domingo, 1 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21504: Memórias cruzadas: relembrando os 24 enfermeiros do exército condecorados com Cruz de Guerra no CTIG (Jorge Araújo) - Parte III



Foto 1 - Região do Óio > "Evacuação de ferido das matas do Morés". 

[Fonte: «Guerra Colonial - Angola, Guiné, Moçambique». Autores: Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes. Edição: Diário de Notícias (s/d), p 95], com a devida vénia.



Foto 2 - Matas da Guiné (1970) > "Assistência a Feridos". Margarida Calafate Ribeiro, «Dois depoimentos sobre a presença e a participação femininas na Guerra Colonial», Revista Crítica de Ciências Sociais [Online], 68 / 2004, Online since 01 October 2012. 

Fonte: Zulmira André (com a devida vénia...)



Foto 3 – Nova Lamego > 1973 > o 1.º Cabo Enf Alfredo Dinis, da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, 1973/1974), a "tratar de graves queimaduras do Filipe, resultantes da explosão de um gerador de energia, no quartel". 

Foto do álbum de Alfredo Dinis (já falecido) – P6060, com a devida vénia. Ver, também, "Memórias de Gabú (José Saúde): Recordando o saudoso enfermeiro Dinis" – P14106.


 


O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, ainda no ativo;  tem cerca de 270 referências no nosso blogue.



MEMÓRIAS CRUZADAS NAS "MATAS" DA GUINÉ (1963-1974):

RELEMBRANDO OS QUE, POR MISSÃO, TINHAM DE CUIDAR DAS FERIDAS CORPOREAS PROVOCADAS PELA METRALHA DA GUERRA COLONIAL: «OS ENFERMEIROS» 

OS CONTEXTOS DOS "FACTOS E FEITOS" EM CAMPANHA DOS VINTE E QUATRO CONDECORADOS DO EXÉRCITO COM "CRUZ DE GUERRA", DA ESPECIALIDADE "ENFERMAGEM"

PARTE III

 

► Continuação do P21421 (II) (06.10.20)(*)

1.   - INTRODUÇÃO


Na génese do presente trabalho de investigação, tal como o verificado nas anteriores temáticas, continua a prevalecer a ideia [a nossa] de que é possível ampliar o quadro historiográfico da designada «Guerra Colonial / Guerra do Ultramar / Guerra de África» (1962-1974), através do recurso ao vasto espólio documental produzido pela geração dos ex-combatentes, onde nos incluímos, pondo em prática a técnica metodológica de "análise de conteúdo", conceito intrínseco ao por nós titulado de «Memórias Cruzadas».


No caso em apreço, procuramos salientar o importante papel desempenhado pelos nossos camaradas da "saúde militar" (e igualmente no apoio a civis e população local) – médicos e enfermeiros/as (as paraquedistas, por exemplo a da foto 2) – na nobre missão de socorrer todos os que deles necessitassem, quer em situação de combate (por exemplo a da foto 1), quer noutras ocasiões de menor risco de vida (medicina geral), mas sempre a merecerem atenção e cuidados especiais (por exemplo a da foto 3).


Recordamos, a propósito da estrutura global deste trabalho que ele foi dividido em partes, onde procuramos descrever cada um dos contextos da "missão", analisando "factos" e "feitos" (os encontrados na literatura) dos seus actores directos "especialistas de enfermagem", onde cada caso acabaria por influenciar a Chefia Militar na argumentação para um "louvor" e que se transformaria, depois, em condecoração com «Cruz de Guerra», maioritariamente de 3.ª e 4.ª Classe. Para o efeito, a principal fonte de informação/consulta utilizada foi a documentação oficial do Estado-Maior do Exército, elaborada pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974).


2.   - OS "CASOS" DO ESTUDO


De acordo com a coleta de dados da pesquisa, os "casos do estudo" totalizaram vinte e quatro militares condecorados, no CTIG (1963/1974), com a «Cruz de Guerra» pertencentes aos «Serviços de Saúde Militar», três dos quais a «Título Póstumo», distinção justificada por "actos em combate", conforme consta no quadro nominal elaborado por ordem cronológica e divulgado no primeiro fragmento – P21404.


Neste terceiro fragmento analisaremos mais dois "casos", ambos registados no ano de 1965, onde se recuperam mais algumas memórias, sempre dramáticas quando estamos perante situações que fazem apelo à sobrevivência de um SER.


3.   - OS CONTEXTOS DOS "FEITOS" EM CAMPANHA DOS MILITARES DO EXÉRCITO CONDECORADOS COM "CRUZ DE GUERRA", NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "ENFERMAGEM" - (n=24)


 

3.5        - ARMANDO REIS MARQUES, 1.º CABO AUXILIAR DE ENFERMEIRO DA CCAV 487, CONDECORADO COM A CRUZ DE GUERRA DE 4.ª CLASSE

 

A quinta ocorrência a merecer a atribuição de uma condecoração a um elemento dos «Serviços de Saúde» do Exército, esta com medalha de «Cruz de Guerra» de 4.ª Classe, que seria a segunda de quatro distinções contabilizadas durante o ano de 1965, teve origem no desempenho tido pelo militar em título, ao socorrer os camaradas da sua unidade [CCAV 487] feridos durante a «Operação Ebro», realizada em 24 de Março de 1965, com o objectivo da conquista de Canjambari Praça.


► Histórico

 


◙ Fundamentos relevantes para a atribuição da Condecoração

▬ O.S. n.º 65, de 10 de Agosto de 1965, do QG/CTIG:


"Agraciado com a Cruz de Guerra de 4.ª Classe, nos termos do artigo 12.º do Regulamento da Medalha Militar, aprovado pelo Decreto n.º 35667, de 28 de Maio de 1946, por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 19 de Março de 1966: O 1.º Cabo auxiliar de enfermeiro, n.º 276/62, Armando Reis Marques, da Companhia de Cavalaria 487 [CCAV 487] – Batalhão de Cavalaria 490, Regimento de Infantaria n.º 3."


● Transcrição do louvor que originou a condecoração:


"Louvo o 1.º Cabo auxiliar de enfermeiro, n.º 276/62, Armando Reis Marques, da CCAV 487, porque ao longo de vinte e dois meses em que prestou serviço na Companhia, demonstrou que, além de ser muitíssimo competente na sua especialidade, possui muitas e apreciáveis qualidades, nomeadamente de coragem, desembaraço, sangue- frio, dedicação e desprezo pelo perigo.


Numa acção realizada em 24 de Março de 1965 [4.ª feira] na região de Canjambari [«Operação Ebro»], ao serem feridos três camaradas, não hesitou em, imediatamente, lhes prestar os necessários socorros, apesar da zona em que estes se encontravam continuar a ser batida por intenso fogo.


Militar correcto, aprumado e cumpridor, é um dos melhores elementos da sua Companhia e é merecedor do reconhecimento do Exército e da Nação." (CECA; 5.º Vol, Tomo III, p 184).


CONTEXTUALIZAÇÃO DA OCORRÊNCIA


Para contextualização da ocorrência que esteve na base da condecoração do 1.º Cabo enfermeiro, Armando Reis Marques, socorremo-nos das memórias reproduzidas pelo camarada António Bastos, do PCAÇ 953 (Teixeira Pinto e Farim, 1964/1966), relacionadas com a «Operação Ebro», na qual também participou.


No P9636, António Bastos dá-nos conta que o objectivo daquela missão militar era a ocupação de Canjambari Praça, local onde a sua Unidade iria ficar, doravante, instalada. As forças mobilizadas para o cumprimento da "acção", comandadas pelo TCor Cav Fernando José Pereira Marques Cavaleiro (1917-2012), Cmdt do BCAV 490, eram constituídas pela CCAV 488, um Gr Comb da CCAV 487, PRec Fox 693, PRec Daimler 810, PSap CCS/BCAV 490, PMil 5, um Gr Comb da 1.ª CCAÇ, e o seu PCAÇ 953.


No decurso da progressão, o IN flagelou o PCAÇ 953 reforçado com o PRec Daimler 810, em Canjambari. As NT deixaram o grupo IN – com elementos armados, fardados e com capacete – aproximar-se até cerca de 10 metros, antes de abrir fogo. O IN reagiu durante cerca de 30 minutos, causando três feridos às NT e sofrendo alguns mortos. Enquanto decorria a emboscada, as NT foram flageladas da margem sul de Tita Sambo.


Como complemento ao relato anterior, recuperámos um depoimento mais detalhado, também da autoria de António Bastos, localizado no «cmjornal», edição de 21 de Junho de 2009, domingo, onde refere:


[…] "A Farim chegámos no dia 16 de Março de 1965 (2.ª feira). Eram 11h00. Fomos recebidos pelo comandante do Batalhão de Cavalaria 490 [BCAV 490], TCor Fernando Cavaleiro, e instalados na caserna do pelotão de morteiros [PMort 980], onde passámos alguns dias até começarem as operações. Uma semana depois [24Mar65] fomos acordados a meio da madrugada para participar na operação de invasão de Canjambari Praça (nome de código "Ebro").


Estávamos no terreno há duas horas e meia quando rebentou uma mina sob uma viatura carregada de chapas e bidões abertos, entre outros materiais para a construção do destacamento. Não se registaram baixas, mas mal nos tínhamos refeito do susto fomos alvo de uma emboscada, que durou até meio da tarde. Depois os bombardeiros (T6) entraram em acção e, pelas 17h00, conseguimos avançar na conquista de Canjambari Praça (infografia acima).


Quando a situação estava controlada, recuámos para Canjambari Morcunda, a três quilómetros, onde foi construído o aquartelamento. Foi todo feito com a força humana do meu pelotão e de um pelotão de africanos [1.ª CCAÇ]." […]


(Fonte: https://www.cmjornal.pt/mais-cm/domingo/detalhe/sofremos-castigo-por-causa-da-comida), 

com a devida vénia.

 


Foto 4 – Região do Óio > Farim > Canjambari > (24Mar65): "Foto tirada minutos antes de rebentar a emboscada. A secção que ia na frente deixou de ouvir os pássaros e os macacos, e fez alto à coluna. Logo a seguir ficava a bolanha e depois uma grande árvore atravessada na estrada onde eles diziam que era a porta-de-armas. Aí a secção (do PCAÇ 953) começou a embrulhar." 

[Foto do álbum de António Bastos, publicada no P9636], com a devida vénia.

 

3.5.1    - SUBSÍDIO HISTÓRICO DA COMPANHIA DE CAVALARIA 487

= FARIM E BISSAU [PARTICIPOU NA OPERAÇÃO «TRIDENTE» INTEGRADA NO SEU BATALHÃO (BCAV 490)] (1963-1965)


Mobilizada pelo Regimento de Cavalaria 3 [RC3], de Estremoz, para cumprir a sua missão ultramarina no CTIG, a Companhia de Cavalaria 487 [CCAV 487], embarcou em Lisboa, em 17 de Julho de 1963, quarta-feira, a bordo do N/M «NIASSA», sob o comando do Capitão de Cavalaria António Varela Romeiras Júnior. Na mesma viagem seguiram também as "unidades gémeas", CCAV 448 e CCAV 449, assim como a CCS e o restante colectivo do BCAV 490. A sua chegada a Bissau ocorreu na segunda-feira seguinte, ou seja, em 22 de Julho de 1963.


3.5.2    - SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CCAV 487


Após o desembarque, a Companhia de Cavalaria 487 «CCAV 487» permaneceu em Bissau, às ordens do comando do seu Batalhão, como unidade de intervenção, em reforço do BCAÇ 512 [22Jul63-12Ago65, do TCor Inf António Emílio Pereira de Figueiredo Cardoso]. Nesse âmbito foi destacada para diversas operações na região do Óio-Morés, nas zonas de Encheia, Fajonquito, Bissorã e Morés, em reforço de outros Batalhões. De 14Jan64 a 24Mar64, foi integrada no seu Batalhão, na operação «Tridente», realizada nas Ilhas de Como, Caiar e Catunco, reforçada com outras subunidades, incluindo fuzileiros especiais e paraquedistas.


Concluída a sua participação na Região do Como, seguiu para Farim a fim de substituir a CART 640 [03Mar64-27Jan66; do Cap Art Carlos Alberto de Matos Gueifão] na função de subunidade de intervenção e reserva do Sector, inicialmente na dependência do BCAÇ 512 e despois do seu próprio Batalhão até ao embarque de regresso, ocorrido em 12 de Agosto de 1965.


Em 25 de Março de 1965, no âmbito da «Operação Ebro», instalou forças para ocupação da povoação de Canjambari, no seu sector, tendo as suas subunidades ficado integradas no dispositivo e manobra do seu Batalhão, a partir de 31 de Maio de 1964. (CECA; p 253).


3.6   - JOSÉ ANDRÉ DOS SANTOS, SOLDADO MAQUEIRO DO EREC 693, CONDECORADO COM A CRUZ DE GUERRA DE 3.ª CLASSE 


A sexta ocorrência a merecer a atribuição de uma condecoração a um elemento dos «Serviços de Saúde» do Exército, esta com medalha de «Cruz de Guerra» de 3.ª Classe - a terceira de quatro distinções contabilizadas durante o ano de 1965 - teve origem no desempenho tido pelo militar em título, durante a «Operação Início», realizada em 18Jul65 (domingo), na região de Dunane (infografia abaixo), ao socorrer os camaradas feridos, tal como ele, até ao momento em que teve de ser evacuado de helicóptero, por se ter agravado o seu estado de saúde.


► Histórico



◙ Fundamentos relevantes para a atribuição da Condecoração


▬ O.S. n.º 73, de 03 de Setembro de 1965, do QG/CTIG:


"Manda o Governo da República, pelo Ministro do Exército, condecorar com a Cruz de Guerra de 3.ª Classe, ao abrigo dos artigos 9.º e 10.º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa: O Soldado maqueiro, n.º 207/64, José André dos Santos, do Esquadrão de Reconhecimento 693 [EREC 693] – Batalhão de Cavalaria 705, Regimento de Infantaria n.º 8."


● Transcrição do louvor que originou a condecoração:


"Louvado o Soldado n.º 207/64, José André dos Santos, do EREC 693, porque durante a emboscada sofrida na «Operação Início» [18Jul65], apesar de duramente atingido na cabeça pelo fogo inimigo, não se deixou desanimar pelo sofrimento, nem pelo sangue que jorrava em abundância e foi incansável e decidido nos primeiros socorros prestados aos restantes camaradas feridos, mantendo sempre debaixo de fogo autodomínio, abnegado espírito de sacrifício, de altruísmo e de camaradagem, dignos de especial destaque, tanto mais que o seu estado veio a impor pouco depois a sua evacuação por helicóptero." (CECA; 5.º Vol.; Tomo III; p 348).


CONTEXTUALIZAÇÃO DA OCORRÊNCIA


Na bibliográfica consultada, quer a de âmbito oficial quer o espólio a que habitualmente recorremos, não foi encontrada qualquer referência ao contexto relacionado com a «Operação Início», a acção militar que está na origem da condecoração atribuída ao soldado maqueiro José André dos Santos, do EREC 693, o que se lamenta.


3.6.1    - SUBSÍDIO HISTÓRICO DO ESQUADRÃO DE RECONHECIMENTO 693

= BAFATÁ - FARIM - MANSOA - CANQUELIFÁ - PICHE - SARE GANÁ - (1964-1966)


Mobilizado pelo Regimento de Cavalaria 8 [RC8], de Castelo Branco, para cumprir a sua missão ultramarina no CTIG, o Esquadrão de Reconhecimento 693 [EREC 693] embarcou em Lisboa em 15 de Julho de 1964, quarta-feira, sob o comando do Capitão de Cavalaria Jaime Alexandre Santos Marques Pereira, tendo o seu desembarque ocorrido em 21 do mesmo mês.


3.6.2    - SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DO EREC 693


Após a sua chegada a Bissau, o EREC 693 seguiu para Bafatá, a fim de substituir o EREC 385 [02Ago62-23Jul64, do Cap Cav José Olímpio Caiado da Costa Gomes] como subunidade de reserva móvel do Sector do BCAÇ 506 e depois do BCAV 757. De 08Nov64 a 07Abr66, destacou um pelotão para Farim, onde reforçou o dispositivo do BCAV 490 e depois do BART 733 [14Out64-07Ago66, do TCor Art José da Glória Alves]. Por períodos variáveis, destacou pelotões para reforço de outros sectores, nomeadamente para Mansoa, de 14Jan65 a 31Mai65, em reforço do BART 645 [10Mar64-09Fev66, do TCor Art António Braamcamp Sobral], ou para reforço temporário das guarnições de Canquelifá, de 11Ago64 a 06Set64 e de 24Fev65 a 29Mar65, Piche e Sare Gana.


A partir de 01Jun65, passou à dependência operacional do CmdAgr24, mantendo a anterior missão de patrulhamento, escoltas, emboscadas e protecção, segurança e limpeza de itinerários e intervenção em operações destacando-se a «Operação Início», na região de Dunane, entre Piche e Canquelifá, em 18 de Julho de 1965, e a «Operação Aurora», na região de Banjara, de 27Abr66 a 09Mai66, entre outras.


Ainda no que concerne à «Operação Início», para além dos feridos a necessitarem de apoio de enfermagem (primeiros socorros), entre os quais se incluía o soldado maqueiro José André dos Santos, como ficou descrito no ponto da fundamentação que determinou a condecoração, um elemento do EREC 693, o soldado condutor auto rodas, Carlos Ribeiro Pereira, não resistiu vindo a falecer. Foi inumado no Cemitério de Bafatá, Campa n.º 19, conforme se pode conferir na nota de óbito abaixo (CECA; 8.º Vol., p 133).  

 

Entretanto, o EREC 693 continuou a ceder pelotões para reforço de diversos sectores, nomeadamente do BCAV 757 [23Abr65-20Jan67, do TCor Cav Carlos de Moura Cardoso, que era composto apenas por Comando e CCS] e depois do BCAÇ 1856 [06Ago65-15Abr67, do TCor Inf António da Anunciação Marques Lopes], em Bafatá, desde princípios de Jan66 e do BCAV 705 [24Jul64-14Mai66, do TCor Cav Manuel Maria Pereira Coutinho Correia de Freitas], em Piche, desde finais de Mar66. Em 13Mai66, foi substituído pelo EREC 1578 [13Mai66-25Jan68, do Cap Cav António Francisco Martins Marquilhas] e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso, que se realizou em 14Mai66, a bordo do N/M «UÍGE». (CECA; 7.º Vol., p 553).

Continua…

► Fontes consultadas:

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 5.º Volume; Condecorações Militares Atribuídas; Tomo II; Cruz de Guerra, 1962-1965; Lisboa (1991).


Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002).


Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001).

Ø  Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.


Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.


11Out2020

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Nota do editor:


(*) Postes anteriores da série:

6 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21421: Memórias cruzadas: relembrando os 24 enfermeiros do exército condecorados com Cruz de Guerra no CTIG (Jorge Araújo) - Parte II

30 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21404: Memórias cruzadas: relembrando os 24 enfermeiros do exército condecorados com Cruz de Guerra no CTIG (Jorge Araújo) - Parte I

Guiné 61/74 - P21503: Blogpoesia (703): "Dia de finados", "As Trindades" e "O sabor das coisas", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. A habitual colaboração semanal do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) com estes belíssimos poemas, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante esta semana:


Dia de finados

Pela costeira, frente à minha casa,
Um cortejo de gente.
Carrega flores. Uma vassoura e um balde.
Se dirigem ao campo santo.
Ali, repousam os corpos dos seus.
As almas, essas subiram.
E, ou entram na glória da paz,
Ou, penam as penas das ofensas cometidas
Na luta da vida, contra outros irmãos.
A pequenada correndo para cima e para baixo,
Não vê razões para a tristeza
E rapa as campas abandonas das ervas
E enfeita-as como sabem,
Com as flores que sobram.
Tudo, lembranças que doem e deixam saudade.


Berlim, 1 de Novembro de 2020
10h22m
Jlmg


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As Trindades

Soavam brandas as trindades lá do alto do campanário.
Três vezes, em cada dia.
Benditas Ave-Marias.
Rogando ao céu bênçãos abundantes para as gentes da aldeia.
Linda prática que me lembra a meninice.
Quando as gentes laboriosas sustinham seus labores para erguer a alma ao Criador.
O princípio de tudo e do alimento que cultivavam.
Como estava certa aquela atitude e devoção.
Quando se posicionavam humildes, mas verticais, as gentes.
Entre a terra e os céus.
Tempos de verdade e correcção.
Se prostrava e arrasava a arrogância dos fortes e dos fracos.
A vida é um dom e não a fonte da riqueza e do poder de uns sobre os outros.
Testemunho que havia mais abundância de alegria, apesar das carências tão abundantes do que, na fartura esbanjadora de riqueza de agora...


Berlim, 26 de Outubro de 2020
10h31m
Jlmg


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O sabor das coisas

Procurar apenas o prazer em saborear as coisas pode ser um caminho longo e perigoso.
Se o percorrermos só pelo prazer.
Corremos o risco de ficar prisioneiros.
Tudo o mais deixa de ter interesse.
Mesmo aquelas coisas que nos são vitais.
Aí surge a inversão da vida.
A vida é para ser vivida em paz e felicidade.
Não na escravidão.
Tanta vez é preciso renunciar ao prazer imediato e sedutor para não se cair na escravidão.
Só assim nos sorrirá a felicidade.
A única razão de viver.


Berlim, 30 de Outubro de 2020
9h2m
Jlmg

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Nota do editor

Último poste da série de 25 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21480: Blogpoesia (702): "Pesadelos da guerra", "Administrador dos passos" e "As mãos do artista", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P21502: Efemérides (343) : No dia de Finados, lembremos os nossos queridos mortos da Tabanca Grande: já lá vão 82 em 820




Lourinhã, Praia da Areia Branca > 1 de novembro de 2020 > O pôr do sol... Lembrando os amigos e camaradas da Guiné, grã-tabanqueiros,  que já partiram, mas que continuam na nossa memória.

Fotos (e legenda) © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Lista dos amigos/as e camaradas que da lei da morte se foram libertando e que não ficam na vala comum do esquecimento (n=82) (*) (a negrito e a vermelho, os falecidos em 2020) (**)

Agostinho Jesus (1950-2016) 
Alfredo Dinis Tapado (1949-2010)
Alfredo Roque Gameiro Martins Barata (1938-2017)
Amadu Bailo Jaló (1940-2015)
António da Silva Batista (1950-2016)
António Dias das Neves (1947-2001)
António Domingos Rodrigues (1947-2010)
António Manuel Carlão (1947-2018)
António Manuel Martins Branquinho (1947-2013)
António Manuel Sucena Rodrigues (1951-2018)
António Rebelo (1950-2014)
António Teixeira (1948-2013)
António Vaz (1936-2015)
Armandino Alves (1944-2014)
Armando Teixeira da Silva (1944-2018)
Augusto Lenine Gonçalves Abreu (1933-2012)
Aurélio Duarte (1947-2017)

Carlos Cordeiro (1946-2018)
Carlos Filipe Coelho (1950-2017)
Carlos Geraldes (1941-2012)
Carlos Marques dos Santos (1943-2019)
Carlos Rebelo (1948-2009)
Carlos Schwarz da Silva, 'Pepito' (1949-2014)
Clara Schwarz da Silva (1915-2016)

Daniel Matos (1949-2011)

Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019)

Fernando Brito (1932-2014)
Fernando [de Sousa] Henriques (1949-2011)
Fernando Franco (1951-2020)
Fernando Rodrigues (1933-2013)
Francisco Parreira (1948-2012)
França Soares (1949-2009)

Gertrudes da Silva (1943-2018)

Humberto Duarte (1951-2010)

Inácio J. Carola Figueira (1950-2017)
Ivo da Silva Correia (c. 1974-2017)

João Barge (1945-2010)
João Caramba (1950-2013)
João Henrique Pinho dos Santos (1941-2014)
João Rebola (1945-2018)
João Rocha (1944-2018)
Joaquim Cardoso Veríssimo (1949-2010)
Joaquim Peixoto (1949-2018)
Joaquim Vicente Silva (1951-2011)
Joaquim Vidal Saraiva (1936-2015)
Jorge Rosales (1939-2019)
Jorge Teixeira (Portojo) (1945-2017)
José António Almeida Rodrigues (1950-2016)
José Barreto Pires (1945-2020)
José Ceitil (1947-2020)
José Eduardo Alves (1950-2016)
José Fernando de Andrade Rodrigues (1947-2014)
José Luís Pombo Rodrigues (1934-2017)
José Manuel P. Quadrado (1947-2016)
José Maria da Silva Valente (1946-2020)
José Marques Alves (1947-2013)
José Moreira (1943-2016)
José (ou Zé) Neto (1929-2007)

Libório Tavares (Padre) (1933-2020)
Lúcio Vieira (1943-2020)

Luís Borrega (1948-2013)
Luís Encarnação (1948-2018)
Luís Faria (1948-2013)
Luís F. Moreira (1948-2013)
Luís Henriques (1920-2012)
Luís Rosa (1939-2020)

Manuel Carneiro (1952-2018)
Manuel Castro Sampaio (1949-2006)
Manuel Martins (1950-2013)
Manuel Moreira (1945-2014)
Manuel Moreira de Castro (1946-2015)
Manuel Varanda Lucas (1942-2010)
Maria da Piedade Gouveia (1939-2011)
Maria Manuela Pinheiro (1950-2014)
Mário Gualter Pinto (1945-2019)
Mário Vasconcelos (1945-2017)

Nelson Batalha (1948-2017)

Rogério da Silva Leitão (1935-2010)

Teresa Reis (1947-2011)

Umaru Baldé (1953-2004)

Vasco Pires (1948-2016)
Victor Condeço (1943-2010)
Vítor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014) 

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Guiné 61/74 - P21501: Parabéns a você (1885): José Carlos Gabriel, ex-1.º Cabo Op Cripto do BCAÇ 4513 (Guiné, 1973/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 28 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21487: Parabéns a você (1884): Jorge Fontinha, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791 (Guiné, 1970/72) e Coronel Inf Ref Luís Marcelino, ex-Cap Mil Inf, CMDT da CART 6250/72 (Guiné, 1972/1974)

sábado, 31 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21500: Notas de leitura (1320): A festa do corpinho... (Jorge Cabral, "Estórias cabralianas", Lisboa, ed. José Almendra, 2020, pp. 59-60)


Guiné >Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > Uma bela bajuda local, numa das 150 fotos de Guileje que nos deixou o saudoso Cap Zé Neto (1927-2007), o nosso primeiro grã-tabanqueiro a deixar a Terra da Alegria... 

Enquanto que as feministas da Europa, do pós-Maio de 1968, queimavam os seus sutiãs, símbolo do sexismo e opressão sexista, na Guiné, o supremo luxo, para as nossas queridas bajudas, era ostentar um corpinho (sutiã), como este que se vê na foto... Farto, largo, colorido... 

O Jorge Cabral foi o primeiro dos "régulos" da Guiné a dar-se conta desta tendência comportamental da mulher guineense...Um "corpinho" era "manga de ronco"

Foto (e legenda) © José Neto (2007). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





1. Estórias cabralianas > A festa do corpinho...  (*)

por Jorge Cabral 

[, ex-alf mil at art, Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, 1969/71)]


O Marinho era um velho, seco e pequenino, guardião das instalações de Fá, desde os anos 50. Embora existisse uma estrada para Bissaque, (a norte de Fá Mandinga, na margem esquerda do Geba Estreito), o Marinho conduziu-nos por uma interminável bolanha, após a qual lá chegámos, obviamente muito depois do inimigo ter retirado. 

O ataque, referido nos documentos oficiais, não passou de uma breve flagelação. Fui eu que relatei a ocorrência, e porque quem conta um conto... acrescentei-lhe alguns pormenores, (essa da intervenção de brancos deve ter sido ficção cabraliana), para assustar o Comandante de Bambadinca.

Bissaque era uma aprazível aldeia balanta. Logo nessa noite, à volta de uma fogueira, reparei na beleza das raparigas, tendo passado a frequentar semanalmente a Tabanca, numa acção sócio–erótica, a qual consistia numa esfregação mamária às belíssimas bajudas. 

Habituado às bajudas mandingas, verifiquei experimentalmente a superioridade dos seios balantas, tendo, e disso me penitencio, contribuído para um conflito étnico-mamário.

Afim de me redimir, em Janeiro de 1970, de férias em Lisboa, comprei 38 corpinhos (sutiãs) no armazém Fama, sito à Calçada do Garcia, junto ao Rossio, onde agora se reúnem os guineenses.

Coincidência? Premonição? Lembro a perplexidade do empregado do armazém, quando lhe pedi os 38 sutiãs de todos os tamanhos e cores.

Regressado à Guiné, em plena Tabanca de Fá Mandinga, organizei a festa do corpinho, para a alegria das bajudas, que envergaram o seu primeiro sutiã. Tivesse esta história acontecido nos dias de hoje, e certamente sentiria dificuldades no aeroporto, até porque os sutiãs constituíam a minha única bagagem. 

Armas secretas? Indícios de terrorismo? Não sei, mesmo, se não teria ido parar a... Guantanamo. 

In: Jorge Cabral - "Estórias Cabralianas". Lisboa: ed. José Almendra, 2020, pp. 59-60 (com a devida vénia...). (**)
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Notas do editor:


(**) Último poste da série > 31 de outubro de  2020 > Guiné 61/74 - P21498: Notas de leitura (1318): "Estórias cabralianas", 1º volume, Lisboa, Leituria, 2020, 144 pp,, de Jorge Cabral... Prefácio de Luís Graça: "o charne discreto da humanidade ou a arma da irrisão contra o absurdo da guerra"

Guiné 61/74 - P21499: Os nossos seres, saberes e lazeres (419): Na RDA, em fevereiro de 1987 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Julho de 2020:

Queridos amigos, 

Foi na recolha de todos os materiais que guardei ao longo de décadas referentes à Bélgica, e no intuito de escrever o romance que não o foi, Rua do Eclipse, que encontrei dentro de uma capa que dizia Bruxelas um farto canhenho, abri e encontrei dezenas e dezenas de páginas de notas de uma visita efetuada à República Democrática Alemã em fevereiro de 1987.

Já conhecia Berlim, a Berlim dividida, que visitei em 1981, a RTP representava num festival um dos meus episódios televisivos de defesa do consumidor. Atravessei Checkpoint Charlie, fui obrigado a comprar vinte marcos da Alemanha Oriental, e no final do dia fui obrigado a converter esses vinte marcos num saco de maços de cigarros, deu jeito para prendas, entretanto visitei o fabuloso Museu de Pérgamo, a Galeria Nacional, a icónica torre de televisão em Alexanderplatz. Sempre sonhara visitar Dresden, Leipzig e Erfurt, a ocasião veio imprevistamente, num rigorosíssimo fevereiro percorri locais que me encantaram, e me deu facilmente para perceber que aquele regime de partido único estava a dar as últimas, mas estrebuchava com dinamismo, não escondi a boa impressão de ver os alemães da RDA sem barracas nem bairros miseráveis. 

E o passeio vai continuar.

Um abraço do
Mário


Na RDA, em fevereiro de 1987 (1)

Mário Beja Santos

Algures, em finais de outubro de 1986, ocorreu-me escrever para todas as embaixadas do denominado bloco socialista europeu pedindo-lhes informações sobre as políticas a favor dos consumidores em execução nos respetivos países. Recebi respostas de diferente teor, de um modo geral o diplomata que assinava a carta dava-me a saber que era missão do Estado proteger o consumidor nos preços dos géneros alimentícios e todos os bens de primeira necessidade, incluindo a habitação, os serviços de saúde e os educativos. E enunciavam-se os respetivos departamentos responsáveis pela supervisão destas legislações. Não havia associações de consumidores e os problemas ambientais era coisa inexistente, tratava-se de matéria a cargo de diferentes ministérios e das regiões. 

Dentro desta monotonia de respostas, destacava-se um farto documento vindo da Embaixada da República Democrática Alemã, onde se propunha uma conversa com um primeiro-secretário. Nada tinha a obstar, o que me interessava era perceber as diferenças entre as práticas associativas ocidentais e o modelo em curso na então CEE com as políticas do chamado socialismo real. 

Recebido com enorme afabilidade, em dado momento o primeiro-secretário anunciou-me que o Sr. Embaixador me queria conhecer, agradeci a honra e dirigimo-nos para o gabinete do diplomata. Mais afabilidade, notei que era um homem precocemente envelhecido, uma voz estranhamente modulada, ele viu nos meus olhos o que eu procurava esclarecer, e explicou-me que sofrera um tremendo AVC em Maputo, já como embaixador. 

Os minutos passaram, falámos de música e filosofia, do génio alemão em geral, de que sou indefetível admirador, e no termo da conversa o embaixador perguntou-me se eu aceitava o convite para visitar o desenvolvimento e o progresso na RDA, conhecer a política pacifista e ver com os meus olhos a importância dada à cultura. Aceitei o convite, acertou-se numa data, perguntou-me que cidades gostaria de visitar, falei-lhe de Berlim, que conhecera em 1981, Erfurt, Dresden, mas evidentemente estava recetivo a conhecer outras paragens.

E em fins de janeiro aterro em Berlin-Schönefeld, tinha intérprete e motorista à espera. Seguimos diretamente para Dresden, a temperatura muito abaixo do zero, neve por toda a parte, uma jovem intérprete encantadora, para conversar com Gerald era preciso que Petra traduzisse. Chegámos ao anoitecer, à boa maneira alemã Petra deu-me conhecimento do programa em Dresden. Na manhã seguinte, ao raiar da aurora, um tal Dr. Steiner apresentava-me Dresden e a Saxónia, a seguir um arquiteto, de nome Globisch, falaria sobre a reconstrução da cidade, que fora altamente devastada pelos bombardeamentos de fevereiro de 1945.

Pontualmente às oito da manhã, com um frio de rachar, fomos recebidos num escritório e tornou-se inequívoco, vendo estandartes e as fotografias dos altos dirigentes da RDA, que me seria dada informação histórica e política. Registei num caderno o que o Dr. Steiner entendia que eu devia conhecer. Que data de 1206 o primeiro documento que menciona Dresden colonizada pelo Suábios; no século XIV foi capital dos Vetinos; que no século XVIII, no período de Augusto, O Forte, que foi também rei da Polónia, se construíram o Zwinger e todas as joias barrocas merecem admiração mundial. 75% deste riquíssimo património foi destruído pelos bombardeamentos de fevereiro de 1945 em que morreram trinta mil pessoas.

E entram na conversa o arquiteto Globisch, que descreveu os programas de reconstrução iniciados em 1946, possuíam-se todas as plantas e fotografias da Dresden destruída, aproveitava-se a oportunidade para reconstruir aquele património único alterando as redes de tráfego, quer junto do rio Alba, quer no interior da cidade, quer melhorando a área pedonal. Projetava-se reconstruir o lado medieval do velho mercado, e que o convidado ilustre que vinha de Portugal soubesse que o 8.º congresso do Partido decidira em 1970 acelerar a construção de habitações de modo que na década de 1990 não houvesse uma família alemã na RDA que não tivesse um apartamento condigno. 

E choveram os números sobre as construções e reconstruções em Dresden, seguiu-se uma longa apresentação dos desafios postos aos projetistas, eu devia ir visitar o estado em que estava a Igreja das Mulheres e tomar nota de que a conceção urbanística estava absolutamente atenta às necessidades sociais, culturais e económicas do povo socialista. Despedimo-nos com largos sorrisos, recebi imagens e desejos de boa estadia.

A etapa seguinte foi o Museu da Higiene, confesso que gostei do que vi, o objeto fundamental desta entidade promotora de saúde e da cultura era a educação para a saúde em múltiplas vertentes, tais como o alcoolismo, o tabagismo, a planificação familiar e os estilos de vida saudáveis. E logo veio à baila os prodígios do atletismo alemão-oriental, os grandes nadadores; fizeram-se rasgadas referências às creches e jardins de infância, às campanhas na comunicação social, aos programas escolares dedicados ao nutricionismo. 

Esta promoção para a saúde, tal como me foi referida, contava com a cooperação de todas as regiões da República Democrática Alemã. Na altura, o Museu da Higiene preparava programas para cozinheiros nas cadeias hoteleiras e materiais para os estabelecimentos escolares. Havia já restaurantes onde era proibido fumar, a médica de Saúde Pública (fixei o nome de Helga) não deixou de referir que apesar de não haver publicidade, um terço da população fumava, e o mais preocupante era a alta percentagem de jovens e de mulheres. A estratégia antitabaco recusava o proibicionismo, centrava-se nos aspetos positivos das vantagens de não fumar. 

Passámos a visitar o museu, ouvia-se perfeitamente uma ranchada de crianças divertidas a ver figuras de seres humanos e animais em material plastificável, alguém explicava o corpo humano e o interior de uma vaca. O entusiasmo dos professores nestas visitas era tal que logo pediam que dali a dois meses voltassem e tivessem um novo programa. E foi-me dado conhecimento do trabalho de investigação e dos materiais divulgativos, fundamentalmente filmes de 35 mm, diapositivos e brochuras. Aquele material pedagógico que me tinha impressionado em material plastificável corria o mundo, era considerado altamente inovador.

Já passa das onze horas, o visitante não veio para se divertir, Gerald tem o carro à porta, vamos para os arredores de Dresden, para Radebeul, visitar a Planeta, uma empresa de vanguarda, aqui produzem-se máquinas de impressão a cores, maquinaria computorizada. Antes de partir, o visitante tem direito a um espesso café preto e a uma fatia de tarde de maçã. Vamos ao trabalho!

(continua)

Imagem de Dresden destruída após bombardeamentos maciços, fevereiro de 1945
Imagem do princípio da reconstrução da Igreja das Mulheres, em Dresden
Altar-mor da Igreja das Mulheres depois da reconstrução
Obra de um dos artistas iconográficos de Dresden, Bernardo Bellotto
Cartaz de 1911, já se anuncia a Arte Nova
Museu de Higiene da Alemanha
Os materiais pedagógicos mais populares do Museu da Higiene, percebe-se porquê

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Nota do editor

Último poste da série de 24 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21478: Os nossos seres, saberes e lazeres (418): No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (12) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21498: Notas de leitura (1319): "Estórias cabralianas", 1º volume, Lisboa, Leituria, 2020, 144 pp,, de Jorge Cabral... Prefácio de Luís Graça: "o charne discreto da humanidade ou a arma da irrisão contra o absurdo da guerra"


O " alfero Cabral"... o mais "paisano" e "heterodoxo" dos comandantes que passaram pelo TO da Guiné...


... Até o Spínola um dia desabafou, no regresso à sua  visita ao destacamento de Missirá: "- Porra, que não é só o alferes!... Estão todos apanhados!"


Lisboa > Belém > 10 de Junho >  Sempre bendito entre as mulheres... Mas em Fá Mandinga e Missirá, em 1969/71,  ainda não havia camaradas do sexo feminino, em terra, no mar ou no ar! (,tirando meia-dúzia de enfermeiras-paraquedistas que tinham o estatuto transcendente de "anjos do céu" que vinham resgatar mortos e moribundos).

Fotos: © Jorge Cabral (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Prefácio: “Cabral só há um, o de Missirá, e mais nenhum”  (»)


por Luís Graça

Este bem podia ser o subtítulo, saudavelmente provocador, deste livro, se fosse imediatamente percetível, para o leitor de hoje, a referência ao antropónimo Cabral e ao topónimo Missirá…

Missirá ficava na “portuguesíssima província” da Guiné, “muito longe do Vietname”, hoje República da Guiné-Bissau, país independente, de língua oficial portuguesa. E Cabral não era o Amílcar, o senhor engenheiro e líder de um movimento nacionalista que combatia os “tugas”, mas o “alfero Cabral”, um personagem literário criado como um “alter ego” por Jorge Cabral…

Tal como muitos jovens da sua geração, o autor foi chamado para a tropa, ainda antes de acabar o seu curso de direito, e fez o caminho do calvário de muitos outros portugueses, milicianos ou do recrutamento geral (sem esquecer os militares do quadro), acabando mobilizado para a então “guerra do ultramar”. (Estamos a falar do tempo em que o serviço militar era obrigatório e havia, desde 1961, uma guerra em três frentes, a milhares de quilómetros de casa.)

Alferes miliciano, “atirador de artilharia”, nascido numa família de militares, sob uma frondosa árvore genealógica que já dera à Pátria “muitos Cabrais e que tais”, não desertou como outros “meninos das Avenidas Novas”: foi comandar o Pelotão de Caçadores Nativos, nº 63, dividindo a sua comissão entre Fá Mandinga e Missirá, entre 1969 e 1971, no Leste da Guiné, Sector L1, Bambadinca.

No regresso à Pátria, foi advogado e docente universitário. E continuou a ser do “contra” mas… “sempre discreto”. Um dia, em dezembro de 2005, apresentou-se à Tabanca Grande, à “tertúlia” criada à volta do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, nestes termos singelos:

“Através do blogue, recordo. E sinto. Vejo os rostos dos camaradas, oiço os sorrisos das crianças, e até, calcula, consigo admirar de novo os belos seios das bajudas. Peço permissão para pertencer à Tertúlia,, oferecendo o ‘pícaro’ de alguns episódios que vivi.”

Foi o início da série “Estórias cabralianas”, seguramente uma das mais populares que tivemos o privilégio de publicar, e que foi muito bem acolhida pela crítica literária de então… Cite-se, por exemplo, Torcato Mendonça: “Só tu, meu caro Jorge, me embacias os óculos com o cloreto de sódio que me saíram dos olhos e molharam os ditos”…

E, de facto, ninguém melhor do que o “alfero Cabral” para nos fazer (sor)rir, ao descrever, em traço grosso, numa frase, numa linha, num parágrafo, numa legenda, uma situação-limite, uma fantasmagórica personagem de carne e osso, um hilariante ambiente de caserna, um garboso chefe militar da “tropa-macaca”, um episódio grotesco mas sempre humaníssimo da nossa (co) vivência na guerra, enfim, uma cena rocambolesca, pícara, brejeira, relativamente à nossa passagem pela Guiné “em defesa da soberania portuguesa”.

Eu, que fui seu contemporâneo e camarada de armas, passei depois a ser fã das suas “short stories”, as “estórias cabralianas”, para mais sabendo que ninguém podia invejar o lugar de comandante deste tipo de destacamentos, isolados, na “linha de fronteira da guerra”, na terra de ninguém, guarnecido por pelotões de caçadores nativos, mais uns tantos “milícias” locais, com a família às costas, os cães e os tarecos, e mais meia dúzia de graduados e especialistas de origem metropolitano, à beira do abismo, esquecidos e abandonados...

Intrinsecamente do “contra” e “antimilitarista” (ou não tivesse sido ele também um “menino da Luz”), o criador das “estórias cabralianas” não tem qualquer propósito panfletário de denunciar a “guerra colonial”, pôr em causa a gloriosa tradição da “honra & glória” dos nossos africanistas, ou sequer de “ofender a instituição militar”, tão apenas o de manifestar a saudável loucura, própria dos seres humanos que são “condenados” ou “postos à prova” em situações-limite, face à morte, o sofrimento, as privações, o absurdo, o “non-sense”, a irrisão de uma guerra de fim de império... E aquela guerra, naquele espaço e tempo, tinha tudo isso.

Mas as “estórias cabralianas” são, também, um hino à idiossincrasia (lusitana e africana), à plasticidade comportamental dos nossos soldados, à enorme capacidade de resistência, de resiliência, de imaginação e de adaptação da nossa gente...

O Jorge Cabral que, quanto estudante universitário leu o Ionesco e conhecia o teatro do absurdo, não coloca o seu “alter ego” na situação, confortável, do marionetista... Ele faz parte, de alma e coração, da peça, dos adereços, do cenário, do texto e do contexto…

Devo dizer que Jorge Cabral foi o mais “paisano” dos militares que eu conheci na Guiné. Em Fá Mandinga e depois em Missirá, e sempre que ia a Bambadinca, não se limitava a ser um heterodoxo “tuga”, representante da tropa, oficial miliciano, ator e crítico ao mesmo tempo. Era também homem grande, pai, patrão, régulo, chefe de tabanca, conselheiro, psicólogo, ‘amigo do turra’, poeta, socioantropólogo, feiticeiro, ‘cherno’ (catequista), ‘mauro’ (padre), ‘médico (com a difícil especialidade de ‘obstetra e ginecologista’, “consertador de catotas”), sexólogo, advogado e não sei que mais.

À força de ser propalada e levada pelo vento, de bolanha em bolanha, a histórica e temível frase “Cabral só há um, o de Missirá e mais nenhum” terá tido um efeito “contrassubversivo” e até “perturbador” nas “hostes do PAIGC”… Ao reivindicar ser ele "o único e legítimo Cabral", punha em xeque, o outro, o de Conacri, o "usurpador", que defendia os seus pergaminhos de Kalashnikov na mão…

Chegou por certo aos ouvidos do temível Corca Só, o chefe da 'barraca' de Madina / Belel, a sul do Morés, a tal ponto que no tempo do "alfero Cabral” não mais voltou a meter-se com a malta de Missirá…

Em Missirá, um destacamento mais exposto às morteiradas, canhoadas e roquetadas do IN (abreviatura de inimigo) do que Fá Mandinga, contava-se que o "alfero Cabral”, mais do que temido, passara a ser "respeitado" (e quiçá "venerado") pelos “camaradas do PAIGC”, desde o famoso dia em que foi atrás deles, na bolanha, a apaziguá-los e a tranquilizá-los: “Vocês não fujam, não tenham medo!!!... Sou o Cabral!!!”...

Eis, pois, um verdadeiro Lawrence das terras do Cuor, na Guiné!... Alguns dos seus amigos e companheiros de Bambadinca (aonde ele ia com frequência matar a sede) chegaram a recear que ele ficasse completamente ‘cafrealizado’ ou ‘apanhado do clima’.

O “alfero Cabral” nunca acentua o lado do “bestiário da guerra” que há no Homo Sapiens Sapiens, mas sim o da sua humaníssima, frágil, quase tocante, condição de primata, de primus inter pares na ordem zoológica do mundo... O único animal que, afinal, consegue esta dupla proeza: (i) ser capaz de rir-se de si próprio; e (ii) e mostrar, pelo outro, compaixão (no seu sentido etimológico cum + passio: sofrimento comum, comunidade de sentimentos, partilha da dor… e prazer).

O seu sentido de humor é muito próprio: nu, de tanga (uma toalha à volta cintura), e de G3 às costas, é uma figura impagável, que nos acompanha, de princípio ao fim, fazendo destas “short stories” pérolas literárias, que só podiam ser fruto de um espírito aberto, fraterno, pacifista, sadio, maroto, provocador, lúcido, irreverente, desconcertante, descomplexado.

A par da imensa tragédia que provocou (com perdas e danos, materiais e simbólicos, irreparáveis), a guerra da Guiné foi também palco (hilariante) de muitas peças do Teatro do Absurdo (envolvendo as NT, o IN, os nossos oficiais superiores, o “Caco Baldé”, os nossos camaradas, a população local)...

Por outro lado, Jorge Cabral é um dos poucos que tem o engenho e a arte de nos conseguir falar (e comover), com um subtil toque de humor, de maneira descomplexada, das nossas relações com as mulheres locais, sem nunca cair na “ordinarice de caserna”…

Veja-se, por exemplo, essa fabulosa estória, da primeira vez que veio passar férias à Metrópole, em janeiro de 1970, a compra, num grande armazém de Lisboa, de trinta e oito sutiães de todos os tamanhos e cores, e que ele levou consigo, na bagagem, de regresso a Fá Mandinga, para oferecer às suas queridas bajudas. Mas não se pense, malevolamente, que ele tinha um harém: simplesmente organizou “a festa do corpinho, para a alegria das bajudas, que envergaram o seu primeiro sutiã”…

À laia de conclusão e incentivo para a leitura, acrescentarei este excerto de uma mensagem que em tempos lhe dirigi e que não perdeu nem acuidade nem atualidade:

“Só tu, meu querido Jorge, consegues pôr a malta e o resto a tropa a fazer... o pino!...Tu és a subversão total, o iconoclasta, o bombista-suicida, o terrorista intelectual, o humorista-mor e outras figuras que tais, que em muito contribuíram para o fim do nosso longo, vasto e glorioso Império... O teu humor é(era) subversivo, corrosivo, demolidor... Depois de te ler, um homem, um ‘tuga’, já não é mais o mesmo... Tu devias ir a tribunal militar, porque tu tiras a ‘tusa’... a qualquer combatente... Depois de te ler, quem é o combatente (até mesmo o de Alá!) que se sentirá com ‘tomates’ para ir combater na guerra, nas próximas ‘guerras santas’ que se avizinham?!”...

Luís Graça, editor do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (**)


O livro está à venda na Livraria Leituria (Rua José Estêvão, 45 A, Pascoal de Melo / Jardim Constantino, Lisboa).Preço de capa: 10 €


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sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21497: (In)citações (173): Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano - Parte II (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703)

1. Em mensagem do dia 27 de Outubro de 2020, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66, autor do livro "Guerra da Guiné: a Batalha de Cufar Nalu") enviou-nos um texto a que deu o título: "Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano", do qual publicamos hoje a II Parte.


Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano - Parte II 

Manuel Luís Lomba

Esse I Congresso de Cassacá constitui referência da evolução para a segunda fase da sua guerra revolucionária, e, também, marco organização e estruturante do PAIGC, estereótipo de Partido-estado-armado. Entre outras providências, Amílcar Cabral dividiu os combatentes em milícias guerrilheiras e em exército revolucionário (as FARP), o seu armamento e orgânica à imagem e semelhança dos regimes ditatoriais comunistas (oficiais executivos e oficiais comissários políticos), o seu núcleo duro enformado por ex-praças e ex-sargentos do Exército Português, na disponibilidade e desertores, formados no quartel de Santa Luzia, em Bissau, e no CIM, em Bolama, que mandara tirocinar na China, Rússia e Checo-Eslováquia, reorganizou o seu dispositivo territorial, explicitou um Código de Justiça Militar, a legalizar a pena capital, para eliminar as diferenças (dissidentes e desalinhados) e visando os seus compatriotas que se distinguissem ou tivessem distinguido ao serviço das forças militares e militarizadas portuguesas, já praticada na eliminação dos feiticeiros e noutros fatalidades, concluiu-o a presidir ao julgamento, a condenar e a mandar fuzilar alguns dos seus subordinados, acusados de comportamentos desviantes. 

Localização de Cassacá, na Região de Cacine, onde decorreu o I Congresso do PAIGC
© Luís Graça & Camaradas da Guiné - Infogravura da Carta de Cacine 1:50.000

Amílcar Cabral ”libertara” tanta área, no entanto a “sua” capital esteve sempre instalada em Conacry), aqui redigiu um comunicado de guerra triunfalista da batalha do Como, que só a agência noticiosa France Press aceitou difundir (a Comunicação social francesa foi o grande porta-voz do PAIGC, talvez efeito da afinidade) ter causado 600 baixas aos actores da “Operação Tridente” e valorizou esse alarde com uma exposição de alguns despojos de material de guerra e de logística, focada nos destroços de 20 aviões abatidos. 

Sem correspondência com a verdade.

Essa “Operação Tridente” decorreu durante 72 dias, o Comando militar investiu nela 1150 homens e os três Ramos, houve 9 mortos, 15 feridos graves, 32 feridos ligeiros em combate e apenas um avião foi abatido, o bombardeiro T6, pilotado pelo Alferes José Manuel Pité; o PAIGC investiu 400 combatentes guineenses, um número não apurado de cooperantes estrangeiros, sofreu mais de 100 baixas, incluindo 3 comandantes, entre mortos, prisioneiros e feridos graves, tendo a tropa socorrido e evacuado 9 destes para o Hospital Militar de Bissau… 

Os destroços mais atractivos patentes nessa exposição eram de dois aviões T6, caídos muito antes dessa operação, por sinistro em manobra e não por danos em combate, um pilotado pelo Furriel Eduardo Casals, que não sobreviveu, outro pilotado pelo então Sargento-Ajudante Sousa Lobato, que foi capturado, levado prisioneiro para Conacry e libertado pela “Operação Mar Verde”. Os destroços pertencentes ao T6 do Alferes Pité não seriam apelativos, por Alpoim Galvão e os seus fuzileiros os terem deixado escaqueirados a trotil. 

Os bissau-guineenses continuam a pagar a factura das meias verdades e das grandes mentiras do PAIGC daquele tempo. 

Em alinhamento com o “politicamente correcto” e descartando a verdade dos factos e a multiplicidade de relatos na primeira pessoa dos actores “Operação Tridente” e de toda aquela guerra ultramarina, a generalidade da nossa Comunicação social, os autores domésticos, os militares da nova geração e os seus institutos perfilham as narrativas do PAIGC. Ou história contada por outros, versus parcialidade. 

As FARP criadas no I Congresso de Cassacá, infernizaram a vida e não raro superaram as clássicas e formais FA portuguesas em mobilidade táctica, em agilidade em eficiência, foram fazendo o seu caminho evolutivo e até as superaram na qualidade do armamento. O PAIGC aplicava esse Código de Justiça Militar, desde Janeiro de 1964, fuzilando opositores políticos e militares naturais capturados. 

Ao ignorá-lo, o MFA não terá cuidado de salvaguardar os mais de 60 000 naturais guineenses, militares e militarizados, voluntários ou recrutados ao serviço das FA portuguesas. Foram deixados para traz – uma traição a eles e uma indecência (no mínimo) para com os mais de 100 000 dos veteranos da Guerra da Guiné, para com os seus 2 500 mortos, para com os seus 4 000 feridos, a maioria no grau de deficiente e para com cerca de 20 000 pacientes de stresse pós traumático. 

O seu irmão e sucessor Luís Cabral, começou a aplicá-lo logo no após o cessar-fogo, e, diz-se que, entre 1974 e até 1976, sancionou com o fuzilamento, sem qualquer julgamento, mesmo sumário, diz-se que cerca de 11 000 guineenses, somando militares, militarizados portugueses e oposicionistas políticos ao regime do PAIGC. 

Parafraseando o Padre António Vieira, o povo português em armas fez o preciso e a sua República fez o costume. 

Enquanto subvencionava a novel classe política, pelos seus mandatos, abrangente a refractários e desertores, a República Portuguesa ignorava e ostracizava o povo que deixou tudo, não negou o sacrifício das próprias vidas ao país, foi carne para canhão na Guerra do Ultramar, em cumprimento do seu dever de cidadania, `os nossos governantes demoraram mais de 40 anos, até à chegada do jornalista Paulo Portas a Ministro da Defesa, que, sem sequer ter assentado praça, conseguiu um “suplemento de reforma” de 130 € anuais para os combatentes europeus. 

Enquanto a República da Guiné-Bissau criou um Ministério dos Combatentes da Pátria, a República Portuguesa nem uma Direcção Geral. Por ironia das suas ironias, o destino uniu os ex-inimigos terríveis Alpoim Calvão, então empresário em Bolama e Nino Vieira, então PR da Guiné-Bissau, em defesa da extensão do direito ao subsídio de reforma dos bissau-guineenses, que serviram Portugal, como militares ou militarizados. 

A propósito da sua condecoração, o 1.º Cabo Auxiliar de Enfermeiro José Soares Biscaia era um moço aprumado, competente e muito humano, partilhamos todas as operações de “intervenção” da CCav 703, excluindo a “Operação Tornado”, ao Cantanhez, e incluindo o sangrento evento de combate, cuja prestação lhe mereceu essa condecoração. 

A Companhia colocou rapidamente duas fiadas de arame farpado, escavou trincheiras e abrigos no perímetro interior do estacionamento. 

Ao princípio da madrugada de 25 de Janeiro de 1965, o “nosso” Capitão Fernando Lacerda delegou o comando do estacionamento ao Alferes Nuno Bigotes, Comandante do 1.º Pelotão, de que eu fazia parte, saiu ao comando do grupo de combate, formado pelo 2.º e 3.º Pelotões, como parceiro da CCaç 617, do Grupo de Comandos "Os Fantasmas" e do Grupo de Milícias de Catió na “Operação Alicate”. 

No dia anterior (soubemos mais tarde), Nino Vieira havia saído do seu santuário (em Quitafine?) no santuário do PAIGC no Cantanhez, com um bi-grupo a reunir-se na base de Cufar Nalu, comandada por Manuel Saturnino da Costa, outro tirocinado na China e um peso pesado da luta do PAIGC. 

Em Cufar Nalu formou um Corpo de Exército (efectivo equivalente a uma Companhia do Exército Portiguês, mas portador de maior potencial de fogo), manobrou-o à maneira de exército clássico, montou o cerco em meia-lua a essa nossa morada nas ruinas da fábrica de descasque de arroz, lançou dois ataques, tentou o assalto no segundo, decidido à nossa expulsão e captura. 

Porquê a prioridade de fazer prisioneiros? Amílcar Cabral fizera a cabeça dos seus comandantes de que a grandeza da vitória não era matar, era capturar e fazer prisioneiros e de que exército que mata prisioneiros perderá a guerra. 

Localização de Cufar e Cufar Nalu.
© Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné - Infografia da Carta de Bedanda 1:50.000

Estava o nosso grupo de combate na sua progressão em “bicha de pirilau” e em “passo fantasma” por esse laranjal, fronteiro à testa da pista de aviação e de uma laranjeira caiu um vulto sobre o Tenente Capelão Lavajo Simões, que integrava a coluna a seguir ao Capitão Fernando Lacerda (rectifico o erro meu), disparou um tiro de pistola, este voltou-se e ferrou um tabefe naquele “coirão” que quebrara a surpresa da operação: não era um soldado seu, era um vigia da vanguarda do inimigo. E logo rebentaram um medonho tiroteio e explosões de armas ligeiras e pesadas, de tiro tenso e de tiro curvo. 

Pela seteira do meu abrigo via a saída de múltiplas faíscas dos canos das armas, lembraram-me os pirilampos numa noite de Junho, a referência do posicionamento dos nossos e do inimigo, estimei em 50 metros o distanciamento entre nós e entre eles, abri a nossa hostilidade com uma rajada de G3, logo secundada pela nossa metralha, o inimigo passou a dirigir o seu fogo em duas frentes, para o laranjal e para as ruínas da fábrica, a nossa metralhadora Breda, a bazuca e o morteiro activaram-se, pela minha “banana” (emissor/receptor HVS) informei o Alferes Bigotes desse cálculo. O abrigo do comando ficava no lado oposto ao meu e seguiu-se o lançamento de granadas do nosso morteiro de 81. 

O estacionamento tinha sido implantado em círculo, conforme as NEP, dividido em dois meios círculos, de um lado referenciado pelo caminho de acesso à pista de aviação, de outro pelo caminho de acesso ao cais do rio Meterunga. 

Eu pertencia a esse 1.º Pelotão, a minha e as outras duas Secções ficaram desde o início posicionadas em frente ao alçado principal das ruínas da fábrica, separados da orla da mata de Cufat Nalu por um campo aberto de pouco mais de 1 km, o Alferes Bigotes mudou-se para o posto de comando, passei a substituí-lo nessa frente e a segundo mais graduado operacional do estacionamento, porque o Alferes João Sequeira era médico. 

O Furriel Santos Oliveira, nosso camarada tabanqueiro, viera trazer-nos adidos um morteiro de 81 e a sua Esquadra, do seu Pelotão de Morteiros 912, batalhador na ilha do Como e em Jabadá, situara o seu espaldão junto ao Posto de Comando, e, nessa circunstância, a defesa dessa frente foi cometida aos cozinheiros, padeiro, faxinas, escriturário, enfermeiro, maqueiros, mecânicos, transmissões, condutores e desempanadores, o comando directo exercido pelo Furriel O´Connor Shirley da CCS, um sapador adido a nós. 

Passado algum tempo, tiroteio e rebentamentos passaram a intermitentes, entendeu-se que retirada do inimigo, a “banana” avisou-me que o grupo combate do laranjal rastejava de regresso, cumpriu-me rastejar de abrigo em aviso a espalhar esse aviso e postar-me junto ao cavalo de frisa, para trocar o “santo e a senha” com a sua vanguarda, calculei e indiquei duas das mais prováveis rotas de retirada do inimigo aos briosos apontadores dos morteiros e da bazuca, que logo diligenciaram o lançamento de granadas, para lhes “acelerar o passo”. 

Estava a malta a rastejar do laranjal para chegar ao cavalo de frisa, o inimigo retomou os rebentamentos e tiroteio, ora posicionado em meia-lua no lado do alçado posterior dos edifícios em ruínas e as suas RPG puseram logo fora de combate o nosso morteiro de 81 e a sua Esquadra, com as suas granadas foguete. O 1.º Cabo Auxiliar de Enfermeiro José Biscaia deixou o abrigo, percorreu o campo aberto, indiferente a projécteis e rebentamentos, começou por carregar o 1.º Cabo Gregório da Silva Lopes, já cadáver, seguiram-se os três municiadores gravemente feridos, um a um, deixou-os na tenda enfermaria, aos cuidados do Alferes Médico Dr. João Sequeira, regressando ou ao seu posto de combate todo ensanguentado.

 O inimigo ousou cortar primeira fiada de arame farpado, iniciou a tentativa de assalto, e ele, o Furriel Shirley e outros saltaram para os tectos de cibes dos seus abrigos, estiraram-se a disparar, o Alferes Bigotes (também condecorado) a exercer o seu comando, com a sua habitual calma olímpica. A malta do laranjal começou a retomar suas posições e o inimigo foi rechaçado pelo novo potencial de fogo. 

O objectivo do inimigo era ocupar o nosso lugar, o seu comando apercebera-se da fragilidade de defesa daquele lado e da eficiência do morteiro de 81 – a nossa única arma pesada de tiro curvo (éramos atacados com dois de 82) – e o abrandamento e a intermitência do seu fogo não fora indicador de retirada mas da sua rotação para essa posição. 

Não tivemos acesso ao plano e à ordem dessa “Operação Alicate”. O certo é que a CCaç 617, o Grupo de Milícias de Catió e o Grupo de Comandos "Os Fantasmas" montaram emboscadas nos três eixos de retirada dos nossos atacantes, um bi-grupo (talvez o comandado pelo Manuel Saturnino da Costa) caiu na emboscada dos Comandos – e 8 deles ficaram na “zona de morte”, não regressaram vivos às bases da mata de Cufar Nalú ou de Quitafine. 

Sofremos um morto, sete feridos graves e mais alguns ligeiros. Ao primeiro clarear da manhã, o chão do estacionamento apresentava-se pejado de covões dos rebentamentos proliferavam pelo estacionamento, os cozinheiros fizeram e distribuíram um caldeiro de café, o ar fatigado e silêncio da tristeza imperavam, o Furriel Manuel Simas saiu com um grupo de combate a fazer o reconhecimento, deu contas de manchas de sangue e de grande quantidade de invólucros de calibres 7,62, 9 e 12,7 mm. Fomos cercados e atacados por cerca de 70 combatentes e alvos de impactos de PPSH (costureirinhas),de Kalash´s, de duas RPG, de 2 morteiros de 82 e de 2 super-metralhadoras. Tínhamos vivido uma eternidade de 2 horas sob o fogo dos infernos. 

O mesmo grupo de combate foi fazer a segurança à pista, eliminou um espião, e, ao fim da manhã e pela primeira vez, desde a sua construção, em 1955, um Dakota aterrou na pista de Cufar, com reabastecimentos da intendência, de munições e para evacuar o morto e os feridos. 

O Grupo de Comandos Os Fantasmas e o Grupo de Milícias de Catió vieram partilhar o rancho do almoço connosco, oportunidade de conhecer os lendários Tenente Maurício Saraiva, o Marcelino da Mata, os malogrados Alferes de segunda linha João Bacar e Teófilo Sayeg (futuro capitão do futuro MFA, que o PAIGC fuzilará) e abraçar o amigo, camarada e tabanqueiro João Parreira, amizade nascida no Café Bento e consolidada à mesa Restaurante Tropical, com os pés debaixo da mesa… 

Dos protagonistas de Cufar, do nosso lado faço a evocação da memória de Nuno Bigotes, Manuel Simas, José Biscaia, Maurício Saraiva, João Bacar e Teófilo Sayeg, já não estão entre nós; do lado do PAIGC apenas o Manuel Saturnino da Costa será vivo. 

Tivemos algo de responsabilidade pelo durante da guerra; nada tivemos de responsabilidade pelo seu finalmente. 

Camaradas da “Operação Tridente” e da saga de Cufar houve desenvoltos na arte da guerra e da pena, combatentes e plumitivos, cito de memória Armor Pires Mota, Mário Fitas e António de Graça Abreu (os omissos que me desculpem), e permitam-me não dar o ponto sem nó: envio o meu livro "Guerra da Guiné: a Batalha de Cufar Nalu", ao preço de 13 €, os portes (e autógrafo) incluídos, basta encomendar para a: manuelluislomba@gmail.com

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Nota do editor

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