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sexta-feira, 20 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26942: As nossas geografias emocionais (534): Arábia Saudita, Mar Vermelho, Jeddah, "a porta de Meca", 2012 (António Graça de Abreu, Cascais)






Arábia Saudita > Mar Vemelho > Jeddah (ou Gidá) > 11 de janeiro de 2012... Nas duas fotos de cima, a esposa do nosso camarada, Hai Yuan. médica.



(...) Gidá se chama o porto aonde o trato / De todo o Roxo Mar mais florescia, / De que tinha proveito grande e grato / O Soldão que esse Reino possuía. / Daqui aos Malabares, por contrato / Dos Infiéis, fermosa companhia / De grandes naus, pelo Índico Oceano, / Especiaria vem buscar cada ano. (...)



(Luís de Camões, "Os Lusíadas, canto IX, estrofe 3. Fonte: Luís de Camões: Diretório de Camonística)


Fotos (e legenda): © António Graça de Abreu  (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





1. Mais um "postal" enviado pelo nosso  incansável, (e)terno viajante António Graça de Abreu (aqui na foto à direita com a sua Hay Yuan),.

(Publicado originalmente na sua página do Facebook em 2 de junho de 2025, 20:36, enviado no dia seguinte,  3/06/2025, 15:42.)





Jeddah, Arábia Saudita, 2012

por Antóni0 Graça de Abreu


Na esteira das palavras de Claude Roy (1915-1997), grande senhor das letras francesas, concluo que já viajei por tantos países que sou capaz de falar estrangeiro na perfeição.

Nesta passagem por Jeddah, segunda maior cidade da Arábia Saudita com quase cinco milhões de habitantes, centro económico e logístico deste país, vou conversar com quem, em que língua, eu que do árabe tenho na memória uns lampejos de meia dúzia de palavras? 

Talvez seja melhor eu permanecer calado, e olhar simplesmente para Jeddah.


Posição relativa de Jeddah no Mar Vermelho.
 Fonte: Wikipedia (com a devida vénia...)
Debruçada sobre o Mar Vermelho, a cidade tem sido ao longo dos séculos um importante porto de comércio e a porta de entrada para muçulmanos vindos de todo o mundo que se dirigem à sagrada cidade de Meca, situada a apenas 88 quilómetros de distância. Chegam para cumprir um dos cinco pilares do Islão.

A importância de Jeddah está assim intimamente ligada a esse caminho terrestre, às estradas que daqui abrem para Meca. Todos os anos, todos os meses, todos os dias,  milhões, centenas de milhares, milhares de muçulmanos procuram a divina Meca, a Kaaba, o imponente edifício no centro de Meca a rodear em marcha apressada ou mais lenta por sete vezes, circundar o cubo em pedra negra erigido em outras eras que se crê ter sido inicialmente levantado pelo profeta Abraão há três mil e oitocentos anos atrás, restaurado por Maomé no século VII e casa sagrada, desde sempre, onde reside o espírito de Alá, o Deus Supremo.

Hoje, o acesso a Meca está proibido a todos quantos não são muçulmanos. 

Fiquemo-nos então pela Cidade Velha de Jeddah e pela Porta de Meca, tudo Património Mundial pela Unesco. Comecemos com a ruína bem conservada mas desinteressante do portão do burgo, aberto para Meca e logo depois avancemos para os antiquíssimos casarões com três ou quatro andares, alguns mal se sustentando em estacas para não cair. 

Numa arquitectura não muito trabalhada são edifícios com varandas, sacadas e janelas de madeira, as portas abertas para permitir a entrada e visita rápida do turista de passagem, conforto no interior da casa, poucos móveis, tapetes, alfombras, tapeçarias cobrindo as paredes. 

Na rua, os homens, quase todos vestem o thobe, uma túnica branca com um lenço na cabeça chamado shemagh, um turbante que tradicionalmente protege os sauditas, do vento, do calor e das areias do deserto. 

As mulheres, que quase não vemos percorrendo as velhas ruelas, usam a abaya preta que as tapa da cabeça aos pés.

Depois Jeddah espraia-se por quilómetros e quilómetros, a cidade cresceu aos poucos em cima da areia dos desertos, tendo hoje por horizonte, bem mais para leste, os 142 poços de petróleo que fazem destas terras inóspitas, abrasadas em calor,  lugares onde vicejam algumas das maiores fortunas da terra. 

Que o diga o futebol e o nosso Cristiano Ronaldo, há anos a chutar a bola e a marcar muitos golos no campeonato da Arábia Saudita. E a encher merecidamente o bolso no seu Al-Nassr, de Riade, a capital do petróleo, da bola e dos ricaços. 

Nassr, a equipa do Ronaldo significa “Vitória”. Estão a ver como eu, de tão viajado, quase falo todas as línguas?

António Graça de Abreu

(Revisão / fixação de texto,  título: LG)

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Nota do editor:

Último poste da série > 13 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26915: As nossas geografias emocionais (52): Welcome to New York (António Graça de Abreu, Cascais)

Guiné 61/74 - P26941: In memoriam (551): J. L. Pio Abreu (Santarém, 1944 - Coimbra, 2025): ex-alf médico, CCS/BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto, 1971/73): quatro referências no "Diário da Guiné" (2007), de António Graça de Abreu



José Luís Pio Abreu (Santarém, 1944 - Coimbra, 2025): referência maior da psiquiatria, da saúde mental, do SNS - Serviço Nacional de Saúde e da Academia Portuguesa (Universidade de Coimbra e Universidade de Lisboa), foi nosso camarada de armas, no CTIG, na qualidade de alf mil médico, BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto, 1971/73)... 

O seu funeral realiza-se hoje, sexta,  às 16h00,  para o Crematório Municipal de Coimbra, segundo informação do "Diário de Coimbra".

Era da geração que  protagonizou a crise estudantil de Coimbra, 1969;  foi contemporâneo em Teixeira Pinto, do cirurgião Luís Tierno Bagulho, também ele alf mil da mesma unidade, mas mais velho (é protagonista da crise estudantil de 1962, em Lisboa; voltou à Guiné como cooperante médico no pós-independência, tendo morrido de doença de evolução prolongada, em finais da década de 1970; era filho,  se não erramos, do almirante  António João Tierno Bagulho, n. Elvas, 1911, e falecido em data que não sabemos).

Fonte: Just News > 25 de novembro de 2023 - 15:28 > José Luís Pio Abreu homenageado no Congresso Nacional de Psiquiatria (Foto reeditada pel0 Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, 2025),.
 



1. O Pio Abreu tinha consultório em Coimbra, na Rua Doutor António José de Almeida, nº 329 2º andar, Sala 68...  

E na sua página apresentava-se nos seguintes termos (não há quaisquer referência à sua experiência como alferes mil médico no CTIG, em 1971/73, na altura ainda era um jovem médico, acabado de se licenciar em 1968):

PSIQUIATRA COM MAIS DE 50 ANOS DE EXPERIÊNCIA


José Luís Pio Abreu é psiquiatra clínico.

Fez o Doutoramento em 1984, com uma tese ligada à Psiquiatria Biológica, e a Agregação em 1996, com uma lição sobre perturbações de ansiedade.

Foi médico no Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra (CHUC) e professor associado da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra , sendo ainda membro do Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa (CFCUL).

Ao longo dos 50 anos da sua actividade profissional tem desenvolvido e orientado investigação nas áreas da Psicopatologia e psicoterapias, com centenas de artigos publicados em revistas científicas e conferências. Também se tem empenhado nas psicoterapias, tendo sido Presidente da Sociedade Portuguesa de Psicodrama (SPP).

Publicou doze livros em Portugal (alguns destes foram também publicados no Brasil, em Espanha, na América Latina e Itália) e orientou a tradução de um livro de Neurofisiologia. Três deles foram premiados em Portugal e Itália.

O mais conhecido é: "Como Tornar-se Doente Mental". Nos seus escritos, dedica-se também a uma reflexão crítica da Psiquiatria e tenta abordar o enigma da Mente a partir das suas patologias. 

Foi sempre um cidadão ativo, com diversas intervenções, artigos de opinião e colunas em jornais nacionais e regionais.


 

Capa do livro de António Graça de Abreu, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura". Lisboa: Guerra e Paz. 2007, 220 pp. il.


2. No Diário da Guiné, do António Graça de Abreu (alf mil, CAOP1,  Teixeira Pinto / Canchungo, Mansoa e Cufar, junho de 1972/abril de 1974), há algumas referências  ao J.L Pio Abreu, ex-alf mil médico do BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto, 1971/73), falecido na passa quarta, dia 18.

Uma delas  (e justamente a última, 1 de fevereiro de 1973) está associada a uma tragédia  que atingiu os nossos camaradas da 38ª CCmds... 

Tudo começou com uma partida de futebol entre os  camaradas de Bachilé (CCAÇ 16, formada por graduados e especialistas de origem metropolitana, e praças do recrutamento local, de  maioria manjaca) e os de Teixeira Pinto (CCS/BCAÇ 3863), na região de Cacheu... 

Pio de Abreu também estava em Teixeira Pinto, em 31 de outubro de 1972, aquando a emboscada, entre Pelundo e Có, a uns quinze quilómetros do Canchungo, a um coluna de cerca de 40 viaturas, e em que seguiam vários oficiais superiores, incluindo o comandante do CAOP1 (o famoso coronel pqdt Durão), e em que houve cerca de 10 feridos, alguns com gravidade,

Nessa data, há no "Diário da Guiné"  uma referência à atuação do alf mil médico Pio  Abreu, na tentativa de salvar a vida a um fuzileiro do PAIGC, atingido por estilhaços de uma bala de helicanhão. 

Há mais 2 referências: 22 de julho de 1972 e 16 de agosto de 1972. 

Estas quatro referências são  suficientes para documentar algumas das  vezes em que o médico Pio Abreu esteve exposto  ao horror da guerra. A seguir se reproduzem essas quatro entradas do "Diário da Guiné", com a devida vénia.


Referências ao J. L. Pio Abreu no "Diário da Guiné" (2007), de António Graça de Abreu


(...) Canchungo, 22 de Julho de 1972

Fui hoje jantar com os dois alferes médicos no único tasco onde se pode comer cá na terra. Um bife duro, batatas mal fritas, um ovo estrelado, 45 escudos.

Os dois médicos são gente interessante, inteligentes, cabeças abertas para o mundo. Conversámos sobre a guerra, sobre as nossas vidas. 

 [Luís Tierno]  Bagulho  [já falecido, c. 1980] atem trinta e tal anos, é já cirurgião em Lisboa, esteve detido em Caxias quando da crise académica de 1962. 

  [José Luís] Pio Abreu  [Santarém, 1944 - Coimbra, 2025] ainda não tem trinta anos, é de Coimbra e faz parte daquele grupo de quarenta e nove estudantes da Universidade que, em 1969, na sequência das greves e desacatos na academia coimbrã, foram alistados coercivamente no exército.

Nenhum tem hoje qualquer actividade política nem de contestação do regime, mas carneiros não somos. É pena para mim – não para eles -, estarem em fim de comissão, só mais dois meses para o Bagulho.

São ótimos médicos, segundo a opinião de toda a gente. Dão consulta à população, com intérprete, tratam das milhentas doenças que afligem este povo manjaco e são os médicos militares, cuidam da tropa aqui estacionada e prestam assistência aos feridos em combate que chegam a Canchungo vindos diretamente do mato.

Têm uma casa grande apenas habitada por eles, fora do quartel, na avenida principal em frente ao hospital. Uma casa bonita com uma sala de estar confortável, com móveis e tudo. (pp. 31/32)

(...) Canchungo, 16 de Agosto de 1972

Hoje, o resultado das brincadeiras com as armas. Ouvi um tiro e gritos na caserna dos soldados do Batalhão [BCAÇ 3863], aqui diante do meu quarto, a uns quarenta metros. 

Fui dos primeiros a chegar, a ver o sucedido. Um soldado, quando brincava coma espingarda, esfacelara o pé direito de outro soldado com um tiro de G3. Tiraram a bota ao pobre rapaz que guinchava de dores, e meu Deus, como estava o pé, destroçado, atravessado de lado a lado, com os ossos e os tendões despedaçados, tudo à mostra, escorrendo sangue. 

Estava convencido de que era pouco impressionável, mas tive uma tontura, vi tudo branco. Recuperei rápido e ajudei a levar o rapaz em braços para a enfermaria. O Pio, o médico, fez o que pôde. Uma hora depois uma DO evacuava o soldado para o hospital de Bissau.

Em Bafatá, caiu um das avionetas DO ao levantar voo, parece que por acidente, descuido do piloto, um alferes que eu não conhecia. Morreram o piloto e um cabo mecânico. (pp. 43/44).


(...) Canchungo, 31 de Outubro de 1972


(…) Quando acontecem estas coisas, pedem-se logo os helicópteros de Bissau para a evacuação dos feridos e vem também o helicanhão que faz fogo sobre os itinerários de retirada do IN. 

Foi então abatido um guerrilheiro que veio de héli para aqui. Eu sabia que havia feridos e lá estava na pista. O fuzileiro do PAIGC chegou ainda vivo, com um uniforme azul manchado de sangue e um estilhaço na cabeça de bala de helicanhão. 

O médico [Pio Abreu]  e um furriel enfermeiro fizeram-lhe massagens no coração que de nada valeram, o homem morreu. Foi o primeiro guerrilheiro que vi, e logo agonizando numa maca de lona. (pág. 62)


(...) Canchungo, 1 de Fevereiro de 1973

É uma hora da manhã, escrevo sereno, lúcido, sem paixão, tudo de enfiada.

Ver viver, ver morrer, três homens mortos, sete feridos graves, quatro ligeiros. A causa próxima foi um desafio de futebol, a causa remota foi o destino e o facto de estarmos numa guerra.

Esta tarde houve um jogo de futebol entre o pessoal branco do Batalhão, CCS/BCAÇ 3863,  e a tropa branca e negra do aquartelamento do Bachile [CCAÇ 16, constituida sobretudo por militares manjacos, do recrutamento local. 

Não sei se por culpa dos brancos ou dos negros, decerto por culpa de ambos, o jogo descambou em grossa pancadaria o que levou o coronel [pára, Rafael Durão, comandante do CAOP1,] a intervir, a assestar uns tantos socos em não sei quem e a dar voz de prisão a dois negros.

Cerca das oito da noite, foi recebida aqui uma comunicação rádio do capitão branco do Bachile, a braços com uma insubordinação dos militares negros. Quarenta africanos armados haviam saído do aquartelamento e marchavam a pé para Canchungo, a fim de tirarem da prisão os seus dois camaradas detidos. 

Aprontaram-se imediatamente cerca de cinquenta comandos da 38ª. Companhia e o coronel seguiu com eles.

Na ponte Alferes Nunes, já próximo do Bachile, os Comandos ficaram e o coronel avançou sozinho, no jipe, ao encontro dos soldados africanos. Graças à sua coragem, ao respeito que impõe a toda a gente - é o “homem grande” branco -, à promessa de libertar os presos, os soldados negros regressaram pacatamente ao Bachile.

Aqui em Teixeira Pinto estávamos na expectativa, não sabíamos o que ia acontecer. Em frente do edifício do CAOP, eu conversava com o major Malaquias, com um alferes da 38ª [CCmds] e outro do Batalhão quando ouvimos um grande rebentamento muito próximo. 

Que será? Um minuto depois chegou a informação, via rádio. Era preciso preparar imediatamente o hospital, havia mortos e feridos.

No regresso dos comandos, à entrada da vila, rebentara uma caixa cheia de dilagramas – granadas disparadas pelas G 3 com um dispositivo especial – em cima de um Unimog onde vinham catorze homens. Dois mortos de imediato, os restantes feridos vinham a caminho. Corremos para o hospital. Os comandos chegaram.

Como vinham, meu Deus! Um furriel morria na sala de operações. As suas últimas palavras para o Pio [Abreu], o médico, foram: “Doutor, cuide dos outros, eu estou bem.”

Nas macas, no chão de pedra do hospital jaziam feridos graves, corpos semi-desfeitos, barrigas, intestinos de fora e quatro rapazes só com alguns estilhaços. Não ouvi um queixume, mas havia muitos homens a chorar.

Era preciso evacuar os feridos para o hospital de Bissau. Onze horas da noite, iluminámos a pista com os faróis das viaturas e com as mechas acesas em muitas garrafas de cerveja cheias com petróleo, distribuídas aí de dez em dez metros ao longo do campo de aviação. Aterraram quatro DO. Ajudei a transportar feridos entre o hospital e as avionetas, num dos nossos Unimog. Dois deles iam muito mal, cravados de estilhaços, em estado de choque ou coma, não sei se escaparão.

O condutor do Unimog em cima do qual as granadas rebentaram é um dos meus soldados, do CAOP 1, Loureiro de seu nome, com apenas oito dias de Guiné. Ia a conduzir, não sofreu uma beliscadura. Trouxeram-no cambaleando, o espanto, incapaz de falar. Evacuados os feridos, fui buscá-lo, abracei-o, sentei-o na minha cadeira na secretaria, animei-o, bebemos quatro águas Castelo.

Foi um acidente de guerra. Corpos ensanguentados, dilacerados, muitos homens destruídos, não apenas os mortos e os feridos.

Reações de alguns dos nossos soldados. “Tudo por culpa dos cabrões dos negros, filhos da puta, só fuzilados!”...

Quem resiste aos corpos esventrados dos companheiros de armas?!...As razões sem razão porque se avivam ódios, porque se morre! 

Não sei que horas são, deve ser tarde, não tenho ponta de sono. Já ouço os galos cantar. Um novo dia nasce. (...) (pãg. 70).

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Fonte: Excertos de: António Graça de Abreu - "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura". Lisboa: Guerra e Paz. 2007. 220 pp., il.

(Seleção, revisão / fixação de texto: LG)


3. Dias depois, a 3 de fevereiro de 1973, o António Graça de Abreu é transferido, com o CAOP1, para Mansoa (que tinha a grande desvantagem, em relação a Teixeira Pinto/  Cachungo, de “embrulhar uma vez por mês”, pág. 73).

Perdemos então o rasto do Pio Abreu, que, como já dissemos, pertencia à CCS / BCAÇ 3863, com sede em Canchungo (Teixeira Pinto). Não sabemos se chegou a trabalhar no HM 241, como é provável, já que era cirurgião.

Mobilizado pelo RI 1, o BCAÇ 3863, esteve sediado (o comando e a CCS) em Teixeira Pinto. A comissão de serviço na Guiné foi de 17/9/1971 a 16/12/1973. Foi comandado pelo Ten Cor António Joaquim Correia. Era composto pelas CCAÇ 3459 (Bassarel), 3460 (Cacheu) e 3461 (Carenque e Teixeira Pinto).

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Nota do editor LG:

Último poste da série > 19 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26937: In Memoriam (550): José Luís Pio Abreu (Santarém, 1944 - Coimbra, 2025), psiquiatra, foi alf mil médico, CCS/BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto / Canchungo,1971/73)

Guiné 61/74 - P26940: (De) Caras (235): Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades... (Alberto Branquinho, ex-Alf Mil Art)

Mafra > Escola Prática de Infantaria (EPI) > 1968 > Cerimónia do Juramento de Bandeira > Desfile dos novos militares, onde se integrava o nosso camarada Paulo Raposo, frente ao Convento de Mafra.

Foto (e legenda): © Paulo Raposo (2006). Todos os direitos reservados: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Em mensagem de 19 de Junho de 2025, o nosso camarada Alberto Branquinho, ex-Alf Mil Art da CART 1689 / BART 1913 (Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos este curioso texto com o título:


MUDAM-SE OS TEMPOS, MUDAM-SE AS VONTADES…

Março, talvez Abril, de 1966. Escola Prática de Infantaria (instalada nas traseiras do Convento de Mafra.)

Uma formação militar de soldados-cadetes saiu do portão lateral direito do Convento, de farda cinzenta e com a velha Mauser em posição de marcha, no ombro esquerdo. Marcham ao som de banda militar (com o som amplificado) instalada em frente ao Convento. Passados cerca de três meses de instrução militar, vão fazer o chamado “Juramento de bandeira”.

Em pé, a meio da escadaria frontal ao Convento e de costas para o mesmo está Sua Excelência o Chefe de Estado, Almirante Américo Thomaz, ladeado por Altas Individualidades.

A banda militar parava de onde em onde (ou, talvez, baixasse a intensidade do som), ao mesmo tempo que se ouvia uma voz ampliada pelo microfone: “Angola é nossa, Angola é nossa, Angola é nossa…”, repetida várias vezes, em que os sons “gó” e “nó” eram ampliados pelo bater mais forte dos pés esquerdos dos cadetes em marcha. Depois de acabar a repetição da frase, a banda voltava a tocar.

Quando cada pelotão ia passar em frente ao Almirante Américo Thomaz, o comandante de cada pelotão dava a ordem de “olhar à direita”. O Almirante respondia em cumprimento militar, levando a mão direita à pala do boné.

Depois de toda a formação militar ficar parada no largo em frente do Convento e em frente às individualidades, ouviram-se os discursos habituais. Acabada a cerimónia, os vários pelotões marcharam em direcção ao portão lateral esquerdo ao Convento. Lá dentro, na parada existente nas traseiras, foi dada ordem de “Destroçar” e cada um recolheu às suas “instalações privadas”. (No nosso caso uma cama e um armário metálico colocado à cabeceira de cada cama, tudo integrado em cinco ou seis filas de camas e armários, que iam do altar da capela-dormitório até à parede, onde se encontrava a porta de entrada; a todo esse conjunto acrescentavam-se mais duas camas e respectivos armários, colocadas dentro da estrutura metálica que separava que separava o altar do restante espaço e protegidas por duas cabeças aladas de dois anjos rechonchudos.)


-----***-----

Passados cerca de dez anos sobre o que vai escrito acima, um antigo soldado-cadete, que estava incorporado naquela formatura, passeava com uns amigos, ao entardecer, em Copacabana. Olhou sobre a esquerda e viu o Almirante Américo Thomaz passando em sentido contrário, em traje civil simples, acompanhado pela filha. Chamou a atenção dos amigos e, quando todos olhavam, o Almirante viu-os e fez-lhes um cumprimento com a cabeça. Todos retribuíram. Apesar de lhe ter apetecido marchar, batendo com o pé no chão ao ritmo de 1966, não o fez.

(“…Malhas que o Império tece…”)

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Notas do editor

Vd. último post de Alberto Branquinho de 11 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26485: Humor de caserna (102): o macaco-fidalgo ou "fatango"... "ó meu alferes, parecia que era um gajo... dos turras!" (Alberto Branquinho)

Último post da série de 16 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26926: (De) Caras (234): o nosso Raul Solnado da Guiné... o Abílio, Valente e Magro, ex-fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG (Bissau, 1973/74)

Guiné 61/74 - P26939: Parabéns a você (2388): Cherno Baldé, Amigo Grã-Tabanqueiro, Gestor de Projectos na Guiné-Bissau

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Nota do editor

Último post da série de 19 de Junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26935: Parabéns a você (2387): Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68) e Tibério Borges, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2726 (Cacine, Cameconde, Gadamael e Bedanda, 1970/72)

quinta-feira, 19 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26938: Ser solidário (285): Bilhete-postal que vai dando notícias sobre a "viagem" da campanha de recolha de fundos para construir uma escola na aldeia de Sincha Alfa - Guiné-Bissau (14): Mercado de venda de produtos em segunda-mão no dia 21 de junho na cidade de Bressanone – Região Italiana do Alto Adige (Renato Brito)

1. Mensagem com data de 16 de Junho de 2025 do nosso amigo Renato Brito, voluntário, que na Guiné-Bissau integra um projecto de construção de uma escola na aldeia de Sincha Alfa, trazendo até nós a Cartolina número 14:

Boa tarde Carlos Vinhal,
Com a presente venho por este meio partilhar a “cartolina” que prossegue com a campanha de angariação de fundos para construir uma escola na aldeia de Sintcham Arafam – Guiné-Bissau.
Desta feita mais um mercado de venda de produtos em segunda-mão no dia 21 de junho na cidade de Bressanone – Região Italiana do Alto Adige.

Cumprimentos,
Renato Brito

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Nota do editor

Último post da série de 15 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26802: Ser solidário (284): Bilhete-postal que vai dando notícias sobre a "viagem" da campanha de recolha de fundos para construir uma escola na aldeia de Sincha Alfa - Guiné-Bissau (13): Apresentação do projecto na Sede da Associação Macaréu, dia 31 de Maio de 2025, pelas 18h30, Rua João das Regras, 151 - Porto. Também uma oportunidade para experimentar a gastronomia e ouvir música da Guiné-Bissau (Renato Brito)

Guiné 61/74 - P26937: In Memoriam (550): José Luís Pio Abreu (Santarém, 1944 - Coimbra, 2025), psiquiatra, foi alf mil médico, CCS/BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto / Canchungo,1971/73)


Capa do livro de J. L. Pio Abreu (1944-2025), "Como tornar-se doente mental", 18ª ed, Lisboa, Dom Quixote, 2008. (Prémio Città delle Rose, 2006). (O livro foi um sucesso editorial: lançado em 2006, já teve pelo menos 26 edições)

Citando e parafraseando o autor  (pp. 155/156, negritos nossos), podemos dizer:

  • se não mentires a ti próprio, descobrirás que és uma pessoa com limites e deixarás de querer ir a todas, como fazem os fóbicos;
  • também não serás dono da verdade nem tão importante como são os paranóicos;
  • não serás o mais perfeito, o que fica para os obsessivos;
  • nem tão brilhante ou poderoso como os histriónicos e psicopatas;
  • não serás uma pessoa muito especial, como os esquizofrénicos,
  • nem um génio, como os maníaco-depressivos;
  • serás apenas uma pessoa comum que aceita os desafios e os paradoxos da vida, faz o possível para, em cada momento, dar o que pode e actuar em conjunto com os outros;

No entanto, tens de assumir a responsabilidade completa pelas tuas acções:

  • afinal, todos fomos expulsos do Paraíso e condenados à solidariedade;
  • fizemos das fraquezas forças e, uns com os outros, construímos coisas admiráveis;
  • convenhamos entretanto que tudo isto é muito complicado, pouco gratificante e difícil de fazer;
  • fácil, fácil, é mesmo tornares-te um  doente mental.


1. José Luís Pio Abreu foi alf mil médico, CCS/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1971/73 (*), ao tempo dos nossos grão-tabanqueiros António Graça de Abreu e Mário Bravo. Foi, portanto,  nosso camarada de armas.

Morreu ontem.  Nunca foi membro da nossa Tabanca Grande, nem sabemos se alguma vez nos leu. Tem 4 referências no nosso blogue. Não temos nenhuma foto dele. Merece, no mínimo, que a gente se lembre dele, neste dia triste, em que se despede da Terra da Alegria (**).

Psiquiátra e psicoterapeuta, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra,  onde se licenciou (erm 1968), se doutorou (em 1984) e fez a agregação (em 1996), publicou diversos livros ligados à psiquiatria, com destaque para:

  • "Como Tornar-se Doente Mental“ (2006); 
  • “Quem Nos Faz Como Somos“ (2007);
  • “Estranho Quotidiano“(010);
  • "O Bailado Da Alma“ (2014);
  • “A Queda dos Machos (2019);
  • “Pequena História da Psiquiatria“ (2021).

Outras frases do nosso camarada médico (teve  um papel ativo na crise académica de 1969, em Coimbra) que nos obrigam a pensar:

  • “Quando o medo se torna o solo em que se pisa, o pensamento abandona a razão e regressa ao instinto.” In: O Bailado da Alma (2014)
  • “Não há loucura maior do que manter-se são num mundo insano.” In: Como Tornar-se Doente Mental (2009).

Guiné 61/74 - P26936: A Bissau do Meu Tempo (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte IIIc: O "Clube Militar de Oficiais" de Bissau, QG/CTIG, Santa Luzia (Fotos de 18 a 24)




F18 – A escrever para a familia, no bar do clube de oficiais do QG. Abril68



F19– No bar da Messe escrevendo à familia. 01Abril68.


F20 – Na relva da piscina, com um camarada frequentador, conversando, mas não me lembro do nome. Março68


F21 – Junto à Messe de oficiais, na minha motorizada, com o amigo alferes  Soutinho. 04fev68.


 F22 – No Bar do Clube Militar de Oficiais, com um camarada de que não sei o nome. Set68


F23 – Um convivio com dois camaradas, no Bar do Clube Militar de Oficais,  no QG/CTIG,  à noite, após refeição, já em 1969, não sei o mês, mas já estava esperando o embarque.

Ao meu lado o alferes Camelo, que foi meu companheiro na EPAM (Escola Prática de Administração Militar). A seguir um alferes miliciano da Chefia de Contabilidade, vestido com uma polo branca da Fred Perry, comprada também no Grande Hotel. Não me estou a lembrar do nome dele, mas era já conhecido do Porto ou da Faculdade de Economia ou do Instituto Comercial.

Quanto ao alferes Camelo, durante a especialidade, não sei qual foi a dele, fazíamos muita
aividade não só de ginástica como aplicação militar, marchas, corridas pelos campos de
Alvalade, lembro-me que eram em terra de tijolo, e desciamos por valas às cambalhotas, depois passávamos por valas de porcaria de esgotos. O Camelo, que era de Matosinhos, pesava aí uns 100 kg, não conseguia correr nem mesmo marchar, e muito menos carregar com o seu equipamento.

Era eu o "levezinho" que,  além do meu equipamento,  carregava com o dele, que suava por todos os poros, eu facilmente carregava tudo e chegava ao fim, nem ponta de suor. Acho que ele deve ter ficado agradecido, pois foram muitas vezes, depois de acabar o curso, e nunca mais nos vimos, exceto neste encontro na messe do Clube.

Mais tarde cheguei a cruzar-me com ele no Porto, mas acho que ele me evitava, devia ser de
uma familia de comerciantes burgueses, tinha uma loja onde hoje funciona em Brito Capelo,
na Loja do Andante do Metro do Porto.

Falei com outros camaradas e disseram que ele tinha a mania das grandezas. Nunca mais o vi. 



F24 e 24A – A estrada de Santa Luzia à noite,  vendo-se  ao fundo &CTIG Porta de Armas do QG e do Clube Militar de Oficiais.


Uns 100 metros antes, para quem sobe do lado esquerdo, tinha ali a casa da minha primeira amiga, cabo-verdeana, que conheci no dia em que cheguei, cuja história não é para contar agora neste tema. Foto tirada em 1969, terá sido no 2º trimestre antes de embarcar


Guiné > Bissau > Santa Luzia > QG/CTIG > 1968 >  A piscina  do "Clube Militar de Oficiais"  


Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2025). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Continuação da publicação de uma seleção de fotos do álbum do Virgílio Teixeira (ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69). Última parte, fotos de 18 a 


1.1. Comentário do autor (enviado por email, 
17 jun 2025, 12:25) ao poste P26928 de 18junho2025 > O Biafra » O Clube de Oficiais de Santa Luzia (*)

(...) Estive a ler o texto do coronel de transmissões, Jorge Sales Golias, um trabalho de louvor, sem exageros, que infelizmente não o tinha lido. [Memórias do Agrupamento de Transmissões e Histórias de Guerra na Guiné – 1972/74 ].

Desde logo me chama a atenção de comparar o clima que encontrou quando chegou à Guiné no velho DC6 em 1972 (tal como eu o descrevi, o flagelo do clima, a sair de um frigorifico que era o frio dentro do avião, e entrar num forno instantaneamente) e tudo o resto destas experiências, que só sabe quem por elas passou.

Dizia eu, comparar alhos com bugalhos, o Regimento de Transmissões do Porto, sediado em Vale Formoso, por onde andei em menino e moço, nos anos 50, quando o meu pai lá estava a prestar serviço, quando morávamos a umas poucas centenas de metros. Nessa época e durante muito tempo, era o Regimento de Engenharia 2. (...)

Em 1972, o ano a que se refere o nosso coronel Golias, já eu tinha chegado da Guiné em 1969, casado em 1970, e em 1972 a caminho do segundo de 3 filhos, vivendo então nessa época noutra casa do Porto, e depois Vila do Conde, onde me hospedei desde então.

A reportagem desta história  é tão minuciosa, e completa, que até me sinto desconfortável ao contar algumas façanhas, triviais, face a este conteúdos, de outras esferas superiores e de outros tempos, mais modernos num caso, mas mais difíceis nos anos 73 e 74. Os meus parabéns para começar. Não tenho infelizmente nada tão parecido como esta narrativa.

Muitos dos aspectos também se passaram comigo em 1967 e até 1969, mas não tenho descrições disso tudo.

Indo directo ao assunto, o coronel "Lavrador", salvo seja, não me cheira nada o nome de Saraiva. Tenho um nome algures escrito e na memória, que não me parece esse, o pai da Suzi. Eu só o vi uma vez, e nunca faláos, nem nos zangámos.(Eu frequentava aquilo, ou à civil, ou com farda normal, nunca de camuflado.)

E tenho a ideia, não certezas nenhumas, que o chefe daquilo tudo  (o CMO - Clube Militar de Oficiais), seria um coronel de Administração Militar, até porque um coronel de infantaria não era a melhor opção para esta função. Digo eu.

E fala-se em duas filhas adultas... Durante dois anos só conheci esta das fotos, a Suzi, nunca me apercebi que ela tivesse outra irmã, e ainda por cima a viverem permanentemente em Bissau, durante anos.
 
Basicamente já está tudo esclarecido quanto ao Biafra e o CMO, depois de se ler os textos do coronel Jorge Golias e do Abilio Magro,  entre outros.

Estive a ver agora a foto da construção da piscina dos Sargentos, atrás das suas sumptuosas instalações dormitórias, que pelo que me parece não chegaram a ter grande utilidade para os nossos sargentos, pois entretanto acontece o 25 de Abril.

Diga-se de passagem, que,  como se pode ver, de "Biafra" não tinham nada, as instalações de madeira e zinco, boas para habitáculo de baratas, para os oficiais milicianos, leia-se, alferes milicianos, podemos até dizer sem exageros, que parecem melhores do que os quartos do Grande Hotel, e que tínhamos de pagar e não havia piscina. (Era só elitista, para uns, e um local de convívio para quem pudesse pagar.)

Quanto ao relato do Abilio Magro, destaco a foto com a legenda:  Guiné > Bissau > QG/CTIG > "O "Biafra" dos Sargentos > c. 1973/74 > "Eu junto às obras da piscina de sargentos que estava a ser construída nas traseiras dos nossos quartos"... Não sabemos se chegou a estar pronta, se foi estreada e usada... Era uma alternativa à piscina do Clube Militar de Oficiais (CMO), a que os sargentos só tinham acesso muito limitado. (...)

Mas para terminar, eu voltei a este local por 4 vezes em 1984 e 1985. Fiquei hospedado no sitio onde era o nosso Biafra de 67, com moradias novas. A piscina, que por acaso nunca tinha água, estava tudo abandonado, era a mesma que eu conheci.

Provavelmente estas instalações (dos sargentos), de 1973-74, ficavam noutro local, que não cheguei a visitar! (..)

(Seleção, edição das fotos, revisão / fixação de trexto: LG)
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Guiné 61/74 - P26935: Parabéns a você (2387): Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68) e Tibério Borges, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2726 (Cacine, Cameconde, Gadamael e Bedanda, 1970/72)


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Nota do editor

Último post da série de 17 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26927: Parabéns a você (2386): Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74)

quarta-feira, 18 de junho de 2025

Guiné 671/74 - P26934: Memórias da tropa e da guerra (Joaquim Caldeira, ex-fur mil at inf, CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834. Tite e Fulacunda, 1968/60) (1): RI 15, Tomar, outrubro de 1967: a "graxa" que custava 3$00, a caixa, e que o 1º sargento queria descontar no meu pré de 1º cabo miliciano (que era de 90$00 mensais, 37 euros a preços de hoje)


Capa do livro de Joaquim Caldeira,  "Guiné - Memórias da Guerra Colonial", publicado pela Amazona espanhola (2021)


1. Texto enviado pelo Joaquim Caldeira, grão-tabanqueiro nº 905 (*),   ex-fur mil at inf CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834 (Tite e Fulacunda, 1968/69)

(Vive em Coimbra; reformou-se da Caixa Geral de Depósitos em 1996; foi um dos primeiros camaradas a ter um blogue criado uns anos a seguir; o blogue chamava-se Reviver a Guiné; ele já não se lembra exatamente da URL, talvez: https://reviverguine.blogspot.com

O blogue foi enretanto descontinuado. Recuperou muitas histórias, integrando-as no seu livro de 2021. Ainda não conseguimos localizá-lo no Arquivo.pt nem no Archive Net... A URL pode estar errada.

2. Perguntámos ao asssistente de IA da Gemini / Google, "quando é que apareceram os primeiros blogs em português no servidor Blogger"... A resposta foi a seguinte:

(...) "O Blogger foi lançado em agosto de 1999 pela Pyra Labs. Foi uma das primeiras ferramentas a facilitar a publicação de blogs, popularizando o formato. Em 2003, o Blogger foi adquirido pelo Google.

Embora não haja uma data específica para o surgimento dos primeiros blogs em português no servidor Blogger, podemos inferir que começaram a aparecer pouco depois do lançamento da plataforma e com a popularização da internet no Brasil e em Portugal no início dos anos 2000.

Naquela época, os blogs eram frequentemente usados como diários online, e o Blogger, por ser uma ferramenta gratuita e fácil de usar, contribuiu para a proliferação desses espaços pessoais na internet. (...)


3, Esta é uma das histórias que o Joaquim Caldeira reteve da sua passagem pelo RI 15 (Tomar), em outubro de 1967. 

Era 1º cabo miliciano e recebia de pré 90$00 (noventa escudos) (equivalente naquela época a 37,00 euros da preços de hoje de acordo com o simulador de inflação da Pordata).

Passado menos de 3 meses o seu batalhão, o BCAÇ 2834, estava a embarcar, em 10 de janeiro de 1968, para o CTIG.


Data - domingo, 8/06/2025, 19:30

Assunto -  História anterior à guerra



A "graxa" do 1º sargento...

por Joaquim Caldeira


Decorria o ano de 1967 e o mês de outubro.

Em formatura, aguardávamos a chamada para nos ser entregue o pré correspondente à patente.

No meu caso, 90$00 (noventa escudos). Sobre este montante, ainda eram deduzidos 8% para a Caixa Geral de Aposentações (CGA), de que eu era subscritor e exigia que os descontos fossem feitos para efeitos de contagem de tempo.

Afinal, o meu primeiro trabalho na CGD (Caixa Geral de  Depósitos) tinha sido, exatamente, a contagem de tempo e o abono das pensões aos novos subscritores. Era, portanto, um assunto do qual eu sabia muito, e bem, o que deveria ou não fazer.

Chegada a minha vez, em sentido, feita a devida continência, recebia o pré com a mão direita, conferia, passaria para a mão esquerda com a qual guardaria o dinheiro, nova continência, dois passos à retaguarda, meia volta e iria embora.

Só que o valor não estava correto. E reclamei, no ato.

Com modos de malcriado e muito zangado, o primeiro sargento quis saber o motivo da minha discordância. Em resposta, informei que deveria receber 82$80  e não 79$80. 

Com péssimos modos, esclareceu que a diferença correspondia ao valor da caixa de graxa (3$00) que ele disponibilizava diariamente, na arrecadação, conforme aviso na entrada da caserna. Ripostei que utilizava a minha e, portanto, não pagava. 

 − Paga, sim senhor, como todos os outros. 

 − Então, irei reclamar para o comando.

Pôs-me fora do gabinete e eu mantive que iria reclamar. Era uma sexta feira à tarde e deixei isso para a segunda feira seguinte.

Dia seguinte, sábado, munido de uma licença de fim de semana, rumei à estrada Tomar-Coimbra, devidamente fardado por ser mais fácil obter boleia e vai de fazer o gesto habitual do pedido de boleia. Ninguém parava e, passada meia hora, já com fome, fui a uma tasca que estava junto à estrada e comprei algo para comer e regressei ao meu posto.

Passa um carro preto, marca Mercedes, com um único ocupante. Pára à frente, o que me obrigou a uma ligeira corrida e...

 − Bom dia, vou para Coimbra.

 − Está com sorte, entre. Vou para Condeixa e fica perto de casa. 

E começámos uma conversa sobre a tropa. Onde eu estava e há quanto tempo.

− Olhe, estou no quartel de Tomar há duas semanas e vim formar batalhão para ir até ao Ultramar.

− E antes da tropa, que fazia ?

Lá fui informando de que era “funcionário” da CGD, meio ano em Lisboa e meio ano em Aveiro, com pedido para ser colocada em Coimbra, minha terra de eleição.

− Muito bem. E quem é o seu comandante aqui em Tomar?

− Para ser franco, estou há tão pouco tempo que ainda nem sei quem é e nem sei ainda o seu nome.

Quis saber mais da minha experiência de trabalho e lá expliquei que há muito vivia do meu trabalho e que, além de saber fazer de tudo, tinha facilidade de adaptação a tudo.

E chegámos a Condeixa.

− Já agora, vou levá-lo a Coimbra. É um pulo.

E assim foi. Deixou-me no Largo da Portagem, praça de entrada na cidade.

E, na despedida, disse:

− E o seu comandante...sou eu.

Perfilei-me em sentido, continência e votos de bom fim de semana trocados de ambas as partes.

No dia seguinte, domingo, à tarde, enfio-me na camioneta para Tomar e, após a chegada, rumei ao quartel e, neste, à minha camarata. E passada a noite, estava a vestir a farda para novo dia de instrução aos homens que eu queria bem treinados para me defenderem a pele quando chegasse a hora.

Ouvi, então, que o cabo da secretaria chamava:

− O cabo miliciano Caldeira?

− Sou eu. Há alguma novidade?

− Há sim. Vá ao nosso primeiro.

Era o primeiro sargento da secretaria. Chegado lá, aos berros, perguntou:

− Que merda fez você durante o fim de semana? Vá apresentar-se, com urgência, ao nosso comandante.

Confesso que fiquei inquieto. Aqueles modos e ir ao comandante, poderia ser alguma coisa de desagradável.

E lá fui, ao edifício por cima da porta de armas, local do gabinete do comando. Chegado lá, um cabo sentado a uma secretária, perguntou-me ao que ia e, após a minha informação, levantou-se, bateu na porta e entrou.

Pouco tempo depois, saiu e disse que o nosso comandante pedia para que eu entrasse.

É pá! Isto estava tudo do avesso. Afinal, o comandante não devia estar muito zangado. Até pedia para que eu entrasse.

Entrei, sentido, continência e...

− Bom dia, meu comandante. Passou um bom fim de semana?

Que sim e indagou que tal foi o meu. Mas sempre afável e de modos educadíssimos. O que estaria para vir?

Afinal, as minhas capacidades de saber tratar com papeladas poderia ter muita utilidade porque o seu gabinete estava muito desorganizado e, se eu aceitasse, poderia dar um jeito e arrumar toda a documentação.

Até tinha a possibilidade de ficar livre de dar a instrução que, nos meses de inverno, é sempre mais desconfortável.

Aceitei logo. Passei a ter horário de comandante. E logo que soube do meu novo posto, o primeiro sargento veio ter comigo para me restituir os 3$00 que indevidamente me tinha cobrado da graxa para as botas e que eu nunca tinha utilizado.

Moral da História:

"Temos sempre muito a ganhar quando sabemos mamar. Até o comandante."


(Revisão / fixação de texto, título: LG)

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Nota do editor:


(*) Vd, poste de 5 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26845: Tabanca Grande (575): Joaquim Caldeira, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834 (Tite e Fulacunda, 1968/69), que se senta à sombra do nosso poilão no lugar 905

Guiné 61/74 - P26933: Historiografia da presença portuguesa em África (486): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1924 a 1925, de 1925 a 1926, é o fim da era do governador Vellez Caroço (40) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Janeiro de 2925:

Queridos amigos,
1925 é um ano marcado por operações em Canhabaque, Vellez Caroço declarara estado de sítio em virtude de insubmissão do régulo, seguiram-se operações que se estenderam por vários dias de maio, delas o governador publicará um relatório bastante pormenorizado; como sabemos, a submissão foi sol de pouca dura, será necessário chegar a 1936 para dar os Bijagós como região pacificada; a estrela que tem acompanhado esta governação vai empalidecer, não por perda de firmeza na governação, vamos chegar a 1926 com gravíssimos problemas financeiros, caiu a I República, temos agora governos da Ditadura Militar, Vellez Caroço pede insistentemente ao ministro João Belo que tome as medidas necessárias, por fim ameaça demitir-se, e o ministro demitiu-o mesmo, tudo isto se vai passar no final do ano de 1926. Vellez Caroço, sem margem para dúvida, foi um dos mais brilhantes governadores da colónia da Guiné.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de 1925 a 1926, é o fim da era do governador Vellez Caroço (40)


Mário Beja Santos

O ano de 1925 é fundamentalmente marcado pelas operações de Canhabaque, vamos ter acesso ao suplemento ao n.º 26, do Boletim Oficial n.º 9, de 30 de junho desse ano, está aí o relatório das operações redigido pelo próprio governador, o tenente-coronel Vellez Caroço.

Em números anteriores há já indícios da insurreição e da declaração de estado de sítio, como se viu no texto anterior. No Boletim Oficial n.º 21, de 23 de maio, o governador mandara publicar uma portaria em que se referia explicitamente ao estado de sítio nas ilhas de Canhabaque, Galinhas e João Vieira, mas o foco da rebelião era Canhabaque, houvera uma operação para destruir estas povoações e os indígenas refugiaram-se no mato e nunca fizeram a sua apresentação nos comandos militares. O governador convocou o Conselho Executivo, que deu o seu voto para que Canhabaque e João Vieira ficassem provisoriamente sujeitas a um comando militar, com sede em Meneque, e postos em Bine, Bane, In-Orei e Meneque, ficando igualmente proibido todo o comércio para o exterior; e mais: todo o coconote, arroz, gado e galinhas seriam apreendidos pelos agentes do Governo, enviados para Bolama e vendido em hasta pública; não seria permitida nova construção de palhotas aos indígenas enquanto não fizesse a sua apresentação incondicional.

Vejamos agora este documento marcadamente histórico, o referido relatório de Vellez Caroço que começa por fazer um historial dos acontecimentos. Em março de 1917 fora estabelecido o estado de sítio no arquipélago dos Bijagós, tinham-se recusado a entregar as armas e pólvora e também recusado a pagar o imposto de palhota; fora organizada uma coluna para os castigar, as nossas tropas tiveram muitas baixas, ocupara-se exclusivamente postos do litoral; os indígenas de Canhabaque nunca desarmaram, geraram um estado de coisas intolerável; em fevereiro de 1925 o Governador recebera um ofício da autoridade dos Bijagós anunciando que fora a Canhabaque a fim de proceder ao arrolamento para a cobrança do imposto, não teve qualquer sucesso; e Vellez Caroço escreve:
“Tive em Canhabaque três vezes as forças de auxiliares que o administrador propunha, tive um avião, tive artilharia, metralhadoras e duzentos homens de forças reguladas e, apesar disso, embora tivesse derrotado os rebeldes em todos os pontos onde em número apareceram a oferecer resistência, o facto é que eles ainda lá estão refugiados no mato, e que nas suas ciladas e emboscadas continuam causando bastantes baixas nos nossos soldados. Estou convencido que batidos como foram em todos os combates que nos ofereceram, destruídas por completo todas as suas povoações, pois nem só uma escapou, e feita agora a ocupação pelas forças militares em todos os pontos importantes da ilha, os rebeldes hão-de acabar por se entregar à discrição, visto que, dentro em pouco tempo, acossados pela chuva, sem terem coberturas ou abrigos e apertados pela fome, por lhes faltarem os géneros que lhes forem apreendidos, por lhe estar interdito o comércio com o exterior, não terão mais remédio do que submeterem-se.”

Posta esta exposição preliminar, Vellez Caroço relata os procedimentos adotados, seguiu para Bine um contingente militar, reconheceu-se a necessidade de fazer um desembarque em Canhabaque, foi recrutado um corpo de auxiliares indígenas, declarou-se o estado de sítio, realizaram-se voos sobre a ilha de Canhabaque, a ver se se atemorizavam os indígenas. São explicadas pormenorizadamente as operações em Bine, estavam presentes no contingente militar os auxiliares do régulo Monjur do Gabu, foi atacada a povoação de Bine, seguiram-se novas operações com mais auxiliares e ocupou-se Ambene e In-Hoda; houve depois operações em Meneque e Bane, seguiram-se operações em Canhabaque, o relatório refere a composição das colunas e a natureza do comando, e faz-se o histórico da operação a partir de 1 de maio, na marcha rompeu um nutrido fogo de longa sobre a coluna, Vellez Caroço acompanhado por um médico, Sant’Ana Barreto, dirigiram-se para a linha de fogo, foi uma hora de tiroteio e levou-se o inimigo de vencida, mas os rebeldes contra-atacaram, sendo repelidos, isto passou-se em Meneque, no dia seguinte as operações prosseguiram para Bane, mais tiroteio, os rebeldes fugiram; a 3 de maio, saiu uma coluna de Meneque em direção a Indena; mais fogo, as nossas tropas tiveram baixas, mas reagiram com firmeza, no fim do combate foi indiscritível a alegria de todo; enfim, a 12 dava-se ordem para a ocupação definitiva e no dia seguinte iniciou-se a evacuação dos auxiliares.

No resumo final, o governador refere que tivemos 22 mortos e 74 feridos. “A resistência foi tenaz. O estado de indisciplina era mais profundo. A propaganda dos comerciantes ambulantes, criaturas desonestas e sem noções de patriotismo e deveres cívicos, foi persistente e por largos anos exercido impunemente. Estou convencido de que acabou agora o seu reinado e ai daquele que for apanhado a permutar armas e pólvora com o indígena! Seja tudo Pró-Pátria!” O documento prossegue com um longo rol de louvores abarcando as forças intervenientes, de terra e mar, e mesmo louvado o médico pelo seu comportamento de destemor e bravura.

O ano de 1926 será vivido por Vellez Caroço com inúmeras inquietações no plano financeiro, há falta de dinheiro para pagar aos funcionários da administração, é grande o contencioso entre o Governo e o BNU, Vellez Caroço não se cansa de reclamar medidas enérgicas ao ministro das Colónias, no final do ano este governador é pura e simplesmente demitido.

Veremos com mais detalhe as situações por ele vividas no próximo texto. Já não se vivia na I República, era o Governo da Ditadura Militar.

Imagens publicadas na revista Ilustração Portuguesa, n.º 124, de 6 de junho de 1908, tem a ver com as operações militares no Cuor, fotografias de José Henriques de Mello, o primeiro fotógrafo militar português, estas operações no Cuor foram comandadas por Oliveira Muzanty, governador da Guiné, nunca até então a Guiné conhecera um contingente militar tão grande de tropa vinda da Metrópole e de Moçambique, marcou a derrota de Infali Soncó e Abdul Indjai recebeu como prémio o regulado, revelou-se um patife de todo o tamanho.
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Nota do editor

Último post da série de 11 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26908: Historiografia da presença portuguesa em África (485): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1924 a 1925, continuamos na era do governador Vellez Caroço (39) (Mário Beja Santos)