terça-feira, 13 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8769: Notas de leitura (273): Dezoito anos em África, notas e documentos para a biografia do Conselheiro José D'Almeida (Mário Beja Santos / António José Pereira da Costa)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Agosto de 2011:

Queridos amigos,
Graças ao nosso confrade António Pereira da Costa tive acesso às descrições laudatórias de um funcionário colonial que é quase apresentado como Alexandre, o Grande.
Nunca ouvira falar no Conselheiro Almeida, apetece reflectir na total instabilidade que era o viver na Guiné já a caminho do século XX.
Que os historiadores, por favor, tomem em conta estas considerações épicas, à cautela era mesmo o Almeida quem fazia os relatórios, suficientemente sugestivos, prontos para receber louvores.
Já naquele tempo…

Um abraço do
Mário


O Conselheiro José Joaquim d’Almeida e as questões do Casamansa

Beja Santos

Foi o nosso confrade António José Pereira da Costa, Director da Biblioteca do Exército, que me chamou a atenção para a personagem e a sua actividade na Guiné. O livro intitula-se “Dezoito anos em África, notas e documentos para a biografia do conselheiro José d’Almeida”, Lisboa, 1898. Quem organizou estes documentos foi o escritor Trindade Coelho mais um quarteto de admiradores do funcionário colonial que andou por Angola, Guiné e Moçambique cerca de dezoito anos.

Concluídos os estudos complementares, partiu com 19 anos como Guarda-Mor da Alfândega de Ambriz (Angola) em Abril de 1878, seguiu depois para Luanda. A prosa de quem lhe tece os encómios tem o paladar da época: “Fadigas, privações e perigos porque passou, longe de o desanimarem, deram-lhe forças; e ele mesmo, estranho quase infantilmente à compreensão raciocinada do seu temperamento, data dessa viagem, não a primeira prova da sua audácia, senão esta coisa ideal, que fora como que uma surpresa para ele própria, mas que lhe caldeava já o sangue das veias: - a sua paixão, como ele diz, pelos sertões de África”.

Em Novembro de 1880, é nomeado secretário da Junta de Fazenda Pública da Guiné. Escreve quem lhe tece louvores: “De peito leve e com aquela vontade de ferro que é o seu timbre”. Em 1881 está de volta, recebe um louvor em Bolama e as pessoas afamadas da capital (negociantes, proprietários, militares e religiosos, entre outros) fazem constar da imprensa que lamentam e sentem o ter de separar-se deste empregado superior de fazenda que tão sabiamente, como com toda a honestidade, imparcialidade e prudência, geriu os negócios públicos dela.

O crucial deste episódio é que o vapor em que Almeida seguia para a metrópole trazia a sua nomeação para Secretário-Geral da província. Começa um tempo épico de acordo com o que vem nestas notas e documentos. Em 1883, vai a Nhacra com o fim de obter dos balantas uma embarcação e prisioneiros. Para que tudo constasse direitinho, é o próprio Almeida quem faz o relatório ao senhor Governador. Partiu na lancha a vapor Cacine, de Bissau seguiu para o Impernal. Viagem difícil, o inimigo levantou no rio uma estacada solidamente tecida para estorvar a passagem de qualquer embarcação. Almeida exigiu falar com régulo Safim. Uma trovoada inclemente molhou a tropa mas os soldados estavam alegres e satisfeitos. O rei de Safim não havia meio de chegar, tinha medo da guerra. Houve conversações com ministros deste rei e depois implorou-se ao governo português a paz e o perdão. Almeida exigiu que o rei fosse a Bissau e ali assinasse o termo de paz e vassalagem. E ficou no ar a ameaça: que se não fosse cumprida esta exigência a coluna voltaria na estação seca e meteria a ferro e fogo todo o país, abandonando-o somente depois de se ter incendiado a última casa e exterminado o último inimigo. Os balantas não estiveram para os ajustes, pediram a paz.

A seguir ao episódio de Nhacra, Almeida viaja até Sindon e Zeguinchor, vai na pequena canhoneira “Guiné”. Estamos num tempo de graves tensões com as autoridades francesas. Um francês que desembarcou em Sindon arvorou a bandeira francesa, as autoridades trocaram-se de razões, houve mesmo a ameaça de pesado diferendo diplomático. A autoridade portuguesa de Zeguinchor prendeu o francês que arvorara no mastro português o pavilhão tricolor. As autoridades de Zeguinchor acabaram por ser repreendidas, se há coisa que o governo de Lisboa não queria era um incidente diplomático nas vésperas da conferência de Berlim. Aliás, o governador em Bolama escreve ao Almeida: “Deve expor que a ocupação de territórios e limites no Casamansa e todos os da Guiné portuguesa e francesa são assuntos dos gabinetes das duas nações, que não pode ser resolvido pelo facto de içar-se ou arrear-se uma bandeira”. Ficamos a saber igualmente que Sidon era um território comprado por Isabel Afonso e Paula Gomes Afonso, herdeiras de Gregório José Domingues.

Mas há mais provas de Almeida deixou impresso o cunho da sua individualidade, fez amizades com as autoridades francesas, passaram a corresponder-se com cortesia e provas de estima. O governador Pedro Inácio de Gouveia louva Almeida pelo modo cordato, activo e digno com que desempenhou a missão a Sindon e Zeguinchor.

Em Maio de 1884 temos mais uma prova nos sentimentos ardorosos de Almeida. A bordo da canhoneira “Bengo”, vai a Bimbo e Caió a fim de procurar submeter a autoridade portuguesa o gentio, castigando-o pelos seus roubos e latrocínios. O régulo não quis conversar com ele, em ambas as margens do rio homens armados fizeram fogo sobre as autoridades portuguesas. Os canhões de bordo convenceram os revoltosos a acabar com o tiroteio a partir dos mangues. Como o régulo não estivesse disposto a sujeitar-se, a embarcação entrou no rio de Biombo e a metralhadora varreu a tabanca, a tropa entrou por ali a dentro, os revoltosos resistiram até ao limite. Novo louvor do governador, o Almeida mostrara zelo, excessiva energia e valor pela forma porque desempenhou a comissão. Por último bateu o gentio de Cacanda e mais tarde resistiu em Bolama a uma incursão de Beafadas revoltosos. Foi assim que Barjona de Freitas, ministro dos negócios do reino o tornou comendador da ordem de Cristo. Terminava assim a comissão de José Joaquim d’Almeida na Guiné. A seguir vai para Gaza, em Moçambique.

Estes acontecimentos superam o nível da curiosidade: dão conta da fluidez das fronteiras, da completa insegurança e do estado de permanente revolta em que viviam as populações da Guiné. Convém não esquecer que estamos nos anos 80 do século XIX. Aliás, a pacificação no território continental só chegará em 1915 e nos Bijagós em 1936. Os funcionários coloniais daquele tempo tinham que saber de coisas de alfândega, de intendência, de diplomacia e das artes da guerra.


2. Comentário do nosso camarada António José Pereira da Costa (Coronel de Art.ª na reserva, na efectividade de serviço, ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69 e ex-Capitão de Art.ª e CMDT da CART 3494/BART 3873, Mansabá, Xime e Mansambo, 1972/74):

Camaradas
Creio que é bom que estes textos sejam divulgados.
É assim que se prova que ali, a soberania nacional, sempre foi reconhecida e nunca discutida, naquela "portuguesíssima terra de 400 anos" (ou mais)...
Aqui levanta-se a questão de saber o que era ali e o que foi depois o portuguesismo. E, se "aquilo era nosso" (de quem?) dos guineenses?, dos metropolitanos? dos angolanos?, dos açorianos?
A estas duas não sei responder.

Não duvidemos deste texto que foi escrito para louvar. Ou seja: se peca é por defeito. O inimigo pode estar inflacionado, (a bem de heroicidade e do prestígio) mas a acção das NT foi aquela e não há motivo para que se diminua ou aumente, pois, nessa altura as questões de "propaganda" não se punham. Se calhar, uma boa reprimenda "aos nativos" até se aceitava.

Paralelamente podemos ir colhendo elementos sobre a logística do tempo, as unidades presentes, o enquadramento, o apoio que as autoridades recebiam das populações e de quais. Enfim, um sem número de elementos que permitem cavar nas raízes do conflito que eclodirá mais tarde
.
Reparem na acção das autoridades portuguesas do tempo e do seu relacionamento com as autoridades francesas. A sua acção era ditada pelo campo político que tivessem livre e não creio que fosse muito largo.
Era o tempo em que a África, "recém-descoberta" iria ser dividida "com a golpes de podão". Alguém já imaginou como se viveria na Guiné após a descoberta? E no Séc. XVIII? E como seria a vida em Bolama, capital naquele tempo? E no interior: Madina do Boé, Pirada ou Bafatá? Façam uma tentativa para se centrarem. Valeu?

O valor deste género de textos reside mais naquilo que se entrelê do que no que se lê.
Peço desculpa aos camarigos "da direita", mas eu cá, hoje tenho mais dúvidas do que certezas, sobre o sucedido antes e durante.

O depois, não me diz respeito. Máxima liberdade, máxima responsabilidade. Preocupa-me apenas, enquanto homem velho, civilizado e próximo de quem sofre. Sinceramente fico preocupado com o gigantesco equívoco em que toda a África se tornou, embora não consiga visualizar uma solução alternativa a aplicar naquele tempo... ou hoje.

A História (com H grande) é o que é ou foi o que foi e tapar o Sol com a peneira é sempre mau.

Um Abraço a todos os camarigos,
António Pereira da Costa
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8756: Notas de leitura (272): Comunicação da escritora Joana Ruas na 8.ª Bienal Internacional do Livro do Ceará (Joana Ruas / Mário Beja Santos)

12 comentários:

Joaquim Mexia Alves disse...

Meu caro camarigo António José Pereira da Costa

Se ao referires os camarigos "de direita", te estás a lembrar de mim, não tens que pedir desculpa nenhuma, pois cada um é livre de pensar o que quiser e como quiser.

E a preocupação com o próximo que sofre não é exclusivo de nenhum "lado".

Aliás há uma muito antigo conselho biblico de Jesus Cristo que diz:
«Quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua direita, a fim de que a tua esmola permaneça em segredo; e teu Pai, que vê o oculto, há-de premiar-te.» Mt 6, 3-4


Um grande abraço para ti e para todos

Luís Graça disse...

Esquerda e direita, camarigos ? Só conheço os dois lados da rua, para os quais olho e escuto, à vez, quando paro, antes de atravessá-la...

Luís Graça (Lisboa)

Torcato Mendonca disse...

Tenho ainda aí uma recensão, dividida em três, para responder.
Não o fiz e, possivelmente não o farei. Para quê?

Não existe colonialismo mau e colonialismo bom. Houve (há) colonialismo e isso é sempre,repito sempre, a opressão de um Povo sobre o outro. Nós tivemos cinco séculos em África mas só depois da Conferência de Berlim, se quiserem só depois da segunda metade do Séc. XIX é que nos aventuramos pelos sertões africanos. Estivemos séculos em feitorias junto á costa, esporadicamente alguns aventureiros entraram umas centenas' de quilómetros terra dentro. Mas com que fim? Para melhor delapidarem os recursos naturais daqueles povos.
Em finais do Século XIX e já no Séc.XX tivemos os exploradores e as Campanhas em África. Destruímos Impérios de naturais daquelas terras, humilhando-os e ofendendo-os. Claro que o Brasil já era independente; claro que os espanhóis tinham arrasado na América dita Latina...civilizações seculares...
Houve actos heróicos das NT? Sem duvida. Ainda recentemente no fim do Império.

(curiosamente hoje ainda assistimos a formas de colonialismo...á delapidação da riqueza, dos recursos naturais e da cultura de certos Povos...porca miséria)
Seria longa a escrita e teria que ser mais fundamentada e cuidada. Falta-me o tempo e a vontade.

Podemos orgulhar-nos do Brasil e, actualmente, do seu progresso...até da falta que um ex Presidente e outros fariam cá.!

AB T

Torcato Mendonca disse...

O meu escrito não pretende ser politico. menos esquerda/direita ou invocando qualquer principio religioso. Procuro respeitar tudo isso. Mais, não me esqueço qu é sempre politica qualquer atitude destas. Hoje posso falar e, com 3essa atitude procurar a verdade.
Isso é que me, certamente nos, interessa. A Verdade Histórica. O Orgulho em ser Português.

O meu nome é Torcato Mendonça

antonio graça de abreu disse...

Registo as palavras do camarada, camarigo, amigo António José Pereira da Costa;

Peço desculpa aos camarigos "da direita", mas eu cá, hoje tenho mais dúvidas do que certezas, sobre o sucedido antes e durante.
(...)Sinceramente fico preocupado com o gigantesco equívoco em que toda a África se tornou, embora não consiga visualizar uma solução alternativa a aplicar naquele tempo... ou hoje.
A História (com H grande) é o que é, ou foi o que foi, e tapar o Sol com a peneira é sempre mau."

Tudo muda, "os tempos, as vontades" como dizia Camões,
mas continuando a tentar entender o soneto de um dos maiores de todos nós, a existência dos homens "não se muda já como soia", ou seja, o mundo não muda como devia mudar, como seria costume e justiça mudar.
A decepção com os homens.
O nosso Luís de Camões (passei anos na China a explicar nas minhas aulas, em Pequim e Xangai, aos alunos chineses que o homem ,Camões, não era colonialista nem de nenhuma direita), era um profeta do futuro, como o padre António Vieira, um português que sabia quase tudo, de nós, dos povos descobertos pelo mundo,
da excelente e menos excelente qualidade do sangue que circula por veias e artérias lusitanas.

Orgulho-me de ser português.


Forte abraço,

António Graça de Abreu

Joaquim Mexia Alves disse...

Caro Luís

Julgo que o teu comentário não é para mim com certeza.

Tenho pugnado para não enveredar por este tipo de assuntos.

Limitei-me a responder a algo que foi escrito.

O meu modo de estar é testemunho do meu respeito por todos.

Meu caro Torcato

A citação biblica que faço vai há muito tempo para além da religião pois é utilizada normalmente por muita gente, religiosa ou não.



Um abraço para todos

Antº Rosinha disse...

Esta é daquelas histórias dramáticas umas,hilariantes e anedóticas outras, heróicas algumas, que fazem parte das que tornaram famosos os "Fernão Mentes? Minto".

Claro que um garoto de 19 anos numa alfândega em Ambriz, para desalfandegar o quê? naquele tempo? com 22 anos sem ser militar já comanda canhoneiras...

Ilustrativa das heroicidades do sertões há uma história classica de um chefe de posto em Angola que veio 6 meses à metrópole sem autorização superior, e deixou 6 relatórios, um para cada mês, previamente assinados e datados, para o cipaio levar no fim de cada mês ao Intendente da capital de ditrito, única actividade daquele chefe e do cipaio durante anos.

Mas a marosca foi detectada a meio das férias, porque o cipaio abriu a janela do gabinete e a aragem fez voar os relatórios e estes sairam da ordem e os meses dos relatórios ficaram invertidos.

Claro que há Fernões que não mentiram e passam por mentirosos e vice-versa.

Torcato Mendonca disse...

Meu Caro Joaquim
Eu conheço, desde menino, a citação Bíblica.Conhecer pode ter interesse.Pode. Curiosamente ou talvez não eu pratico-a...ser solidário e não dar a conhecer.
O Luís Graça precaveu-se e bem. Não há problema.Os camarigos já sentiram que os nervos á flor da pele são fruto de menoridades ou pior
Antº Rosinha passei a tarde ou umas horas com um homem que tem já muitos anos de África. Vem cá várias vezes ao ano e falamos. Trabalhamos juntos no passado, somos familiares e, principalmente, somos amigos. Nada mais digo.


Um abraço para todos do T

Luís Graça disse...

Caro Joaquim, caro António (Costa):

Não sou de mandar recados por esta via (subterrânea) do blogue, que é o nosso espaço de comentários (de resto, um espaço nobre, já que por lá passaram, desde Maio de 2010, mais de 25 mil comentários, dos quais só umas escassas dezenas foram para a "cesta secção", como diz o Joaquim, com muita piada)... E muito menos sou de mandar recados para amigos e camaradas que eu prezo muito, e de há muito, independentemente da idiossincrasia de cada um...

Joaquim, tu bem sabes, quando há algum assunto "nobre e sério" a tratar entre nós, eu recorro à "linha directa"... Tem sido a falar, ao telefone, com lealdade e franqueza, que a gente se tem entendido, e vai continuar a entender-se até um dia, até ao dia em que a gente se canse, de vez, de blogar (ou até nos cortarem o pio, nunca se sabe)...

Qualquer um de vocês conhece a nossa cultura e prática bloguísticas: sem escamotear as nossas diferenças, valorizamos sobretudo o que nos une... E essa tem sido a razão (ou uma delas...) da nossa sobrevivência, como blogue, e como Tabanca Grande: vamos fazer 8 anos no próximo mês de Abril de 2012 (se lá chegarmos...), vamos atingir os 3 milhões de visitas pelo São Martinho (e espero que esse desempenho seja bem regado com a aguapé nova, depois de eu, entretanto, "ir à faca", em 28 deste mês e ficar com a "pata nova", curiosamente, a "esquerda"...).

Em suma, nunca percamos de vista o essencial, é a minha (desnecessária) mensagem ... Luís Graça

Joaquim Mexia Alves disse...

Meu caro Luís

Mais uma vez te digo que me limitei a responder a um escrito e depois a um comentário teu.

Também não sou de mandar recados e julgo que a minha maneira de ser frontal não colide de modo nenhum com o respeito que tenho por todos, sejam eles quais forem, desde que me respeitem, obviamente.

Respondi-te nos mesmos termos que usaste e no local que usaste e a tua (desnecessária) mensagem é/era realmente absolutamente desnecessária.

Sempre camarigo, um abraço para ti e para todos

Anónimo disse...

O "Centrismo" meus caros Amigos.O "Centrismo"....JÁ!

Anónimo disse...

"TITALO",perdão titulo para esta obra

"ESTÓRIAS DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA"
"MITOS,MINTOS E LENDAS"

C.Martins