Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 13 de setembro de 2017
Guiné 61/74 - P17762: Os nossos seres, saberes e lazeres (229): Aquele último dia em Bruxelas, já saudoso pelo regresso (9) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 16 de Maio de 2017:
Queridos amigos,
Aqui não se escamoteia que existe uma elevada cumplicidade entre o viandante e uma cidade que o atrai, como onde eletromagnética, vai para 40 anos. Não é só a cidade em si é tudo aquilo que ela proporciona, o viandante é um sénior, pode chegar à gare central de Bruxelas, compra um bilhete por sete euros e pode passar o dia a visitar o país. Por exemplo, apanha aí pelas oito da manhã o comboio para Liége, por ali se passeia e almoça, regressa por Namur, que igualmente tem muito para ver, à noitinha regressa à capital. Ou em vez da Valónia vai para a Flandres, passa o dia em Bruges, em Gand ou Antuérpia ou Lovaina, é o país à carta por uma quantia irrisória, um esplêndido direito para os seniores.
Às vezes não nos atrevemos a estas aventuras porque desconhecemos as boas ofertas que estão ao nosso alcance.
Um abraço do
Mário
Aquele último dia em Bruxelas, já saudoso pelo regresso (9)
Beja Santos
O viandante está refratário em abandonar Bruxelas, temperatura amena, atrações culturais em barda, a cidade permanece no seu coração como uma eterna novidade, passados 40 anos de uma persistente convivência continua de pé o mistério desta relação tão afetuosa, mal sabe que tem dia e hora para aqui arribar e é música celestial que não mais se dissolverá, e parte sempre de orelha murcha, viveria aqui as quatro estações do ano sem grandes vicissitudes. É assim a vida, põe-se ao caminho e antes de partir para o museu de Ixelles grava mais uma imagem destas frondosas cerejeiras ornamentais, estão ao ponto.
A parelha de Pierre e Gilles não é propriamente santo do seu culto, mas tira-lhes sempre o chapéu, há imenso talento nesta arte do retrato altamente sofisticado, entre a fotografia e a pintura, há cerca de 40 anos eles multiplicam-se a dar um toque de humanidade a modelos que são elogios a gente comum e procuram um permanente encantamento do mundo com heróis-modelo arrancados à mitologia e aos contos de fadas. É uma arte que se alimenta de um cocktail de cinema, cultura popular, exibição da transgressão sexual, do questionamento social e político, tudo isto em tonalidades sombrias ou festivas. Há algo que fascina o viandante e que a parelha sabiamente modela nos seus trabalhos: toda esta exibição procura a reconciliação das idades, dos géneros e dos estilos, aqui cada um tem o direito a ser exceção.
O que é mais evidente nestas fotografias pintadas é o encantamento do real, aqui foge-se do que é penoso, o mundo parece ser um grande álbum de família onde se aceitam o diálogo inter-religioso, as construções feéricas, o profundo respeito pela orientação sexual de cada um, os heróis anónimos aparecem suspensos em decorações kitsch; em contrapartida, o espectador é também confrontado com padrões e cânones do classicismo, a imagem abaixo parece ser um bom exemplo. Enfim, uma arte que dispõe bem, muito ao sabor do nosso tempo em que na sociedade líquida tudo é a política, religiosa, social e sexualmente correto.
O museu de Ixelles para além das suas exposições permanentes tem um acervo extraordinariamente rico que vai da pintura a óleo ao cartaz. Fruto de muitas doações, é possível aqui encontrar grandes nomes da arte belga sobretudo dos séculos XIX e XX, como Léon de Smet, Frits Van der Berghe, Emile Claus, Gustav de Smet, Rik Wouters ou René Magritte. Estupenda é a coleção de cartazes onde prepondera um grupo excecional de peças de Toulouse-Lautrec.
E pronto, é o derradeiro passeio. Na véspera, à noite, com o anfitrião, a conversa andou à volta dos belos parques, dos cais com batelões, das calçadas, sim, a Bruxelas que veio da Idade Média estava juncada de calçadas como Ninove, Gand, Mons, Haecht ou Vilvorde, entre muitas mais, eram os eixos radiais de aproximação ou retirada. Escolheu-se então uma visita a obras imparáveis da Arte Deco de que Bruxelas é grande potência. E lá se partiu para o edifício imponente que pertenceu à rádio-televisão belga, na praça Flagey, neste edifício o viandante, há alguns anos viveu uma noite emocionante, um eminente violoncelista holandês executou as seis suites para violoncelo de Bach, coisa mais estafante não podia ter sido, ofereceu a assistência, devido à sua poderosa inspiração, um momento mágico em que a música de um só instrumento assume a plena transcendência.
Não há nada mais a acrescentar, o desejo de regressar já corrói o viandante, é tudo uma questão de disciplina, dar tempo e ajustar calendários para que as expetativas se tornem numa doce realidade.
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Nota do editor
Último poste da série de 6 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17735: Os nossos seres, saberes e lazeres (228): De Valeta para Bruxelas: Para participar na Primavera, visitar uma cidade muito amada (8) (Mário Beja Santos)
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