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sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26294: Notas de leitura (1756): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (6) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
É impossível não acompanhar o espírito de determinação que acompanha toda a governação de Oliveira Muzanty, quer sufocar revoltas, conceder perdões, gerar uma atmosfera que garanta a segurança das atividades comerciais, o grande busílis é o imposto palhota, vai de Varela até ao Sul, há protestos, etnias inteiras recusam pagar; o governador sabe que carece de meios para criar postos militares, o ministro limita drasticamente os gastos, só se abrem os cordões à bolsa para a campanha no Cuor, em 1908, nunca se vira na Guiné uma companhia de Macuas, centenas de militares brancos, veio propositadamente de Cabo Verde o fotógrafo José Henriques de Mello que nos deixará imagens interessantíssimas quer da presença destes efetivos, quer imagens do Cuor em chamas; é também neste período que se observa a solidariedade entre Fulas, Abdulai, régulo do Xime, é atacado por Infali e outros régulos Biafadas, os régulos Fulas vêem em seu auxílio, entre eles é figura de muito prestígio na região do Gabu, Monjur. Continuam as peripécias de Graça Falcão, andou a queixar-se em Lisboa de Muzanty, regressa e é-lhe instaurado um processo-crime. Mesmo com toda esta dinâmica das expedições militares, são tempos de expetativa depois do regicídio instalou-se em Lisboa um Governo de acalmação, e persistem as dificuldades financeiras. O novo governador chama-se Francelino Pimentel.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (6)

Mário Beja Santos

O governador Oliveira Muzanty não pára de organizar expedições, não faltam por toda a Guiné atos de sublevação, insubordinação, recusa de pagar impostos de palhota. A situação mais grave é a que se passa em Geba, em novembro de 1907 o governador põe-se à frente de uma expedição para impedir a propagação da rebelião na circunscrição de Geba, são envolvidas duas lanchas canhoneiras; nestas operações vão aparecer rebeldes bem municiados, o que leva a tomar a decisão governamental de proibir o comércio de pólvora, armas e espoletas em toda a província. Em dezembro, a revolta está sufocada, o governador envia o seu relatório ao ministro, dá-lhe conta da extensão do que fora a recusa de pagamento de imposto, era um movimento em que estavam envolvidos vários régulos, tendo à frente Infali Soncó, régulo do Cuor. O régulo do Xime manifestou-se contrário a esse movimento, o governador mandou distribuir armas e munições, régulos Fulas como Monjur, vieram apoiar Abdulai, o régulo do Xime, quem vinha atacar este régulo recua, Muzanty tem consciência de que precisa de fazer uma grande expedição, exemplar, na margem direita do Geba.

O governador teve que atacar noutra frente, no Quínara, havia que repor em funcionamento a linha telegráfica que tinha sido interrompida pelos indígenas Biafadas. A expedição desembarca em S. João, em frente a Bolama, os Biafadas rompem folgo, o gentio é expulso da população, a coluna avança protegida pela artilharia. Mais à frente, a força é recebida por intenso tiroteio, envolvida por todos os lados, os rebeldes usam espingardas Snider; a força vai incendiando povoações e depois regressa, não se atingira o objetivo de reparar a linha telegráfica.

Entretanto, está em formação a maior expedição que até hoje se vira na Guiné, de Lourenço Marques veio uma companhia de Macuas, do continente 10 oficiais, 12 praças de engenharia, 69 de artilharia, 251 de infantaria, 8 de serviço de saúde, 4 administrativos, material sanitário e de bivaque, munições, viveres, etc. Em março, esta expedição como nunca se vira chega a Bissau. Enquanto se organiza esta força expedicionária, havia problemas em Varela a resolver, para ali avançara gente do destacamento de Cacheu e vão várias embarcações em direção ao porto de Bolor. O destacamento está frente a Varela e começam os disparos da peça de artilharia, a resposta é enérgica, mas depois desaparece a resistência, a povoação foi destruída.

Agora sim, vai começar a expedição na região do Cuor, onde o régulo Infali Soncó tinha estabelecido umas verdadeiras fortificações, era dali que partiam ataques às lanchas que pretendiam navegar no rio. Infali contava com várias alianças, terá de combater sozinho. A expedição parte no fim de março, acampam no Xime. O objetivo da coluna era tomar conta do porto de Sambel Nhantá, atravessava-se Bambadinca para o Cuor e procurava-se acabar com a resistência logo em Ganturé. Possuímos boas imagens desta expedição graças à presença como fotografia militar de José Henriques de Mello. Os apoiantes de Infali ainda resistem em Ganturé, a povoação é assaltada pelo corpo auxiliar de indígenas, secundado por cavaleiros turancas, os apoiantes de Infali fogem; na manhã seguinte toma-se Sambel Nhantá, a expedição avança até Madina, o régulo fugiu para o Oio. Fica em construção um posto militar em Caranquecunda. Todos os régulos à volta deram ordens para satisfazer o pagamento do imposto. A região de Geba deixa de ser teatro de operações. Muzanty volta-se para a ilha de Bissau e depois o Quínara. O ministro em Lisboa insistia que se avançasse para o Oio, o governador considerou prioritário uma campanha na ilha de Bissau, os régulos de Intim e Bandim não tinham cumprido a promessa de vassalagem, será uma expedição de peso: 30 oficiais, 486 praças europeias, 148 praças indígenas, muitas dezenas de auxiliares e centenas de carregadores. A coluna começa por ser atacada, a coluna continua a avançar, a povoação é abandonada, incendeia-se um grande número de povoações de Bandim, mas os rebeldes não desistem de atacar, dão pouca luta. O que se passou na ilha não passou de um castigo exemplar, não houve ocupação, foi um bate e foge, de Lisboa reclama o efetivo continental.

Graça Falcão, um ex-alferes que no passado fora considerado um herói, e depois se tornara comerciante e acusado pelas autoridades de muita vilania, anda por Lisboa a lançar na imprensa uma campanha contra a governação de Muzanty, lembra a toda a gente em Lisboa que é um cavaleiro da Torre e Espada muito maltratado; escreve ao ministro a pedir que seja feita justiça, pede a revogação da portaria que limitou os seus movimentos na Guiné. Muzanty responde com energia, publica uma nova portaria determinando nova expulsão de Graça Falcão, o ministro mandou anular a portaria determinando ao promotor civil da auditoria da Guiné que lhe seja instaurado um processo-crime e aplicado o castigo que for de justiça. É episódio que terá continuação. Muzanty vem a Lisboa, fica encarregado do Governo o secretário-geral Joaquim José Duarte Guimarães. Este dá contas ao Governo de cada uma das circunscrições: na circunscrição de Cacine não havia problemas, tinha-se cobrado o imposto, assim como em Buba; a região do Quínara, ocupada por Biafadas, estava insubmissa; parte da circunscrição de Geba estava quase desabitada depois das últimas operações de Oliveira Muzanty; em Sambel Nhantá encontrava-se Abdul Injai, que o encarregado do Governo apelida de homem terrível, mau elemento, comandante de bandidos; o Oio era habitado por gente trabalhadora mas que não pagavam imposto, o mesmo sucedendo com os Balantas; em Bissau, as questões com os indígenas continuavam sem solução, morrera o régulo de Intim e procurava-se agora forçá-los a pedir a paz. Permanece uma grande desconfiança sobre as atividades de Abdul Injai naquela região do Geba, e é nisto que surgem problemas na região dos Balantas, o secretário-geral vai a Caranquecunda e convida Abdul Injai a atacar os Balantas, este aceita, incendei as tabancas Balantas, mata e rouba, o secretário-geral toma a decisão de estabelecer naquele território um posto militar.

Mudando de cenário, temos as constantes reclamações estrangeiras, os pedidos de indeminização dos proprietários das embarcações e das mercadorias roubadas, o encarregado do Governo nega-lhes provimento. Muzanty volta à Guiné, vai ficar por pouco tempo, a sua ação não tinha conseguido resolver os problemas principais da província, nomeadamente as questões do Oio e de Bissau. Muzanty regressa a Lisboa, Duarte Guimarães é novamente nomeado encarregado do Governo, é um período de atritos entre o secretário-geral, o encarregado do Governo e o Chefe de Estado-maior. Já estamos em 1909, o novo governador chama-se Francelino Pimentel.

Armando Tavares da Silva
Oficiais da bateria de artilharia da Guiné, fotografia de José Henriques de Mello
Embarque de auxiliares num batelão, fotografia de José Henriques de Mello
Colecção Jill Rosemary Dias, 1920
Imagem retirada de Casa Comum/Fundação Mário Soares

(continua)
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Notas do editor:

Vd. post de 6 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26240: Notas de leitura (1752): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (5) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 16 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26272: Notas de leitura (1755): Lavar dos Cestos, José Brás e Chiado Books, 2024 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26293: Agenda cultural (875): "A Vida de Um Soldado", Casa da Cultura Leonardo Coimbra, Lixa,, de 29/11 a 31/12/2024, Exposição de José Claudino da Silva, "Dino" ( ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74)


Cartaz da Exposição fotodocumental do nosso camarada e grão-tabanqueiro, José Claudino da Silva [é autor da série "Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) ", de que se publicaram mais de 70 postes; é membro da Tabanca Grande desde 18/10/2017; tem mais 55 referências no blogue; nascido em Penafiel, em 1950; reside em Amarante; tem livros publicados e página no Facebook ]
















"A Vida de Um Soldado", Casa da Cultura Leonardo Coimbra, Lixa,, de 29/11 a 31/12/2024, Algumas imagens da Exposição do José Claudino da Silva, "Dino", que ainda pode ser vista até ao fim do ano.


Fotos (e legenda): © José Claudino da Silva (2024). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso "Dino",com com data de 19/12/2024, 12:45

"Olá. Tenho patente até ao fim do ano uma exposição de fotos,  cartas,  postais e vários documentos sobre a guerra colonial, na Casa da Cultura da Lixa, Felgueiras.

"Poucos a visitam. Porém, a guerra vista por um soldado é completamente diferente da que vê um general."

2. Comentário do editor LG:

Parabéns, Dino. Uma amiga comum, aí da Lixa,  já me tinha falado da tua exposição, Vou aí ao Norte pelo Natal mas não vou poder dar aí um salto à Lixa. Um feliz Natal para ti e os teus. Fica feita a "prova de vida". Fico a aguardar a tua prometida seleção das tuas 160 fotos, as que puderes e quiseres partilhar, no blogue, com os teus camaradas da Guiné. Um alfabravo fraterno,  Luís Graça.

3. Sobre a Casa da Cultura Leonardo Coimbra (Rua 25 de Abril, Vila Cova de Lixa, Felgueiras | telef 255 490 922

"Casa onde nasceu o ilustre felgueirense Leonardo Coimbra (1883-1936), um dos maiores vultos da filosofia portuguesa. Poderá conhecer a sua obra e visitar a exposição permanente a ele dedicada.

"Aqui funciona uma extensão da Biblioteca Municipal de Felgueiras."

Guiné 61/74 - P26292: As nossas geografias emocionais (35): Helsínquia, Finlândia (António Graça de Abreu)








Finlândia > Helsinquia > 2023

Fotos (e legenda): © António Graça de Abreu (2023). Todos os direitos reservados [Edição e lendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. O escritor, sinólogo, tradutor e "globe-trotter" António Graça de Abreu, com a esposa, médica, Hai Yuan, nosso amigo e camarada (ex-alf mil, CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74): mandou-nos, em 20 do passado mês de novembro, para publicação, mais um "postal ilustrado",  ainda na sequência de mais um cruzeiro que efetuou, em agosto de 2023, desta vez à Gronelândia e à Islândia (*):


Helsínquia, Finlândia

por António Graça de Abreu

Os dias em Helsínquia.

A cidade implantada em cima do mar, o meu leve esbracejar no centro do burgo, debruçado sobre o Báltico. Quilos e quilos de morangos, frescos, perfumados, à venda no mercado do peixe, monumentos e igrejas, o palácio branco do Senado, a catedral ao lado.

Este país sobre o qual quase nada sei. A promessa de tentar entender. Falam línguas próprias, arrevesadas e estranhas, o fino-húngaro, aparentado com o estoniano com raízes no idioma da Hungria. Os finlandeses são um dos povos mais civilizados e educados da Europa, têm, por bandeira uma cruz azul cravada sobre um fundo branco, igualzinha ao que foi, há mil anos atrás, o estandarte, a bandeira de D. Afonso Henriques legitimando a existência de Portugal.

A serena Finlândia dos mil lagos. Levam-me para os arredores de Helsínquia, dão-me um almoço de salmão fresco enrolado em cremes de nata e legumes. A terra plana e verdejante, pequenos canais, casinhas alindadas, barcos robustos de madeira ancorados na margem solitária da laguna triste, prometendo silenciosas viagens. 

Jean Sibelius (1865-1957), o homem da música, no seu jardim de Helsínquia, as rochas, o seu rosto modelado em figuras de aço, uma lágrima humedecendo o fluir dos anos, as suas sinfonias, a Finlândia crescendo entre salgueiros verdejantes, na nobreza das águas azuis dos lagos. (**)

© António Graça de Abreu (2023)
(**) Último poste da série > 14 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26152: As nossas geografias emocionais (34): Alguns dos principais topónimos do território, segundo um mapa de 1951...

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 – P26291: In Memoriam (529): Comandante Almada Contreiras (1941-2024), um antigo camarada que conheceu as terras da Guiné, e um dos militares do 25 de Abr (José Saúde)

 

 

Beja > Biblioteca Municipal José Saramago > 10 de dezembro de 2019 > 21h30 > Sessão de lançamento do livro do José Saúde, “Um Ranger na Guerra Colonial: Guiné-Bissau 1973/74:  Memórias de Gabu”. 

A mesa formada por (da esquerda para a direita)  dr.ª Paula Santos, diretora da Biblioteca Municipal José Saramago de Beja; Comandante de Mar e Guerra Almada Contreiras, um militar que integrou o MFA aquando a Revolução dos Cravos, 25 de Abril; Luís Godinho, diretor do Diário do Alentejo;  José Saúde, autor da obra;  e Fernando Mão de Ferro, editor da Colibri

Foto (e legenda): © José Saúde  (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.



Morreu o Comandante Almada Contreiras, um antigo camarada que conheceu as terras da Guiné


Camaradas,


Faleceu na passada quarta-feira, 18 de dezembro de 2024, o Comandante Almada Contreiras, capitão-de-mar-e-guerra, e que se encontrava na situação de aposentado. Carlos Almada Contreiras era natural de Aljustrel, distrito de Beja, nascido no ano de 1941, e foi um dos militares da Revolução do 25 de Abril de 1974, que proporcionou a queda do antigo governo.

Almada Contreiras era, pois, um homem que contribuiu para a Liberdade de um povo amordaço que ao longo de 48 anos se vira privado de múltiplos objetivos que pairavam, então, na mente de jovens que, a partir dos princípios da guerra colonial, se sentiam oprimidos face a um futuro quiçá incerto, dado ser quase certo a nossa presença na guerra de além-mar.

O Comandante ingressou na Escola Naval em 1960 e esteve presente em diversas missões militares na Guiné, Moçambique, Angola e São Tomé e Príncipe, entre 1964 e 1970. Almada Contreiras participou ativamente na Revolução de Abril e foi um dos subscritores da redação do Programa do Movimento das Forças Armadas (MFA).

Ao longo do processo revolucionário desempenhou vários cargos, bem como funções, nomeadamente enquanto membro da Comissão Coordenadora do MFA, do Conselho de Estado e do Conselho da Revolução, e conselheiro do Serviço Diretor e Coordenador da Informação (SDCI). Foi, também, condecorado por diversas vezes, incluindo com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade.

Este vosso camarada teve o privilégio de conhecer, e de com ele privar, o Comandante Almada Contreiras, dado o facto de ter sido um dos oradores do meu livro – UM RANGER NA GUERRA COLONIAL – GUINÉ-BISSAU 1973/1974 –, na Biblioteca Municipal de Beja José Saramago, aquando da apresentação da obra editada pela Colibri, sendo que este livro faz parte coleção que agora deixa: Memórias de Guerra e Revolução. Direção: Carlos de Almada Contreiras.

Deixo-vos a foto do acontecimento e o meu pesar pela morte do Comandante Almada Contreiras, assim como os sentimentos à família enlutada.

Abraços, camaradas
José Saúde
Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BART 6523

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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 


27 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26200: In Memoriam (518): Lúcia Bayan († 26 de Novembro de 2024): Doutorada em Estudos Africanos e colaboradora do nosso Blogue em assuntos do Chão Felupe (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26290: Desejando Boas Festas, Feliz Ano Novo de 2025, e aproveitando para fazer... prova de vida (8): "Outras Festas Natalícias - Natal, uma época mágica", por Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR do BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74

OUTRAS FESTAS NATALÍCIAS

NATAL – UMA ÉPOCA MÁGICA[1]

Juvenal Amado

Naquela casa, pouco mais que remediada, o Natal era celebrado com grande alegria. Na altura a árvore era enfeitada de algodão e bugalhos pintados com purpurinas douradas e prateadas, alguns chocolates seriam pendurados mais próximo da data. Na antevisão das prendas não se sonhava com as grandes e inacessíveis montras das lojas que ofuscavam com o brilho e cores.
Tanta coisa que soava a agressão, para quem não podia reclamá-las.

A mãe fazia os fritos de abóbora, a batata doce frita em rodelas envoltas em açúcar e canela e uns bolinhos também fritos a que chamam hoje carolinas.

Era uma azáfama com que se preparava o festejo.

Comiam carne pois de bacalhau estavam fartos, eventualmente havia laranjada, bebia-se café de cevada e petiscavam os fritos e bolinhos.
As crianças deitadas agitadas mal dormiam para ir ao sapatinho onde as esperavam as alegrias que o menino Jesus lá tinha deixado - e também desilusões.

O comboio tinha ficado nalguma estação e a boneca tinha ido parar por engano a outra casa. A título de justificação o pai e mãe diziam que iam ver como tal tinha acontecido.

O pai fazia a maior parte dos brinquedos às escondidas. Pistolas e espingardas, camas e guarda-roupa para as bonecas. Era tudo lindo, a que se juntava uns lápis e chapéus de chocolate.
O tempo foi passando e, na vez de brinquedos, começaram a receber umas meias, uns sapatos, uma mala para a escola – material que há muito fazia falta. Rapidamente se passou dos brinquedos para as necessidades mais prementes.

Os Natais foram melhorando em função dos filhos que logo que saídos da escola iam trabalhar. Perdia-se a magia em troca de mais alguns bens que se podiam comprar.

Para o filho mais velho o Natal teve mais tarde outro significado, que foi o da saudade, quando em África passou três Natais seguidos.
O tempo corria lento e pesado, o suor corria denso encharcando o caqui nas longas noites de serviço ou em patrulhas esgotantes e perigosas. Não pensava no regresso pois era doloroso, embriagava-se e espantava assim a melancolia junto com os camaradas. Para casa escrevia que tinha sido bom e que estava bem.

Em Abril de 74 regressou a casa. Para trás ficou um muro de recordações de bons, assim-assim e inesquecíveis maus momentos.

Perderam-se os convívios, os calores humanos, tinha regressado - mas nunca totalmente. O que se perdeu lá ficou no passado por vezes sangrento, feito de medo e solidão, que hoje será coragem.

Casou, teve filhos e finalmente reviu-se nos Natais passados ao assistir à agitação dos mais pequenos na antevisão das prendas no sapatinho.
E a magia voltou a acontecer.

17 de Dezembro de 2024
Juvenal Sacadura Amado

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Notas do editor

[1] - Com a devida vénia ao Blogue da Tabanca do Centro

Último post da série de 18 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26285: Desejando Boas Festas, Feliz Ano Novo de 2025, e aproveitando para fazer... prova de vida (7): Mensagens natalícias de José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381; Grã-Tabanqueiro José Carlos Mussá Biai; Grã-Tabanqueiro Patrício Ribeiro, fundador da Impar em Bissau e Joaquim Fernandes Alves, ex-Fur Mil da CART 1659

Guiné 61/74 - P26289: Álbum fotográfico de João Moreira (ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 - Olossato e Nhacra, 1970/72) (7)

Foto 51 > Junho de 1970 > Vista parcial da tabanca do Olossato
Foto 52 > Junho de 1970 > Djubis na ponte do Maqué
Foto 53 > Junho de 1970 > Olossato > Uma equipa de futebol com os furriéis Silva (Transmissões), Carvalho, Ramalho, Lopes, João Moreira e Justino.
Foto 54 > Julho de 1970 > Olossato > João Moreira
Foto 55 > Julho de 1970 > Olossato > Furriéis Ramalho (de costas), João Moreira, Lopes e Alferes Salgado (em tronco nu)
Foto 56 > Julho de 1970 > Olossato > Morança dos alfaiates
Foto 57 > Julho de 1970 > Olossato > João Moreira junto dum helicanhão, na véspera de uma operação
Foto 58 > Julho de 1970 > Olossato > João Moreira

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 12 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26261: Álbum fotográfico de João Moreira (ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 - Olossato e Nhacra, 1970/72) (6)

Guiné 61/74 - P26288: Por onde andam os nossos fotógrafos ? (32): Jorge Pinto (ex-alf mil, 3.ª C / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74) - Parte II



Foto nº 5


Foto nº 5A


Foto nº 6


Foto nº 7A

Foto nº 7


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª C/BART 6520/72, 1972/74) > Julho de 1974 >   Visita a Fulacunda  de um bigrupo do PAIGC, comandado por Bunca Dabó


Fotos: © Jorge Pinto (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar_ Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine]

1. Aqui vai o segunda parte das fotos do Jorge Pinto, relativas à visita, a Fulacunda de um bigrupo do PAIGC.
 
O Jorge Pinto [ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74; natural de Turquel, Alcobaça; professor do ensino secundário, reformado; membro da Tabanca Grande desde 17/4/2012, com 57 referências no blogue ] tem um excelente álbum fotográfico do seu tempo de Guiné, e em especial de Fulacunda, região de Quínara, álbum q1ue merece uma revisita, com reedição das suas melhores fotos, nesta série (*).


(i) Estas fotos, da  Parte II,  retratam a primeira visita dos militares do PAIGC à tabanca de Fulacunda, com destaque para a 5ª e 6ª fotos, onde a população ouve atentamente o comissário politico, sobre as "mudanças" que se avizinham.

(ii) Nesta sessão também é visível o Administrador da Circunscrição de Fulacundfa,  o sr, Norberto  (Fotos nº 5 r 5A) ;
 
(iii) Na última foto (nº 7) vê-se, à entrada da messe de oficiais, o comandante de bigrupo, Bunca Dabó, que atacou várias vezes o aquartelamento e a tabanca de Fulacunda, durante os dois anos em eu que lá estive.

JPinto


2. Na altra, em 2016,  os comentadores do P15818 puseram algumas questões pertinentes, incluindo o "colon" António Rosinha (que vê mais longe só com um olho, do que nós de binóculos) (*):

(i) Antº Rosinha

(...) "Estas fotos dos guerrilheiros com Jorge Pinto, assim como as de outros militares que após o 25 de Abril noutros posts, já foram mostradas aqui, mereciam um album. É que essas fotos falam em altos gritos. Aqueles rostos são eloquentes.


"É que todas as fotos, de uma maneira geral, mostram-nos "brancos", alegres, descontraídos, desarmados, eufóricos e ao mesmo tempo tranquilos. E mostram-nos "negros" armados, preparados para a guerra, incrédulos e indecisos, sem disposição de abandonar a guerra.


"Claro que como eu também vi os guerrilheiros do MPLA, da UNITA e da FNLA em Angola, e o semblante de quem sabe que a guerra ia piorar, e estavam dispostos a matar ou morrer, por isso, todas estas fotos me confirmam sempre aquilo que eu sempre digo. O MPLA e o PAIGC, não era no "tuga" que viam o seu grande inimigo, e sabiam que a guerra ia continuar sem o 'colon'. Até hoje ainda não largaram as armas, embora disfarcem. E até dentro dos próprios movimentos, precisavam de se armar, para se protegerem uns dos outros".(**)

quinta-feira, 3 de março de 2016 às 09:10:00 WET

(ii) Luís Graça


(...) Jorge, há camaradas do teu tempo que ainda têm relutância em mostrar estas fotos, no nosso blogue. Há sempre algum receio de crítica por parte dos pares, sobretudo pelos "velhinhos" que apanharam os duros anos do iníco da guerra ou que combateram o PAIGC no tempo de Spínola, como eu...

Sei que expor estas fotos, é também expor-nos... Mas seria uma pena não as publicar, e mais, vê-las no contentor do lixo... Não é desonra nenhuma "posar" para a fotografia com o "inimigo de ontem"... Acontece/aconteceu em muitas guerras que, como tudo na vida humana, chegam a um fim... E mais difícil, se calhar, é saber fazer a paz do que continuar a guerra...

Além do mais, fazes questão de dizer que quem veio ao vosso encontro foi o bigrupo do Bunca Dabo, não foram vocês que foram ter com eles... Não sei se a desconfiança era só de um lado... O que estariam a pensar os nossos camaradas africanas que optaram pelo "nosso lado" e a quem o PAIGC chamava, na sua propaganda, os "cães dos colonialistas" ? E eram fulas, mandingas, balantas, manjacos, biafadas, felupes, etc., como os seus "irmãos" do outro lado....

Ao mesmo tempo também há curiosidade, mútua, em "conhecer o outro" que nos combatia, que se calhar nos teve, no mato, debaixo da mira da Simonov, ou da Kalash ou do RPG... ou despejou carregadores de G3 contra o "sacana" emboscado por detrás daquele bagabaga, junto da aquele bissilão na orla da mata, na picada que ia ter à bolanha e ao rio, naquele dia e naquela hora, lembras-te, camarada ?...

Tens de explicar à gente donde veio exatamente este bigrupo... Há um tipo estranho, de farda amarela (?), com um gorro (ou "protetor de cabeça" ?), e pistola à cintura, à "cowboy", que tanto pode ser um apontador de RPG (segura um tubo), como poderia ser um eventual tripulante de uma viatura blindada (Vd. Foto nº 1 )...

Parece-me de todo improvável que este bigrupo, mesmo em julho de 1974, fosse "autotransportado"... Pelo que se percebe das fotos, tu foste com eles ao "porto de Fulacunda", nas turísticas viaturas da tropa a que no meu tempo chamávamos Unimog... Quando íamos para os "safaris", íamos de Unimog, 404 ou 411 (o célebre "burrinho")...

Temos que perceber (e até aceitar) as "cautelas" da "tropa" do PAIGC... A assinatura do acordo de Argel, ainda vem longe: se não erro, os políticos só "assinam a paz" em 25 de agosto de 1974... Até lá, a "paz foi-se construindo", com encontros como este e outros que se realizaram por todo o território...

Por fim, puxa pelos neurónios e confirma que o "caixa d'óculos", o Bunca Dabó, era mesmo o comandante... Olha que ele tem mais cara de comissário político, e pelo que eu tenho lido eram mais os comissários políticos que faziam os primeiros contactos e aproximações à NT, no pós-25 de abril. (...=


(iii) José Manuel Matos Dinis (1948-2021):

(...) Compreendo a satisfação da NT que nunca gostou da guerra, mas não se deixou amedrontar por ela, e gostaria de formular uma questão: na época dos retratos ainda estava por assinar o armistício e ainda se vivia em regime de guerra contra a guerrilha. 

Não seria plausível a entrada de guerrilheiros armados nas instalações militares, e como já vimos por outras descrições, por vezes até com arrogância. A descontracção mostrada pelas NT, demonstra que sabiam não correr riscos. A questão é a seguinte: o MFA da Guiné ter-vos-á dado indicações para confraternizar com o IN antecipando o fim da guerra, ou cada uma das unidades visitadas fê-lo por conta própria.
É que só vejo uma de duas possibilidades, e gostaria de ser esclarecido.
Abraços

(iv)  Antº Rosinha:

Em Abril de 1974, no caso de Angola, os movimentos já não tinham grande receio da tropa metropolitana. Só se aproximaram das populações e das cidades depois de Agosto, mas sempre armados, e sem à vontade e até com sensação de envergonhados.

Mas o grande receio deles era encontrarem-se com os movimentos adversários pelo que começaram imediatamente aos tiros esporádicos.

Entretanto eu peguei nos meus caixotes de retornado e em Novembro/74 já não assisti a mais nada em Angola. Mas faço ideia o que se teria passado com sobas e comandos africanos, que sabiam que eles se iam portar como terroristas com todas as letras, ou alguêm duvidava?

No caso da Guiné, já sabemos que o receio levou-os a criar as valas comuns para os comandos africanos de Spínola e alguns régulos.

Para mim, aquele ar com que se apresentam nas fotos já diz em parte o espírito com que chegaram junto do povo. Ajustar contas!

Mas, essa cara que vemos nas fotos que devia ser de alegria e abraços pelo menos junto do povo, continuava a mesma cara estranha, passados vários anos, nos quartéis em Brá e na rua.

Só devemos falar sobre aquilo a que assistimos, mas passados tantos anos a estudar, e a ouvir testemunhos, já podemos fazer afirmações e deduções que podem ficar para a história.(,,,)

quinta-feira, 3 de março de 2016 às 13:27:00 WET 
 
(v) Luís Graça:

(...) Não façamos uma leitura tão "imediatista", redutora, linear... destas imagens. Todos temos, os seres humanos, um "rosto" e uma "máscara"... O rosto é "aquilo que somos", a "máscara" é o rosto retocado, melhorado ou não, manipulado, com que nos apresentamos aos outros... É no espaço que medeia o rosto e a máscara que está a verdade...

Quem, como o Rosinha, viveu largos anos em África (,eu só vivi dois...) sabe qual é a importância da máscara nas culturas africanas... 


(vi) Antº Rosinha:

Luís Graça, eu não vejo aqui qualquer máscara, vejo apenas gente armada sem qualquer ideia de paz.

Os africanos, entre eles, demonstram sentimentos de satisfação, ou de convivência, de uma maneira instintiva. e de uma maneira irresistível, quer dançando, quer batendo palmas, quer apertando a mão e se forem mais velhos, fazendo vénias respeitosas.

Em variadíssimas fotografias pós 25 de Abril, que aqui já foram exibidas nunca vimos demonstrações de júbilo entre o povo e os guerrilheiros.

Eu não vejo nada que não esteja à vista de todos os por aqui passam frequentemente. Penso eu.

quinta-feira, 3 de março de 2016 às 17:48:00 WET

(vii) C. Martins:

Então foi assim...  malta das NT ficou contente porque antevia, finalmente, o final da guerra e o regresso a "no terra".

Nos "gajos" do PAIGC notava-se uma certa desconfiança sobre "tudo e todos"..não sabiam qual seria o futuro (deles), Quem mandava eram os "comissários políticos", os restantes "eram carne para canhão"

A população andava apreensiva e com razão.

Quanto aos elementos das NT locais tiveram reacções diferentes consoante as funções que desempenharam... Concretamente na arma de artilharia não se passou nada, reeceberam o pré a que tinham direito, passaram à disponibilidade e foram à sua vida. (...)

quinta-feira, 3 de março de 2016 às 22:48:00 WET 


(viii) Joáo Candeias Silva (1950-2022)

(...) Vou relatar o que se passou comigo no CIM, Bolama, no dia 1º de Maio de 1974, altura em que já ia a caminho do meu 25 mês na Guiné. 

Um Major de nome Lima, que julgo foi substituir o "célebre" major Coutinho, era o diretor de instrução e por quem os instrutores não morriam de amores, veio nesse dia "autorizar" quem quisesse participar numa manifestação do PAIGC na cidade. 

Não fui, nem conheci ninguém que lhe tivesse "obedecido". Desconheço se o major Lima era membro do MFA, pelo perfil militar demonstrado até aquela altura e depois eu considerava-o um ultra. (...)


3. Jorge Pinto procurou, na altura, responder5 a algumas das nossas questões, comentando (*):

(...) Em 1972/74, Fulacunda é uma tabanca totalmente isolada. A única picada transitada era a que servia de acesso ao porto de reabastecimento e que distava uns 4/5 Klms.

 O referido grupo do Bunca Dabó, pelo que sei, patrulhava/circulava a zona entre Fulacunda e os rios Corubal e Geba e por isso flagelava/atacava Fulacunda de vez em quando.

A visita deste grupo, composto por cerca de 50 elementos a Fulacunda, durante 1 dia, foi programada e preparada, mas desconheço pormenores. Sei, apenas que o mesmo já tinha acontecido noutras localidades da Guiné.

Naturalmente que a população de Fulacunda recebeu estes guerrilheiros, que vinham fortemente armados, em grande tensão. As fotos 5 e , demonstram isso.

A "exigência" da ida ao porto de Fulacunda, no mesmo dia da visita, considerei-a inútil, pois não fomos fazer nem ver nada de novo. Nesta viagem de 4/5 Klms iam cerca de 15 (guerrilheiros), bem armados, conforme fotos demonstram. 

Da parte das NT ia eu, um furriel e o cabo condutor, totalmente desarmados. Nenhum elemento da população nos acompanhou. Esta ficou dentro do recinto que era cercado por arame farpado conversando com os restantes elementos do PAIGC. 

As fotos  retratam a saída da Tabanca para o Porto.  As outras são tiradas no próprio porto.


4. Comentário do editor LG:

Jorge, já há tempos levantei esta questão: conmtinuo a ter dúvidas se o comandante... será mesmo o comandante ou o comissário político ? É um "caixa d' óculos", tem ar "citadino", de "intlectual", parece demasiado novo para ser comandante...  

Imagino que ainda seja "periquito", novato, devida ter ter vindo da URSS, ou da Europa de leste, ou de Conacri, ou do liceu de Bissau, ou de Dacar... E, pelo apelido, seria um biafada... Portanto, jogava em cada... Fumo seu cigarro, tem uma pistola Tokarev à cintura, e farda à medida...(Tdem piada, o oPAIGC nãopo usava fardas camufladas, mas sim fardas tipo nº 3, como as nossas, ditas de "trabalho"; quem seria o fornecedor ?)

E mais outra dúvida me assalta: como é que aquele homem (parece-me novo demais para andar naquela guerra há muito tempo...), se sentiria, uns tempos antes, atacando Fulacunda onde provavelmente teria parentes ?... 

 Enfim, reflexões serôdios de um "tuga" que passou, há mais de meia centena de anos, por tabancas fulas, mandingas, balantas, biafadas e andou no mato aos tiros contra homens armados de Kalash, "costureinhas" e de RGP, e já se interrogava, "in loco", nessa altura, em 1969/71, sobre o raio do sentido da guerra, em geral, e daquela guerra, em particular...

 "Guerra de libertação" ou "guerra civil" ?... Guerra, "tout court", meu estúpido, dizia ele, para os botões da sua farda camuflada... (não havia mais com quem conversar, nas penosas e dolorosas operações no mato).

O que te terão dito, Jorge, nessa altura, os teus habitantes de Fulacunda que estavam sob a tua proteção?... Em tempo de peste, fome e de guerra, bispo, comissário político, senhor da guerra, comandante de bigrupo, chefe de posto, e tropa... são tudo a mesma coisa, mensageiros de desgraça e de morte... "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades" (Luís de Camões)... 

O que será feito deste Dabó ? E dos outros Dabós, comandantes e comissários políticos, a "nomenclatura" do PAIGC ?... Passaram â "peluda", como nós... Se não sabiam fazer mais nada, o que foram fazer ?

E da tua tropa que passou por Fulacunda ? E daquela pobre gente que lá "vivia" em Fulacunda, e que era "tão portuguesa",dizia a propaganda das NT,  como os tipos da tua terra, Turquel, Alcobaça ? Ou que vivia no "mato" a que o Bunca Dabó chamava "zona libertada" ?  Será que passaram a ter "o leite e o mel" da Terra Prometida ?

(Seleçãpo, revisáo / fixação de tyecxto, reedição das fotos: LG)
  
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(**) Vd.  poste de 3 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15818: (De)caras (32): Visita a Fulacunda, em julho de 1974, de Bunca Dabó e do seu bigrupo, "armado até aos dentes"... (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, 1972/74)

Guiné 61/74 - P26287: Os 50 Anos do 25 de Abril (33): O "virar da página" da revista católica "Flama", cujo diretor era o António dos Reis, bispo de Mardassuma e capelão-mor das Forças Armadas (1967-1975) - Parte III

 


(Flama, separata, pag.XII)






"Nos prédios crcundantes do Lago do Carmo, soldados tomam posições estratégicas nos telhados.  A população também pocura todas as posições de onde pudesse  ver os mais pequenos pormenores do desenrolar dos acontecimentso que conduziram à rendição incondicional do ex-Presidene do Conselho"
(Flama, separata, 10/5/1974, pág.XII)


"O povo sobe, com as colunas militares, a rua Garret, em direção ao Largo do Carmo. O cerco a fechar-se. Panhards (...): o insólito para mlhares de portugueses menores de 47 anos." (Flama, separata, 10/5/1974,  pág.XIII)




"O captão Maia, da Escola Prática de Cavalaria  (Santarém), que teve funções destacadas no cerco ao Largo Carmo, anuncia aos milhares de manifestantes a iminente chegada do general António de Spínola, que ali receberia a rendição de Marcelo Caetano". (Flama,separata, 10/5/1974, pág. XIII)


"A alegria dos soldados só pede meças à da população, que sempre os vitoriou como atuênticos libertadores"


"Nos acessos aos Largo do Carmo, todos se acunulam (inclusive nos veículos militares) para assistir à mais mportantes das ações do Movmento" (Flama,separata, 10/5/1974, pág. XIV)





"Os momentos mais importantes de um regime de quarenta e sete anos desenrolaram-se no Carmo em cujo quartel da GNR se refugiou o professor Marcelo Caetano. Impaciente a multidão, foi necessário acalmá-la através de megafones". (Flama,separata, 10/5/1974, pág. XV)


"Ao entardecer do dia 25 de Abril, o general Spínola chegava ao Largo do Rato.onde foi desusadamente ovacionado pela grande massa de público. Pouco depois de o general Spínola ter entrado no quartel d GNR, o ex-presidente saía do seu último reduto na chaimite "Bula", sob custódia, rumo a instalações militares na Pontinha" (Flama, separata, 10/5/1974, pág. XVII)



"Junto do edificío da PIDE/DGS viveram-se longas horas de tensão antes que a rendição fosse pedida incondicionalmente" (Flama, separata, 10/5/1974, pág. XVIII)






"Aquartelados na sede daquela que foi uma das mais tenebrosas  organizações de um regime que durou quase meio século, agentes da PIDE/DGS fazaim frente ao cerco que lhes era movido. Mais do que defender um regime, defendiam a pele, conscientes - por uma vez -  da repulsa que provocaram, desde sempre, na população que violentaram.  E esta, pertinaz, manteve-se firme nos postos 'conquistados'  ns ruas limítrofes de onde podia alcançar o fechar do cerco pelas Forças Armadas que terminou, felizmente, em rendição" (Flama, separata, 10/5/1974, pág. XIX)



"O maior foco de resistència ao Movimento das Forças Armadas foi a PIDE/DGS, por virtude da qual foi derramado sangue. Cercados por efetivos do Exército, a que se juntaram fuzileitos da Marinha, os polícias políticos resistiram durante  toda a noite do dia 25, continuaram pelo dia 26, acabando por render-se às primeiras horas de 27. A evacuação dos agentes detidos não foi fácil, pois a população não arredava pé, exigindo vingança por suas próprias mãos". 
(Flama,separata, 10/5/1974, pág. XX)



"Quem tivesse pensado que as Forças Armadas acabariam por ceder ao cansaço e à falta de alimentos, enganou-se. Por toda a parte, onde eles estiveram, estava também um gesto de carinho da população." (Flama, separata, 10/5/1974, pág. XXI)

Fonte: Flama: revista semanal de actualidades, nº 1366, ano XXXI, 10 de maio de 1974, XXXII páginas. (Cortesia da Hemerateca Digital / Câmara Municipal de Lisboa)


(Seleção, revisão / fixação de texto, reedição das imagens: LG)


1. Continuação da publicação de uma seleção de fotos da separata que o semanário "Flama" dedicou, tardiamente, em edição de 10 de maio de 1974, ao histórico dia de 25 de Abril. 

É  um belíssimo trabalho de fotojornalismo. Não sabemos quem são os autores de cada uma das fotos, algumas de grande interesse documental e de qualidade estética. Mas vê-se que estavam a trabalhar, pela primeira vez, sem o medo da censura. São da equipa de reportagem da "Flama" , António Xavier, António Vidal e Carlos Gil, grandes profissionais, talvez menos conhecidos do grande público que o Alfredo Cunha e o Eduardo Gageiro, mas nem por isso menos merecedores do nosso apreço, gratidão e homenagem.
 
(Continua)