Foto (e legenda) : © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].
1. Texto do José Saúde, lido pelo próprio na apresentação do seu último livro
AVC - Acidente Vascular Cerebral
por José Saúde
[ex-fur mil op esp/rangerl, CCS / BART 6523 (Nova Lamego/Gabu, 1973/74); vive em Beja]
[ex-fur mil op esp/rangerl, CCS / BART 6523 (Nova Lamego/Gabu, 1973/74); vive em Beja]
(i) Vítima na madrugada de 27 de julho de 2006, com 55 anos, de um acidente vascular cerebral – AVC
Começo esta dissertação sobre o tema de apresentação da minha última obra – "AVC Recuperação do Guerreiro da Liberdade" – com um pequeno texto de um escritor australiano, Morris West, que me serve como uma chama cintilante na minha ânsia de viver:
Começo esta dissertação sobre o tema de apresentação da minha última obra – "AVC Recuperação do Guerreiro da Liberdade" – com um pequeno texto de um escritor australiano, Morris West, que me serve como uma chama cintilante na minha ânsia de viver:
“É preciso abraçar o mundo como um amante… É preciso aceitar a dor como condição de existência… É preciso cortejar a dúvida e a escuridão como preço do conhecimento… É preciso ter uma vontade obstinada no conflito, mas também uma capacidade de aceitação total de cada consequência do viver e do morrer”.
Retiro excelentes conclusões desta curta descrição e revejo-me numa luta sobre-humana em cada dia que passa, mas em favor de um amanhã sempre melhor.
Debruçando-me sobre o meu caso pessoal, relato de que fui vítima na madrugada de 27 de julho de 2006, com 55 anos, de um acidente vascular cerebral – AVC – que me deixou entre a vida e a morte. O tempo passou e a verdade é que sou hoje uma pessoa autónoma e determinada para continuar hastear a bandeira de uma inacabada liberdade.
Numa ponderação sobre os fatores de risco que poderão estar na origem de um AVC, casos da diabetes, hipertensão, tabagismo, afirmo jamais fumei um cigarro, obesidade, sedentarismo, álcool, drogas, idade, entre outros fatores propícios a este infortúnio, julgo que a minha situação, até então constatada, não se enquadrava num plano de prevenção, por isso sentia-me ausente de tamanho prejuízo. Todavia, o “mal” bateu-me à porta e paulatinamente fui-o combatendo com uma garra enorme.
(ii) o desafio de reconquistar a autonomia, a autoestima, a cidadania...
Reconheço que transportar as sequelas de um AVC que muito me fustigou, não foi fácil, contudo, lutei com as minhas forças para suprimir obstáculos que quotidianamente se nos deparam. Noto, que a sensibilidade de quem está no outro lado, como nós já tivemos, é dúbia. Não falo no genérico, mas em casos pontuais que muito me revoltam.
Por exemplo: pessoas que chegam e que ocupam um lugar de estacionamento público destinado a deficientes, sendo que este ao chegar vê o senhor, ou a senhora, sair do seu veículo lançando um subtil olhar e um frágil sorriso nos lábios para aquele companheiro que ficou sem possibilidades de um lugar que justamente lhe pertence. Ou, de um lugar devidamente identificado e constantemente assaltado. Mas atenção que esse devaneio já é contemplado como uma infração ao código da estrada.
Exprimo, também, que neste deambular de histórias contadas nesta obra, incido a minha experiência pessoal sobre as fracas acessibilidades em alguns dos edifícios públicos.
É verdade que nem todas as situações enveredam pelo mesmo diapasão. Não dispenso é de lançar o meu grito de alerta para aqueles que, por enquanto, descuidam essa certeza.
Neste pausado caminhar deparo-me, com alguma frequência, com um catálogo imenso de pessoas que me consideram como exemplo numa teia humana onde sobressaem gentes inconformadas com o destino que a vida lhes aplicou, sendo a minha situação conduzida ao púlpito pela forma positiva como sempre soube lidar com o direito à liberdade. Não ganhei a guerra mas sucessivas batalhas.
Confesso que o trilho da simplicidade fui eu próprio que o tracei. Desde uma afasia onde as palavras teimavam em não fluir, até a uma luta travada no mundo dos silêncios onde num atroz monólogo surgia uma imensidão de incertezas, foi uma situação difícil de digerir.
Que irá ser de mim? Pensava! Será que voltarei a ser quem era? Será que deixarei a cadeira de rodas? A bengala? Será que irei ser compreendido? E a família aceitar-me-á com as minhas paupérrimas limitações? Será que um dia voltarei a pisar as pedras da calçada e caminhar seguramente numa marcha tranquila? Será que um dia voltarei a conduzir? Será que a vida, tantas vezes cruel, me proporcionará novas etapas e eu voltarei a conviver com os meus amigos, ou a fazer parte de uma sociedade, embora por vezes estigmatizada, mas que sempre me reconheceu? E o maravilhoso mundo do jornalismo onde anos a fio a escrita fez parte do meu dia-a-dia ter-se-á perdido? Respostas que teimavam em cair no limbo do vazio.
Basta de tantas interrogações, interiorizava. E eis que um neurónio considerado herói desmultiplicava-se em variadas tarefas e acordava os irmãos adormecidos em pasmos de santa paciência. No meu horizonte visualizava uma luz que me transportava a uma meta onde ênfase da vitória final era o desfecho desejado.
(iii) a alegria de voltar a conduzir e ter um carro próprio, adaptado
Pelo meio deste meu manso divagar reativei uma ideia que parecia inatingível. Quiçá impensável. Voltar a conduzir e ter um carro próprio. Não foi fácil. Inusitadas burocracias impostas invadiram-me a mente. Uma visita ao médico cuja finalidade era um atestado que narrasse a minha situação, dado que a decisão final seria matéria de uma instância superior, e como resposta um expressivo não. Mandou-me emoldurar a carta de condução e coloca-la na parede. Já não voltava a conduzir. Que decisão tão bárbara e sugerida com uma leviandade tremenda.
Perante a sentença carpi mágoas e as lágrimas escorreram-me pela cara abaixo. Que notícia tão desumana e lançada por um velho amigo. Não me dei por vencido e marquei uma visita no Centro de Mobilidade de Alcoitão. Com um atestado médico, passado agora pelo meu fisiatra, Dr. Carlos Machado, o homem do prefácio desta obra, lá fui sujeito a uma avaliação com duas médicas fisiatras e duas terapeutas ocupacionais. Resultado: o exame foi de tal forma claro que me foi passado um documento para a alteração da carta de condução e a seguir veio uma junta médica que me passou o documento para a aquisição de um veículo.
Adquiri o meu Citroen e com ele já faturei nove anos de condução e de uma cumplicidade indiscritível.
(iv) a escrita que me salvou: nestes 11 anos de AVC já editei seis obras
O universo da escrita nunca o abandonei e nestes 11 anos de AVC já editei mais seis obras, sendo uma delas "AVC Na Primeira Pessoa", agora "AVC Recuperação do Guerreiro da Liberdade". Sublinhe-se que tudo é feito com a mão esquerda. Aquela que se pautou pelo inquebrável silêncio ao longo da minha existência.
Nesta obra procuro desmitificar o mundo dos portadores de AVC. A doença é silenciosa, traiçoeira e não conhece sexos, raças, religiões, credos, cores, idades, ou um outro adjetivo que possamos citar.
Nunca ousei admitir que um dia seria mais um dos muitos pacientes com AVC. Contudo, sinto-me feliz porque no ano de 2006, o do meu AVC, se registaram em Portugal, de hora-a-hora, seis novos casos, sendo metade contabilizados como mortes. Eu sou uma das felizes criaturas neste cosmos terrestre que recusei a certidão de óbito e passei à frente.
(v) a evocação da minha santa mãe
Possibilitem-me que neste âmbito leia um pequeno texto contido neste meu livro:
“O tempo passava. O travesseiro, habitual companheiro, pugnava pela hostilidade do silêncio. Um silêncio que dizia não à confidencialidade dos meus profundos desabafos. Mantinha-se ausente. Evocava, por força de uma razão maior, a palavra mãe. Sussurrava: Mãe, tu que foste uma mulher com um M bem maiúsculo ajuda-me! Partiste há muito para uma outra vida celestial, mas sei que és agora o espírito que se depara com o sofrimento do filho único que sempre amaste incondicionalmente! Não, não pode ser. Não me abandones. Ajuda-me! Murmurava, desalmadamente… Guardo de pequeno a tua imaculada imagem. Lembro-me, enquanto miúdo, da tua insistência para não faltar à missa e à catequese. Eras uma mulher religiosa. Falavas-me de Deus. Dos milagres feitos por Jesus. Do milagre do pão. Da ressurreição. Dizias-me para ter fé e acreditar. E eu bebia religiosamente as tuas preces. Respeitava, e respeito, as opiniões dos crentes. Absorvi na igreja saberes celestiais que me ensinaram a calcorrear novos caminhos.
"Mais tarde, quando prestava serviço militar, fui mobilizado para a Guiné e tu, na hora da partida para África, encorajaste-me, sabendo eu a dor que envolvia a tua alma. Pediste-me para acreditar na salvação. Respeitei, como não podia deixar de o ser, o teu comovente pedido. Lembro, ainda, a tua cara angelical no momento do adeus. Sustentavas que a fé nunca morre em nós. Move montanhas. O Deus Pai Todo-Poderoso é um Ser Divino que ajuda os necessitados. E eu parti confiante. Fui e voltei em perfeita saúde”…
Retiro excelentes conclusões desta curta descrição e revejo-me numa luta sobre-humana em cada dia que passa, mas em favor de um amanhã sempre melhor.
Debruçando-me sobre o meu caso pessoal, relato de que fui vítima na madrugada de 27 de julho de 2006, com 55 anos, de um acidente vascular cerebral – AVC – que me deixou entre a vida e a morte. O tempo passou e a verdade é que sou hoje uma pessoa autónoma e determinada para continuar hastear a bandeira de uma inacabada liberdade.
Numa ponderação sobre os fatores de risco que poderão estar na origem de um AVC, casos da diabetes, hipertensão, tabagismo, afirmo jamais fumei um cigarro, obesidade, sedentarismo, álcool, drogas, idade, entre outros fatores propícios a este infortúnio, julgo que a minha situação, até então constatada, não se enquadrava num plano de prevenção, por isso sentia-me ausente de tamanho prejuízo. Todavia, o “mal” bateu-me à porta e paulatinamente fui-o combatendo com uma garra enorme.
(ii) o desafio de reconquistar a autonomia, a autoestima, a cidadania...
Reconheço que transportar as sequelas de um AVC que muito me fustigou, não foi fácil, contudo, lutei com as minhas forças para suprimir obstáculos que quotidianamente se nos deparam. Noto, que a sensibilidade de quem está no outro lado, como nós já tivemos, é dúbia. Não falo no genérico, mas em casos pontuais que muito me revoltam.
Por exemplo: pessoas que chegam e que ocupam um lugar de estacionamento público destinado a deficientes, sendo que este ao chegar vê o senhor, ou a senhora, sair do seu veículo lançando um subtil olhar e um frágil sorriso nos lábios para aquele companheiro que ficou sem possibilidades de um lugar que justamente lhe pertence. Ou, de um lugar devidamente identificado e constantemente assaltado. Mas atenção que esse devaneio já é contemplado como uma infração ao código da estrada.
Exprimo, também, que neste deambular de histórias contadas nesta obra, incido a minha experiência pessoal sobre as fracas acessibilidades em alguns dos edifícios públicos.
É verdade que nem todas as situações enveredam pelo mesmo diapasão. Não dispenso é de lançar o meu grito de alerta para aqueles que, por enquanto, descuidam essa certeza.
Neste pausado caminhar deparo-me, com alguma frequência, com um catálogo imenso de pessoas que me consideram como exemplo numa teia humana onde sobressaem gentes inconformadas com o destino que a vida lhes aplicou, sendo a minha situação conduzida ao púlpito pela forma positiva como sempre soube lidar com o direito à liberdade. Não ganhei a guerra mas sucessivas batalhas.
Confesso que o trilho da simplicidade fui eu próprio que o tracei. Desde uma afasia onde as palavras teimavam em não fluir, até a uma luta travada no mundo dos silêncios onde num atroz monólogo surgia uma imensidão de incertezas, foi uma situação difícil de digerir.
Que irá ser de mim? Pensava! Será que voltarei a ser quem era? Será que deixarei a cadeira de rodas? A bengala? Será que irei ser compreendido? E a família aceitar-me-á com as minhas paupérrimas limitações? Será que um dia voltarei a pisar as pedras da calçada e caminhar seguramente numa marcha tranquila? Será que um dia voltarei a conduzir? Será que a vida, tantas vezes cruel, me proporcionará novas etapas e eu voltarei a conviver com os meus amigos, ou a fazer parte de uma sociedade, embora por vezes estigmatizada, mas que sempre me reconheceu? E o maravilhoso mundo do jornalismo onde anos a fio a escrita fez parte do meu dia-a-dia ter-se-á perdido? Respostas que teimavam em cair no limbo do vazio.
Basta de tantas interrogações, interiorizava. E eis que um neurónio considerado herói desmultiplicava-se em variadas tarefas e acordava os irmãos adormecidos em pasmos de santa paciência. No meu horizonte visualizava uma luz que me transportava a uma meta onde ênfase da vitória final era o desfecho desejado.
(iii) a alegria de voltar a conduzir e ter um carro próprio, adaptado
Pelo meio deste meu manso divagar reativei uma ideia que parecia inatingível. Quiçá impensável. Voltar a conduzir e ter um carro próprio. Não foi fácil. Inusitadas burocracias impostas invadiram-me a mente. Uma visita ao médico cuja finalidade era um atestado que narrasse a minha situação, dado que a decisão final seria matéria de uma instância superior, e como resposta um expressivo não. Mandou-me emoldurar a carta de condução e coloca-la na parede. Já não voltava a conduzir. Que decisão tão bárbara e sugerida com uma leviandade tremenda.
Perante a sentença carpi mágoas e as lágrimas escorreram-me pela cara abaixo. Que notícia tão desumana e lançada por um velho amigo. Não me dei por vencido e marquei uma visita no Centro de Mobilidade de Alcoitão. Com um atestado médico, passado agora pelo meu fisiatra, Dr. Carlos Machado, o homem do prefácio desta obra, lá fui sujeito a uma avaliação com duas médicas fisiatras e duas terapeutas ocupacionais. Resultado: o exame foi de tal forma claro que me foi passado um documento para a alteração da carta de condução e a seguir veio uma junta médica que me passou o documento para a aquisição de um veículo.
Adquiri o meu Citroen e com ele já faturei nove anos de condução e de uma cumplicidade indiscritível.
(iv) a escrita que me salvou: nestes 11 anos de AVC já editei seis obras
O universo da escrita nunca o abandonei e nestes 11 anos de AVC já editei mais seis obras, sendo uma delas "AVC Na Primeira Pessoa", agora "AVC Recuperação do Guerreiro da Liberdade". Sublinhe-se que tudo é feito com a mão esquerda. Aquela que se pautou pelo inquebrável silêncio ao longo da minha existência.
Nesta obra procuro desmitificar o mundo dos portadores de AVC. A doença é silenciosa, traiçoeira e não conhece sexos, raças, religiões, credos, cores, idades, ou um outro adjetivo que possamos citar.
Nunca ousei admitir que um dia seria mais um dos muitos pacientes com AVC. Contudo, sinto-me feliz porque no ano de 2006, o do meu AVC, se registaram em Portugal, de hora-a-hora, seis novos casos, sendo metade contabilizados como mortes. Eu sou uma das felizes criaturas neste cosmos terrestre que recusei a certidão de óbito e passei à frente.
(v) a evocação da minha santa mãe
Possibilitem-me que neste âmbito leia um pequeno texto contido neste meu livro:
“O tempo passava. O travesseiro, habitual companheiro, pugnava pela hostilidade do silêncio. Um silêncio que dizia não à confidencialidade dos meus profundos desabafos. Mantinha-se ausente. Evocava, por força de uma razão maior, a palavra mãe. Sussurrava: Mãe, tu que foste uma mulher com um M bem maiúsculo ajuda-me! Partiste há muito para uma outra vida celestial, mas sei que és agora o espírito que se depara com o sofrimento do filho único que sempre amaste incondicionalmente! Não, não pode ser. Não me abandones. Ajuda-me! Murmurava, desalmadamente… Guardo de pequeno a tua imaculada imagem. Lembro-me, enquanto miúdo, da tua insistência para não faltar à missa e à catequese. Eras uma mulher religiosa. Falavas-me de Deus. Dos milagres feitos por Jesus. Do milagre do pão. Da ressurreição. Dizias-me para ter fé e acreditar. E eu bebia religiosamente as tuas preces. Respeitava, e respeito, as opiniões dos crentes. Absorvi na igreja saberes celestiais que me ensinaram a calcorrear novos caminhos.
"Mais tarde, quando prestava serviço militar, fui mobilizado para a Guiné e tu, na hora da partida para África, encorajaste-me, sabendo eu a dor que envolvia a tua alma. Pediste-me para acreditar na salvação. Respeitei, como não podia deixar de o ser, o teu comovente pedido. Lembro, ainda, a tua cara angelical no momento do adeus. Sustentavas que a fé nunca morre em nós. Move montanhas. O Deus Pai Todo-Poderoso é um Ser Divino que ajuda os necessitados. E eu parti confiante. Fui e voltei em perfeita saúde”…
(vi) a importância dos amigos e camaradas
Uma saúde que agora me atraiçoou. Não desisti e percorro um mundo de onde retiro experiências alucinantes. Volto a um outro curto esboço incluído nesta obra: …
”Num outro âmbito, refiro uma aventura que me levou a libertar energias. Numa noite de agosto do verão de 2010, levado pelo repto do meu grande amigo Fernando Mamede, antigo recordista mundial dos 10.000 metros, em Helsínquia, ao serviço do Sporting Clube de Portugal, um feito que marcou literalmente a história do atletismo luso, passei uma noite numa discoteca em pleno coração algarvio. Não dancei mas ficou a inabalável certeza que as nossas capacidades atuam em absoluto desde que nós sejamos autodeterminados e confiantes em aceitar o “mal” que nos chegou e não fazendo dele (AVC) um princípio para relegarmos as nossas capacidades na hora de mostrarmos aos outros que somos seres íntegros numa sociedade que frequentemente parece rejeitar a nossa débil condição física.
A estonteante algazarra de um espaço onde se misturavam cidadãos anónimos, feitos para a festa, e caras cor-de-rosa das revistas vipes, deleitavam-se perante a música de um disco joker que numa missão de bem servir a clientela se entregava a uma causa de infinitos prazeres. O ritmo da música era francamente estimulante e em simultâneo quebrava momentos de uma jocosa noite de sonhos”…
Sonhos que no meu caso pessoal reforçavam realidades assumidas, embora sentisse que olhares ocos me miravam de lado, alvitrando, talvez, que aquele lugar não era pressupostamente para mim. Engano puro, deduzi. No entanto, nunca me dei e dou por vencido. Sou forte e decidido no caminhar sempre em frente e de cabeça erguida.
(vii) a recusa da condição de "coitadinho"
Uma saúde que agora me atraiçoou. Não desisti e percorro um mundo de onde retiro experiências alucinantes. Volto a um outro curto esboço incluído nesta obra: …
”Num outro âmbito, refiro uma aventura que me levou a libertar energias. Numa noite de agosto do verão de 2010, levado pelo repto do meu grande amigo Fernando Mamede, antigo recordista mundial dos 10.000 metros, em Helsínquia, ao serviço do Sporting Clube de Portugal, um feito que marcou literalmente a história do atletismo luso, passei uma noite numa discoteca em pleno coração algarvio. Não dancei mas ficou a inabalável certeza que as nossas capacidades atuam em absoluto desde que nós sejamos autodeterminados e confiantes em aceitar o “mal” que nos chegou e não fazendo dele (AVC) um princípio para relegarmos as nossas capacidades na hora de mostrarmos aos outros que somos seres íntegros numa sociedade que frequentemente parece rejeitar a nossa débil condição física.
A estonteante algazarra de um espaço onde se misturavam cidadãos anónimos, feitos para a festa, e caras cor-de-rosa das revistas vipes, deleitavam-se perante a música de um disco joker que numa missão de bem servir a clientela se entregava a uma causa de infinitos prazeres. O ritmo da música era francamente estimulante e em simultâneo quebrava momentos de uma jocosa noite de sonhos”…
Sonhos que no meu caso pessoal reforçavam realidades assumidas, embora sentisse que olhares ocos me miravam de lado, alvitrando, talvez, que aquele lugar não era pressupostamente para mim. Engano puro, deduzi. No entanto, nunca me dei e dou por vencido. Sou forte e decidido no caminhar sempre em frente e de cabeça erguida.
(vii) a recusa da condição de "coitadinho"
Faço a minha higiene diária, calço-me, visto-me, desfaço a barba, e traço trajetos próprios. Recuso uma ajuda desde que esta esteja ao meu alcance. Não envergo a pele de cuidado mas sim de cuidador. Rejeito a expressão de coitadinho. Aqui ninguém é coitadinho. Todos iguais mas todos diferentes.
A minha condição física como antigo futebolista – Despertar de Beja, Sporting Clube de Portugal, Desportivo de Beja, FC Serpa e Atlético Aldenovense - completado com a minha especialidade militar de Ranger, tirada em Lamego, a que acresce uma comissão militar na Guiné, para além de mostrar uma saúde considerada de ferro, fazia parte do meu ADN enquanto pessoa que nunca descurou um bem-estar diário.
Hoje, examino, com generosidade, 11 anos de convivência com o meu AVC. O tempo, embora distante com o confronto com o “mal”, não quebrou a minha gentileza em conviver e sobretudo gracejar com as sequelas herdadas. Afirmo, sempre com um profícuo sorriso nos lábios, que o legado trouxe-me novas formas de análise da vida.
Tento ser mais forte a um “mal” que, amiudamente, muito incomoda. Beja, a minha cidade de adoção, é uma urbe situada em plena planície alentejana, sendo o seu clima agreste. As altas temperaturas no verão mexem com o ser humano. Em dias de calor intenso sinto dificuldades na deslocação. As pernas parecem pesar “100 quilos cada”. O cansaço apodera-se do meu corpo mas não desisto.
A minha condição física como antigo futebolista – Despertar de Beja, Sporting Clube de Portugal, Desportivo de Beja, FC Serpa e Atlético Aldenovense - completado com a minha especialidade militar de Ranger, tirada em Lamego, a que acresce uma comissão militar na Guiné, para além de mostrar uma saúde considerada de ferro, fazia parte do meu ADN enquanto pessoa que nunca descurou um bem-estar diário.
Hoje, examino, com generosidade, 11 anos de convivência com o meu AVC. O tempo, embora distante com o confronto com o “mal”, não quebrou a minha gentileza em conviver e sobretudo gracejar com as sequelas herdadas. Afirmo, sempre com um profícuo sorriso nos lábios, que o legado trouxe-me novas formas de análise da vida.
Tento ser mais forte a um “mal” que, amiudamente, muito incomoda. Beja, a minha cidade de adoção, é uma urbe situada em plena planície alentejana, sendo o seu clima agreste. As altas temperaturas no verão mexem com o ser humano. Em dias de calor intenso sinto dificuldades na deslocação. As pernas parecem pesar “100 quilos cada”. O cansaço apodera-se do meu corpo mas não desisto.
A hesitação não faz parte do meu ciclo de afinidades com o processo de desistência. Avanço. As pedras da calçada apresentam-se como inimigas, todavia, consigo dar a volta ao texto e à velocidade de caracol lá caminho rumo ao alvo previamente traçado.
Coxeio, não nego, tropeço mas evito a queda e faço do percurso mais uma rixa vencida. Esta será sempre a minha fé enquanto partilhar este recanto de um universo terrestre e desigual.
O inverno não é nada meigo. Protejo-mo, sem que recorra a um guarda chupa difícil em manejar, mas a um chapéu que me tapa a cabeça e a casacos que me abrigam o corpo.
Seria injusto que neste flutuar pela convivência diária com o meu AVC, não citasse um rol de técnicos especializados que muito me ajudaram em proveito da minha recuperação. A área médica, a fisioterapia, terapia da fala, terapeutas ocupacionais, a enfermagem, os assistentes, entre outras especialidades pelas quais passei, foram simplesmente excecionais. Além disso, o meu internamento durante um mês no Centro de Medicina do Sul em São Brás de Alportel, foi muito importante neste período agreste da uma vida feita solitariamente.
Em São Brás de Alportel fui sujeito a uma fisioterapia intensiva onde o trabalho do dia-a-dia se prolongava por horas a fio. Naquele Centro tive, pela primeira vez, o contacto com a água. Uma experiência extraordinária que visou mexer com partes afetadas e procurar reativar músculos adormecidos. Valeu a pena esta minha estadia em terras algarvias.
Concluindo:
Somos uma ínfima partícula de uma confraria onde o assimilar a fatalidade do próximo parece frágil, subentendendo-se que, neste estado de graça, o nosso futuro é literalmente uma inevitável incógnita. O meu AVC restringiu-me a uma limitadíssima linha de fronteira entre o viver e o morrer. Sobrevivi. Recuperei e cá estou pronto para lançar mais uma obra que narra um mundo de experiências e que partilho com os companheiros deste revés. Obrigado, a todos pela vossa presença.
José Saúde
[Revisão/fixação de texto e subtítulos: LG]
Coxeio, não nego, tropeço mas evito a queda e faço do percurso mais uma rixa vencida. Esta será sempre a minha fé enquanto partilhar este recanto de um universo terrestre e desigual.
O inverno não é nada meigo. Protejo-mo, sem que recorra a um guarda chupa difícil em manejar, mas a um chapéu que me tapa a cabeça e a casacos que me abrigam o corpo.
Seria injusto que neste flutuar pela convivência diária com o meu AVC, não citasse um rol de técnicos especializados que muito me ajudaram em proveito da minha recuperação. A área médica, a fisioterapia, terapia da fala, terapeutas ocupacionais, a enfermagem, os assistentes, entre outras especialidades pelas quais passei, foram simplesmente excecionais. Além disso, o meu internamento durante um mês no Centro de Medicina do Sul em São Brás de Alportel, foi muito importante neste período agreste da uma vida feita solitariamente.
Em São Brás de Alportel fui sujeito a uma fisioterapia intensiva onde o trabalho do dia-a-dia se prolongava por horas a fio. Naquele Centro tive, pela primeira vez, o contacto com a água. Uma experiência extraordinária que visou mexer com partes afetadas e procurar reativar músculos adormecidos. Valeu a pena esta minha estadia em terras algarvias.
Concluindo:
Somos uma ínfima partícula de uma confraria onde o assimilar a fatalidade do próximo parece frágil, subentendendo-se que, neste estado de graça, o nosso futuro é literalmente uma inevitável incógnita. O meu AVC restringiu-me a uma limitadíssima linha de fronteira entre o viver e o morrer. Sobrevivi. Recuperei e cá estou pronto para lançar mais uma obra que narra um mundo de experiências e que partilho com os companheiros deste revés. Obrigado, a todos pela vossa presença.
José Saúde
[Revisão/fixação de texto e subtítulos: LG]
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 12 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17759: Agenda cultural (584): Lançamento do livro do José Saúde, "AVC - Recuperação do Guerreiro da Liberdade" (Chiado Editora, 2017, 184 pp. ), no passado domingo, em Lisboa
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