBRULHADO
Foi há pouco tempo, em meados do último Agosto. Andando por terras algarvias, olhei um velhote que inquiria o céu, olhando o horizonte no sentido sudoeste.
(Parêntesis: digo “um velhote” sem intuito depreciativo, mas “nós” não somos velhotes, pois andamos, continuamente, na demanda da juventude…perdida).
Pois, como estava dizendo, o velhote, ao mesmo tempo que franzia o sobrolho e olhava a formação de nuvens que começava a cobrir o céu do lado sudoeste, disse:
- O tempe está ficande embrulhade.
Esta afirmação fez-me saltar recordações. É que, não sei por que razão, foi integrado na nossa Companhia um rapaz algarvio, desgarrado no meio de nortenhos: tripeiros, minhotos, transmontanos…
Ao aproximar-se a época das chuvas (a primeira que passámos na Guiné), ele, ao acordar, manhã cedo, assomando à porta da caserna, olhou o céu e viu, depois de tanto tempo de céu azul, as primeiras nuvens e concluiu:
- Parece que o tempe está ficande embrulhade.
Assim contaram os que ouviram tal juízo, não entendendo porquê, andando nós sempre a “embrulhar”, agora era o tempo que “embrulhava” também.
Pois, como é óbvio, o rapaz continuou, durante algum tempo, a ver as nuvens serem cada vez mais, depois a chuva a cair sem parar e o azul do céu sem mais aparecer.
E ele passou a repetir, em cada dia:
- O tempe continua embrulhade.
Ora, como sabemos, a chuva continua, ininterruptamente, por meses e meses. E ele repetia:
- O tempe continua embrulhade.
Mas, um dia, alguém das camas mais próximas, irritado, acabou com a análise meteorológica:
- Ó “Tempo Embrulhado” acaba lá com essa merda, que já chateia.
Foi assim que passou a ser conhecido por “Tempo Embrulhado”: - Chama aí o “Tempo Embrulhado”. – Quem disse? - Foi o “Tempo Embrulhado”. O “Tempo Embrulhado” para aqui, o “Tempo Embrulhado” para ali…
E nem mesmo depois da chegada da época seca e do chamado “bom tempo” (!) deixou de haver… “Tempo Embrulhado”.
Alberto Branquinho
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 11 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8659: Contraponto (Alberto Branquinho) (38): As Frentes e os Homens
CONTRAPONTO (39)
O TEMPO ESTÁ EMBRULHADO
Foi há pouco tempo, em meados do último Agosto. Andando por terras algarvias, olhei um velhote que inquiria o céu, olhando o horizonte no sentido sudoeste.
(Parêntesis: digo “um velhote” sem intuito depreciativo, mas “nós” não somos velhotes, pois andamos, continuamente, na demanda da juventude…perdida).
Pois, como estava dizendo, o velhote, ao mesmo tempo que franzia o sobrolho e olhava a formação de nuvens que começava a cobrir o céu do lado sudoeste, disse:
- O tempe está ficande embrulhade.
Esta afirmação fez-me saltar recordações. É que, não sei por que razão, foi integrado na nossa Companhia um rapaz algarvio, desgarrado no meio de nortenhos: tripeiros, minhotos, transmontanos…
Ao aproximar-se a época das chuvas (a primeira que passámos na Guiné), ele, ao acordar, manhã cedo, assomando à porta da caserna, olhou o céu e viu, depois de tanto tempo de céu azul, as primeiras nuvens e concluiu:
- Parece que o tempe está ficande embrulhade.
Assim contaram os que ouviram tal juízo, não entendendo porquê, andando nós sempre a “embrulhar”, agora era o tempo que “embrulhava” também.
Pois, como é óbvio, o rapaz continuou, durante algum tempo, a ver as nuvens serem cada vez mais, depois a chuva a cair sem parar e o azul do céu sem mais aparecer.
E ele passou a repetir, em cada dia:
- O tempe continua embrulhade.
Ora, como sabemos, a chuva continua, ininterruptamente, por meses e meses. E ele repetia:
- O tempe continua embrulhade.
Mas, um dia, alguém das camas mais próximas, irritado, acabou com a análise meteorológica:
- Ó “Tempo Embrulhado” acaba lá com essa merda, que já chateia.
Foi assim que passou a ser conhecido por “Tempo Embrulhado”: - Chama aí o “Tempo Embrulhado”. – Quem disse? - Foi o “Tempo Embrulhado”. O “Tempo Embrulhado” para aqui, o “Tempo Embrulhado” para ali…
E nem mesmo depois da chegada da época seca e do chamado “bom tempo” (!) deixou de haver… “Tempo Embrulhado”.
Alberto Branquinho
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 11 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8659: Contraponto (Alberto Branquinho) (38): As Frentes e os Homens
terça-feira, 13 de setembro de 2011
Guiné 63/74 – P8772: Memórias de Gabú (José Saúde) (1): No declinar da nossa presença em terras guineenses… A despedida!
1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabú) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.
NO DECLINAR DA NOSSA PRESENÇA EM TERRAS GUINEENSES…
A DESPEDIDA!
Depois da minha primeira opinião subscrita no blogue, ajudando o seu contexto para uma apresentação formal de um homem que viveu de perto as contingências da guerrilha (*), insiro-me, agora, sobre uma outra perspectiva que refere os momentos da nossa despedida. Isto é: os instantes derradeiros vividos ao serviço da CCS do BART 6523 em Nova Lamego – Gabú – com o PAIGC e a “luta” constatada com as milícias que não aceitavam, em parte, a sua eventual subserviência aos futuros tomadores do “trono” guineense. O pessoal estava armado e, a dada altura, deixaram antever que a ocasião passava por pedir meças àqueles que com eles conviviam amiúde. Porém, tudo não passou de “fumaças” uma vez que o entendimento prevaleceu e “a malta”, ordeiramente, retirou-se. Para trás ficaram pedaços de histórias da nossa presença naquele espaço guineense. Já no trono do descanso registei, e ficou escrito nas minhas memórias, o primeiro contacto com um grupo do PAIGC em pleno tempo de reconciliação.
Após um período deveras conturbado em toda a zona Leste (Guiné), e o ecoar sistemático de bombardeamentos nocturnos às nossas tropas, a que acresce a onda de confrontos no terreno com o IN que se estendiam entre emboscadas e minas, a que acresce o número de baixas registadas, gozava eu, na altura, umas merecidas férias na metrópole quando rebentou o 25 de Abril. Tinha vindo da Guiné a 10 de Abril de 1974. Neste percurso, e por mera curiosidade, deparei-me com a revolução em território luso. Estava em casa dos meus pais, já falecidos, em Aldeia, hoje Vila, Nova de São Bento. Assisti, assim, in loco à exaltação do povo. Todavia, no dia 9 de Maio, tal como estava programado, regressei a solo guineense deparando-me então com as mais díspares situações de revolta após a minha chegada a Nova Lamego. As milícias, e a população em geral, reclamavam segurança. Direitos anteriormente adquiridos. Estavam armados. Os tumultos eram frequentes. Junto à porta de armas abancavam e caprichosamente faziam exigências. Aliás, a porta do quartel registava diariamente um aglomerado de gente que, em coro, reclamava a sua própria defesa. Compreendia-se!
À parte desses tumultos o pessoal começou a preparar, cuidadosamente, o nosso adeus a Nova Lamego. Lembro a tarefa incansável de rebentar o material explosivo contido no paiol. O Santos, furriel de minas e armadilhas, encarregou-se desse trabalho e contou, também, com a minha ajuda e do Rui, furriel ranger, tal como eu. Passávamos manhãs a efectuar tremendos rebentamentos. Havia ordens e nós cumpríamos.
Por outro lado seguiam-se longas palestras com os chefes de tabanca, população, chefes das milícias e, naturalmente, com aqueles que connosco travaram anos de luta armada.
Por fim o desarmamento das milícias consumou-se sem problemas de maior. Tudo correu pela melhor e prevaleceu o velho entendimento entre homens de coração imenso.
Recordo que após o 25 de Abril a ordem, em geral, determinava que o pessoal deixaria de andar armado. E assim foi. Cumpriu-se a ordenação sendo que, como o racional determinava, nós deduzíssemos que do lado do PAIGC a ordem seria levada à letra. Vivia-se, digamos, uma fase algo tumultuosa. Indecisa. As conversações entre as partes protelavam-se e no terreno impunha-se o cumprimento das ordens emanadas pelos respectivos superiores hierárquicos. Havia disposições que os graduados, já informados, tentavam passar aos seus subordinados. Nunca abdicando de princípios acertados o tempo pós revolução de Abril foi fértil em descobertas que para nós constituíram surpresas imensas. Inolvidáveis. A dada altura, travando conversa com um capitão do PAIGC no bar de sargentos em Nova Lamego, o rapaz, ainda jovem, virou-se para mim e disse que me conhecia: “tu és o furriel Saúde, de Operações Especiais”. É verdade, comentei. Concluí que afinal nós éramos alvos, talvez silhuetas, já conhecidos. Uma guerra, ou guerrilha, tem obviamente consequências sempre inacabadas. Impensáveis.
Um belo dia, já em tempo de reconciliação, fizemos uma coluna a Bafatá. A viagem passou por ir buscar mantimentos para a nossa zona, sendo que anteriormente a coluna fazia-se com a uma escolta do pelotão de chaimites sediado em Bafatá. Carregámos o previamente solicitado e toca a fazermo-nos de novo à estrada. No regresso a Nova Lamego, e ao meio da viagem, surgiu-nos pela frente um grupo do PAIGC que nos mandou parar. Cumprimos religiosamente as suas ordens. Queríamos paz e nada mais. Só que de armas em punho os antigos guerrilheiros pareciam desconfiar da nossa franqueza. Pensei: “estamos lixados”. Tanto mais que a forma de abordagem, na minha opinião, não me pareceu correcta. Perguntava-me o comandante do grupo se trazíamos armas. Disse que não, claro. Relembrei-o das normas já em vigor entre as partes. Porém, alguns dos seus soldados, antes inimigos, agora amigos, nada conformados com a minha justificação de que se tratava, apenas, de uma coluna de abastecimento, toca a revistar minuciosamente o “material”. No final, e já numa fase de plena conversação, prevaleceu o entendimento e o abraço saudável entre dois homens que anteriormente se posicionavam em “esquadrões” adversos.
A noite de 3 para 4 de Setembro de 1974 no quartel de Gabú esteve ao rubro. Foi a entrega das nossas instalações ao PAIGC. O pessoal, em uníssono, deu azo a alegrias nunca imaginadas. O convívio foi bonito, recordo. Às 8 horas do dia 4, como era costume, preparou-se em conjunto o render das respectivas bandeiras. De um lado as nossas tropas, no outro, as forças do PAIGC. Nós hasteámos a nossa bandeira, de seguida retirámo-la do mastro, sendo que de imediato o PAIGC içou a deles. Um acto que colocava ponto final às tréguas sentidas ao longo dos muitos anos de guerra.
Momentos inesquecíveis de quem viveu na Guiné o pós 25 de Abril!
Um abraço,
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
Um abraço,
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
Foto: © José Saúde (2011). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:
(*) Este é o primeiro poste desta série.
Primeiro poste sobre o autor em:
___________
Nota de M.R.:
(*) Este é o primeiro poste desta série.
Primeiro poste sobre o autor em:
Guiné 63/74 - P8771: Convívios (373): II Encontro do pessoal da CCAÇ 3327, ocorrido no dia 6 de Agosto de 2011 em Angra do Heroísmo (José Câmara)
1. Mensagem de José da Câmara* (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), com data de 8 de Setembro de 2011:
Caro amigo Carlos Vinhal e camaradas,
Um abraço para todos vós.
Na minha recente viagem de férias aos Açores, tive a alegria de assistir a mais um convívio da CCaç 3327.
Desta vez, o encontro teve lugar na casa mãe, o antigo BII17, cujo Comando amavelmente colocou, à nossa disposição, as instalações que todos nós bem conhecemos.
Este convívio que reuniu antigos camaradas, familiares e amigos vindos da Metrópole, de Massachusetts, da Califórnia, do Canadá e de várias ilhas dos Açores, realizou-se no passado dia 6 de Agosto. Toda a organização no terreno ficou a dever-se a um homem extraordinário e um militar exímio, o meu braço direito, o ex-1.º Cabo José Leonardo, da minha Secção. No tempo ficou a nossa amizade, no coração bem poderia dizer que somos irmãos.
O segundo convívio da CCaç 3327 foi delineado desde o primeiro dia para ter alguma inovação em relação ao primeiro e que consistiu em chamar até nós os camaradas das CCaç irmãs 3326 (Mampatá) e 3328 (Bula). O objectivo foi muito bem alcançado e, entre ex-militares e acompanhantes, ultrapassámos em muito aquilo que era esperado. Sempre tivemos em conta as conjecturas da crise económica actual e a falta de continuidade territorial que obriga a gastos muito elevados. Nós, os organizadores, estamos satisfeitos e temos a certeza de que os nossos camaradas também.
Juntaram-se ao nosso convívio em representação do Comandante do antigo BII 17, agora Guarnição 1, o senhor Tenente Moreira e os Sargentos-Chefes Travanca e Chagas que tudo fizeram para que o convívio tivesse o brilho desejado, e ainda um representante da filial terceirense da Liga dos Combatentes.
A missa esteve a cargo do senhor Oficial Capelão Militar e teve lugar na Igreja de São João Baptista com sede na Fortaleza com o mesmo nome. De seguida, foi depositada uma coroa de flores no monumento que imortaliza os militares falecidos daquela Unidade militar.
Desde sempre foi minha intenção fazer um resumo sobre este convívio. Mas não o vou fazer.
Felizmente, comprei o único diário que se publica na cidade da Horta, O Incentivo, com a data de 25 de Agosto. Para minha surpresa, nele vinha inserido um artigo de opinião sobre o nosso convívio. Senti um prazer desmedido ao ler o artigo escrito pelo João Avelar Ventura, natural da Ilha das Flores e a residir na Terceira, outro homem de grande envergadura cívica e militar. Um homem que sempre teve a coragem de deixar falar os seus sentimentos. Sinto orgulho de o ter tido na minha Secção, honra-me a sua amizade.
Ao artigo de opinião que transcrevo com a devida vénia a O Incentivo e com a devida autorização do João Avelar Ventura apenas acrescento algumas fotos e respectivas legendas da minha autoria.
Os Nómadas
No passado dia 6 de Agosto comemorou-se, nas instalações do Castelo S. João Batista em Angra, o 2.º Convívio dos ex-combatentes da CCaç. 3327 (Os Nómadas) onde também se integrou ex - combatentes das CCAÇs. 3326 e 3328, foi rezada missa em homenagem àqueles que já faleceram, e dar graças aos que por cá andam. Nesta mesma data foi lembrado os 41 anos e um mês, que estes ex-jovem de todas as ilhas dos Açores deram entrada no BII 17, para cumprimento do serviço militar a que o Regime nos obrigava.
A partir da esquerda - Um bolo, 3 Companhias: Fur Mil Costa (CCaç 3328), Cap. R. Alves (CCaç3327) e Fur Mil J. Bendito (CCaç 3326) preparam-se para cortar o bolo comemorativo do convívio, enquanto o 1.º Cabo J. Sousa testemunha e as meninas preparam o champanhe.
Foi naquela bela Fortaleza que por fora nos parece um lindo conto de fadas, mas para quem teve que entrar no seu interior, mais parecia um início de um filme de terror.
Recordo com saudades a juventude que reinava nas centenas de jovens à espera que os portões se abrissem para entrarem no seu interior, tão escuro e tão frio, que mais parecia o túnel da morte ou para a escravidão às masmorras que ali existem, oficiais e sargentos, com semblante tão carregado, como as pedras que sustentavam as arcadas da muralha, um por um, lá iam gritando os nomes dos mancebos, para lhes aplicarem um número que seria a sua marca bem registada nas fileiras nacionais.
Ao sair para a parada, já de uniforme embora um pouco machucado, tinha já consciência que a hora de ser militar já tinha começado, lá no alto por cima das nossas cabeças, com letras bem marcantes: “ANTES MORRER LIVRE QUE EM PAZ SUJEITOS”; Esta coisa de sujeitos, sempre me acompanhou enquanto militar fui. Éramos sujeitos a várias humilhações, quer pessoais quer psicológicas, em que, nos obrigavam a acreditar que se ia para terras do Ultramar, para defender a nossa Pátria; nem que, os tais sujeitos que queriam a paz, tivessem que morrer...
O som do clarim era o toque da alvorada, todos a correr para a parada marchar; um dois!.. um dois!.. meia volta volver... era o som tão marcante que ainda pressinto ouvir, os berros dos aspirantes a chamarem, aqueles nomes tão bonitos...
Com o passar dos meses já era um militar completo, recruta e especialidade, já era um atirador pronto a jurar sob a Bandeira Nacional, que estávamos ao serviço da Pátria, nem que a morte lhes custasse.
Foi a Guiné o destino destas três Companhias Açorianas, com pessoal especializado em comunicações sargentos e oficiais, esses continentais, dois ou três sargentos dos Açores.
Santa Margarida foi o nosso primeiro destino, o gelo e o frio era constante, recordo que, para se tomar o nosso duche tinha que ser a correr que a água era tão gelada que cortava a pele, mas era só a dos soldados. A viagem para a Guiné demorou sete dias, metidos no porão do navio Angra do Heroísmo, mais de seiscentos militares, deitados numas prateleiras que mais pareciam caixotes para armazenamento de batatas, ou então, sardinhas enlatadas. Era assim, a mostra onde tinha chegado a baixeza dos responsáveis pelo governo de Portugal, que esses “tais sujeitos”, pessoas, militares, mártires pela Pátria passaram, mas que ainda alguns podem testemunhar!.. Lá chegamos à Guiné, o calor e a humidade era o já anunciado, mas foi um contraste muito marcante, como a cor dos seus habitantes, a sua cultura, as suas crenças.
Bissau foi a mossa primeira paragem, só que fomos instalados em tendas de campanha no aquartelamento nos Adidos em Brá para recompor a viagem, ou para que outras Companhias fizessem as malas de regresso a casa, a seguir, cerca de dois meses ainda andamos a fazer guarda de atacadores e luvas brancas, no quartel General onde o Spínola estava muito bem instalado, de nada parecia que estivesse em guerra, a seguir lá nos mandaram subir o rio naquelas jangadas que só se sai pela rampa da frente entre todo o material que uma guerra sustenta, logo percebido que o filme para essa guerra havia começado.
A zona de Teixeira Pinto era-nos indicada, mas foi o mato o nosso destino, num buraco no meio da Mata dos Madeiros, os “bullbozers” a fazerem terraplanagem, onde foi o campo de concentração da minha Companhia. Teríamos de fazer a defesa, como também a construção de valas e abrigos, barracas que era a nossa tenda de campanha feita com troncos e palmeiras e todo os procedimentos de uma CCaç em plena operação de guerra.
O ladrar das hienas, os gemidos dos macacos confundia por vezes com o estrondo dos morteiros, ou as rajadas das MG, ou G3, ou então o estalar dos motores dos aviões bombardeiros.
Para nos aliviar um pouco deste cenário tão real, tínhamos uma grande fé no Sagrado Coração de Maria, esta Santa nos acompanhou toda a nossa estadia na Guiné, como Bissau, Mata dos Madeiros, Teixeira Pinto, Bassarel, Bolama, S João. e Tite. No nosso acampamento tinha uma capela também feita em palmeira, até a procissão das velas lá fizemos, quem nos salvou? Sempre ouvi dizer que a fé, é que nos salva.
Esta Santa regressou connosco só que, ficou um camarada nosso de a entregar no BII 17. Mais precisamente na Igreja de S. João Batista, só que esse camarada já faleceu e não temos qualquer pista do seu paradeiro, se alguem tiver uma pequena luz de onde se encontra esta imagem, seria mais das muitas graças por Ela concebida.
Uma pequena história para um dia contar.
Concebido e muito bem planeado foi os organizadores desse convívio, agradeço ao amigo José Câmara e Leonardo e todos aqueles que de qualquer forma ajudaram.
Fico um pouco triste, de nada ver nem ouvir, na comunicação social qualquer reportagem sobre estes eventos: mas se fosse Cristiano Ronaldo, José Mourinho, ou então alguns desses “tais Senhores” que nos puseram na bancarrota e que nos tem mentido estes anos todos, esses; que tem feito tantos e tão grandes sacrifícios por Portugal, esses sim; é que tem de ser bem badalados...
Não seria mais sensato mostrar à actual sociedade jovem, que há 30 , 40 ou 60 anos atrás, também havia juventude, só que; o cartão jovem que lhe era oferecido, tinha a finalidade de serem arrancados do seio das suas famílias, e, pela incúria dos governantes, ficaram famílias destroçadas, milhares de jovens a morte bateu à porta; milhares ficaram com deficiências gravíssimas; muitos milhares, regressaram mas com doenças graves, muitas psicológicas, na maioria traumas de guerra, esses ex-jovens, ficarão para a história de um País, na qual a recompensa para esses tais “SUJEITOS” de então não é mais que insignificante; medíocre; insustentável; uma autentica miséria!..
Para todos os ex-combatentes que em terras do Ultramar tiveram que passar lá alguns anos da sua juventude que lhe seja recompensado com muita saúde e anos de vida.
Para esses meus camaradas desta (Nómada C Caç 3327) que essa tal Santinha sem sabermos onde anda, nos continue sempre em nossa companhia.
João Ventura”
Na surpresa do dia, a encerrar o nosso convívio, as senhoras Fátima Ventura e Nazaré Vasconcelos, muito bem acompanhadas pelos presentes, entoaram o hino “13 de Maio”. Foi o abraço de despedida, sempre doloroso, num até pró ano. Será em Fátima se Deus quiser.
Resta agradecer a todos aqueles que, sem rosto, tudo fizeram para que o convívio fosse bem sucedido.
Um agradecimento especial aos Furriéis Victor Costa, Duarte e Adelino Santos da CCaç 3328 e ao Furriel José Bendito da CCaç 3326 pelos esforços feitos para que as suas companhias estivessem condignamente representadas neste convívio.
Também não esquecemos os nossos familiares e amigos que sempre estiveram ao nosso lado.
Um agradecimento muito especial para um grupo de seis familiares que quiseram homenagear um irmão falecido no Canadá, que tinha cumprido o seu serviço militar na Guiné. Só por isso teria valido a pena este convívio.
José Câmara
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 24 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8597: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (27): Algumas fotos de Tite
Vd. último poste da série de 6 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8740: Convívios (366): Tabanca de Guilamilo, 21 de Agosto de 2011: A arte de bem receber da Margarida e do Joaquim Peixoto (ex-Fur Mil, CCAÇ 3414, Saré Bacar e Bafatá, 1971/73)
Caro amigo Carlos Vinhal e camaradas,
Um abraço para todos vós.
Na minha recente viagem de férias aos Açores, tive a alegria de assistir a mais um convívio da CCaç 3327.
Desta vez, o encontro teve lugar na casa mãe, o antigo BII17, cujo Comando amavelmente colocou, à nossa disposição, as instalações que todos nós bem conhecemos.
Este convívio que reuniu antigos camaradas, familiares e amigos vindos da Metrópole, de Massachusetts, da Califórnia, do Canadá e de várias ilhas dos Açores, realizou-se no passado dia 6 de Agosto. Toda a organização no terreno ficou a dever-se a um homem extraordinário e um militar exímio, o meu braço direito, o ex-1.º Cabo José Leonardo, da minha Secção. No tempo ficou a nossa amizade, no coração bem poderia dizer que somos irmãos.
Briosos militares perfilados em frente ao Comando do antigo BII 17
O segundo convívio da CCaç 3327 foi delineado desde o primeiro dia para ter alguma inovação em relação ao primeiro e que consistiu em chamar até nós os camaradas das CCaç irmãs 3326 (Mampatá) e 3328 (Bula). O objectivo foi muito bem alcançado e, entre ex-militares e acompanhantes, ultrapassámos em muito aquilo que era esperado. Sempre tivemos em conta as conjecturas da crise económica actual e a falta de continuidade territorial que obriga a gastos muito elevados. Nós, os organizadores, estamos satisfeitos e temos a certeza de que os nossos camaradas também.
Juntaram-se ao nosso convívio em representação do Comandante do antigo BII 17, agora Guarnição 1, o senhor Tenente Moreira e os Sargentos-Chefes Travanca e Chagas que tudo fizeram para que o convívio tivesse o brilho desejado, e ainda um representante da filial terceirense da Liga dos Combatentes.
Esta a única imagem que andou por terras do ultramar em altar na igreja de São João Baptista
A missa esteve a cargo do senhor Oficial Capelão Militar e teve lugar na Igreja de São João Baptista com sede na Fortaleza com o mesmo nome. De seguida, foi depositada uma coroa de flores no monumento que imortaliza os militares falecidos daquela Unidade militar.
Monumento de homenagem do BII 17 aos seus mortos
Desde sempre foi minha intenção fazer um resumo sobre este convívio. Mas não o vou fazer.
Felizmente, comprei o único diário que se publica na cidade da Horta, O Incentivo, com a data de 25 de Agosto. Para minha surpresa, nele vinha inserido um artigo de opinião sobre o nosso convívio. Senti um prazer desmedido ao ler o artigo escrito pelo João Avelar Ventura, natural da Ilha das Flores e a residir na Terceira, outro homem de grande envergadura cívica e militar. Um homem que sempre teve a coragem de deixar falar os seus sentimentos. Sinto orgulho de o ter tido na minha Secção, honra-me a sua amizade.
Os presentes da minha Secção e a partir da esquerda: Ventura, Magno, J.Câmara, Massa, Leonardes
Ao artigo de opinião que transcrevo com a devida vénia a O Incentivo e com a devida autorização do João Avelar Ventura apenas acrescento algumas fotos e respectivas legendas da minha autoria.
Os Nómadas
No passado dia 6 de Agosto comemorou-se, nas instalações do Castelo S. João Batista em Angra, o 2.º Convívio dos ex-combatentes da CCaç. 3327 (Os Nómadas) onde também se integrou ex - combatentes das CCAÇs. 3326 e 3328, foi rezada missa em homenagem àqueles que já faleceram, e dar graças aos que por cá andam. Nesta mesma data foi lembrado os 41 anos e um mês, que estes ex-jovem de todas as ilhas dos Açores deram entrada no BII 17, para cumprimento do serviço militar a que o Regime nos obrigava.
A partir da esquerda - Um bolo, 3 Companhias: Fur Mil Costa (CCaç 3328), Cap. R. Alves (CCaç3327) e Fur Mil J. Bendito (CCaç 3326) preparam-se para cortar o bolo comemorativo do convívio, enquanto o 1.º Cabo J. Sousa testemunha e as meninas preparam o champanhe.
Foi naquela bela Fortaleza que por fora nos parece um lindo conto de fadas, mas para quem teve que entrar no seu interior, mais parecia um início de um filme de terror.
Recordo com saudades a juventude que reinava nas centenas de jovens à espera que os portões se abrissem para entrarem no seu interior, tão escuro e tão frio, que mais parecia o túnel da morte ou para a escravidão às masmorras que ali existem, oficiais e sargentos, com semblante tão carregado, como as pedras que sustentavam as arcadas da muralha, um por um, lá iam gritando os nomes dos mancebos, para lhes aplicarem um número que seria a sua marca bem registada nas fileiras nacionais.
Ao sair para a parada, já de uniforme embora um pouco machucado, tinha já consciência que a hora de ser militar já tinha começado, lá no alto por cima das nossas cabeças, com letras bem marcantes: “ANTES MORRER LIVRE QUE EM PAZ SUJEITOS”; Esta coisa de sujeitos, sempre me acompanhou enquanto militar fui. Éramos sujeitos a várias humilhações, quer pessoais quer psicológicas, em que, nos obrigavam a acreditar que se ia para terras do Ultramar, para defender a nossa Pátria; nem que, os tais sujeitos que queriam a paz, tivessem que morrer...
O som do clarim era o toque da alvorada, todos a correr para a parada marchar; um dois!.. um dois!.. meia volta volver... era o som tão marcante que ainda pressinto ouvir, os berros dos aspirantes a chamarem, aqueles nomes tão bonitos...
O Alf Mil Magalhães e a esposa. Vieram de Brunhoso
Com o passar dos meses já era um militar completo, recruta e especialidade, já era um atirador pronto a jurar sob a Bandeira Nacional, que estávamos ao serviço da Pátria, nem que a morte lhes custasse.
Foi a Guiné o destino destas três Companhias Açorianas, com pessoal especializado em comunicações sargentos e oficiais, esses continentais, dois ou três sargentos dos Açores.
O Alf Mil Almeida e a esposa. Vieram do Porto
Santa Margarida foi o nosso primeiro destino, o gelo e o frio era constante, recordo que, para se tomar o nosso duche tinha que ser a correr que a água era tão gelada que cortava a pele, mas era só a dos soldados. A viagem para a Guiné demorou sete dias, metidos no porão do navio Angra do Heroísmo, mais de seiscentos militares, deitados numas prateleiras que mais pareciam caixotes para armazenamento de batatas, ou então, sardinhas enlatadas. Era assim, a mostra onde tinha chegado a baixeza dos responsáveis pelo governo de Portugal, que esses “tais sujeitos”, pessoas, militares, mártires pela Pátria passaram, mas que ainda alguns podem testemunhar!.. Lá chegamos à Guiné, o calor e a humidade era o já anunciado, mas foi um contraste muito marcante, como a cor dos seus habitantes, a sua cultura, as suas crenças.
José Câmara saudando os presentes
Bissau foi a mossa primeira paragem, só que fomos instalados em tendas de campanha no aquartelamento nos Adidos em Brá para recompor a viagem, ou para que outras Companhias fizessem as malas de regresso a casa, a seguir, cerca de dois meses ainda andamos a fazer guarda de atacadores e luvas brancas, no quartel General onde o Spínola estava muito bem instalado, de nada parecia que estivesse em guerra, a seguir lá nos mandaram subir o rio naquelas jangadas que só se sai pela rampa da frente entre todo o material que uma guerra sustenta, logo percebido que o filme para essa guerra havia começado.
A partir da esquerda: Fur Mil Fermento, Silva, Borges da Silva, Cap. Alves, Parreira (veio da Califórnia) Fur Mil Pinto e Fur Mil Cruz
A zona de Teixeira Pinto era-nos indicada, mas foi o mato o nosso destino, num buraco no meio da Mata dos Madeiros, os “bullbozers” a fazerem terraplanagem, onde foi o campo de concentração da minha Companhia. Teríamos de fazer a defesa, como também a construção de valas e abrigos, barracas que era a nossa tenda de campanha feita com troncos e palmeiras e todo os procedimentos de uma CCaç em plena operação de guerra.
O ladrar das hienas, os gemidos dos macacos confundia por vezes com o estrondo dos morteiros, ou as rajadas das MG, ou G3, ou então o estalar dos motores dos aviões bombardeiros.
O 4.º Grupo de Combate
Para nos aliviar um pouco deste cenário tão real, tínhamos uma grande fé no Sagrado Coração de Maria, esta Santa nos acompanhou toda a nossa estadia na Guiné, como Bissau, Mata dos Madeiros, Teixeira Pinto, Bassarel, Bolama, S João. e Tite. No nosso acampamento tinha uma capela também feita em palmeira, até a procissão das velas lá fizemos, quem nos salvou? Sempre ouvi dizer que a fé, é que nos salva.
Esta Santa regressou connosco só que, ficou um camarada nosso de a entregar no BII 17. Mais precisamente na Igreja de S. João Batista, só que esse camarada já faleceu e não temos qualquer pista do seu paradeiro, se alguem tiver uma pequena luz de onde se encontra esta imagem, seria mais das muitas graças por Ela concebida.
José Câmara com o Fur Mil Pinto. Indiscritível a emoção que senti quando toquei o estandarte da CCaç 3327.
Uma pequena história para um dia contar.
Concebido e muito bem planeado foi os organizadores desse convívio, agradeço ao amigo José Câmara e Leonardo e todos aqueles que de qualquer forma ajudaram.
Fico um pouco triste, de nada ver nem ouvir, na comunicação social qualquer reportagem sobre estes eventos: mas se fosse Cristiano Ronaldo, José Mourinho, ou então alguns desses “tais Senhores” que nos puseram na bancarrota e que nos tem mentido estes anos todos, esses; que tem feito tantos e tão grandes sacrifícios por Portugal, esses sim; é que tem de ser bem badalados...
Não seria mais sensato mostrar à actual sociedade jovem, que há 30 , 40 ou 60 anos atrás, também havia juventude, só que; o cartão jovem que lhe era oferecido, tinha a finalidade de serem arrancados do seio das suas famílias, e, pela incúria dos governantes, ficaram famílias destroçadas, milhares de jovens a morte bateu à porta; milhares ficaram com deficiências gravíssimas; muitos milhares, regressaram mas com doenças graves, muitas psicológicas, na maioria traumas de guerra, esses ex-jovens, ficarão para a história de um País, na qual a recompensa para esses tais “SUJEITOS” de então não é mais que insignificante; medíocre; insustentável; uma autentica miséria!..
Para todos os ex-combatentes que em terras do Ultramar tiveram que passar lá alguns anos da sua juventude que lhe seja recompensado com muita saúde e anos de vida.
Para esses meus camaradas desta (Nómada C Caç 3327) que essa tal Santinha sem sabermos onde anda, nos continue sempre em nossa companhia.
João Ventura”
Na surpresa do dia, a encerrar o nosso convívio, as senhoras Fátima Ventura e Nazaré Vasconcelos, muito bem acompanhadas pelos presentes, entoaram o hino “13 de Maio”. Foi o abraço de despedida, sempre doloroso, num até pró ano. Será em Fátima se Deus quiser.
Resta agradecer a todos aqueles que, sem rosto, tudo fizeram para que o convívio fosse bem sucedido.
Um agradecimento especial aos Furriéis Victor Costa, Duarte e Adelino Santos da CCaç 3328 e ao Furriel José Bendito da CCaç 3326 pelos esforços feitos para que as suas companhias estivessem condignamente representadas neste convívio.
Também não esquecemos os nossos familiares e amigos que sempre estiveram ao nosso lado.
Um agradecimento muito especial para um grupo de seis familiares que quiseram homenagear um irmão falecido no Canadá, que tinha cumprido o seu serviço militar na Guiné. Só por isso teria valido a pena este convívio.
José Câmara
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 24 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8597: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (27): Algumas fotos de Tite
Vd. último poste da série de 6 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8740: Convívios (366): Tabanca de Guilamilo, 21 de Agosto de 2011: A arte de bem receber da Margarida e do Joaquim Peixoto (ex-Fur Mil, CCAÇ 3414, Saré Bacar e Bafatá, 1971/73)
Guiné 63/74 - P8770: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (25): A essas Mulheres o nosso reconhecimento e o nosso bem hajam (Torcato Mendonça)
1. Em mensagem do dia 8 de Setembro de 2011 o nosso camarada Torcato Mendonça* (ex-Alf Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), enviou-nos este texto para publicação:
Enfermeiras Pára-quedistas, as primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares
Foto: © Rosa Serra (2010). Direitos reservadosBEM HAJAM
Penso que é bonito.
Penso que as palavras deste Poste** são merecidas.
Penso devermos a essas Mulheres o nosso reconhecimento, o nosso bem hajam, o nosso respeito pelo seu trabalho, a sua ajuda a tentar salvar vidas.
Vidas sofridas, desgastadas pela brutalidade de uma guerra que não queriam mas cumpria toda uma juventude. Anos à rasca…
Infelizmente participei um pouco nela, dois anos. Podemos juntar mais dois ou mais, não faço contas agora, fora dela. Anos a representarem uma eternidade, uma revolução no meu ser, no meu sentir, na forçada interrupção do meu eu.
Anos de paragem desse eu, anos de profunda metamorfose noutro eu e tantos anos, tantos, posteriormente, a tentar esquecer.
Esquecer não tudo, impossível. Esquecer somente o que deve ser esquecido.
Não esqueço, jamais esquecerei as Enfermeiras Pára-quedistas.
Posso querer esquecer, ontem e ainda hoje, o ter sido evacuado duas vezes de operações do mato. Foram, ou são? Foram momentos considerados de fraqueza. Como se o ser ferido, o estar doente, o não puder continuar fosse fraqueza. Até onde chegou a deformação e a brutalidade, a tal metamorfose do eu, a dureza e desumanidade imposta por uma guerra a um jovem de vinte e poucos anos.
Fui. Fui efectivamente evacuado do mato por duas vezes.
Uma primeira para Nova Lamego e uma segunda para Mansambo.
Lembro pouco a primeira. Sei ter tido uma reacção violenta porque me disseram. Não sei. Recordo só já estar numa cama com gelo e, através de visão enevoada ver uma Enfermeira Pára-quedista a tentar mexer-me nas calças.
Disse-lhe: - não uso cuecas…
Ela riu e disse: - Finalmente acordado. Eu sei pois já foste injectado…
A segunda evacuação recordo-a bem.
Caímos, ao segundo dia da Lança Afiada, numa emboscada e o meu Grupo ficou na zona de morte. Foi a pior batida que tivemos, quatro feridos à primeira roquetada. Quatro evacuados, pouco depois, devido à perícia dos Pilotos dos “Hélis” e à coragem das Enfermeiras. Numa das evacuações, houve mais feridos, o héli teve que levantar pois o IN estava mal disposto e Ela ficou ali serena. Talvez nunca tenha tido tantos guardiães.
Ao fim da tarde fui eu o evacuado para Mansambo. Dois dias depois estava de regresso.
Só uma vez senti a emoção ou breve hesitação numa jovem Mulher destas.
Tínhamos um ferido gravemente queimado. Todo o corpo, excepto parte da zona dos calções e a das botas não estavam. Era negro e, ficava cada vez mais branco com a pele que caía…
- Mate-me, meu alferes.
O Furriel Enfermeiro a dar tudo, como sempre, para o aguentar até à evacuação. Chegou o Héli, sai rápida a Enfermeira, olha o ferido e aconteceu a breve hesitação. Talvez a sentir aquele sofrimento, a sua humanidade a vir e a agulha do soro a ficar na mão. Devia ser terrível para aquelas mulheres assistirem a tanto sofrimento (hoje certamente haveria apoio psicológico…).
A bota foi retirada e a agulha de pronto entrou na veia do pé.
Salvou-se. Parece viver hoje na sua Ilha em Cabo Verde.
Foram muitos, na nossa Companhia a necessitarem destas Mulheres.
Mulheres abnegadas, corajosas, mulheres a darem tudo de si, a correram todos os riscos para que uma vida fosse salva. Depois era a ida até Bissau ou outro porto de abrigo e tudo seria feito para a vida continuar.
Hoje sentimos que elas são humanas e, como tal, desta vida vão partindo. Talvez precocemente e,assim, lastimamos não puder fazer por Elas o que por nós fizeram. Todos, todos nós sentimos um profundo respeito por Elas, pela FAP e seus pilotos… o T6. O Fiat, o “Lobo Mau”… o grito interior… aí está, aí está a aviação…”Lobo Mau”… ou a evacuação… estás safo pá… estás safo pá…
Até sempre!
TM
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 5 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8735: Blogoterapia (188): Encontros, ou como abrir o tal Capítulo da Vida (Torcato Mendonça)
(**) Vd. poste de 8 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8750: In Memoriam (92): Homenagem às Grandes Mulheres, as nossas Enfermeiras Pára-quedistas que nos deixaram (Rosa Serra, ex-Enf.ª Pára-quedista / António Almeida, Fur Mil em Angola / Teresa Almeida, Liga dos Combatentes)
Vd. último poste da série de 4 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8504: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (24): Saltar ou não saltar de pára-quedas... hoje, só se fosse para salvar uma vida (Maria Arminda / Aura Teles)
Guiné 63/74 - P8769: Notas de leitura (273): Dezoito anos em África, notas e documentos para a biografia do Conselheiro José D'Almeida (Mário Beja Santos / António José Pereira da Costa)
1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Agosto de 2011:
Queridos amigos,
Graças ao nosso confrade António Pereira da Costa tive acesso às descrições laudatórias de um funcionário colonial que é quase apresentado como Alexandre, o Grande.
Nunca ouvira falar no Conselheiro Almeida, apetece reflectir na total instabilidade que era o viver na Guiné já a caminho do século XX.
Que os historiadores, por favor, tomem em conta estas considerações épicas, à cautela era mesmo o Almeida quem fazia os relatórios, suficientemente sugestivos, prontos para receber louvores.
Já naquele tempo…
Um abraço do
Mário
O Conselheiro José Joaquim d’Almeida e as questões do Casamansa
Beja Santos
Foi o nosso confrade António José Pereira da Costa, Director da Biblioteca do Exército, que me chamou a atenção para a personagem e a sua actividade na Guiné. O livro intitula-se “Dezoito anos em África, notas e documentos para a biografia do conselheiro José d’Almeida”, Lisboa, 1898. Quem organizou estes documentos foi o escritor Trindade Coelho mais um quarteto de admiradores do funcionário colonial que andou por Angola, Guiné e Moçambique cerca de dezoito anos.
Concluídos os estudos complementares, partiu com 19 anos como Guarda-Mor da Alfândega de Ambriz (Angola) em Abril de 1878, seguiu depois para Luanda. A prosa de quem lhe tece os encómios tem o paladar da época: “Fadigas, privações e perigos porque passou, longe de o desanimarem, deram-lhe forças; e ele mesmo, estranho quase infantilmente à compreensão raciocinada do seu temperamento, data dessa viagem, não a primeira prova da sua audácia, senão esta coisa ideal, que fora como que uma surpresa para ele própria, mas que lhe caldeava já o sangue das veias: - a sua paixão, como ele diz, pelos sertões de África”.
Em Novembro de 1880, é nomeado secretário da Junta de Fazenda Pública da Guiné. Escreve quem lhe tece louvores: “De peito leve e com aquela vontade de ferro que é o seu timbre”. Em 1881 está de volta, recebe um louvor em Bolama e as pessoas afamadas da capital (negociantes, proprietários, militares e religiosos, entre outros) fazem constar da imprensa que lamentam e sentem o ter de separar-se deste empregado superior de fazenda que tão sabiamente, como com toda a honestidade, imparcialidade e prudência, geriu os negócios públicos dela.
O crucial deste episódio é que o vapor em que Almeida seguia para a metrópole trazia a sua nomeação para Secretário-Geral da província. Começa um tempo épico de acordo com o que vem nestas notas e documentos. Em 1883, vai a Nhacra com o fim de obter dos balantas uma embarcação e prisioneiros. Para que tudo constasse direitinho, é o próprio Almeida quem faz o relatório ao senhor Governador. Partiu na lancha a vapor Cacine, de Bissau seguiu para o Impernal. Viagem difícil, o inimigo levantou no rio uma estacada solidamente tecida para estorvar a passagem de qualquer embarcação. Almeida exigiu falar com régulo Safim. Uma trovoada inclemente molhou a tropa mas os soldados estavam alegres e satisfeitos. O rei de Safim não havia meio de chegar, tinha medo da guerra. Houve conversações com ministros deste rei e depois implorou-se ao governo português a paz e o perdão. Almeida exigiu que o rei fosse a Bissau e ali assinasse o termo de paz e vassalagem. E ficou no ar a ameaça: que se não fosse cumprida esta exigência a coluna voltaria na estação seca e meteria a ferro e fogo todo o país, abandonando-o somente depois de se ter incendiado a última casa e exterminado o último inimigo. Os balantas não estiveram para os ajustes, pediram a paz.
A seguir ao episódio de Nhacra, Almeida viaja até Sindon e Zeguinchor, vai na pequena canhoneira “Guiné”. Estamos num tempo de graves tensões com as autoridades francesas. Um francês que desembarcou em Sindon arvorou a bandeira francesa, as autoridades trocaram-se de razões, houve mesmo a ameaça de pesado diferendo diplomático. A autoridade portuguesa de Zeguinchor prendeu o francês que arvorara no mastro português o pavilhão tricolor. As autoridades de Zeguinchor acabaram por ser repreendidas, se há coisa que o governo de Lisboa não queria era um incidente diplomático nas vésperas da conferência de Berlim. Aliás, o governador em Bolama escreve ao Almeida: “Deve expor que a ocupação de territórios e limites no Casamansa e todos os da Guiné portuguesa e francesa são assuntos dos gabinetes das duas nações, que não pode ser resolvido pelo facto de içar-se ou arrear-se uma bandeira”. Ficamos a saber igualmente que Sidon era um território comprado por Isabel Afonso e Paula Gomes Afonso, herdeiras de Gregório José Domingues.
Mas há mais provas de Almeida deixou impresso o cunho da sua individualidade, fez amizades com as autoridades francesas, passaram a corresponder-se com cortesia e provas de estima. O governador Pedro Inácio de Gouveia louva Almeida pelo modo cordato, activo e digno com que desempenhou a missão a Sindon e Zeguinchor.
Em Maio de 1884 temos mais uma prova nos sentimentos ardorosos de Almeida. A bordo da canhoneira “Bengo”, vai a Bimbo e Caió a fim de procurar submeter a autoridade portuguesa o gentio, castigando-o pelos seus roubos e latrocínios. O régulo não quis conversar com ele, em ambas as margens do rio homens armados fizeram fogo sobre as autoridades portuguesas. Os canhões de bordo convenceram os revoltosos a acabar com o tiroteio a partir dos mangues. Como o régulo não estivesse disposto a sujeitar-se, a embarcação entrou no rio de Biombo e a metralhadora varreu a tabanca, a tropa entrou por ali a dentro, os revoltosos resistiram até ao limite. Novo louvor do governador, o Almeida mostrara zelo, excessiva energia e valor pela forma porque desempenhou a comissão. Por último bateu o gentio de Cacanda e mais tarde resistiu em Bolama a uma incursão de Beafadas revoltosos. Foi assim que Barjona de Freitas, ministro dos negócios do reino o tornou comendador da ordem de Cristo. Terminava assim a comissão de José Joaquim d’Almeida na Guiné. A seguir vai para Gaza, em Moçambique.
Estes acontecimentos superam o nível da curiosidade: dão conta da fluidez das fronteiras, da completa insegurança e do estado de permanente revolta em que viviam as populações da Guiné. Convém não esquecer que estamos nos anos 80 do século XIX. Aliás, a pacificação no território continental só chegará em 1915 e nos Bijagós em 1936. Os funcionários coloniais daquele tempo tinham que saber de coisas de alfândega, de intendência, de diplomacia e das artes da guerra.
2. Comentário do nosso camarada António José Pereira da Costa (Coronel de Art.ª na reserva, na efectividade de serviço, ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69 e ex-Capitão de Art.ª e CMDT da CART 3494/BART 3873, Mansabá, Xime e Mansambo, 1972/74):
Camaradas
Creio que é bom que estes textos sejam divulgados.
É assim que se prova que ali, a soberania nacional, sempre foi reconhecida e nunca discutida, naquela "portuguesíssima terra de 400 anos" (ou mais)...
Aqui levanta-se a questão de saber o que era ali e o que foi depois o portuguesismo. E, se "aquilo era nosso" (de quem?) dos guineenses?, dos metropolitanos? dos angolanos?, dos açorianos?
A estas duas não sei responder.
Não duvidemos deste texto que foi escrito para louvar. Ou seja: se peca é por defeito. O inimigo pode estar inflacionado, (a bem de heroicidade e do prestígio) mas a acção das NT foi aquela e não há motivo para que se diminua ou aumente, pois, nessa altura as questões de "propaganda" não se punham. Se calhar, uma boa reprimenda "aos nativos" até se aceitava.
Paralelamente podemos ir colhendo elementos sobre a logística do tempo, as unidades presentes, o enquadramento, o apoio que as autoridades recebiam das populações e de quais. Enfim, um sem número de elementos que permitem cavar nas raízes do conflito que eclodirá mais tarde
.
Reparem na acção das autoridades portuguesas do tempo e do seu relacionamento com as autoridades francesas. A sua acção era ditada pelo campo político que tivessem livre e não creio que fosse muito largo.
Era o tempo em que a África, "recém-descoberta" iria ser dividida "com a golpes de podão". Alguém já imaginou como se viveria na Guiné após a descoberta? E no Séc. XVIII? E como seria a vida em Bolama, capital naquele tempo? E no interior: Madina do Boé, Pirada ou Bafatá? Façam uma tentativa para se centrarem. Valeu?
O valor deste género de textos reside mais naquilo que se entrelê do que no que se lê.
Peço desculpa aos camarigos "da direita", mas eu cá, hoje tenho mais dúvidas do que certezas, sobre o sucedido antes e durante.
O depois, não me diz respeito. Máxima liberdade, máxima responsabilidade. Preocupa-me apenas, enquanto homem velho, civilizado e próximo de quem sofre. Sinceramente fico preocupado com o gigantesco equívoco em que toda a África se tornou, embora não consiga visualizar uma solução alternativa a aplicar naquele tempo... ou hoje.
A História (com H grande) é o que é ou foi o que foi e tapar o Sol com a peneira é sempre mau.
Um Abraço a todos os camarigos,
António Pereira da Costa
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 9 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8756: Notas de leitura (272): Comunicação da escritora Joana Ruas na 8.ª Bienal Internacional do Livro do Ceará (Joana Ruas / Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Graças ao nosso confrade António Pereira da Costa tive acesso às descrições laudatórias de um funcionário colonial que é quase apresentado como Alexandre, o Grande.
Nunca ouvira falar no Conselheiro Almeida, apetece reflectir na total instabilidade que era o viver na Guiné já a caminho do século XX.
Que os historiadores, por favor, tomem em conta estas considerações épicas, à cautela era mesmo o Almeida quem fazia os relatórios, suficientemente sugestivos, prontos para receber louvores.
Já naquele tempo…
Um abraço do
Mário
O Conselheiro José Joaquim d’Almeida e as questões do Casamansa
Beja Santos
Foi o nosso confrade António José Pereira da Costa, Director da Biblioteca do Exército, que me chamou a atenção para a personagem e a sua actividade na Guiné. O livro intitula-se “Dezoito anos em África, notas e documentos para a biografia do conselheiro José d’Almeida”, Lisboa, 1898. Quem organizou estes documentos foi o escritor Trindade Coelho mais um quarteto de admiradores do funcionário colonial que andou por Angola, Guiné e Moçambique cerca de dezoito anos.
Concluídos os estudos complementares, partiu com 19 anos como Guarda-Mor da Alfândega de Ambriz (Angola) em Abril de 1878, seguiu depois para Luanda. A prosa de quem lhe tece os encómios tem o paladar da época: “Fadigas, privações e perigos porque passou, longe de o desanimarem, deram-lhe forças; e ele mesmo, estranho quase infantilmente à compreensão raciocinada do seu temperamento, data dessa viagem, não a primeira prova da sua audácia, senão esta coisa ideal, que fora como que uma surpresa para ele própria, mas que lhe caldeava já o sangue das veias: - a sua paixão, como ele diz, pelos sertões de África”.
Em Novembro de 1880, é nomeado secretário da Junta de Fazenda Pública da Guiné. Escreve quem lhe tece louvores: “De peito leve e com aquela vontade de ferro que é o seu timbre”. Em 1881 está de volta, recebe um louvor em Bolama e as pessoas afamadas da capital (negociantes, proprietários, militares e religiosos, entre outros) fazem constar da imprensa que lamentam e sentem o ter de separar-se deste empregado superior de fazenda que tão sabiamente, como com toda a honestidade, imparcialidade e prudência, geriu os negócios públicos dela.
O crucial deste episódio é que o vapor em que Almeida seguia para a metrópole trazia a sua nomeação para Secretário-Geral da província. Começa um tempo épico de acordo com o que vem nestas notas e documentos. Em 1883, vai a Nhacra com o fim de obter dos balantas uma embarcação e prisioneiros. Para que tudo constasse direitinho, é o próprio Almeida quem faz o relatório ao senhor Governador. Partiu na lancha a vapor Cacine, de Bissau seguiu para o Impernal. Viagem difícil, o inimigo levantou no rio uma estacada solidamente tecida para estorvar a passagem de qualquer embarcação. Almeida exigiu falar com régulo Safim. Uma trovoada inclemente molhou a tropa mas os soldados estavam alegres e satisfeitos. O rei de Safim não havia meio de chegar, tinha medo da guerra. Houve conversações com ministros deste rei e depois implorou-se ao governo português a paz e o perdão. Almeida exigiu que o rei fosse a Bissau e ali assinasse o termo de paz e vassalagem. E ficou no ar a ameaça: que se não fosse cumprida esta exigência a coluna voltaria na estação seca e meteria a ferro e fogo todo o país, abandonando-o somente depois de se ter incendiado a última casa e exterminado o último inimigo. Os balantas não estiveram para os ajustes, pediram a paz.
A seguir ao episódio de Nhacra, Almeida viaja até Sindon e Zeguinchor, vai na pequena canhoneira “Guiné”. Estamos num tempo de graves tensões com as autoridades francesas. Um francês que desembarcou em Sindon arvorou a bandeira francesa, as autoridades trocaram-se de razões, houve mesmo a ameaça de pesado diferendo diplomático. A autoridade portuguesa de Zeguinchor prendeu o francês que arvorara no mastro português o pavilhão tricolor. As autoridades de Zeguinchor acabaram por ser repreendidas, se há coisa que o governo de Lisboa não queria era um incidente diplomático nas vésperas da conferência de Berlim. Aliás, o governador em Bolama escreve ao Almeida: “Deve expor que a ocupação de territórios e limites no Casamansa e todos os da Guiné portuguesa e francesa são assuntos dos gabinetes das duas nações, que não pode ser resolvido pelo facto de içar-se ou arrear-se uma bandeira”. Ficamos a saber igualmente que Sidon era um território comprado por Isabel Afonso e Paula Gomes Afonso, herdeiras de Gregório José Domingues.
Mas há mais provas de Almeida deixou impresso o cunho da sua individualidade, fez amizades com as autoridades francesas, passaram a corresponder-se com cortesia e provas de estima. O governador Pedro Inácio de Gouveia louva Almeida pelo modo cordato, activo e digno com que desempenhou a missão a Sindon e Zeguinchor.
Em Maio de 1884 temos mais uma prova nos sentimentos ardorosos de Almeida. A bordo da canhoneira “Bengo”, vai a Bimbo e Caió a fim de procurar submeter a autoridade portuguesa o gentio, castigando-o pelos seus roubos e latrocínios. O régulo não quis conversar com ele, em ambas as margens do rio homens armados fizeram fogo sobre as autoridades portuguesas. Os canhões de bordo convenceram os revoltosos a acabar com o tiroteio a partir dos mangues. Como o régulo não estivesse disposto a sujeitar-se, a embarcação entrou no rio de Biombo e a metralhadora varreu a tabanca, a tropa entrou por ali a dentro, os revoltosos resistiram até ao limite. Novo louvor do governador, o Almeida mostrara zelo, excessiva energia e valor pela forma porque desempenhou a comissão. Por último bateu o gentio de Cacanda e mais tarde resistiu em Bolama a uma incursão de Beafadas revoltosos. Foi assim que Barjona de Freitas, ministro dos negócios do reino o tornou comendador da ordem de Cristo. Terminava assim a comissão de José Joaquim d’Almeida na Guiné. A seguir vai para Gaza, em Moçambique.
Estes acontecimentos superam o nível da curiosidade: dão conta da fluidez das fronteiras, da completa insegurança e do estado de permanente revolta em que viviam as populações da Guiné. Convém não esquecer que estamos nos anos 80 do século XIX. Aliás, a pacificação no território continental só chegará em 1915 e nos Bijagós em 1936. Os funcionários coloniais daquele tempo tinham que saber de coisas de alfândega, de intendência, de diplomacia e das artes da guerra.
2. Comentário do nosso camarada António José Pereira da Costa (Coronel de Art.ª na reserva, na efectividade de serviço, ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69 e ex-Capitão de Art.ª e CMDT da CART 3494/BART 3873, Mansabá, Xime e Mansambo, 1972/74):
Camaradas
Creio que é bom que estes textos sejam divulgados.
É assim que se prova que ali, a soberania nacional, sempre foi reconhecida e nunca discutida, naquela "portuguesíssima terra de 400 anos" (ou mais)...
Aqui levanta-se a questão de saber o que era ali e o que foi depois o portuguesismo. E, se "aquilo era nosso" (de quem?) dos guineenses?, dos metropolitanos? dos angolanos?, dos açorianos?
A estas duas não sei responder.
Não duvidemos deste texto que foi escrito para louvar. Ou seja: se peca é por defeito. O inimigo pode estar inflacionado, (a bem de heroicidade e do prestígio) mas a acção das NT foi aquela e não há motivo para que se diminua ou aumente, pois, nessa altura as questões de "propaganda" não se punham. Se calhar, uma boa reprimenda "aos nativos" até se aceitava.
Paralelamente podemos ir colhendo elementos sobre a logística do tempo, as unidades presentes, o enquadramento, o apoio que as autoridades recebiam das populações e de quais. Enfim, um sem número de elementos que permitem cavar nas raízes do conflito que eclodirá mais tarde
.
Reparem na acção das autoridades portuguesas do tempo e do seu relacionamento com as autoridades francesas. A sua acção era ditada pelo campo político que tivessem livre e não creio que fosse muito largo.
Era o tempo em que a África, "recém-descoberta" iria ser dividida "com a golpes de podão". Alguém já imaginou como se viveria na Guiné após a descoberta? E no Séc. XVIII? E como seria a vida em Bolama, capital naquele tempo? E no interior: Madina do Boé, Pirada ou Bafatá? Façam uma tentativa para se centrarem. Valeu?
O valor deste género de textos reside mais naquilo que se entrelê do que no que se lê.
Peço desculpa aos camarigos "da direita", mas eu cá, hoje tenho mais dúvidas do que certezas, sobre o sucedido antes e durante.
O depois, não me diz respeito. Máxima liberdade, máxima responsabilidade. Preocupa-me apenas, enquanto homem velho, civilizado e próximo de quem sofre. Sinceramente fico preocupado com o gigantesco equívoco em que toda a África se tornou, embora não consiga visualizar uma solução alternativa a aplicar naquele tempo... ou hoje.
A História (com H grande) é o que é ou foi o que foi e tapar o Sol com a peneira é sempre mau.
Um Abraço a todos os camarigos,
António Pereira da Costa
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 9 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8756: Notas de leitura (272): Comunicação da escritora Joana Ruas na 8.ª Bienal Internacional do Livro do Ceará (Joana Ruas / Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P8768: Agenda cultural (152): Lisboa, Mouraria, Festival Todos - Caminhada de Culturas 2011, 8-11 de Setembro de 2011 (Parte I)
Lisboa, Festival Todos - Caminhada de Culturas, 11 de Setembro de 2011... 3ª edição do festival. Atuação do grupo, indiano, Jaipur Maharaja Brass Band... Arruada pela Praça do Martim Moniz, Rossio, Praça da Figueira com regresso ao Martim Moniz... Um dos momentos altos do dia, juntamente com a atuação, à noite, da nova orquestra de Lisboa, a Orquestra Todos, com músicos de rua, dirigida pelo maestro italiano Mario Tronco...
No vídeo, aparece a portuguesa Ruth Plácido, que mora em Algés, uma "espontânea" que contracena com a dançarina da fanfarra indiana... A Jaipur Maharaja Brass Band é uma explosão de cor, alegria, ritmo, música, dansa, humanidade ... O grupo anda em digressão pela Europa, tem habitualmente 9 músicos, um faquir e uma dançarina.
Ver o seu sítio oficial: http://www.jaipurmaharajabrassband.com/accueil_en.html
Ver o seu sítio oficial: http://www.jaipurmaharajabrassband.com/accueil_en.html
Vídeo (6' 21''): Luís Graça (2011). Alojado em You Tube > Nhabijoes
Lisboa, Festival Todos - Caminhada de Culturas, 11 de Setembro de 2011... 3ª edição do festival. Atuação do grupo, indiano, Jaipur Maharaja Brass Band... Praça do Martim Moniz.
Lisboa, Festival Todos - Caminhada de Culturas, 11 de Setembro de 2011... 3ª edição do festival. Atuação do grupo, indiano, Jaipur Maharaja Brass Band... Praça do Martim Moniz.
Lisboa, Festival Todos - Caminhada de Culturas, 11 de Setembro de 2011... 3ª edição do festival. Atuação do grupo, indiano, Jaipur Maharaja Brass Band... Praça do Martim Moniz.
Lisboa, Festival Todos - Caminhada de Culturas, 11 de Setembro de 2011... 3ª edição do festival. Praça do Martim Moniz, ao meio da tarde.
Lisboa, Festival Todos - Caminhada de Culturas, 11 de Setembro de 2011... 3ª edição do festival. Rossio. Um grupo de africanos, possivelmente guineenses, surpreendidos com a arruada da Jaipur Maharaja Brass Band... Ao fundo o Largo de São Domingos, local de encontro dos africanos de Lisaboa...
Lisboa, Festival Todos - Caminhada de Culturas, 11 de Setembro de 2011... 3ª edição do festival. Início da Rua da Palma...
Lisboa, Festival Todos - Caminhada de Culturas, 8-11 de Setembro de 2011... 3ª edição do festival. Um festival que se pretende inclusivo, de todos, por todos, para todos, e que tem por cenário um das zonas (Intendente / Mouraria) de Lisboa até há pouco tempo mais social e espacialmente segregadas... Ainda hoje, muitos lisboetas têm algum preconceito em andar em sítios como o Largo do Intendente ou Rua do Bem Formoso... 4 dias de festival onde se puderam conhecer e apreciar inúmeras artes e artistas, desde a fotografia à música, da performance ao teatro de rua...
Vídeo, fotos e legenda: © Luís Graça / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2011). Todos os direitos reservados.
1. Num bilhete postal que eu mandei ontem ao Torcato, que está no Fundão e tem "saudades de Lisboa", eu escrevi que "só há um património, comum a toda a humanidade... O menir do Alentejo e o bagabaga da Guiné-Bissau provocam-me a mesma emoção... Tal como o cheirinho (e o gosto) das 'Portuguese small female clams with coriander and garlic oil', vulgo Ameijoas à Bulhão Pato, que são, para mim, uma das maravilhas gastronómicas da humanidade... (Tenho o pequeno orgulho, eu e a Alice, de ter posto os meus tabanqueiros da Tabanca de Candoz a gostar de coentros, há mais de anos atrás; diziam, no início, que sabiam mal, a "fedelho"...).
"É também por isso que eu daqui a bocado vou até ao Intendente / Martim Moniz, ainda tão mal afamado e estigmatizado, para dar uma vista de olhos pelo festival Todos - Caminhada de Culturas... e se calhar comer uma cachupa ou um chabéu de galinha [, embora não sendo o sítio ideal para as comidas africanas, aqui predominam os temperos asiáticos, o caril, o açafrão...]...
"É também por isso que eu daqui a bocado vou até ao Intendente / Martim Moniz, ainda tão mal afamado e estigmatizado, para dar uma vista de olhos pelo festival Todos - Caminhada de Culturas... e se calhar comer uma cachupa ou um chabéu de galinha [, embora não sendo o sítio ideal para as comidas africanas, aqui predominam os temperos asiáticos, o caril, o açafrão...]...
"Louvo e apoio a ideia e a iniciativa (que é da cidade de lisboa)... Já era no nosso tempo (e ainda hoje continua a ser...) considerada um zona da cidade socioespacialmente segregada e estigmatizada... À semelhança do Pilão, em Bissau, no nosso tempo... Ora lá vive, come, respira, trabalha, transpira, dorme, ama, canta, dança, sonha, fala... gente de todos os quatro cantos do mundo... Gente como eu, como tu, como todos nós, amigos e camaradas da Guiné, gente que pertence à única raça humana que existe no planeta azul, a espécie 'Homo Sapiens Sapiens'...Temos todos o mesmo genoma de há 100 mil anos... Só não sei se as térmites da Guiné-Bissau nos vão ganhar na luta pela sobrevivência... Acho que elas estão melhor posicionadas do que nós...
"Que cada dia seja uma experiência nova e inovadora para ti, camarada e amigo!"...
"Que cada dia seja uma experiência nova e inovadora para ti, camarada e amigo!"...
E noutro postalito, enviado já ao fim do dia, eu acrescentava:
"No Arquivo Fotográfico de Lisboa - Núcleo Fotográfico, fui encontrar, a tocar Kora, o nosso amigo Braima Galissa, do Gabu... Tirei fotos com ele e a Alice para mostrar no blogue...
"Momento alto do dia foi a atuação, à noite, no Largo do Intendente, da nova orquestra Todos, com músicos de diversas nacionalidades (incluindo a Guiné-Bissau), sob a direção do maestro italiano Mário Tronco (que tem um projeto semelhante, em Roma, a já famosa Orchestra di Piazza Vittorio)... Dei-me conta (ou reforcei a minha convicção de) quanto a música tem esse poder mágico de aproximar povos, culturas, comunidades, com muito mais rapidez e eficácia do que mil e um discursos muito bonitos...
"Embora o festival já vá na sua 3ª edição, foi a minha estreia por estas bandas... Para o ano espero que haja mais, e que possa ir, desta vez sem o meu feio joanete a destoar fora da sandália... Prometo fazer um poste com vídeos e fotos sobre esta iniciativa olissiponense que pretende reforçar a ideia de que Lisboa é uma cidade de todos e para todos, depois de ter sido consagrada em 1998 como a "cidade da tolerância"...
"PS - Tive pena de não ter encontrado, por lá, o nosso Alfero Cabral... Possivelmente desencontros, ele na Rua Bemformoso e eu no Beco do Jasmim"...
Luís Graça
[ Texto em conformidade com o Novo Acordo Ortográfico]
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Nota do editor:
Último poste da série > 9 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8757: Agenda Cultural (151): Sessão de divulgação da colecção literária Fim do Império, dia 15 de Setembro de 2011, às 18h00, na Sala Polivalente da Biblioteca Municipal de Lagoa
segunda-feira, 12 de setembro de 2011
Guiné 63/74 - P8767: O que se comprava em Bissau com o patacão da guerra? Os produtos e as marcas que não havia em Lisboa... ou eram "proibitivos" (3) (Augusto Silva Santos / Hélder Sousa / Juvenal Amado / Luís Borrega / Luís Dias / Rui Santos)
Uma carta de condução "paga" com o patacão da guerra...
Foto: © Augusto Silva Santos (2011). Todos os direitos reservados
1. Mensagem, com data de ontem, do Agusto Silva Santos, relacionado com o último poste aqui publicado (*):
Olá Luís, boa tarde!
Ainda falando sobre o que se comprava na Guiné, nomeadamente em Bissau, com o patacão da guerra, lembrei-me que recentemente ao ter necessidade de renovar a minha carta de condução, fui descobrir no meio de muitas coisas que tenho arquivadas (algumas relíquias), um documento datado de 07-12-1973, relacionado precisamente com este tema.
Estando eu colocado em Brá, portanto muito perto de Bissau, e a muito pouco tempo de acabar a comissão e do desejado regresso à metrópole (o que efetivamente aconteceu em 22-12-1973), resolvi investir o patacão que me restava para tirar a carta de condução.
O documento, em anexo, foi aquele que me permitiu, aqui chegado, fazer a troca para a carta como então a conhecíamos.
Ainda tentei encontrar o documento (fatura/recibo) sobre o que então paguei (seria interessante), mas já não sei onde ele pára. Passados quase 40 anos, sinceramente também já não me recordo da quantia, mas tenho noção que não foi muito se comparado com o que teria de pagar aqui.
O que eu posso dizer, é que naquela altura o patacão da guerra me deu imenso jeito.
Por certo esta situação foi também comum a muitos dos nossos camaradas, ou seja, aproveitar para tirar a a carta de condução na Guiné. Era o aproveitar do tempo e do dinheiro para alguma coisa útil.
Se achares interessante, p.f. edita.
Um Abraço
Na verdade, na Guiné comprávamos muitos objetos que não tínhamos oportunidade de adquirir na metrópole, nomeadamente aos preços que lá se praticavam.
(*) Vd. último poste da série >11 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8766: O que se comprava em Bissau, com o patacão da guerra ? Os produtos e as marcas que não havia em Lisboa... ou eram "proibitivos" (2) (Magalhães Ribeiro)
(**) Vsd. poste de 11 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8764: O que se comprava em Bissau, com o patacão da guerra ? Os produtos e as marcas que não havia em Lisboa... ou eram "proibitivos" (1) (Helder Sousa / Augusto Silva Santos)
Ainda falando sobre o que se comprava na Guiné, nomeadamente em Bissau, com o patacão da guerra, lembrei-me que recentemente ao ter necessidade de renovar a minha carta de condução, fui descobrir no meio de muitas coisas que tenho arquivadas (algumas relíquias), um documento datado de 07-12-1973, relacionado precisamente com este tema.
Estando eu colocado em Brá, portanto muito perto de Bissau, e a muito pouco tempo de acabar a comissão e do desejado regresso à metrópole (o que efetivamente aconteceu em 22-12-1973), resolvi investir o patacão que me restava para tirar a carta de condução.
O documento, em anexo, foi aquele que me permitiu, aqui chegado, fazer a troca para a carta como então a conhecíamos.
Ainda tentei encontrar o documento (fatura/recibo) sobre o que então paguei (seria interessante), mas já não sei onde ele pára. Passados quase 40 anos, sinceramente também já não me recordo da quantia, mas tenho noção que não foi muito se comparado com o que teria de pagar aqui.
O que eu posso dizer, é que naquela altura o patacão da guerra me deu imenso jeito.
Por certo esta situação foi também comum a muitos dos nossos camaradas, ou seja, aproveitar para tirar a a carta de condução na Guiné. Era o aproveitar do tempo e do dinheiro para alguma coisa útil.
Se achares interessante, p.f. edita.
Um Abraço
Augusto Silva Santos
2. Seleção de comentários ao postes P8766 (*) e P8764 (**)
Realmente, dos polos ou camisetas já não me lembrava, mas é verdade que também comprei pelo menos uma Fred Perry. Quanto aos relógios havia quem gostasse mais dos Ómega e dos Tissot (comprei um destes na casa Salgado & Tomé, dum tio do então Cap Cav Mário Tomé).
Das bebidas, o Zé Martins lembrou o Dimple de que depois vi fazerem-se muitos candeeiros com aplicação de abajur nas garrafas vazias.
Das estatuetas que o Magalhães Ribeiro mostra, também tenho algumas em madeira preta. E trabalhos (roncos) com missangas. E pulseiras.
Quando regressei também lá vim com serviços de chá e de café do chamado "bago de arroz".
Uma outra coisa que carreguei e que já tinha trazido de Piche, foram duas peles de cobra que foram destinadas a sapatos.
2.2. Luís Borrega [, foto à direita, ex-Fur Mil Cav e MA da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche, 1970/72]
Eu, em Bissau, quando lá estive por ocasião de férias (2 vezes), a aguardar embarque para o CIM de Bolama para dar instrução de Minas e Armadilhas, e aguardar o regresso, passei pelo Taufik Saad, e comprei uma OLYMPUS Trip 35 , na 1ª vez, (onde tirei muitos slides e que continua a funcionar), um relógio YEMA Rally, um rádio relógio SHARP (só funciona a parte do rádio), além de imensos roncos chineses para oferecer. E lá se foi o último patacão...
Eu, em Bissau, quando lá estive por ocasião de férias (2 vezes), a aguardar embarque para o CIM de Bolama para dar instrução de Minas e Armadilhas, e aguardar o regresso, passei pelo Taufik Saad, e comprei uma OLYMPUS Trip 35 , na 1ª vez, (onde tirei muitos slides e que continua a funcionar), um relógio YEMA Rally, um rádio relógio SHARP (só funciona a parte do rádio), além de imensos roncos chineses para oferecer. E lá se foi o último patacão...
PS – Lembro-me que foi comprado na Casa YEMA em Bissau.
2.3. Juvenal Amado [, foto à esquerda, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74]
Eu ganhava 960 pesos por ser 1º cabo e já com prémio de viatura. Se não estou em erro, era obrigado a deixar parte na Metrópole, com o que paguei a minha viagem em Outubro de 1972. O resto mal dava para o tabaco e ir uma ou duas vezes a Bafatá.
Por isso roncos, máquinas fotográficas e aparelhagens de som... KÁ TEM.
2.4. Luís Dias [, foto à direita, ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74]
Na verdade, na Guiné comprávamos muitos objetos que não tínhamos oportunidade de adquirir na metrópole, nomeadamente aos preços que lá se praticavam.
Tenho também estatuetas do tipo que o Eduardo apresenta na foto (trouxe montes delas, para distribuir pela família), machadinhas (símbolo da fertilidade - uma macho e outra fêmea), espadas e punhais fulas, anéis e alfinetes de peito ou para colar trabalhados em prata (Bafatá) e colares e pulseiras em missangas.
Em matéria de bebidas, tínhamos a Coca cola (Coke), que na metrópole não existia - só aquela que refere o José Marcelino Martins - e os Whisquies para todos os gostos e preços (Monks, President, Dimple, Logan, Martins, Balentines, Something Special, Antiquary, Old Parr, etc.).
Como o Helder Valério também trouxe uma pele de jiboia, já curtida mas, mesmo assim, acabou por se estragar ao fim de alguns meses.
Como o Helder Valério também trouxe uma pele de jiboia, já curtida mas, mesmo assim, acabou por se estragar ao fim de alguns meses.
Saudosos tempos para esse tipo de compras.
2.5. Rui Santos [, foto à direita, ex-Alf Mil da 4.ª CCAÇ, Bedanda, 1963/65]
Embora em 1963/64/65 não houvesse muitas ofertas dos produtos já mencionados, afora os whiskies, as máquinas fotográficas, binóculos, máquinas de filmar, em especial vendidas, se não me engano, na Casa Tauffik Saad perto da Amura.
Embora em 1963/64/65 não houvesse muitas ofertas dos produtos já mencionados, afora os whiskies, as máquinas fotográficas, binóculos, máquinas de filmar, em especial vendidas, se não me engano, na Casa Tauffik Saad perto da Amura.
Tenho um serviço de café, irmão gémeo do que o Edurado nos mostra em suas excelentes fotos, duas máscaras e dois bustos em madeira negra, e aquelas peças de artesanato que adquiri em Bedanda, feitos do material dos invólucros das balas, por sinal alguns muito mal executados, mas tinha dois muito bonitos que ofereci a amigos, quando cheguei à metrópole.
Há que não esquecer aqueles produtos que vinham da África do Sul, belos chocolates, leite creme e enlatados diversos, muito superiores aos nossos... à época.
Muito obrigado por me terem feito recordar...
[Revisão / fixação de texto, em conformidade com o Novo Acordo Ortográfico]: L.G.
[Revisão / fixação de texto, em conformidade com o Novo Acordo Ortográfico]: L.G.
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Notas do editor:
(*) Vd. último poste da série >11 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8766: O que se comprava em Bissau, com o patacão da guerra ? Os produtos e as marcas que não havia em Lisboa... ou eram "proibitivos" (2) (Magalhães Ribeiro)
(**) Vsd. poste de 11 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8764: O que se comprava em Bissau, com o patacão da guerra ? Os produtos e as marcas que não havia em Lisboa... ou eram "proibitivos" (1) (Helder Sousa / Augusto Silva Santos)
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