sábado, 16 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17773: (D)o outro lado do combate (10): um contributo histórico para o 'achado macabro' em 23/3/1970 em Cabuca, região leste, ao tempo da CART 2479/CART 11 (Jorge Araújo)







Mensagens do Jorge Araújo:

(i) 17 de junho de 2017_



Caro Luís, Boa Noite!

Eis o meu contributo sobre as "fotos à procura de...uma legenda" ('achados macabros' em Cabuca), que o camarada Valdemar Queiroz tomou a iniciativa de as partilhar connosco. (*)


Que ele tenha alguma utilidade é esse o meu objectivo.


Bom domingo. Um abraço, Jorge Araújo.


(ii) 7 de julho de 2017:

Caro Luís,Bom dia.


Ainda que não esteja curado da minha maleita (não tenho memória da última vez que estive tão atacado), vou-me chegando à linha da frente pois as tarefas e responsabilidades têm que entrar na normalidade.


Li as últimas notícias do blogue e cada uma delas abre novos caminhos de aprofundamento histórico.

Por exemplo, a referência à emboscada do dia 26.10.71, ocorrida na Estrada Piche-Nova Lamego, indicada no endereço do aerograma do P17550, com quatro baixas das NT, sinaliza/confirma a estratégia do PAIGC nessa zona e que, a propósito dos "achados macabros em Cabuca, que o camarada Valdemar Queiroz nos deu conta, me levou a elaborar mais um escrito que no passado mês de Junho te enviei.

Para além do texto, a infogravura que elaborei a partir dos documentos consultados, permite-nos visualizar os esquemas de funcionamento da mobilidade dos bigrupos/grupos IN no terreno.

Seria interessante, digo eu, divulgar este esquema, pois acredito que ele ajudará a tornar mais perceptível outras ocorrências negativas que infelizmente fazem parte da historiografia de algumas Unidades que passaram por aquela região.

Tenho uma fezada de que este tema pode ter algum desenvolvimento e, quiçá, surgirem mais algumas imagens como as do Camarada Valdemar Queiroz.

Bom fim-de-semana... com saúde.

Ab. Jorge Araújo. (**)


[1]
[2]


[3]
 [4]




[5]



 [6]


[7]


[8]


[9]

______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 14 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17471: Fotos à procura de...uma legenda (86): um achado macabro em 23 de março de 1970, depois do ataque a Cabuca (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)

(**) Último poste da série > 3 de julho de  2017 > Guiné 61/74 - P17537: (D)o outro lado do combate (9): Regime de Sékou Touré e PAIGC: propostas de reforço da cooperação militar, elaboradas por Amílcar Cabral, 4 meses antes de ser assassinado (Jorge Araújo) - Parte II

Guiné 61/74 - P17772: Historiografia da presença portuguesa em África (88): Exposição Colonial Internacional de Paris, 1931 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Agosto de 2017:

Queridos amigos,
No termo da I Guerra Mundial, as exposições coloniais internacionais ganharam uma nova dimensão: para além da mostra de produtos, desfrute das populações metropolitanas sobre os espaços ultramarinos sob o seu domínio, havia que justificar certas razões históricas para essa presença, alargavam-se as cobiças, passando por Berlim, por Roma e por Tóquio, as exposições destacavam as potencialidades das matérias-primas mas traziam elementos novos: o que se fazia pela educação, pela saúde, mostravam-se infraestruturas, civilização. Portugal estará presente nesta exposição de Paris de 1931. Extraíram-se ensinamentos.
Veremos a seguir, com a mostra da Exposição Colonial do Porto de 1934, que a ideologia era o elemento prevalecente. Henrique Galvão deu o mote para a exposição: "Portugal não é um país pequeno". Mal sabia ele que aqueles mapas da Europa onde se inseriam as parcelas do império colonial iriam reaparecer no exato momento em que ele se rebelava contra Salazar.

Um abraço do
Mário


Exposição Colonial Internacional de Paris, 1931 (1)

Beja Santos

Podemos distinguir na história das exposições coloniais dois momentos correspondentes às lógicas imperiais emergentes. Durante a segunda metade do século XIX e até à I Guerra Mundial, as exposições efetuavam-se para mostrar às populações metropolitanas as dimensões das colónias dos respetivos impérios. Foi o que aconteceu com a Exposição Universal e Colonial de Exportação Geral, que se realizou em Amesterdão em 1883, as de Londres, Paris, Lião, Berlim, Bruxelas, Nova Iorque, transformaram-se em grandes eventos de exibição de espaço tutelado e de mostra das potencialidades para o negócio. No termo da I Guerra Mundial, desfeitos alguns impérios europeus, outros ganharam realce e careceram de afirmação até porque bem cedo se deu conta que alguns estados totalitários pretendiam colónias, de Berlim, passando por Roma, até Tóquio. As exposições ganharam outro relevo. No caso francês, de que vamos falar, não se escondia a participação das tropas coloniais nos combates contras os alemães. A França queria mostrar no Hexágono e ao mundo a extensão do seu império: Somália, Madagáscar, Índias Francesas, Taiti, Nova Caledónia, Martinica, Ilha da Reunião, Guadalupe, Angkor como expoente cultural máximo da Indochina, Cochinchina, África Equatorial Francesa, África Ocidental (Marrocos, Tunísia e Argélia). A exposição Francesa concitara a presença de outras potências coloniais como a Holanda, os Estados Unidos, a Itália, o Indostão, a Dinamarca e Portugal. Aspeto curioso, a ausência da Espanha.

Vale a pena perceber o ideário que dava o pano de fundo para esta mostra de orgulho: permitir conhecer melhor a França Ultramarina, encontrar joias turísticas e “sorrisos da fortuna” (linguagem burilada para atrair colonos e investimentos). A exposição decorre sobre o alto patrocínio de um nome sonante, o Marechal Lyautey. Escolheu-se Vincennes para instalar a exposição em 110 hectares. Pensou-se em tudo: nos encargos e nas receitas, nos preços para visitantes, transportes, espaços de lazer e parque de atrações, informações, proximidade do metro.



Foi um êxito retumbante, mostrava-se a Palestina num pavilhão, era uma réplica do túmulo de Raquel, filha de Labão, a esposa preferida de Jacob, mãe dos doze fundadores das tribos judaicas. Havia jardim zoológico. Não se estranha a presença dos Estados Unidos numa Exposição Internacional Colonial em França, queria-se recordar Lafayette e o apoio dado àqueles que lutaram pela independência dos Estados Unidos.



A participação portuguesa teve a coordenação de um nome cimeiro da arquitetura, Raul Lino, desdobrava-se em quatro pavilhões. Um em estilo tardo-medievo, época em que arrancaram os descobrimentos, tinha uma torre quadrada de 36 metros de altura. O segundo pavilhão era alusivo a Afonso de Albuquerque, o fundador da presença portuguesa nas ilhas e os outros dois pavilhões eram documentais, não excluindo a sensibilização para negócios. O jornal O Comércio da Guiné, na sua edição de Abril de 1931, dedicava praticamente o número às potencialidades guineenses, com bastante texto em francês. Lia-se textualmente que nas vitrinas se encontravam expostos os artigos da produção colonial, marcando assim aos fabricantes industriais a atenção para este mercado: amendoim, milho, café, coco, óleo de palma, copra, algodão, sisal, borracha, arroz, mostrava-se um conjunto de cartas com as bacias e os recursos hídricos, as comunicações, a riqueza pecuária, agrícola e sinergética. E o jornal acrescentava: “Com as referidas amostras, a Guiné apresenta o catálogo dos tipos comerciais habitualmente exportados, sendo possível a todos aqueles que se interessarem pelo assunto encontrarem no departamento de informações as estatísticas que o poderão definir a exata situação e posição do valor desse rico mercado exportador. Como elemento subsidiário encontrar-se-á aí também uma relação nominal dos comerciantes e firmas estabelecidas nas colónia com as quais será possível entabular quaisquer negociações. O presente número deste jornal fornece igualmente uma publicidade escolhida das atividades económicas da Guiné Portuguesa. Figura também na exposição um apreciável mostruário artístico e industrial indígena, que além de constituir um ótimo elemento de estudo etnográfico, manifesta o culto aborígene de uma nota expressiva da vida psíquica e denota, através dos mil artefactos que se apresentam a aptidão curiosa destes povos de muitas raças, confiados ao carinhoso predomínio do mais velho colonizador da Europa – o povo português".

Esta exibição de orgulho, mesmo que os promotores da Exposição Colonial do Porto, de 1934, tenham refutado associações, estará presente e bem replicada na primeira grande manifestação colonial do Estado Novo. Por isso, vale a pena revisitá-la.

(Continua)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 30 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17712: Historiografia da presença portuguesa em África (87): A partida do T/T "Mouzinho", em 18/7/1941, em plena II Guerra Mundial, com um contingente militar para reforço da guarnição de Cabo Verde... Salazar assistiu pessoalmente ao desfile e embarque das tropas expedicionárias. Despedida emocionante, no cais da Rocha Conde de Óbidos, com uma nuvem de lenços brancos a acenar...

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17771: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XIII: EUA, Hawai, Honolulu, 9/10/2016



EUA, Hawai, Honolulu > Waikiki

Parte XIII (Segundo volume, pp. 12-14)


Texto, fotos e legendas: © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Continuação da publicação das crónicas da "viagem à volta ao mundo em 100 dias", do nosso camarada António Graça de Abreu, escritor, poeta, sinólogo, ex-alf mil SGE,CAOP 1 [Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74], membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com cerca de 200 referências.

É casado com a médica chinesa Hai Yuan e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais. 

Neste cruzeiro à volta do mundo, o nosso camarada e a sua esposa partiram do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016. Três semanas depois o navio italiano "Costa Luminosa", com quase três centenas de metros de comprimento, de sair do Mediterrâneo e atravessar o Atlântico, estava no Pacífico, e mais concretamente no Oceano Pacífico, na Costa Rica (21/9/2016) e na Guatemala (24/9/2017), e depois no México (26/9/2017).

2. Na II etapa da "viagem de volta ao mundo", com um mês de cruzeiro  (a primeira parte terá sido "a menos interessante", segundo o escritor), o  "Costa Luminosa" chega os EUA, à costa da Califórnia: San Diego e San Pedro (30/9/2016), Long Beach (1/10/2016), Los Angeles (30/9/2016) e São Francisco (3/4/10/2017).  No dia  9, estão em Honolulu, Hawai, território norte-americano. A próxima etapa será a Polinésia.

Ainda segundo informação do António, estas crónicas estão em vias de ser publicadas em livro, com novas fotos e textos mais elaborados.






__________

Guiné 61/74 - P17770: (De) Caras (95): O AVC na primeira pessoa e o processo de recuperação e reintegração (José Saúde)


 Lisboa > Avenida da Liberdade > Fórum Tivoli nº 180, 1º piso > Chiado Café Concerto > 10 de setembro, domingo, 17h30 / 19h00 > Sessão de lançamento do livro do José Saúde, "AVC - A recuperação do guerreiro da liberdade" > O autor no uso da palavra.

Foto (e legenda) : ©  Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Texto do José Saúde, lido pelo próprio na apresentação do seu último livro

AVC - Acidente Vascular Cerebral

por José Saúde

[ex-fur mil op esp/rangerl, CCS / BART 6523 (Nova Lamego/Gabu, 1973/74); vive em Beja]

(i) Vítima na madrugada de 27 de julho de 2006, com 55 anos, de um acidente vascular cerebral – AVC 

Começo esta dissertação sobre o tema de apresentação da minha última obra – "AVC Recuperação do Guerreiro da Liberdade" – com um pequeno texto de um escritor australiano, Morris West, que me serve como uma chama cintilante na minha ânsia de viver:

“É preciso abraçar o mundo como um amante… É preciso aceitar a dor como condição de existência… É preciso cortejar a dúvida e a escuridão como preço do conhecimento… É preciso ter uma vontade obstinada no conflito, mas também uma capacidade de aceitação total de cada consequência do viver e do morrer”.

Retiro excelentes conclusões desta curta descrição e revejo-me numa luta sobre-humana em cada dia que passa, mas em favor de um amanhã sempre melhor.

Debruçando-me sobre o meu caso pessoal, relato de que fui vítima na madrugada de 27 de julho de 2006, com 55 anos, de um acidente vascular cerebral – AVC – que me deixou entre a vida e a morte. O tempo passou e a verdade é que sou hoje uma pessoa autónoma e determinada para continuar hastear a bandeira de uma inacabada liberdade.

Numa ponderação sobre os fatores de risco que poderão estar na origem de um AVC, casos da diabetes, hipertensão, tabagismo, afirmo jamais fumei um cigarro, obesidade, sedentarismo, álcool, drogas, idade, entre outros fatores propícios a este infortúnio, julgo que a minha situação, até então constatada, não se enquadrava num plano de prevenção, por isso sentia-me ausente de tamanho prejuízo. Todavia, o “mal” bateu-me à porta e paulatinamente fui-o combatendo com uma garra enorme.

(ii) o desafio de reconquistar a autonomia, a autoestima, a cidadania...

Reconheço que transportar as sequelas de um AVC que muito me fustigou, não foi fácil, contudo, lutei com as minhas forças para suprimir obstáculos que quotidianamente se nos deparam. Noto, que a sensibilidade de quem está no outro lado, como nós já tivemos, é dúbia. Não falo no genérico, mas em casos pontuais que muito me revoltam.

Por exemplo: pessoas que chegam e que ocupam um lugar de estacionamento público destinado a deficientes, sendo que este ao chegar vê o senhor, ou a senhora, sair do seu veículo lançando um subtil olhar e um frágil sorriso nos lábios para aquele companheiro que ficou sem possibilidades de um lugar que justamente lhe pertence. Ou, de um lugar devidamente identificado e constantemente assaltado. Mas atenção que esse devaneio já é contemplado como uma infração ao código da estrada.

Exprimo, também, que neste deambular de histórias contadas nesta obra, incido a minha experiência pessoal sobre as fracas acessibilidades em alguns dos edifícios públicos.

É verdade que nem todas as situações enveredam pelo mesmo diapasão. Não dispenso é de lançar o meu grito de alerta para aqueles que, por enquanto, descuidam essa certeza.

Neste pausado caminhar deparo-me, com alguma frequência, com um catálogo imenso de pessoas que me consideram como exemplo numa teia humana onde sobressaem gentes inconformadas com o destino que a vida lhes aplicou, sendo a minha situação conduzida ao púlpito pela forma positiva como sempre soube lidar com o direito à liberdade. Não ganhei a guerra mas sucessivas batalhas.

Confesso que o trilho da simplicidade fui eu próprio que o tracei. Desde uma afasia onde as palavras teimavam em não fluir, até a uma luta travada no mundo dos silêncios onde num atroz monólogo surgia uma imensidão de incertezas, foi uma situação difícil de digerir.

Que irá ser de mim? Pensava! Será que voltarei a ser quem era? Será que deixarei a cadeira de rodas? A bengala? Será que irei ser compreendido? E a família aceitar-me-á com as minhas paupérrimas limitações? Será que um dia voltarei a pisar as pedras da calçada e caminhar seguramente numa marcha tranquila? Será que um dia voltarei a conduzir? Será que a vida, tantas vezes cruel, me proporcionará novas etapas e eu voltarei a conviver com os meus amigos, ou a fazer parte de uma sociedade, embora por vezes estigmatizada, mas que sempre me reconheceu? E o maravilhoso mundo do jornalismo onde anos a fio a escrita fez parte do meu dia-a-dia ter-se-á perdido? Respostas que teimavam em cair no limbo do vazio.

Basta de tantas interrogações, interiorizava. E eis que um neurónio considerado herói desmultiplicava-se em variadas tarefas e acordava os irmãos adormecidos em pasmos de santa paciência. No meu horizonte visualizava uma luz que me transportava a uma meta onde ênfase da vitória final era o desfecho desejado.

(iii) a alegria de voltar a conduzir e ter um carro próprio, adaptado

Pelo meio deste meu manso divagar reativei uma ideia que parecia inatingível. Quiçá impensável. Voltar a conduzir e ter um carro próprio. Não foi fácil. Inusitadas burocracias impostas invadiram-me a mente. Uma visita ao médico cuja finalidade era um atestado que narrasse a minha situação, dado que a decisão final seria matéria de uma instância superior, e como resposta um expressivo não. Mandou-me emoldurar a carta de condução e coloca-la na parede. Já não voltava a conduzir. Que decisão tão bárbara e sugerida com uma leviandade tremenda.

Perante a sentença carpi mágoas e as lágrimas escorreram-me pela cara abaixo. Que notícia tão desumana e lançada por um velho amigo. Não me dei por vencido e marquei uma visita no Centro de Mobilidade de Alcoitão. Com um atestado médico, passado agora pelo meu fisiatra, Dr. Carlos Machado, o homem do prefácio desta obra, lá fui sujeito a uma avaliação com duas médicas fisiatras e duas terapeutas ocupacionais. Resultado: o exame foi de tal forma claro que me foi passado um documento para a alteração da carta de condução e a seguir veio uma junta médica que me passou o documento para a aquisição de um veículo.

Adquiri o meu Citroen e com ele já faturei nove anos de condução e de uma cumplicidade indiscritível.

(iv) a escrita que me salvou: nestes 11 anos de AVC já editei seis obras

O universo da escrita nunca o abandonei e nestes 11 anos de AVC já editei mais seis obras, sendo uma delas "AVC Na Primeira Pessoa", agora "AVC Recuperação do Guerreiro da Liberdade". Sublinhe-se que tudo é feito com a mão esquerda. Aquela que se pautou pelo inquebrável silêncio ao longo da minha existência.

Nesta obra procuro desmitificar o mundo dos portadores de AVC. A doença é silenciosa, traiçoeira e não conhece sexos, raças, religiões, credos, cores, idades, ou um outro adjetivo que possamos citar.

Nunca ousei admitir que um dia seria mais um dos muitos pacientes com AVC. Contudo, sinto-me feliz porque no ano de 2006, o do meu AVC, se registaram em Portugal, de hora-a-hora, seis novos casos, sendo metade contabilizados como mortes. Eu sou uma das felizes criaturas neste cosmos terrestre que recusei a certidão de óbito e passei à frente.

(v) a evocação da minha  santa mãe

Possibilitem-me que neste âmbito leia um pequeno texto contido neste meu livro:

“O tempo passava. O travesseiro, habitual companheiro, pugnava pela hostilidade do silêncio. Um silêncio que dizia não à confidencialidade dos meus profundos desabafos. Mantinha-se ausente. Evocava, por força de uma razão maior, a palavra mãe. Sussurrava: Mãe, tu que foste uma mulher com um M bem maiúsculo ajuda-me! Partiste há muito para uma outra vida celestial, mas sei que és agora o espírito que se depara com o sofrimento do filho único que sempre amaste incondicionalmente! Não, não pode ser. Não me abandones. Ajuda-me! Murmurava, desalmadamente… Guardo de pequeno a tua imaculada imagem. Lembro-me, enquanto miúdo, da tua insistência para não faltar à missa e à catequese. Eras uma mulher religiosa. Falavas-me de Deus. Dos milagres feitos por Jesus. Do milagre do pão. Da ressurreição. Dizias-me para ter fé e acreditar. E eu bebia religiosamente as tuas preces. Respeitava, e respeito, as opiniões dos crentes. Absorvi na igreja saberes celestiais que me ensinaram a calcorrear novos caminhos.

"Mais tarde, quando prestava serviço militar, fui mobilizado para a Guiné e tu, na hora da partida para África, encorajaste-me, sabendo eu a dor que envolvia a tua alma. Pediste-me para acreditar na salvação. Respeitei, como não podia deixar de o ser, o teu comovente pedido. Lembro, ainda, a tua cara angelical no momento do adeus. Sustentavas que a fé nunca morre em nós. Move montanhas. O Deus Pai Todo-Poderoso é um Ser Divino que ajuda os necessitados. E eu parti confiante. Fui e voltei em perfeita saúde”…

(vi) a importância dos amigos e camaradas

Uma saúde que agora me atraiçoou. Não desisti e percorro um mundo de onde retiro experiências alucinantes. Volto a um outro curto esboço incluído nesta obra: …

”Num outro âmbito, refiro uma aventura que me levou a libertar energias. Numa noite de agosto do verão de 2010, levado pelo repto do meu grande amigo Fernando Mamede, antigo recordista mundial dos 10.000 metros, em Helsínquia, ao serviço do Sporting Clube de Portugal, um feito que marcou literalmente a história do atletismo luso, passei uma noite numa discoteca em pleno coração algarvio. Não dancei mas ficou a inabalável certeza que as nossas capacidades atuam em absoluto desde que nós sejamos autodeterminados e confiantes em aceitar o “mal” que nos chegou e não fazendo dele (AVC) um princípio para relegarmos as nossas capacidades na hora de mostrarmos aos outros que somos seres íntegros numa sociedade que frequentemente parece rejeitar a nossa débil condição física.

A estonteante algazarra de um espaço onde se misturavam cidadãos anónimos, feitos para a festa, e caras cor-de-rosa das revistas vipes, deleitavam-se perante a música de um disco joker que numa missão de bem servir a clientela se entregava a uma causa de infinitos prazeres. O ritmo da música era francamente estimulante e em simultâneo quebrava momentos de uma jocosa noite de sonhos”…

Sonhos que no meu caso pessoal reforçavam realidades assumidas, embora sentisse que olhares ocos me miravam de lado, alvitrando, talvez, que aquele lugar não era pressupostamente para mim. Engano puro, deduzi. No entanto, nunca me dei e dou por vencido. Sou forte e decidido no caminhar sempre em frente e de cabeça erguida.

(vii) a recusa da condição de "coitadinho"

Faço a minha higiene diária, calço-me, visto-me, desfaço a barba, e traço trajetos próprios. Recuso uma ajuda desde que esta esteja ao meu alcance. Não envergo a pele de cuidado mas sim de cuidador. Rejeito a expressão de coitadinho. Aqui ninguém é coitadinho. Todos iguais mas todos diferentes.

A minha condição física como antigo futebolista – Despertar de Beja, Sporting Clube de Portugal, Desportivo de Beja, FC Serpa e Atlético Aldenovense - completado com a minha especialidade militar de Ranger, tirada em Lamego, a que acresce uma comissão militar na Guiné, para além de mostrar uma saúde considerada de ferro, fazia parte do meu ADN enquanto pessoa que nunca descurou um bem-estar diário.

Hoje, examino, com generosidade, 11 anos de convivência com o meu AVC. O tempo, embora distante com o confronto com o “mal”, não quebrou a minha gentileza em conviver e sobretudo gracejar com as sequelas herdadas. Afirmo, sempre com um profícuo sorriso nos lábios, que o legado trouxe-me novas formas de análise da vida.

Tento ser mais forte a um “mal” que, amiudamente, muito incomoda. Beja, a minha cidade de adoção, é uma urbe situada em plena planície alentejana, sendo o seu clima agreste. As altas temperaturas no verão mexem com o ser humano. Em dias de calor intenso sinto dificuldades na deslocação. As pernas parecem pesar “100 quilos cada”. O cansaço apodera-se do meu corpo mas não desisto.

A hesitação não faz parte do meu ciclo de afinidades com o processo de desistência. Avanço. As pedras da calçada apresentam-se como inimigas, todavia, consigo dar a volta ao texto e à velocidade de caracol lá caminho rumo ao alvo previamente traçado.

Coxeio, não nego, tropeço mas evito a queda e faço do percurso mais uma rixa vencida. Esta será sempre a minha fé enquanto partilhar este recanto de um universo terrestre e desigual.

O inverno não é nada meigo. Protejo-mo, sem que recorra a um guarda chupa difícil em manejar, mas a um chapéu que me tapa a cabeça e a casacos que me abrigam o corpo.

Seria injusto que neste flutuar pela convivência diária com o meu AVC, não citasse um rol de técnicos especializados que muito me ajudaram em proveito da minha recuperação. A área médica, a fisioterapia, terapia da fala, terapeutas ocupacionais, a enfermagem, os assistentes, entre outras especialidades pelas quais passei, foram simplesmente excecionais. Além disso, o meu internamento durante um mês no Centro de Medicina do Sul em São Brás de Alportel, foi muito importante neste período agreste da uma vida feita solitariamente.

Em São Brás de Alportel fui sujeito a uma fisioterapia intensiva onde o trabalho do dia-a-dia se prolongava por horas a fio. Naquele Centro tive, pela primeira vez, o contacto com a água. Uma experiência extraordinária que visou mexer com partes afetadas e procurar reativar músculos adormecidos. Valeu a pena esta minha estadia em terras algarvias.

Concluindo:

Somos uma ínfima partícula de uma confraria onde o assimilar a fatalidade do próximo parece frágil, subentendendo-se que, neste estado de graça, o nosso futuro é literalmente uma inevitável incógnita. O meu AVC restringiu-me a uma limitadíssima linha de fronteira entre o viver e o morrer. Sobrevivi. Recuperei e cá estou pronto para lançar mais uma obra que narra um mundo de experiências e que partilho com os companheiros deste revés. Obrigado, a todos pela vossa presença.

José Saúde

[Revisão/fixação de texto e subtítulos: LG]
__________

Notas do editor:


Guiné 61/74 - P17769: "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", brochura de 2002, da autoria do nosso camarada Gabriel Moura do Pel Mort 19 (23): Págs. 177 a 184

Capa da brochura "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra"

Gabriel Moura

1. E assim damos por finda a publicação do trabalho em PDF do nosso camarada Gabriel Moura, "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", enviado ao Blogue por Francisco Gamelas (ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 3089, Teixeira Pinto, 1971/73).


FIM
____________

Nota do editor

Últimos 11 postes da série de:

4 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17649: "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", brochura de 2002, da autoria do nosso camarada Gabriel Moura do Pel Mort 19 (11): Págs. 81 a 88

8 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17657: "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", brochura de 2002, da autoria do nosso camarada Gabriel Moura do Pel Mort 19 (12): Págs. 89 a 96

11 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17664: "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", brochura de 2002, da autoria do nosso camarada Gabriel Moura do Pel Mort 19 (13): Págs. 97 a 104

15 de Agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17671: "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", brochura de 2002, da autoria do nosso camarada Gabriel Moura do Pel Mort 19 (14): Págs. 105 a 112

18 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17680: "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", brochura de 2002, da autoria do nosso camarada Gabriel Moura do Pel Mort 19 (15): Págs. 113 a 120

22 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17690: "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", brochura de 2002, da autoria do nosso camarada Gabriel Moura do Pel Mort 19 (16): Págs. 121 a 128

25 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17697: "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", brochura de 2002, da autoria do nosso camarada Gabriel Moura do Pel Mort 19 (17): Págs. 129 a 136

29 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17710: "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", brochura de 2002, da autoria do nosso camarada Gabriel Moura do Pel Mort 19 (18): Págs. 137 a 144

1 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17719: "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", brochura de 2002, da autoria do nosso camarada Gabriel Moura do Pel Mort 19 (19): Págs. 145 a 152

5 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17732: "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", brochura de 2002, da autoria do nosso camarada Gabriel Moura do Pel Mort 19 (20): Págs. 153 a 160

8 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17744: "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", brochura de 2002, da autoria do nosso camarada Gabriel Moura do Pel Mort 19 (21): Págs. 161 a 168

12 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17757: "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", brochura de 2002, da autoria do nosso camarada Gabriel Moura do Pel Mort 19 (22): Págs. 169 a 176

Guiné 61/74 - P17768: Notas de leitura (995): “a sorte de ter medo”, por Gustavo Pimenta, Palimage, 2017 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Setembro de 2017:

Queridos amigos,
Desconheço que exista descrição tão minuciosa como a que Gustavo Pimenta faz do período de 1968 até à retirada de Madina de Boé, no início de Fevereiro do ano seguinte. Quando chegam, ao fim da primeira semana, até duvidavam do que lhes tinham dito sobre aquele tão temível local.
Iremos viver uma escalada de flagelações, haverá compassos de espera, até tudo deflagrar em fogo em qualquer hora, o comandante de companhia ainda irá tentar uma série de expedientes para fazer regressar à normalidade a existência daqueles homens permanentemente acossados. Spínola decide ainda em 1968 a retirada de Béli e em Fevereiro retira-se de Madina de Boé.
Iremos seguidamente falar de uma tragédia que marcou indelevelmente quem a ela sobreviveu.

Um abraço do
Mário


Um impressionante relato sobre a retirada de Béli e Madina de Boé (2)

Beja Santos

Em “a sorte de ter medo”, romance de Gustavo Pimenta, Palimage, 2017, temos a rara oportunidade de conhecer o sofrimento de quem combateu no Boé, o autor lá viveu no ano 1968, estará de férias em Fevereiro de 1969, quando ocorrerá o desastre da jangada em direção a Ché-Ché, no rio Corubal, que vitimou 47 militares.

Acompanhámos os antecedentes de um percurso que começa no alto Minho até imprevistamente chegar ao mais temível dos locais, Madina do Boé.

Três grupos de combate vão para Madina, um outro seguirá para Béli. De Ché-Ché faz-se a cambança para a outra margem, sobrevoam os bombardeiros T6, a transferência de toda a coluna demora o dia inteiro, pica-se pormenorizadamente o terreno, a proteção aérea é constante, nas bermas há carcaças de viaturas destroçadas em operações anteriores, ao fim da tarde, sem incidentes, chega-se ao local, no dia seguinte a coluna volta para Nova Lamego, começa a adaptação de Gustavo Pimenta e seus camaradas. Apresenta-nos Madina: “Está num vale, entre pequenas elevações montanhosas, únicas na Guiné. A população é maioritariamente Fula, distribui-se por uma meia centena de habitações tradicionais. No início da atividade de guerrilha fora para lá deslocada uma secção de tropa. Com o evoluir da guerra, passa a ser defendida por um grupo de combate e por um grupo de milícia local. À medida que a situação piora, o efetivo passa para uma companhia, que vem a ficar instalada em abrigos semi-subterrâneos, construído ao redor de todo o perímetro da aldeia. No interior são construídos abrigos idênticos para refúgio da população durante os ataques, população que cultiva pequenas porções de terreno em volta das suas habitações. Com o decorrer do tempo, acaba por se formar um aquartelamento fortificado no vale, em forma de tosco quadrado com cerca de 400 metros de largo, sem nenhuma defensa nas elevações em volta”.

É cuidadoso no detalhe, na apresentação do quartel. Nos primeiros dias, tudo decorre com serenidade, fazem patrulhamentos, não há a menor novidade nem sinais do inimigo. Passada uma semana, ao anoitecer há três disparos de armas pesadas, o PAIGC apresenta-se, mas tudo parece que irá decorrer normalmente, chega-se mesmo a pôr em dúvida a apregoada perigosidade do local. Os sonhos esmorecem rapidamente, começam os ataques a qualquer hora do dia, os guerrilheiros estão nos montes, gozam de muita impunidade. A tensão vai crescendo, durante 12 dias o inimigo não dá sinal de si, o pessoal já joga à malha e sai descontraído dos abrigos. Depois recomeçam os ataques. Novo período de calma, durante mais de um mês e meio não há flagelações com armas pesadas, passam-se 15 dias sem se estabelecer com qualquer contacto. A 13 de Março, recomeçam as flagelações com canhão sem recuo, não há baixas nem ferimentos. Béli parece viver em amena tranquilidade mas subitamente a situação muda, os ataques sucedem-se às horas mais desencontradas e inesperadas. O mês de Abril de 1968 introduz uma novidade: um ataque a Béli ao nascer do dia e a Madina ao anoitecer, será um mês de enlouquecer, qualquer coluna de reabastecimento é uma terrível operação. A alimentação é diretamente proporcional ao isolamento: massa, arroz e conservas, quando chega Spínola à Guiné, Madina irá receber de vez em quando frutas e legumes. “Seguindo a determinação do capitão, quando acontece a vinda de frescos, é feito o rateio: primeiro para os soldados, depois para os sargentos e só no fim, se der, para os oficiais. Assim se come meia maçã ou um pouco de grelos cozidos”.

Deixou de haver equívocos: Madina, tal como Béli em menor escala, está transformada numa carreia de tiro, as flagelações com armas pesadas passam a ser diárias, menos quando se sai nas proximidades para recolher lenha, o inimigo não dá tréguas. Em Junho, Spínola começa a tomar decisões para o abandono de Béli, que decorre sob a proteção de dois T6 que acompanham um longo comboio de viaturas, um dos aviões acidenta-se, estala o pandemónio, depois de uma áspera discussão a coluna retoma a sua missão e chega a Béli ao cair da noite, sendo recebida pelo fogo inimigo de armas ligeiras. O regresso faz-se sem novidades, com a chegada do grupo de combate e da milícia acantonados em Béli, reorganiza-se a distribuição do efetivo.

Não há descanso em Madina, o pessoal que circula pelo aquartelamento é alvo de tiros isolados e de roquetadas. Chega um grupo de paraquedistas sob o comando de um tenente e com a missão específica de tentar neutralizar os atiradores de armas ligeiras que tornam infernal o quotidiano no quartel. Os Páras travam combate, o tenente é ferido com uma rajada nas coxas. As flagelações com armas pesadas não abrandam, os Páras vão-se embora. Tudo vai perdendo normalidade, o comandante de companhia procura animar as suas tropas, fazem fotografias de todo o pessoal, executam postais de boas festas, a energia elétrica é levada a todos os cantos do quartel, o correio não falta, o aniversário de cada militar é sempre ensejo para festejo. O ano de 1969 anuncia-se com a retirada de Madina de Boé, a retirada acontecerá num só dia, até lá é necessário manter as condições de defesa e a operacionalidade da companhia, o narrador está de férias, tudo quanto irá descrever é contado por outros. Quem comanda a operação é o comandante de agrupamento de Bafatá, a 4 de Fevereiro, uma enorme coluna sai de Nova Lamego enquadrada por duas companhias e assim se chega ao Ché-Ché, faz-se a travessia, há uma nova jangada sustentada em barcaças de engenharia militar. Em 5 de Fevereiro os militares abandonam Madina, a estrada é cuidadosamente picada, chega-se à margem do rio Corubal a meio da tarde. Em cada viagem é levada uma ou duas viaturas, começou-se pela população civil. Na margem do destino, em Ché-Ché, são montados os morteiros 81 retirados de Madina, ficam apontados para as imediações da concentração das tropas e viaturas na outra margem. Com morosidade, a travessia concretiza-se, de vez em quando é necessário despejar a água que com o peso do movimento da jangada se vai acumulando nas barcaças de suporte. Cai a noite, a operação continua. Ao amanhecer são poucas as viaturas e tropa que ainda falta transportar.

(Continua)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 11 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17756: Notas de leitura (994): “a sorte de ter medo”, por Gustavo Pimenta, Palimage, 2017 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17767: Parabéns a você (1315): Manuel José Ribeiro Agostinho, ex-Soldado Radiotelegrafista, CCS/QG/CTIG (Guiné, 1968/70)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 11 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17754: Parabéns a você (1314): Adolfo Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796 (Guiné, 1970/72)

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17766: Tabanca Grande (446): António Acílio Quelhas Antunes Azevedo, ex-Cap Mil, CMDT da 1.ª CCAV/BCAV 8320/72 (Bula) e da CCAÇ 17 (Binar), 1973/74, que passa a ocupar o lugar n.º 754 da tertúlia

Monte Real - 29ABR2017 - XII Encontro da Tabanca Grande - Acílio Azevedo, à direita na foto, em conversa com o camarada Manuel Luís Lomba


 
1. Mensagem do nosso camarada e novo amigo tertuliano, ANTÓNIO ACÍLIO Quelhas Antunes AZEVEDO, ex-Cap Mil, CMDT da 1.ª CCAV/BCAV 8320/72 (Bula) e da CCAÇ 17 (Binar), 1973/74, dirigida ao nosso editor Luís Graça em 13 de Setembro de 2017:

Boa noite Dr. Luís Graça:

Em referência ao s/ mail de 27 de Julho último, de acordo com o solicitado, ainda que com algum atraso, envio o meu CV.

a) Nome: António Acílio Quelhas Antunes Azevedo
b) Nascimento 28.05.1943;
c) Naturalidade: Maia, distrito do Porto;
d) Habilitações académicas: Licenciatura em Engenharia Civil (que exerci como profissão liberal);
e) Actividade profissional: Técnico Superior da Direcção Geral das Alfândegas e colocado na Alfândega do Porto, de 1971 a 2004, chefiando em períodos distintos a Delegação Aduaneira de Leixões e o Sector de Controlo dos Impostos Especiais sobre o Consumo (vertente dos combustíveis);
f) Cumprimento do serviço militar obrigatório como Cadete, Aspirante Miliciano e Alferes Miliciano, entre Maio de 1966 e Setembro de 1969, sucessivamente, em Mafra (EPI), em Bragança (BCAC 3) e Porto (RI 6), período durante o qual fui obrigado a interromper a minha licenciatura;
f) Em Março de 1973, fui novamente notificado para que como Tenente Miliciano, frequentasse o curso de promoção a Capitão Miliciano (CPC), tendo em Setembro desse mesmo ano sido destacado para prestar serviço na antiga colónia portuguesa da Guiné, onde estive inicialmente a comandar, em Pete/Bula, a 1.ª Companhia do BCAV 8320/72 durante cerca de 2/3 meses, aguardando a chegada da metrópole de um novo Comandante, para depois, e durante cerca de 7/8 meses passar a comandar a CCAÇ 17, em Binar, constituída por 23 militares continentais e 144 militares naturais da Guiné;
g) Aposentado da Função Pública desde Abril de 2004;
h) Desde essa data, exerço, como voluntário, a função de Secretário da Direcção da Associação Humanitária de Matosinhos e Leça da Palmeira - Bombeiros Voluntários, prestando ainda como voluntário apoio no Serviço de Urgência do Hospital de Pedro Hispano em Matosinhos, às sextas-feiras.

Junto a um memorial construído em honra dos nossos militares que ali prestaram serviço e ali falecidos, com 2 militares da CCAÇ 17

Conversando com o Major Dick Daring, responsável pela base do PAIGC no Choquemone, localizada cerca de 5/6 quilómetros a noroeste de Binar e que ali veio várias vezes. A pedido do Comandante do BCAV 8320/72, acompanhei-o a locais onde existia população nativa junto dos nossos aquartelamentos (casos de Bula; Biambe e Bissorã)

Um forte abraço
António Acílio Azevedo

************

2. Comentário do editor CV:

Caro Acílio, caro vizinho,
Bem-vindo à nossa Tabanca Grande, ponto de encontro e repositório de memórias dos combatentes da Guiné.
Uma das muitas, e "muito rígidas" normas da tertúlia, diz que entre camaradas que fomos e ainda somos, independentemente da idade; do antigo posto no tempo da Guiné, ou actual; habilitações académicas; profissão e outras possíveis e inadmissíveis, aqui, diferenças sociais, o tratamento é por tu. Entre nós os dois, particularmente, que nos conhecemos há algum tempo, vamos manter a forma como nos tratamos em Leça.
Voltando à norma, na próxima vez que se dirija ao Luís, tem de abolir o "doutor" e tratá-lo com o como mandam as NEPs, ou seja por tu, como toda a malta faz. Posso garantir que esta forma não acarreta menos respeito mútuo, antes aproxima e permite uma troca de ideias mais franca e desinibida.

Claro que é um prazer ser eu a receber o Acílio na nossa Caserna Virtual, onde espero que encontre um lugar confortável, a partir do qual possa comentar, sempre que achar oportuno, as publicações que diariamente saem na nossa página. Há já algum tempo que nos vamos encontrando com alguma frequência, seja no Núcleo de Matosinhos da LC, seja nas diversas cerimónias públicas que se vão organizando em Leça e em Matosinhos, relacionadas, sempre, com a condição de combatentes. Como vizinhos, já que moramos a escassas centenas de metros um do outro, também vamos dando dois dedos de conversa de vez em quando.
Se a memória não me atraiçoa, na nossa tertúlia constam os nomes dos seguintes leceiros (residentes): Abel Santos, António Sampaio, António Maria, Ernesto Ribeiro, José Carlos Neves, Ribeiro Agostinho, Carlos Vinhal e agora o Acílio Azevedo. Recentemente ficámos sem o nosso amigo José Eduardo Alves (o Leça, como era conhecido na sua Companhia).
Se faltar alguém que se acuse.

Para que conste, o Acílio é um frequentador assíduo da Tabanca de Matosinhos, e muito recentemente visitou a Guiné-Bissau integrado num grupo de malta que quis ir matar saudades e reencontrar amigos.
Essa visita deu origem a um trabalho do Acílio que já nos chegou às mãos. Vamos em breve começar a publicá-lo, conforme combinado com o Luís Graça, faltando, ao que sei, alguns pormenores quanto à origem de algumas das fotos lá apresentadas. Na verdade, no Blogue temos sempre o cuidado de respeitarmos a propriedade intelectual do material publicado.

Caro Acílio, acho que está tudo dito, este blogue, nas pessoas dos seus editores, fica ao dispor para receber e publicar fotos e textos, fruto da sua vivência por terras da Guiné, naqueles tempos mais conturbados antes da independência.

É da praxe deixar um abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores. Aqui fica.

Abraço pessoal do
Carlos Vinhal
____________

Nota do editor

Último poste da série de 5 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17734: Tabanca Grande (445): José Luís Pombo Rodrigues (1934-2017), o mítico comandante Pombo... Nosso grã-tabanqueiro, a título póstumo, fica connosco, à sombra do nosso sagrado poilão, sob o nº 752

Guiné 61/74 - P17765: (In)citações (111): Lembrando Setembro, o mês comemorável da Guiné, a sua Libertação, que intrujou todo o mundo e todo o mundo se deixou intrujar e os seus improváveis heróis (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703)

Nuno Tristão
Com a devida vénia a AdBissau.Org

1. Em mensagem datada de 13 de Setembro de 2017, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, BissauCufar e Buruntuma, 1964/66) enviou-nos este artigo de opinião para publicação:


Lembrando Setembro, o mês comemorável da Guiné, a sua Libertação, que intrujou todo o mundo e todo o mundo se deixou intrujar e os seus improváveis heróis

Por Manuel Luís Lomba

A minha memória da Guerra da Guiné anda associada à lembrança das suas “mentiras revolucionárias” e das duas utopias, responsáveis directas e indirectas, da imolação dos seus milhares de vítimas - homens, mulheres e crianças: a de que a Guiné continuaria a ser dos portugueses, de um lado; e a de que os guineenses empreendiam a sua libertação, do outro. Um chamamento do além, à evocação se “valeu a pena?” ou ao piedoso respeito pelos que derramaram o seu sangue por ela?

A Guerra da Libertação da Guiné foi o meu (nosso) passado de mocidade, o nosso futuro próximo é estarmos todos mortos e, neste mês de Setembro, efeméride da Declaração unilateral da independência e do seu reconhecimento por Portugal, seja-me permitido evocar alguns dos seus acontecimentos e evidências.

Nuno Tristão chegado à Guiné, diz o cronista que na missão da “busca certa de informação e sabedoria daquelas partes” e foi morto pelos Mandingas pré-cabralinos, em Setembro; o reconhecimento da posse exclusiva da Guiné, pelos Reis Católicos da Espanha e pelo Papa de Roma, foi em Setembro; Amílcar Cabral nasceu em Setembro; o PAIGC foi fundado em Setembro; Amílcar Cabral fez a parceria do PAIGC com a União Soviética, em Setembro; as acções de sabotagem pelo PAIGC, adventícias da guerra da Guiné, tiveram início em Setembro; a declaração unilateral da sua independência, “nas colinas do Boé”, foi em Setembro; a demissão do general Spínola, que levantou e reforçou o moral combativo ao PAIGC, foi em Setembro; a fundação do MFA, a substância activa do PAIGC replicada nas Forças Armadas Portuguesas, foi na Guiné e em Setembro; a formação da Comissão Coordenadora do MFA, o mais eficiente “comité libertador” da Guiné, foi em Setembro; e o reconhecimento da independência da Guiné por Portugal, foi em Setembro; etc.

O apoio da Oposição sistemática ao regime do Estado Novo, o fenómeno eleitoral Humberto Delgado - a Guiné votou-o a PR - e aquele “massacre” no cais do Pidjiquiti, estereótipo das consequências das greves musculadas, foram o lastro para Amílcar Cabral começar a Guerra da Guiné. Mal começara o aliciamento de combatentes e já os apoios morais e materiais de todo o mundo lhe abundavam. Grande era o efeito multiplicador das adesões, com a sua eficiência subversiva, no desempenho de alto funcionário do governo colonial e pelo poder da mensagem que dirigia aos contactados, de que transformaria a Guiné, de pobre e atrasada colónia portuguesa, na Suíça da África; e, a seu exemplo, o seu núcleo duro de combatentes foi formado por soldados e graduados da guarnição militar da Guiné, no activo e na disponibilidade.

Levou com ele os primeiros 30 a tirocinar na China, devolvidos com os cérebros lavados e como operacionais preparados para a guerra de guerrilhas. E foi essa malta, iniciada na arte militar nos quartéis da guarnição da Guiné que, ao longo de 11 anos, saberá comer as papas na cabeça (falta-me expressão mais erudita) aos militares formada nos quartéis, nas Escolas Práticas, nas Academias e nos Altos Estudos Militares das FA de Portugal!
Para desconforto dos tabus do lado deles e das más-línguas do nosso lado, segundo as quais a longevidade da Guerra da Guiné aconteceu por interesses carreiristas e pelos estipêndios da quase generalidade dos militares profissionais, não me permito a omitir que os principais comandantes do PAIGC não só eram bem pagos (em escudos, dólares ou coroas suecas?) e bem prendados, relógios de ouro Rolex inclusive, mas também, sem qualquer preparação, se alcandoraram aos altos cargos do novel Estado da Guiné-Bissau!
Isso pela unidade e luta ou a génese da corrupção, responsável pelo falhanço da Guiné-Bissau como Estado?

A partir de 1961, os dirigentes de Lisboa viraram-se para Angola “é nossa” e o PAIGC foi-se instituindo e instalando no arquipélago do Como, formado por três ilhas, separadas entre si apenas na maré alta, onde foi crescendo, em subversão, orgânica e como base de guerra, posto em sossego, pela cumplicidade da autoridade colonial de Catió, desempenhada por um militante. De feudo do colono Manuel Pinho Brandão e por bravata de Nino Vieira, aquele arquipélago passou a República Independente do Como, com a capital na tabanca de Cachil, a rádio Brazzaville deu a notícia e a PIDE de Angola alertou as autoridades de Bissau e Lisboa. Naquele tempo, o efectivo paigcista naquele arquipélago seria inferior a 400 combatentes e o efectivo da guarnição militar da Guiné era de cerca de 1800 homens, metropolitanos e naturais, distribuídos pelos três ramos das Forças Armadas.

Tendo partido da base-mãe de Koundara (para não contrariar Skou Touré), 30 km além fronteira, em Janeiro de 1963, um grupo de guerreiros, comandado por um puto guineense de 20 anos, que atendia pelo nome de Arafan Mané, veio fazer o baptismo de fogo, dele e do PAIGC, numa tentativa falhada de assalto ao quartel militar de Tite. O Estado-Maior de Bissau convenceu-se de que as três ilhas eram a mãe dessa guerra, a aviação de Bissalanca passou a bombardear regularmente as copas das suas árvores e um bombardeiro T6, abalroado pela sua parelha, fez uma aterragem de emergência.
A Guerra da Guiné entrava nos seus primórdios e já Amílcar Cabral se antecipava ao seu evoluir e desfecho, a percorrer as arenas internacionais e as chancelarias de Estados, numa diplomacia de propaganda e triunfalista, exibindo o mapa com 2/3 da Guiné libertada, a autoridade colonial circunscrita a Bissau e Safim, provas de aviões abatidos e um piloto de combate aprisionado.

Arvorado em líder dum Partido-armado e de uma guerra política, de efeito dirigido à Comunidade internacional, era mister a Amílcar Cabral formalizá-lo em assembleia constitucional; e, em finais de Dezembro de 1963, marcou o I Congresso do PAIGC para a tabanca de Cassacá, implantada numa densa mata, cercada de bolanhas, quais fossos naturais de fortaleza inacessível, na “área libertada" da ilha do Como, que o seu caudilho dava por inexpugnável.
Nessa mesma altura e dispondo do reforço de meios, vindos da Metrópole e de Angola, o Comandante-Chefe das FA da Guiné, por ordem directa de Salazar, emitiu a directiva da organização e da manobra de uma operação de grande envergadura sobre aquele arquipélago, com a missão de liquidar a situação e a sua causa. Por ironia do destino, os dois eventos decorrerão paralelamente e em proximidade, que só a realidade geográfica da Guiné poderia permitir, primeiro por casualidade e, depois, pela tradicional resiliência cabralina.

Eis dois comandantes-chefes e a sua circunstância – ambos antagónicos ao ditador, ambos favoráveis à negociação e não à guerra: o eng.º agrónomo Amílcar Cabral, ex-alferes miliciano do Exército Português, que havia deixado o emprego para se tirocinar na guerra subversiva na Academia Militar de Pequim, arvorado em líder da guerra independentista da sua terra natal, sustentado pelo ordenado da sua mulher, a eng.ª flaviense Maria Helena Ataíde; e o brigadeiro Louro de Sousa, oficial-general do Exército Português e Comandante-Chefe das FA da Guiné.

Então, em princípios de Janeiro de 1964, o arquipélago do Como foi o objectivo de uma invasão anfíbia, de metodologia semelhança à invasão da Normandia, com o código de “Operação Tridente”, envolvendo o efectivo de cerca de 1200 homens e a panóplia do armamento dos três ramos das FA – Exército, Marinha e Força Aérea. Com os seus escrúpulos de poupar as populações a sobreporem-se ao efeito da surpresa, o Comandante-Chefe mandou que a invasão fosse precedida de dois aviões Dornier de reconhecimento a lançar panfletos sobre o arquipélago, a avisar a metralha que lhes viria da terra, mar e ar.
Assim prevenidos, os cerca de 400 guerreiros nacionalistas do arquipélago do Como, encabeçados por três comandantes, de que apenas sobreviverá Agostinho de Sá, supervisionados pelo felino Nino Viera, estavam para as suas populações “como o peixe para a água”, prepararam-se para festa da recepção. Acontecerá uma metralhada infernal, combates renhidos, sem quartel, e dois aviões de combates derrubados por antiaéreas de grande calibre. Muita bravura e muitos sacrifícios humanos - a bravura mais da parte dos guerrilheiros, os muitos sacrifícios mais da parte da tropa, por maioria de razão.

Na sua consciência de que a fortaleza do Como não passava de quimera revolucionária, a tropa ocupara Cachil e circulava por Cassacá, Amílcar Cabral protelou o congresso, em data a indicar apenas na antevéspera. Atravessou a Guiné com o aludido Arafan Mané, ora seu guarda-costas e manteve a face, confirmando o congresso em Cassacá, não a do Como, mas a do Cubisseco, na península do Cantanhês e mandou Nino Vieira desmobilizar a resistência no Como; e, durante 4 dias, de 13 a 17 de Fevereiro, numa reunião, mais de quadros político-militares que assembleia de massas, estabeleceu orgânicas, ditou directivas e lavrou sentenças de morte. E o PAIGC não deixará de cumprir uma dessas directivas – a execução sumaríssima dos guineenses com ligações à tropa, caídos nas suas garras, assim como dos oposicionistas ou dos que desalinhassem do PAIGC.

Guiné > Região de Tombali > Carta de Cacine (1960) > Escala 1/50.000 > Posição relativa de Cassacá, a 15 km a sul de Cacine, região também como conhecida como Quitafine.

A resistência do Como feneceu, os guerrilheiros sobrevivos esconderam o armamento pesado e dispersaram-se pelo Cantanhês e Cufar, coisa que a guerrilha sabia fazer e a tropa não (veja-se o acontecido em Tancos…) e, ao fim de 71 dias, as forças invasoras retiraram para Bissau. De tão grandiosa, a “Operação Tridente” não passará de solução de continuidade: a Guerra da Guiné continuou em crescimento, em efectivos, armamento e intensidade.

Passados 10 anos, o então Major Otelo Saraiva de Carvalho e o então Capitão Vasco Lourenço, “rapazes” do General Spínola na Guerra da Guiné, descobriram a sua vocação libertadora, naquela madrugada em que se entreajudavam a mudar uma roda do carro em que regressavam de Santarém, qual sua “estrada de Damasco”, de um churrasco desabafo-conspirativo na casa do Capitão Salgueiro Maia, outro “rapaz” da mesma guerra, que aquele general havia injustamente sacrificado e à sua companhia, na batalha de Guidaje, no auge da crise dos “3 G´s” - o contexto gerador da formação do MFA. O Major Otelo receberá a unção dos seus pares, para planear e desencadear a “Operação Mudança de Regime”; e o seu sucesso culminante foi a conclusão da “Operação Tridente”, pela resolução da problemática da Guiné. Foi no dia 25 de Abril de 1974, o Terreiro do Paço, as suas acessibilidades e o Largo Carmo foram os seus palcos principais; parecerá heresia, mas o seu desfecho vitorioso poderá ser creditado ao discernimento e à coragem moral do Coronel Romeiras Júnior, que fora o 2.º Comandante Operacional da “Operação Tridente”, então comandante do RC 7, posicionado no campo contrário. Qual teria sido o desfecho da “Operação Mudança de Regime” se ele, desobedecendo abertamente ao Brigadeiro Junqueira, não tivesse usado os seus galões para impedir que os poderosos canhões dos seus tanques M44 Paton, vindos da Calçada da Ajuda, dizimassem os conjurados Tenente Assunção, Major Jaime Neves, Capitão Salgueiro Maia, os seus subordinados e as suas Chaimite ocupantes do Terreiro do Paço, desprovidas de armamento para se bater com eles.

Em Setembro de 1974, após o reconhecimento por Portugal da independência da Guiné, consumando a sua proclamação pelo PAIGC, no inóspito lugarejo de Lugajole, deu-se a emergência da substância paigcista do MFA – a sua deriva para um PREC (Processo Revolucionário em Curso), réplica do terceiro-mundismo ou de república das bananas, tentativa para que o “Fim do Regime” fizesse um caminho no sentido único de outra dinastia ditatorial, um delírio indigno e que indignou o país: além da sua honrosa história, os portugueses eram de maior idade desde 1128 e Portugal era o segundo país mais antigo da Europa e o terceiro mais antigo do Mundo!
No contexto desse paigcismo, os subsistentes da “Operação Tridente”, actores do dia 25 de Abril e do seu dia seguinte – Brigadeiro Louro de Sousa, Comodoro Paulo Costa Santos, Coronel Fernando Cavaleiro, etc. foram metidos na cadeia; e outros, como os Comandantes Alpoim Calvão, Benjamim Abreu, etc. passaram a foragidos.
Não será politicamente correcto; mas eles foram uns heróis, improváveis, da independência da Guiné.
E assim começou o futuro da República da Guiné-Bissau.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 12 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17666: (In)citações (110): À procura de… Luís Vassalo Rosa, arquiteto e comandante da CART 1661 (Mário Beja Santos)