domingo, 12 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10254: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (9): Operação Tábuas

1. Terceira estória, de mais uma série de três, dos Fidalgos de Jol, enviada pelo nosso camarada Augusto Silva Santos (ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73), em mensagem do dia 2 de Agosto de 2012:



ESTÓRIAS DOS FIDALGOS DE JOL (9)

Operação “Tábuas”

Felizmente para a minha Companhia, a questão das minas nunca chegou a ser um verdadeiro problema. Sabíamos da sua existência, temíamo-las, mas foi um autêntico milagre nunca termos feito accionar qualquer engenho.

Sendo o Chão Manjaco uma região essencialmente de passagem para os elementos do PAIGC, penso que esse terá sido o principal factor para tão poucos registos relativamente a minas. Falava-se até (obviamente sem qualquer confirmação oficial) que em tempos houve uma tentativa de minar alguns trilhos utilizados pelo inimigo, mas alguns dias depois as minas haviam sido levantadas e, no local, estaria a seguinte mensagem espetada num pau por parte do PAIGC: “ Se continuarem a minar os nossos trilhos, nós também minamos os vossos. Parem!”

Sinceramente foi algo em que na altura me foi difícil acreditar, pois mais parecia um daqueles episódios de guerra contados pelo Raúl Solnado, mas o que é certo é que, como já anteriormente referi, durante toda a comissão não houve qualquer registo de incidentes com minas.

Assim, foi com certa surpresa, mesmo já no fim da comissão, que fomos “obsequiados” com a notícia de termos de ir levantar um campo de minas antipessoal existente na região de Pepantar, mais propriamente na Bolanha de Ponta Vicente, sobre o qual só sabíamos da sua existência através de um croqui já muito antigo e, obviamente, desactualizado.

Chegados ao suposto local, foi com muita dificuldade que, dadas as alterações do terreno e dos pontos de referência assinalados, conseguimos chegar a alguma conclusão. Importa salientar que o referido campo não fora montado por nós, e que já ali se encontrava há alguns anos.

Tentando seguir todas as regras que nos haviam sido ensinadas para estes casos (mas sem a devida prática) e, na ausência de verdadeiros especialistas na matéria (sapadores), lá fomos tentando identificar os possíveis locais onde as nossas “amigas” deveriam estar, porém sem resultados práticos. Ao fim de algum tempo lá encontrámos dispersas, mas já muito deterioradas, duas das famosas tabuinhas (se bem me recordo do tipo dos caixotes de madeira da margarina), sob as quais as mesmas se deveriam encontrar, mas quanto a elas, “népia”.

Como é lógico começámos a ficar algo baralhados e preocupados com a situação, pois por acção das águas da bolanha, as mesmas poderiam já não se encontrar nos locais onde supostamente deveriam estar. Assim, por uma questão de segurança, abandonámos o local antes que pudesse ocorrer alguma tragédia, pois o mais provável era tanto eu como o Alferes que à minha frente seguia com o croqui, já termos passado por cima de alguma, além de que já nos encontrávamos expostos no local há bastante tempo. Qual picagem qual quê, quanto a minas, nada…

Segundo nos explicaram mais tarde, das três uma, ou os nossos “amigos” do PAIGC tê-las-ão levantado /neutralizado em devido tempo, ou a acção corrosiva das águas acabou por as deixar inoperacionais (graças a Deus…) visto tratarem-se de minas antipessoal metálicas já com muitos anos, ou então poderiam ter sido de facto arrastadas para um local diferente devido a alguma corrente mais forte das águas da bolanha. Sendo minas metálicas, sinceramente na altura achámos uma situação pouco provável.

Não sei bem o que mais tarde ficou decidido fazer, mas falava-se na possibilidade de solicitar a presença de sapadores, e também de se abrir fogo para o local para provocar o possível rebentamento das minas, para o caso de elas efectivamente ainda lá estarem.

Que me desculpem os especialistas na matéria (minas e armadilhas), se eventualmente cometi aqui alguma incorrecção, mas é desta forma que me lembro deste insólito (ou não) acontecimento.

Foi assim que, sem minas, acabámos por ficar apenas com duas velhas tabuinhas nas mãos.


Jolmete, Junho de 1972 > Trilhos do Pioce

Jolmete, Junho de 1972 > Traseiras do meu abrigo

Jolmete, Julho de 1972 > Bolanha de Gel

Jolmete, Julho de 1972 > Trilhos de Gel

Jolmete, Junho de 1972 > Junto a um bagabaga

Jolmete, Novembro de 1972 > Bolanha de Ponta Vicente

Jolmete, Novembro de 1972 > Preparação para recepção aos piras
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10240: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (8): Nada de "mariquices"

sábado, 11 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10253: Bibliografia de uma guerra (61): Primeiro Capítulo do próximo livro "Quebo", de Rui Alexandrino Ferreira (2): Primeira parte do depoimento do Major General Pezarat Correia (1)

1. Continuação da apresentação do primeiro capítulo do próximo livro, "Quebo", de autoria do nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira* (foto à direita) (ex-Alf Mil na CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67 e ex-Cap Mil na CCAÇ 18, Aldeia Formosa, 1970/72):


COMPANHIA DE CAÇADORES 18

 1. O BCaç 2892 e o Sector S-2 no sul da Guiné-Bissau

Por Pezarat Correia

O Batalhão de Caçadores 2892 (BCaç 2892), mobilizado no Regimento de Infantaria 16, Évora, chegou à Guiné em 28 de Outubro de 1969 e, em 10 de Novembro, assumiu a responsabilidade do Sector S-2, com sede em Aldeia Formosa no sul do Teatro de Operações (TO) (Mapa 1), sob o comando do Tenente-Coronel Rocha Peixoto e sendo 2.º comandante e oficial de operações respectivamente os Majores Moura Sampaio e Pezarat Correia, este último o subscritor destas linhas. Em Abril de 1970 o Tenente-Coronel Agostinho Ferreira substituiria o Tenente-Coronel Rocha Peixoto no comando do batalhão.

O BCaç 2892 rendeu, no Sector S-2, o Comando Operacional (COP) 4, tendo as suas companhias orgânicas ficado assim estacionadas: Companhia de Comando e Serviços (CCS) em Aldeia Formosa, Companhia de Caçadores (CCaç) 2614 em Nhala, CCaç 2615 em Aldeia Formosa e CCaç 2616 em Buba. Passou a ser reforçado com mais 3 companhias operacionais que já se encontravam no sector sob comando do COP 4, CCaç 2381 sedeada em Empada, Companhia de Artilharia (CArt) 2519 em Mampatá e a CArt 2521 em Aldeia Formosa e com 3 Pelotões de Caçadores (PCaç) do recrutamento provincial, 55 em Chamarra, 68 em Mampatá e 69 em Pate Embaló (Mapa 1).

O BCaç 2892 passou também a contar com o apoio, de combate e logístico, de várias subunidades que já encontrou em sector, Pelotão de Artilharia de Campanha (PAC) 14 cm em Aldeia Formosa, PAC 10,5 cm em Buba, 1 Pelotão de Morteiros (PMort) 2138 de 8,1 cm com sede em Buba mas com as suas secções dispersas por Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Nhala, Pelotão de Intendência (PInt) 2191 em Buba e Destacamento do Serviço de Transmissões Militares (DSTM) em Aldeia Formosa. O Pelotão de Reconhecimento (PRec) Fox 2175 entrou em sector juntamente com o BCaç 2892 e ficou em Aldeia Formosa rendendo o que aí anteriormente já se encontrava. Em Junho de 1971 o Sector S-2 passou a contar também com o 2.º Pelotão da Bateria de Artilharia Anti-Aérea (BAAA) 3381, que ficou sedeado em Aldeia Formosa (Mapa 1).

Sob controlo operacional do BCaç 2892 passaram a estar ainda o Destacamento de Fuzileiros Especiais (DFE) 3 sedeado em Buba, duas Companhias de Milícias (CMil) em Empada e Mampatá, esta última com Pelotões de Milícias (PMil) destacados em Aldeia Formosa, Nhala e Buba e um Grupo de Caçadores Nativos (CNat) dispersos por Aldeia Formosa, Chamarra e Pate Embaló (Mapa 1).

Foi com estes meios, aparentemente numerosos, que o BCaç 2892 assumiu a responsabilidade operacional do Sector S-2 em 10 de Novembro de 1969, recebendo do General Comandante-Chefe, do qual, operacionalmente, dependia directamente, a Directiva Operacional “Caça Grossa” que, nas suas linhas gerais, configurava uma típica missão de quadrícula que se articulava em quatro tarefas prioritárias:

- protecção aos trabalhos de construção da pista para aterragem de aeronaves em Aldeia Formosa (temporária e até à conclusão dos trabalhos, o que se verificou em Março de 1970);

- contrapenetração[1] nos eixos tradicionalmente usados pelo PAIGC para, a partir das suas bases na República da Guiné reabastecer e rodar efectivos das suas bases no interior, em Injassane (norte do Rio Grande de Buba) e em Xitole (norte do Rio Corubal);

- controlo da região de Contabane, fronteiriça com a República da Guiné;

- condução da Acção Psico-Social (APS), tendo como principais alvos as populações civis sob controlo das Nossas Tropas (NT), as populações civis sob controlo do Inimigo (IN)[2], as populações civis sob duplo controlo e as NT.

Com base na Directiva Operacional “Caça Grossa” e em resultado de detalhado Estudo de Situação a que se procedeu, o comandante do BCaç 2892 elaborou a sua própria Ideia de Manobra na qual fundamentou o Plano Operacional do Batalhão que se chamou “Galgos Ligeiros”, onde constavam as missões para as suas diversas subunidades e cujo esforço deveria incidir:

- nas acções de contrapenetração, especialmente sobre o chamado “corredor de Missirã” e sua derivação do “corredor de Buba” que, prolongando o “corredor de Guileje”, constituíam os principais eixos de abastecimentos do PAIGC para o interior sul, nomeadamente para as regiões de Injassane e Xitole, a partir das suas bases na República da Guiné (Mapa 2);

- complementarmente, no controlo das respectivas Áreas de Responsabilidade (AR), através de uma constante nomadização e de acções dinâmicas de segurança próxima dos estacionamentos (emboscadas nas imediações das zonas mais favoráveis aos grupos do PAIGC para instalação de bases de fogos para flagelações).

Todas as companhias operacionais, orgânicas e de reforço, ficaram, assim, com AR atribuídas, em missões de quadrícula que preenchiam toda a AR do Sector S-2, inclusive a CCS a quem coube a área envolvente de Aldeia Formosa incluindo os PCaç de Chamarra e Pate Embaló. A única excepção foi a CArt 2521, à qual não foi atribuída AR e que recebeu a missão de unidade de reserva, actuando como força de intervenção do Comando do Sector, prioritariamente destinada a reforçar as acções de contrapenetração no “corredor de Missirã” e em acções de controlo da região de Contabane na fronteira com a República da Guiné. Outro caso particular foi o do DFE, que nem incluo como excepção, uma vez que estava apenas sob controlo operacional do BCaç 2892 e a sua missão, definida pelo próprio Comando-Chefe, estava objectivamente orientada para o controlo do Rio Grande de Buba e seus afluentes, em especial para os locais mais favoráveis à “cambança” (travessia) dos guerrilheiros e reabastecimentos do PAIGC o que, obviamente, também se inscrevia na missão da contrapenetração. Mas o Comando do Sector S-2 podia utilizar o DFE – e utilizou-o excepcionalmente – como unidade de intervenção do sector. Apesar de ter sido várias vezes rendido o Sector S-2 nunca deixou de contar com a presença de um DFE em Buba.

Estas preocupações especiais do Sector S-2 com a contrapenetração, para além de corresponderem à missão recebida do General Comandante-Chefe, são facilmente compreensíveis se atendermos à sua posição na quadrícula da zona sul do TO da Guiné (Mapa 3). A Zona de Acção (ZA) do Sector S-2 deveria constituir um verdadeiro tampão contra a infiltração das colunas do PAIGC vindas do litoral norte da República da Guiné, uma vez que se estendia desde a fronteira com a região de Cansembel, a leste, até ao mar (Canal de Bubaque), a ocidente, procurando isolar a região de Cantanhês, uma das mais fortes do PAIGC. No entanto e apesar da aparente riqueza de meios de que o Sector S-2 dispunha – riqueza apenas efectiva se comparada com as quadrículas em Angola e Moçambique, mas absolutamente ilusória face às condições objectivas da Guiné e, por isso, atrás lhe chamámos aparente –, a contrapenetração nunca foi eficaz, nem neste nem em qualquer outro sector da Guiné. Como não foi em Moçambique, nem em Angola, nem na Indochina, nem na Argélia. A rede de emboscadas da manobra de contrapenetração era mais do que insuficiente, a incontornável rotina da permanência sobre o corredor (o “carreiro” como lhe chamavam os nossos militares), fez com que o PAIGC se fosse apercebendo dos locais preferentemente escolhidos para a sua montagem, jogando habilmente com os horários de instalação e levantamento, aguardando os momentos oportunos para passarem em segurança. Bons conhecedores do terreno contornavam as emboscadas com facilidade e efectuavam manobras de diversão, ameaçando nuns locais ou provocando encontros noutros para passarem ao lado. Várias intercepções as NT conseguiram, algumas com assinaláveis resultados, mas as colunas e grupos do PAIGC nunca deixaram de passar, as suas bases no interior nunca deixaram de ser abastecidas e os seus efectivos nunca deixaram de ser rendidos e reforçados.

Como oficial de operações do BCaç 2892 tive ocasião de percorrer, a pé, toda a ZA do Sector S-2. Observei pessoalmente muitos dos trilhos que constituíam os corredores de Missirã e de Buba e os locais onde as NT montavam emboscadas. Percorri também assiduamente em coluna auto a estrada Buba-Aldeia Formosa que constituía o eixo nevrálgico do Sector e conhecia bem a zona vista do ar, que sobrevoei muitas vezes. Testemunhei, por isso, as dificuldades e fragilidades da acção de contrapenetração. Os corredores não proporcionavam locais ideais para montagem de emboscadas, longe disso. A ausência de elevações de terreno e a mata densa não permitiam observação a distância, o trilho era uma longa recta sem curvas apertadas, sem desfiladeiros, sem pontes ou zonas não torneáveis. Havia meia-dúzia de lugares mais favoráveis, nomeadamente algumas clareiras ou bolanhas mas, esses, o IN conhecia-os bem, evitava-os ou, se os atravessava, rodeava-se de precauções especiais. Acresce que as NT tinham de estar, em permanência, 24 horas emboscadas, tinham de variar os locais vendo-se obrigados a escolher, por vezes, posições menos apropriadas mas a que não podiam fugir, sob pena de se tornarem, não apenas inúteis porque detectáveis, como alvos fáceis para flagelações do IN. Era um tipo de actividade que, por ser tão aleatória, se tornava cansativa e frustrante. Os Grupos de Combate (GC)[3] das várias companhias empenhadas na contrapenetração, de Buba, Nhala, Mampatá e Aldeia Formosa passavam, de 3 em 3 ou de 4 em 4 dias, 24 horas emboscados nos “carreiros”, actividade que, por vezes, se reforçava com GC da companhia de reserva. Era uma rede de emboscadas dispersa e os GC, obviamente, nunca se rendiam uns aos outros no mesmo local. Ao fim de poucos meses os militares estavam esgotados, saturados e o silêncio absoluto necessário para o êxito nas emboscadas era progressivamente afrouxado. Os guerrilheiros do PAIGC, experientes, com muitos anos de guerra, intimamente conhecedores do terreno, quase “adivinhavam” os locais das emboscadas, que detectavam através dos trilhos que as NT deixavam no terreno para os atingirem. Por tudo isto foram muito escassas as intercepções conseguidas mas, mesmo assim, o mais espantoso terá sido terem-se conseguido essas poucas. De uma maneira geral, quando se efectuavam operações de maior envergadura no corredor de Missirã obtinham-se melhores resultados, mas essa não era a opção táctica do General Comandante-Chefe que desejava uma presença permanente na rede de emboscadas a que atribuía um papel dissuasor mas que, na realidade, não funcionava como tal. E este empenhamento permanente não deixava disponíveis efectivos para efectuar operações mais rentáveis.

Vale a pena contar aqui uma história real, relacionada com esta matéria. Em 9 de Junho de 1970 um GC da CCaç 2614, de Nhala, emboscada no corredor de Missirã, intercepta uma coluna do PAIGC. Houve intensa troca de tiros e baixas de parte a parte. As NT sofreram três mortos e quatro feridos mas, com excepção de um morto causado por fogo IN, as restantes baixas resultaram de um acidente com o dilagrama[4]. Era um acidente infelizmente muito vulgar pois, na tensão do combate, por vezes o atirador de dilagrama perturbava-se na troca de carregadores e acabava por accionar o dilagrama com a munição normal, o que provocava o rebentamento da granada à boca da arma com resultados funestos, para o próprio atirador e para os camaradas que lhe estavam mais próximos. Quando na sede do batalhão recebi, em cima da hora, a informação rádio do incidente e os pedidos de evacuação, falei imediatamente com o comandante e concluímos que deveríamos ir rapidamente ao local da emboscada, com a presença no local do GC interveniente e, aí, analisarmos as condições em que tinha ocorrido o contacto de fogo. Até porque, a experiência nos ditava, o General Comandante-Chefe, mais tarde ou mais cedo e como era seu hábito, quereria ir ver o que se passara e era importante estarmos previamente esclarecidos. Assim fizemos e poucos dias depois o GC estava de novo emboscado no mesmo local e eu acompanhei o Comandante do Batalhão, idos de Aldeia Formosa com outro GC. À chegada constatámos que o local da emboscada correspondia, dentro dos condicionamentos atrás descritos, a uma escolha criteriosa, que houvera uma boa aproximação pelo meio da mata sem deixar vestígios e o dispositivo era perfeitamente aceitável e, a verdade, é que o IN até tinha nele penetrado sem o ter detectado. Apenas o incidente do dilagrama impedira um maior sucesso operacional. De qualquer forma lembro-me de ter prevenido o comandante – o tenente-coronel Agostinho Ferreira, um excelente comandante, experiente, que já ia na segunda comissão no comando de batalhão na Guiné em zona operacional, muito dinâmico e sempre disponível para se integrar pessoalmente em operações – que tínhamos de munir-nos de argumentação sólida pois o General Spínola devia vir de “faca afiada” para desancar a emboscada. Não nos enganámos. Avisámos o Comando-Chefe do resultado da nossa análise no local e, no dia seguinte recebíamos uma mensagem avisando que o General Spínola se deslocaria em dia que indicava ao local da emboscada, onde deveria estar o GC envolvido na acção, reproduzindo o mesmo dispositivo e ainda o Comandante e o Oficial de Operações do Batalhão. Com o GC que nos escoltara a partir de Aldeia Formosa montámos a segurança num local onde aterrou o helicóptero que transportava o general, que chegou com o seu Ajudante-de-Campo e com o Chefe da Repartição de Operações. Dirigimo-nos imediatamente para o local da emboscada e ao chegarmos e quando dissemos “É aqui”, o general parou, ajeitou o monóculo, olhou à sua volta e, apontando o inseparável “pingalim”, ripostou de imediato “Aqui é que eu nunca montaria uma emboscada”. O Comandante do Batalhão e eu trocámos um olhar cúmplice, nada surpreendidos e respondemos de imediato: “Foi o possível para quem tem de mudar todos os dias; este nem é dos piores e a verdade é que o IN até caiu na emboscada. E posições ideais para emboscadas só se encontram em caixas de areia e em temas escolares”. Certo é que Spínola até nem alimentou a controvérsia. Falou com o pessoal que participara na emboscada, inteirou-se das condições em que decorrera o contacto de fogo e deu-se por satisfeito. Afinal ele até gostava que argumentassem com ele, apreciava a combatividade de quem lutava pelo que achava certo.

Nas salas de operações do Comando-Chefe tinha-se uma percepção teórica da potencial eficácia da contrapenetração e queriam resultados diários. Mas a realidade no terreno era bem outra. Esta diferente perspectiva alimentou um conflito permanente entre as unidades de quadrícula e o Quartel-General (QG), independentemente de quem estava nas respectivas funções. Operacionais e “ar condicionado” sempre fizeram guerras diferentes, em todas as épocas e em todos os lugares.

Há um outro aspecto que interessa assinalar e que contribuía para a fragilidade da contrapenetração. Uma das inovações corajosamente assumidas pelo General Spínola quando, em 1968, assumiu o Governo e Comando-Chefe da Guiné, na sequência do Estudo de Situação que mandou elaborar, foi o reconhecimento de que havia áreas do TO que se encontravam sob controlo do PAIGC e, perante isso, tomou a decisão de proceder a uma profunda remodelação do dispositivo de quadrícula – aquilo a que se pode chamar uma retracção do dispositivo – e à reformulação da conduta operacional. Algumas guarnições das NT que estavam completamente cercadas nessas áreas, sem possibilidade de desenvolverem qualquer actividade operacional útil para além de defenderem as suas instalações e que representavam um enorme e não compensador encargo logístico, foram mesmo totalmente abandonadas pelas NT. Essas áreas passaram, justificadamente, a ser exibidas pelo PAIGC como áreas libertadas onde proporcionavam visitas a representações estrangeiras. O exemplo tragicamente mais assinalável foi o de Madina do Boé, a mais extensa e situada no SE do TO, onde em Setembro de 1973 o PAIGC declararia unilateralmente a independência da República da Guiné-Bissau. E digo tragicamente porque, quando da retirada da última guarnição militar portuguesa, a travessia para norte do Rio Corubal foi marcada pelo acidente de uma jangada que causou quase cinco dezenas de mortos às NT, entre militares e milícias. Este reconhecimento de que havia áreas do TO sob controlo do PAIGC levou o Comando-Chefe a delimitá-las dentro das ZA dos respectivos Sectores, com a designação de Zonas de Intervenção do Comando-Chefe (ZICC), nas quais às unidades de quadrícula estava vedado conduzir actividade operacional sem autorização do Comando-Chefe, até porque eram áreas de bombardeamento sistemático da Força Aérea que poderiam atingir as NT se aí estivessem em operações sem conhecimento superior. Passaram a ser zonas reservadas a operações de iniciativa do Comando-Chefe, com as suas unidades de intervenção na base de forças especiais (paraquedistas, fuzileiros, comandos ou grupos especiais), desencadeadas quando recortava notícias indiciadoras de objectivos remuneradores e com as quais, por vezes, colaboravam as unidades da respectiva quadrícula. Foi, por exemplo, numa dessas ZICC, no limite que separava o sul da ZA do Sector S-2 com o norte da ZA do Sector S-3, no mítico “corredor de Guilege”, que forças paraquedistas emboscaram a coluna do PAIGC na qual se integrava o cubano Capitão Peralta, que foi ferido e capturado. Esta operação verificou-se entre 16 e 19 de Novembro de 1969, pouco depois de o BCaç 2892 ter assumido a responsabilidade do Sector S-2 (10 Nov).

É claro que estas ZICC se transformaram (ou melhor se reforçaram porque já o eram) em bastiões do PAIGC, com muita população sob seu controlo e boas zonas de cultivo de arroz e criação de gado. No sul da Guiné as zonas mais férteis para a agricultura estavam todas nas mãos do PAIGC. Os seus grupos circulavam aí com algum à-vontade e tinham bases de apoio aos guerrilheiros, tornando muito mais curtos e menos vulneráveis os troços dos corredores de abastecimento susceptíveis de serem interceptados pela contrapenetração. Na ZA do Sector S-2, quando o BCaç 2892 assumiu a sua responsabilidade, as ZICC representavam, em superfície, quase 50% da área total do sector (Mapa 4).

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[1] Chamava-se contrapenetração à actividade operacional das NT resultante da conjugação de meios terrestres, navais e aéreos, mas que era, no essencial, uma manobra terrestre, destinada a dissuadir, impedir ou, no mínimo, dificultar a utilização, por grupos guerrilheiros, acompanhados ou não de populações, dos eixos que, a partir das suas bases em países fronteiriços, conduziam ao interior do TO, com objectivos de atingir, reforçar ou abastecer áreas por si controladas, ou para desencadearem acções contra as NT.

[2]A designação de Inimigo (IN) não deve ser entendida com um sentido calunioso ou depreciativo, nem subentende qualquer valoração, como por vezes, fora do meio militar, se tende, erradamente, a interpretar. Na terminologia técnica militar e em tempo de guerra o inimigo é o outro, o que se opõe às NT e que é sempre identificado pela sigla IN. Aliás, na Guiné, os militares portugueses respeitavam o PAIGC como movimento de libertação e os seus combatentes como guerrilheiros valorosos, que, apesar de serem apelidados, na linguagem corrente da época, de terroristas, na realidade nunca optaram por acções terroristas.

[3] O GC era uma subunidade operacional da CCaç, portanto correspondente ao escalão pelotão de atiradores, mas reforçado com armas colectivas, metralhadora ligeira, lança-granadas (bazooka) e morteiro ligeiro. Se a CCaç era a subunidade fundamental no dispositivo de quadrícula, o GC era a subunidade predominante nas acções de rotina de contrapenetração, segurança próxima dos estacionamentos, escoltas, etc.

O dilagrama era um dispositivo aplicado à saída do cano da espingarda automática individual G-3 que, através de um disparo com munição especial, facultava o lançamento de granadas de mão a maior distância do que se lançadas manualmente. O lançador de dilagramas transportava carregadores de dois tipos de munições de G-3, munição normal da arma automática e munição exclusivamente destinada ao lançamento do dilagrama. Tinha de ter os carregadores bem assinalados, para os poder distinguir pela vista ou pelo tacto (à noite), conforme as necessidades.

(Continua)
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 10 DE AGOSTO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10249: Bibliografia de uma guerra (60): Primeiro Capítulo do próximo livro "Quebo", de Rui Alexandrino Ferreira (1): Mais que um superior hierárquico um amigo de eleição - Pezarat Correia

Guiné 63/74 - P10252: Álbum fotográfico do ex-Alf Mil Art Humberto Nunes (1): Gadamael





1. Primeira série de fotos enviados pelo nosso camarada Humberto Nunes (ex-Alf Mil Art.ª, CMDT do 23.º PelArt,  Gadamael Porto e Cuntima, 1972/74, em mensagem do dia 3 de Agosto de 2012):




Gadamael > À entrada da minha suite

Gadamael > No interior da minha suite

Gadamael > Eu junto a um banco de ostras

Gadamael > Eu

Gadamael > Espaldão do obus de 10,5

Gadamael > Obus em acção de fogo

Gadamael > Artilharia em Banda

Gadamael > Artilharia em confraternização

Gadamael > Romance em miniatura

Gadamael > População em trabalho

Gadamael > População em trabalho

Gadamael > Lançamento de frescos em paraquedas

Gadamael > A última visão a partir da LDM

Fotos (e legendas): © Humberto Nunes (2012). Todos os direitos reservados.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 4 DE AGOSTO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10228: Tabanca Grande (353): Humberto Martins Nunes, ex-Alf Mil Art.ª, CMDT do 23.º Pel Art.ª (Gadamael Porto e Cuntima, 1972/74)

Vd. último poste da série de 10 DE AGOSTO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10248: Álbum fotográfico de Abel Santos (2): Beli, Nova Lamego, Buruntuma e Bissau

Guiné 63/74 - P10251: (Ex)citações (191): Ainda guerra perdida e a guerra ganha (Juvenal Amado)

Galomaro > Militares do Pel Rec/BCAÇ 3872 acabados de chegar de uma patrulha nocturna

Foto ©: Juvenal Amado


1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 7 de Agosto de 2012, subordinada ao tema:


GUERRA PERDIDA, GUERRA GANHA

Página 144/145 - "Diário da Guiné" 
de António Graça Abreu

"Cufar, 4 de Setembro de 1973
O Spínola retirou-se estrategicamente da guerra da Guiné. Fácil de entender porquê. Com o agravamento do conflito, não quis assumir derrotas. Foi a Lisboa, falou com o Marcelo Caetano, pediu mais meios, mais tropa, mais aviões, e disseram-lhe que não havia, não era possível. O General pediu a exoneração e acho que fez bem. Para os guineenses acabou o mito Spínola.
O novo governador, General Bettencourt Rodrigues, parece ser um homem com curriculum notável, mas que pode fazer na Guiné? Vai-se meter em grandes assados. Há muita descrença, cansaço, passividade a povoar o quotidiano da tropa portuguesa. E, de certeza haverá mais feridos e mortos. De que aspectos se revestirá a fase final da guerra na Guiné? Ninguém sabe.”

O autor descreve aqui um cenário pré apocalítico quanto à situação politica/militar, onde não falta a interrogação como será o final da guerra. Sabemos hoje pelo o que ele escreve, que era ainda uma coisa para continuar, até que talvez os soldados se negassem a combater. Cenário mais negro é difícil de imaginar. No fundo foi o que aconteceu de alguma forma com o 25 de Abril. Mas já antes os soldados se tinham negado a embarcar. E também já se falou aqui nas páginas do blogue que soldados houve, que embarcaram com destino a Angola e quando acordaram, estavam na terra dos Fulas, Papéis, Manjacos, etc. Como é que acabam as guerras?

Estando o blogue em águas mornas como convém a quem vai ou foi de férias, vem o meu amigo AGA agitá-las e faz leitura do que mais lhe convém, para assim levar água ao seu moinho.


Poste 10208*

Corta aqui, avança por ali, e lá vai debitando o que defende agora e tantas vezes repetiu, para que não fiquem dúvidas ao seu posicionamento. Porque penso que das piores coisas que se pode fazer a um homem é ignorá-lo, fiquei contente por ele me mencionar no seu comentário, provando assim que o que escrevi na altura acabadinho de “desembarcar no blogue”, ainda com o camuflado cheio de goma e a cheirar a novo, era hoje lembrado como prova irrefutável dos “diz que disse”, sobre o tema da Guerra Perdida, Guerra Ganha.

Não nego uma única palavra nem intensão sobre o que escrevi, embora concorde que hoje escreveria de outra forma, menos a quente e sem deixar lugar para dúvidas. Não sabia eu da existência dos relatórios que trouxeram à luz do dia o que se falava, mas que era considerado “jornal da caserna”

E escrevi eu como num desabafo:

“O medo dos Migs era real, pois foram distribuídos cartazes com fotos identificativos dos referidos aparelhos, em variados destacamentos.

Que nós não tínhamos meios de autodefesa contra esse tipo de ataque. Que a nossa Força Aérea já dificilmente cumpria a sua missão de apoio às tropas debaixo de fogo.

Que os helis e Dorniers voavam rente ao chão e de preferência por cima das estradas e rios (mesmo assim levavam rajadas de automáticas como aconteceu entre Nova Lamego e Piche com o comandante de batalhão dentro do heli). 

Que os batalhões cumpriam 26, 27 meses por não haver homens para formar novos batalhões e assim serem rendidos. 

Que havia movimentos para que os soldados se negassem a embarcar e se não se temesse o efeito dominó, a Guiné já teria sido abandonada.

Que os destacamentos junto à fronteira estavam a ponto de terem que ser evacuados.

Que as nossas armas mais emblemáticas (Chaimites e Fiats) se tornaram obsoletas, graças aos mísseis e novos RPGs (emboscada entre Bafatá e N. Lamego, onde a Chaimite foi varada por munição anticarro).

Que estávamos a um passo de ver os ex-Alferes, que já tinham cumprido comissões serem chamados a cursos de capitães, e serem obrigados a combater em novas comissões. A vez dos outros (furriéis, cabos e soldados) também chegaria a seu tempo.

Que na (Metrópole) a resistência ao regime, desencadeava cada vez mais acções de sabotagem (caso dos helis, centrais eléctricas e navio de transporte de tropas Cúnene dinamitados pela ARA).

As derrotas militares são normalmente precedidas do sofrimento das populações civis. O Povo Português estava cansado de sofrer.( o que eu conhecia, estava sim farto de sofrer e de criar filhos para a guerra)

Se não se tem promovido etnias em desfavor de outras. Se não se tem promovido a cavaleiros do Império, soldados oriundos das populações indígenas, que fizeram em muitos casos o trabalho “sujo”, a guerra teria durado ainda menos.”

Nos tempos que correm não há derrotas militares só por si. Os Americanos foram derrotados no Vietnam sem terem perdido um única grande batalha. Mas por que retiraram eles da Indochina tão atabalhoadamente deixando os seus até aqui aliados, entregues à ilusão que os iam ajudar a deter o vietcong? Foi ou não foi para evitar a derrota vergonhosa e assim salvar o seu sistema politico junto do eleitorado americano?

Como nós não tínhamos sistema eleitoral, facilmente se depreende que só derrubando o regime, acabávamos com a guerra.

Estes tipos de guerras, longe do nosso chão sagrado perdem-se primeiro na retaguarda, quando as pessoas descobrem que foram enganadas e que por causa disso, os seus filhos não param de chegar em caixões.

Hoje as guerras que a América trava são mais os grupos de segurança privados (ex-soldados hoje mercenários contratados por grupos poderosos que foram formados pela CIA) a combater do que soldados para evitar assim o efeito devastador do seus mortos na opinião publica.

Já agora pergunto porque não ganhámos aquela guerra? Quando apareceram os relatórios do Luis Vaz, que eram pertença de seu pai, perante as dúvidas que alguns camaradas levantaram à veracidade dos mesmos, fiz o seguinte comentário;

“Nunca duvidei da coragem dos soldados, marinheiros e pilotos, o que sempre pus em causa foi a impossibilidade de ganharmos a guerra, que quando se deu o 25 de Abril a estávamos a perder de forma acelerada e o porquê, acaba por ser explanado aqui neste poste, bem como nos comentários.

Põem-se em dúvida os relatórios, duvida-se das assinaturas independentemente da época em que foram feitos. Acaba-se por pôr em causa a qualidade do nosso estado maior na Guiné, com o tão aclamado Spínola e posteriormente B. Rodrigues à cabeça. Este tipo de suspeitas vem dar razão de que, efectivamente a guerra estava perdida e que o nossos governantes militares e civis, tinham perdido completamente o Norte. Com tais chefes que nem liam e pior assinavam sem ler, como é que íamos ganhar a guerra?

Temos aqui lido sobre a qualidade do nosso armamento.
Passo a citar:
Uma bomba de 750 libras largada de avião teria um efeito de destruição de duzentos e cinquenta metros (em todas as direcções) e provocava um terramoto de grau 5. Que um obus 14, fazia uma razia tal que nem árvores de grande porte ficavam de pé. Multipliquem-se por 3 obuses 14, mais morteiros, mais aviões a bombardear em voo picado, ou simplesmente aviões com a porta aberta, donde se atiravam bombas de 750 libras à mão (já aqui li isto também, o que prova que embora estando lá, não sabia da missa a metade.

Quanto às baixas do inimigo eram de arrepiar. Há pouco tempo se disse aqui num comentário que só 5% dos feridos sobreviviam. Não custa acreditar nisso, na verdade era um esforço enorme que a guerrilha tinha que fazer para transportar os seus feridos. Por muito mal que nós estivéssemos, nunca se poderiam comparar as condições de assistência médica e alimentar que nós tínhamos com as deles.

E agora pergunto eu quais eram os resultados ?

Como é que o IN escapava ao poder destruidor das nossas bombas? À partida eles quando atacavam não tinham protecção, pois não podiam andar com um abrigo às costas, contra semelhante poder de destruição, com a agravante de que muitos dos ataques deles não eram esporádicos, mas por vezes atacavam vários dias seguidos. Onde é que estão relatórios das baixas infligidas ao IN? Não falemos por favor de propaganda.

Em dez anos de guerra em que altura perante tanto poder de fogo se tornou visível a nossa vitória militar e se ela era possível porque não ganhamos? O aniquilamento do inimigo e a ocupação do terreno não deveria ser uma consequência lógica?

Voltamos a finais de 1968 quando o brigadeiro Hélio Felgueiras disse por outras palavras, que não era possível bater o IN embora o enorme dispêndio de homens e meios em operações militares, que após o seu fim voltava tudo ao mesmo nas zonas intervencionadas .

Não tínhamos no terreno o equivalente a seis soldados por cada guerrilheiro? Entre esses soldados tínhamos grupos especialmente formados para a guerra de guerrilha ( fuzileiros, comandos, paraquedistas e operações especiais). É verdade que a grande maioria da tropa, estava aquartelada em zonas que dominavam, policiavam e defendiam dos ataques do IN. ( fomos injustamente acusados de não sair do arame por um general, o que causou grande indignação nos camaradas deste blogue).

Com tal disparidade de meios como é que os não varremos, não lhe conseguimos tirar a capacidade ofensiva?

Gostei de ler o poste do camarada (António Martins de Matos), porque o acho com peso conta e medida. Também o considero muito corajoso. Nele é e explicada a forma como se tentou resolver a crise dos Strella, mas também é posto a nu as nossas fragilidades em equipamentos, a confrangedora economia de recursos, bem como a falta de pilotos. Onde é que se viu atirar bombas à mão pela porta do avião? Na 1.ª Guerra Mundial, nos livros do major Alvega e na Guiné em 1973.

Nunca haverá uma verdade para todos e se o que está escrito por quem nos comandou como ponto de partida não serve, estamo-nos a entreter e nada do que deixarmos escrito para o futuro terá qualquer valor.”

Termino com mais um excerto do Diário da Guiné do António G. Abreu.

“Cufar 12 de Novembro de 1973
Na LDG chegou uma companhia de “periquitos” com um mês de Guiné que vão render os infelizes que estão em Cobumba. Já perceberam para onde vão e estão completamente desmoralizados. Como é possível aguentar as NT a combater na Guiné quando o que todos desejam é a paz e sair daqui.”

Um abraço para todos
Juvenal Amado

Notas do editor:
- Sombreado da responsabilidade do autor do texto
- Título do poste da responsabilidade do editor
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 30 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10208: Notas de leitura (386): O 25 de Abril e o Conselho de Estado - A Questão das Actas, por Maria José Tiscar Santiago (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 19 DE JULHO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10171: (Ex)citações (190): Conhecemos pessoas que ignoramos serem camaradas de armas (Carlos Nabeiro)

Guiné 63/74 - P10250: Passatempos de verão: Hoje quem faz de editor é o nosso leitor (8): O soldado tranquilo, o soldado silencioso... A(s) Mina(s): Excerto de texto da antiga embaixadora israelita em Angola, Tamar Golan...

Minas, por T. G. [Tamar Golan]

[Foto à esquerda, de Carlos Vinhal, uma mina anticarro]



Chamam-lhe o "soldado tranquilo", ou o "soldado silencioso (...) (*) 

A carga explosiva pesa escassos gramas ou alguns quilogramas. É feita de metal ou de plástico. Grande e pesadona ou pequena e ligeira. Fabricada na China, na Rússia, nos Estados Unidos, em Israel e em dezenas de outros países à superfície da Terra. É fácil e simples de fabricar. Barata, eficaz e mortal.

O preço de uma mina é baixo. As organizações de combate às minas calcularam que o custo de uma “unidade” pode ir de menos de um dólar até cento e cinquenta dólares. Mas a remoção de cada mina pode ascender a mil e quinhentos dólares!

Por isso, converteu-se na arma ideal dos pobres. Perante as bombas atómicas, os aviões evasivos, as bombas “inteligentes” comandadas a laser, os míssei9s balísticos, perfila-se a mina pequena e barata. Os que a utilizam não precisam de ser pilotos competentes ou técnicos diplomados. Nem precisam de saber ler e escrever. As instruções elementares do manejamento vão desenhadas na embalagem.

Nem sempre é necessário dar-se ao trabalho de a ocultar debaixo de terra. Em países com clima tropical quente e húmido, pode-se simplesmente espalhar as minas nos campos à volta da aldeia remota. A chuva e a erosão farão o resto e a camponesa que sai para cuvar a sua leira, não vai reparar no “soldado” que lá está escondido.

A mina não discrimina homens ou mulheres, nem distingue civis de militares. As crianças são um alvo permanente. Ao contrário das bombas “inteligentes” que deverão atingir alvos previamente definidos, as minas não são pretensiosas e quem as coloca não ambiciona que o seu planeamento seja preciso e sofisticado. Assim, também não têm de confessar que erraram.

Esta arma é absolutamente desprovida de ideologia. Esteve ao serviço dos Estados Unidos e da União Soviética, da China comunista e da Africa do Sul do apartheid. Todos a usaram nas suas guerras contra todos, por vezes, na mesma nesga de terra do mesmo país.

Ocorreu-me, mais do que uma vez, que a mina é tão irritante,  precisamente por não obedecer às ordens variáveis de que quem as usa. Generais vêm e vão, polítcios substituem-se – mas ela mantem-se. Desde o momento que é posta no chão, é autónoma no terreno.

Durante a Segunda Guerra Mundial falou.-se muito em “campos de minas” – terrenos definidos e assinalados em mapas pormenorizados, Nas guerras do Terceiro Mundo não existem, hoje em dia, mapas, mas campos há muitos. Os campos de inofensivos agricultores, os pátios das escolas rurais e os adros de igrejas. E também, é claro, aeroportos, linhas de caminho de ferro, estradas e pontes. Já não há guerras entre exércitos regulares, mas conflitos de todos contra todos.

É um tema nos órgãos de comunicação. A muitos é comum a moda de condenar esta arma terrífica. Comos se os outros tipos de armamento fossem menos condenáveis. Há alguns anos, foi finalmente decidido pô-la fora da lei. Uma convenção internacional foi solenemente assinada em Otawa, no Canadá. Proibe a venda, o fabrico, a exportação, e o uso de minas. A convenção também exorta à desmontagem de minas onde quer que se encontrem. A convenção está em vigor, mas os grandes fabricantes – à frente dos quais os Estados Unidos – ainda não a ratificaram.

Especialistas definiram um grupo de países onde a praga das minas é mais grave. À frente – Cambodja, Afeganistão, Angola e Moçambique. Disse-se sobre Angola que tem o maior número de minas por habitante e a taxa mais elevada de crianças atingidas. Todos concordam em que ninguém sabe o número de minas dispersas pelo mundo fora.

As minas de Angola chegaram aos cabeçalhos dos jornais graças à princesa Diana. Quarenta e oito horas passou a bela princesa em território deste ferido país, e uma fotografia dela, na companhia de um menino sem membros, fez mais por consciencializar as pessoas para o perigo das minas, do que milhares de fotos só de crianças destroçadas. Todo o mundo já leu e assistiu a relatos infindos. Mas nunca bastam.

Os anos da minha estada em Angola foram à sombra de minas. Não há domínio que mais me tenha ocupado. Esteve no âmago da minha actividade e mesmo quando terminei a missão, permaneci em Angola, para continuar a contribuir com todas as minhas capacidades.

No ano transacto, como noticiado, foram removidas e deflagradas trinta mil minas em Angola. No terreno ficaram uns dez milhões. Talvez mais, talvez menos.

As estatísticas continuam a assustar. As tentativas de lutar contar esta praga são limitadas, os êxitos escassos - e os malogros imensos.

In: Tamar Golan e Tamar Ron – Encontros em Angola: o homem e a natureza na sombra da guerra. Luanda: Caxinde; Lisboa: Prefácio. 2007,  pp. 67/69. [Reproduzido com a devida vénia...]

TG [ Tamar Golan] (**) (***)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 1 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10215: Guiné 63/74 - P10215: Passatempos de verão: Hoje quem faz de editor é o nosso leitor (4): O soldado tranquilo, o soldado silencioso...



(**) Tamar Golan [, foto à esquerda, cortesia do sítio da Embaixada de Israel em França,] foi a primeira embaixadora de Israel em Angola (1995-2001), por nomeação pessoal do então primeiro ministro Yitzhak Rabin. Foi depois consultora, por parte da ONU, do Governo angolano  na instituição da Comissão Nacional Intersectorial de Desminagem e Assistência Humanitária (CNIDAH). Conheceu África, pela primeira vez, em 1961. Nesse ano, perdeu o marido, num acidente, na Etiópia. Era doutorada em Ciências Políticas e Administração, pela Universidade de Colúmbia, N.Y., com especialização em Assuntos Africanos. Foi jornalista. Viveu em Israel, onde foi professora na Universidade Ben Gurion, no Neguev. Morreu em Israel, aos 78 anos, em 30 de março de 2011. Escreveu, entre outros, este belíssimo livro, "Encontros em Angola", a quatro mãos, com a sua amiga e compatriota Tamar Ron, bióloga e igualmente consultora do governo angolano, em 2000-2004, para a conservação da biodiversidade.


(***) Último poste da série > 9 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10243: Passatempos de verão: Hoje quem faz de editor é o nosso leitor (7): Como se chamam estes frutos secos, três dos quais são usados para fazer saborosos sumos ?...

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10249: Bibliografia de uma guerra (60): Primeiro Capítulo do próximo livro "Quebo", de Rui Alexandrino Ferreira (1): Mais que um superior hierárquico um amigo de eleição - Pezarat Correia

1. Mensagem do nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira (Alf Mil na CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67 e Cap Mil na CCAÇ 18, Aldeia Formosa, 1970/72) actualmente Ten Coronel Reformado, com data de 7 de Agosto de 2012:

Meu caro Carlos:

Com um agradecimento a todos os tertulianos que mantêm a extrema preocupação com o estado debilitado da minha saúde, junto envio, para uma possível publicação se assim o entenderes, o Primeiro Capitulo do livro que espero ainda consigo terminar.

Um grande abraço do
Rui Alexandrino Ferreira.



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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 DE AGOSTO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10219: Bibliografia de uma guerra (59): Prece de um Combatente - Nos Trilhos e Trincheiras da Guerra Colonial, de Manuel Luís Rodrigues Sousa

Guiné 63/74 - P10248: Álbum fotográfico de Abel Santos (2): Beli, Nova Lamego, Buruntuma e Bissau




1. Segunda e última série de fotos do nosso camarada Abel Santos* (ex-Soldado Atirador da CART 1742, Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69), chegadas recentemente ao nosso Blogue:





Estrada de Beli, Fevereiro de 1968

Estrada de Beli, Fevereiro de 1968

Descanso do guerreiro > Margem do Rio Corubal, lado de Madina do Boé 

Buruntuma, 15 de Setembro de 1968

Buruntuma, 15 de Setembro de 1968

Buruntuma, Janeiro de 1969

Buruntuma > Abrigo, Janeiro de 1969 > Caça à cobra

Bissau, Janeiro de 1969

Bissau, Janeiro de 1969

Bissau, Janeiro de 1969

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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 6 DE AGOSTO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10231: Álbum fotográfico de Abel Santos (1): Viagem de ida, Bissau, Nova Lamego e Cheche

Guiné 63/74 - P10247: Notas de leitura (390): Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História, entrevistas de José Vicente Lopes (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 20 de Junho de 2012:

Queridos amigos,
Aqui termina a digressão pelos temas da luta armada e da rotura entre Guiné e Cabo Verde, pelo olhar de Aristides Pereira.
Ele que foi o dirigente político que mais conviveu com Amilcar Cabral irá certamente surpreender quem ler aqui as suas respostas às perguntas afiadas de José Vicente Lopes. É o olhar de um ancião que responde serenamente assumindo as suas limitações. Há temas controversos, como é evidente, por exemplo nega que tenha havido execuções no Congresso de Cassacá, em Fevereiro de 1964, o que é contraditado por muitas outras opiniões. E revela-se cheio de coragem a dissecar o muito que separa os guineenses dos cabo-verdianos, é mesmo pungente ouvi-lo dizer que não esteve à altura de contribuir para reparar os danos causados pelo golpe de Estado de 14 de Novembro.
É acima de tudo um livro luminoso, até nos desabafos pessoais.
Recomendo vivamente a sua leitura.

Um abraço do
Mário


Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História (3)

Beja Santos

Aristides Pereira, já retirado de afazeres partidários ou de Estado, concedeu a José Vicente Lopes uma entrevista sobre a sua vida e a sua atividade política. Surpreendendo pela língua desatada, dá respostas abertas, na maior parte dos casos esclarecedoras, a perguntas por vezes bem afiadas. Nunca antes se pronunciara sobre os diferendos entre a Guiné e Cabo Verde de uma forma tão acutilante. E ficamos igualmente a saber que esses diferendos eram bem conhecidos de Amílcar Cabral e diz abertamente: “Na altura do seu assassinato ele estava precisamente no fogo cruzado. Os guineenses achavam que ele só queria saber dos cabo-verdianos, que estavam a comer bem e não sei que mais; os cabo-verdianos da parte deles, achavam que ele só dava atenção à luta armada na Guiné e que Cabo Verde não servia para nada”. O líder do PAIGC sentia-se incompreendido e injustiçado e adianta uma questão que era muitas vezes escamoteada pelos próprios cabo-verdianos: “Havia o problema de como o caso de Cabo Verde era gerido num quadro de extremo secretismo, imposto por uma luta com as nossas características. Esses cabo-verdianos não entendiam que Cabral não desse conhecimento a todos eles das medidas que a direção do partido estava a tomar para desenvolver a luta armada em Cabo Verde. Ora, isso era impossível. Havia infiltrações. Apareceu o Bibino, que foi a Cuba, formou-se lá com os outros e que quando deserta fornece as informações todas à PIDE. Isso apesar das medidas que Cabral tomou”. E não tem papas na língua quanto ao contencioso entre Abílio Duarte e Amílcar Cabral e as dificuldades de relacionamento entre Amílcar Cabral e o seu irmão Luís.

No capítulo alusivo à independência da Guiné-Bissau, Aristides elogia a visão diplomática de Cabral, a sua progressiva aproximação da ONU, seria aqui que a proclamação da independência tinha que ter reconhecimento. Fala sobre a missão da ONU em territórios libertados, elucida que foi José Araújo quem acompanhou os observadores da ONU e fala sobre o itinerário da missão: “Entraram pelo Sul. O Araújo levou-os até quase Quínara. Houve dificuldades. Um dos membros, o tunisino chegou uma altura em que não quis mais avançar. Os combatentes disseram-lhe: nós vamos carregá-lo. Fizeram uma maca e levaram-no. O sueco e o equatoriano, mais o fotógrafo japonês, comportaram-se muito bem. Terminada a missão, fizeram um relatório que deu as bases para a proclamação da independência”. Finda a missão, começou-se a trabalhar a todo o vapor no recenseamento e nas eleições.

E assim chegamos ao 25 de Abril e às negociações, Aristides pormenoriza um encontro com Mário Soares em Dakar e depois o encontro em Londres. O entrevistador interroga-o sobre os temores de parte a parte. Veio à baila a questão da futura aviação do PAIGC e ele responde: “Na altura da proclamação da independência já estavam estudantes nossos a formarem-se para pilotos de MIG e helicópteros. Tanto assim que logo após a entrada em Bissau esses jovens fizeram demonstrações. Com a independência, mais tarde, esses pilotos foram desviados para a aviação civil”. E faz insinuações sobre alegadas ingerências de Spínola na Guiné já independente: “Até deixar o poder, ele procurou manobrar o tempo todo, criando tensões desnecessárias. Tivemos informações nesse sentido. Aliás, vem daí a confusão dos comandos africanos e outras coisas mais. Da nossa parte, estávamos abertos a uma solução acerca dos comandos com os portugueses mas soubemos que o Spínola tinha dado garantias a alguns chefes desses comandos… E tivemos indicações de que eles estavam a concentrar-se numa das ilhas dos Bijagós”.

Espraia-se sobre os problemas relacionados com a independência de Cabo Verde e das incidências que teve a sua deslocação para a Prainha: as desinteligências e pruridos entre Luís Cabral e Pedro Pires, as objeções de Nino e de Chico Té em que o secretário-geral do PAIGC se deslocasse para outro país, por exemplo. E assim chegamos à desagregação do PAIGC, um processo que ele regista a partir do III Congresso do PAIGC, em Bissau, em 1977. Vieram ao de cima os fatores da desagregação. De novo Aristides faz insinuações sobre o apodrecimento guineense: “Eu penso que tudo veio da nossa instalação em Bissau. Aliás, o próprio Cabral, mais ou menos, previu isso: chegar a Bissau era uma desgraça para nós. O Spínola tinha aquilo minado. A propaganda contra os cabo-verdianos, a tendência para uma sociedade de consumo, ter vivendas luxuosas, viaturas, mulheres, etc., tudo isso foi o nosso fim”. Dá pormenores de comportamentos, de questiúnculas, as fragilidades morais, e depois o golpe de Estado de Nino Vieira em que ficamos a saber que de há muito havia relações estudadas entre Nino e Luís Cabral, deplora a decadências de Osvaldo Vieira, a sua convicção de que Osvaldo estava seriamente ligado à conspiração que desembocou na morte de Cabral. E refere-se igualmente a todo o esforço para impedir a rutura, mas cedo se tornou claro que era um caminho sem retorno.

Confessa a sua fraqueza e incapacidade para ter gerido melhor a situação explosiva que se viveu, diz mesmo que a situação enveredara pelo irracional: “O cabo-verdiano tornou-se o culpado de todo o mal na Guiné. Portanto, o Nino aí teve responsabilidades agravadas, embora eu lhe faça um desconto, tendo em conta as suas limitações intelectuais, políticas e morais”. E volta a refletir sobre o choque de civilizações, a dificuldade sentida pelos cabo-verdianos quando viam gente a comer com a mão, eles diziam abertamente serem incapazes. É um acervo de considerações que exigem leitura ponderada, Aristides refere-se mesmo a outros dirigentes como Paulo Correia, Victor Saúde Maria, Mário Cabral e Vasco Cabral.

E termina assim esta gama de reflexões acerca do arrependimento dos guineenses que fizeram ou aderiram ao 14 de Novembro: “Aprenderam por conta própria que não eram os cabo-verdianos os responsáveis da desgraça da Guiné, como procuraram fazer crer com o 14 de Novembro. Nós, da nossa parte, diga o que se disser, viabilizámos o nosso país enquanto eles fizeram o contrário. Todos os sacrifícios consentidos redundaram em nada, para a desgraça do povo humilde da Guiné que, infelizmente, teve o azar de apanhar essa gente como dirigente”.

A longa entrevista, prossegue mas já fica centrada nos problemas cabo-verdianos e na sua compreensão pelos problemas contemporâneos, terminando por notas pessoais como, por exemplo, o drama da morte do seu filho Eugénio.

A partir de agora, este longo e apurado trabalho de José Vicente Lopes é de leitura obrigatória para quem se interesse pelo estudo da luta armada na Guiné e pelas sequelas da rutura entre Guiné e Cabo Verde, a partir de 1980.
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Nota de CV:

Vd. postes da série de:

3 DE AGOSTO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10221: Notas de leitura (387): Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História, entrevistas de José Vicente Lopes (1) (Mário Beja Santos)
e
6 DE AGOSTO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10230: Notas de leitura (388): Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História, entrevistas de José Vicente Lopes (2) (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 8 DE AGOSTO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10241: Notas de leitura (389): O Ultramar e a revisão constitucional de 1971, Revista Vida Mundial de 16 de Julho de 1971 (José Manuel Matos Dinis)