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sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27303: A nossa guerra em números (39): E os "retornados" de outros impérios coloniais (França, Holanda, Grã-Bretanha, etc.) quantos foram ?




Bandeira da França, "vandalizada" com o emblema representativos dos "pieds-noirs" da Argélia.   Imagem do domínio público

Fobte: Cortesia de Wikimedia Commons



1. O "boneco" do nosso António Rosinha (*), "tuga", "colon", "retornado", leva-nos a fazer a seguinte pergunta: quantos "retornados" houve, no séc. XX, nos outros países europeus, para além de Portugal, com colónias ou protetorados que acederam à independência política ?  Casos nomeadamente da França, da Holanda, Grão-Bretanha...

Como termo de comparação, partimos da estimativa mais consensual do total geral de “retornados” (1974/76), oriundos de Angola e Moçambique: c. 500 mil / 520 mil pessoas.

Aproximadamente menos de 2/3 vieram de Angola, e pouco mais de 1/3 de Moçambique; das restantes colónias (Cabo Verde, Guiné, São Tomé) os números são residuais (**).


O caso mais notório seria, de entre os colonizadores europeus, o da França, que manteve na Argélia uma guerra prolongada e violentíssima, entre 1954 e 1962. 


 Tal como de resto não o é o termo "retornado" entre nós: de facto, havia  portugueses,  cabo-verdianos, guineenses, angolanos, moçambicanos,  goeses, e até chineses, etc., nascidos em África e para quem Portugal era o "Puto",  um país europeu, estrangeiro, distante, física, cultural e afetivamente. 

De facto, havia quem tivesse nascido em Angola ou Moçambique, de pais, avós e até bisavós oriundos de Portugal, continental e ilhas atlânticas (Madeira, Açores, Cabo-Verde) mas também de outras proveniências, e que se consideravam, a si próprios, depreciativamente, como "portugueses de 2ª"

 Em todo o caso, vinham cá de férias ou de licença graciosa ( os funcionários públicos),  vinham cá consultar o médico, ou estudar cá, etc. A universidade só tardiamente chegou a Luanda,  Nova Lisboa, Lourenço Marques... A formação das elites tinha que ter o "carimbo" de Lisboa...

Esses angolanos e moçambicanos não aceitavam ser tratados como "retornados".  Mas o "Puto" acabou por ser felizmente uma pátria de acolhimento para eles. Seriam hoje apátridas. É verdade que nem todos viajar para a antiga metrópole. Não sabemos quantos foram para  o Brasil, a África do Sul, a Venezuela...
 

A. Quantos foram os "pieds-noirs" que  sairam da Argélia, com a independência em 1962 ? (***)


É arriscado avançar com números, por causa das fontes, das metodologias, dos enviesamentos, etc.  Mas os números são necessários para termos uma noção mais aproximada das realidades complexas. É verdade que também servem para mentir, ocultar, branquear, etc.

A assistente de IA que rapa o tacho aqui e acolá, vasculha o lixo da Net, não tem espírito crítico nem muito menos empatia e compaixão, assim de rajada diz-nos logo que os "pieds-noirs" terão sido entre 650 mil e  1 milhão.  

Pés-negros ? Parece ter um sentido pejorativo, tal como "tuga" (no tempo da guerra colonial).. O nosso "retornado", apesar de tudo, parece ser mais "neutro", mas não é menos impreciso e redutor... A língua tem sempre estas limitações, e a realidade é sempre mais dinâmica, espessa e complexa.

Entenda-se: "pieds-noirs" = colonos europeus, principalmente franceses, que  saíram da Argélia após a independência em 1962, buscando refúgio sobretudo na França. 

Mesmo o termo "colono"  é impreciso: o missionário, o professor, o topógrafo, o médico,  etc., são colonos ?

O número exato varia conforme a fonte:

(i) vários relatos históricos estabelecem que cerca de 800 mil foram evacuados para França e aproximadamente 200 mil  permaneceram temporariamente na Argélia, sendo que o número dos que permaneceram foi se reduzindo rapidamente; 

(ii) algumas fontes falam em “quase 1 milhão” de refugiados (outro termo que também não é "neutro");

(iii) registros administrativos (de 1962)  apontam para  cerca de 650 mil a  680 mil os recém-chegados à França só nesse ano;

(iv) considerando também os judeus argelinos (alguns, seguramente sefarditas, de origem ibérica, c. 130 mil), bem como outros europeus, estima-se que até 1.050.000 pessoas de origem europeia viviam na Argélia no início da década de 1960; 

(v) sabe-se que a esmagadora maioria partiu com a independência, depois de uma guerra que foi uma tragédia.

O êxodo ocorreu de forma acelerada, em poucos meses, tal como em Angola e Moçambique, fruto do temor de represálias e das mudanças políticas, económicas e sociais radicais após o fim do domínio francês.

Claro que a saída dos "pieds-noirs" teve profundas consequências sociais e políticas tanto na Argélia como na França, marcando o pós-colonialismo no Mediterrâneo ocidental.


B. Quanto a holandeses (ou neerlandeses, como se diz hoje), saídos das ex-colónias dos Países Baixos...

O número de "retornados holandeses"  variaram bastante conforme o contexto histórico de cada território. 

Não houve um êxodo tão em massa e tão concentrado como no caso dos "pieds-noirs" da Argélia, nem do "ultramar português" (Angola, Moçambique...).

 Vejamos caso a caso:

(i) Índias Orientais Holandesas (Indonésia)

após a independência (1949), cerca de 300 /350  mil "colonos" emigraram para a Holanda entre as décadas de 1940 e 1960; mas nesse número não estão  apenas holandeses "puros" (de sangue),  mas também mestiços euro-asiáticos (os chamados "indos"), judeus, chineses e outros grupos ligados à administração colonial; os tais "indos " que migraram para a Holanda, serão estimados em 200 mil;

(ii) Suriname: 

com a independência em 1975,  quase metade da população original (estimada entre 100/150 mil pessoas) mudou-se para a Holanda, numa corrida migratória antes do encerramento das fronteiras (foram sobretudo descendentes de holandeses e outros grupos ligados à administração colonial);

(iii) Antilhas Holandesas: 

houve um  fluxo menor, mas constante, das ex-colónias caribenhas (Curaçao, Aruba, Sint Maarten) para a Holanda, especialmente em contextos de crise, totalizando hoje cerca de 200 mil descendentes de caribenhos holandeses  a viver  nos Países Baixos;

(iv) África do Sul: 

após o fim da dominação holandesa no Cabo (1815), muitos dos bóeres (palavra de origem neerlandesa, quer dizer isso mesmo, colono, descendente de holandeses) permaneceram na região e formaram comunidades que deram origem aos atuais africâneres; neste caso,  não houve uma saída massiva para a Holanda.

Mais especificamente os africâneres 
são um grupo étnico  sul-africano descendente de colonos, protestantes calvinistas,  europeus, principalmente holandeses, alemães e franceses (huguenotes), que chegaram ao Cabo da Boa Esperança a partir do século XVII. 

Eles falam africâner, uma língua germânica, que evoluiu do dialeto holandês dessa época;  desempenharam um papel central na história da África do Sul, incluindo o regime do apartheid (que vigorou de 1948 a 1994); historicamente, eles dominavam  setores como a política, o comércio  e a agricultura, mas a minoria branca, incluindo os africâneres,  é hoje uma pequena percentagem da população. 

Em resumo: a saída dos holandeses das ex-colónias foi significativa na Indonésia (após 1949) e em Suriname (após 1975), mas comparativamente menos dramática que a dos "pieds-noirs" na Argélia. ou das colónias / províncias ultramarinas portuguesas (há quem não goste do termo "colónias),

A diáspora holandesa mundial contemporânea reflete essas migrações, com estimativa de até 15 milhões de pessoas de origem holandesa/neerlandesa e seus descendentes vivendo fora da Holanda, incluindo grandes comunidades vindas das antigas colónias.  

C. Quanto aos britânicos, não há um número consolidado ou uma estimativa global de “retornados”, na sequência  das várias independências dos territórios do império onde o sol nunca se punha no tempo da Raínha Vitória...

Os retornos existiram, mas dispersos, com destaque para expulsões pontuais (ex: Uganda, 1972,  cerca de 27.000).

O fenómeno é amplamente documentado no caso português, mas não tem equivalente em escala ou identificação no caso britânico.


D. Os espanhóis, por sua vez,  não tiveram um fenómeno de "retornados" semelhante ao caso português.

A descolonização espanhola  (grande potência imperial) ocorreu maioritariamente nas Américas no século XIX, com processos de independência que resultaram na formação de vários países novos entre 1810 e 1824, e não no século XX como nos impérios britânico, francês ou português; esses processos de independência foram guerras e movimentos políticos e sociais que levaram à saída da Espanha das colónias americanas, mas não provocaram um retorno em massa de colonos espanhóis para a Espanha equivalente ao nosso caso no pós-25 de Abril.

Ainda há os casos residuais dos italianos, alemães, belgas... E até dos suecos, que, ao que parece,  também tiveram colónias.

(Pesquisa: LG + Assistente de IA / Perplexity, ChatGPT, Gemini...)

(Condensação, revisão / fixação de texto: LG)

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Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 6 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27288: Humor de caserna (214): O dono daquilo tudo, do Cuanza ao Cunene, o "colón", o retornado", o "coronel" e o "grão-tabanqueiro" António Rosinha

(**) Vd. poste de 12 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27113: A nossa guerra em números (31): Angola e Moçambique: População europeia total: ~535 mil / 600 mil | Total geral de "retornados" (incluindo os restantes territórios): c. 500 mil / 520 mil pessoas

(***) Último poste da série > 7 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27191: A nossa guerra em números (38): Em 27 de maio de 1974, existiriam no CTIG 1960 "bombas de napalm" (1170 de 350 litros e 790 de 100 litros)... ou apenas os invólucros

Guiné 61/74 - P27302: Parabéns a você (2425): Manuerl Resende, ex-Alf Mil Art da CCAÇ 2585 / BCAÇ 2884 (Jolmete, 1969/71)

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Nota do editor

Último post da série de 9 de Outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27298: Parabéns a você (2424): Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 414 (Catió e Ganjola - Guiné e Ilha do Sal - Cabo Verde, 1963/65)

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27301: Efemérides (469): Rescaldo do XXX Convívio dos Antigos Combatentes da Guiné da Vila de Guifões, levado a efeito no passado dia 5 de Outubro (Albano Costa, ex-1.º Cabo At Inf)


1. Mensagem do nosso camarada e amigo Albano Costa, ex-1.º Cabo At Inf da CCAÇ 4150 (Bigene e Guidaje, 1973/74), com data de 8 de outubro de 2025:

XXX Convívio dos Antigos Combatentes na Guiné da Vila de Guifões

Dia 5 de Outubro de 2025

Pelas 9 horas da manhã, ainda em Guifões, foi feita a habitual homenagem do dia 5 de Outubro a todos os Combatentes do Ultramar com a deposição de uma coroa de flores no Monumento alusivo aos Combatentes.

Seguidamente rumámos em dois autocarros em direção ao Marco de Canaveses, onde fizemos uma visita, e de seguida fomos para o local reservado para a confraternização que foi na Quintinha dos Queiroses, em Maureles.

O resto do dia foi passado em franca amizade entre todos os presentes.

Antes do corte do bolo foi cantado o Hino Nacional e entregue uma lembrança a cada combatente na Guiné e uma flor a todas as senhoras.

Por volta das 19 horas foi o regresso ao ponto de partida.

A Comissão Organizadora, mais uma vez, agradece ao Eng. Pedro Gonçalves, Presidente da União de Freguesias de Guifões, Custóias e Leça do Balio, todo o apoio prestado, na oferta da coroa, das flores e das lembranças.

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Nota do editor

Último post da série de 5 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27286: Efemérides (468): Faz agora 54 anos: em 1 de outubro de 1971, a CCS/BCAÇ 2912 e a CCAÇ 2700 sofrem uma emboscada, num patrulhanento auto noturno a aldeias em A/D, na picada Duas Fontes-Bangacia, de que resultaram 8 mortos (5 no local, 3 no HM 241). Mais uma vez a CECA não reportou este revés das NT, no livro sobre a atividade operacional de 1971

Guiné 61/74 - P27300: Casos: a verdade sobre... (58): O inferno de Contabane, na noite de 22 de junho de 1968... Não consta do livro da CECA sobre a actividade operacional no ano de 1968... Felizmente temos a versão do Manuel Traquina e Carlos Nery, da CCAÇ 2382


Guiné > Região de Bafatá > Carta de Contabane  (1959) / Escala 1/50 mil > Posição relativa de Contabane, Saltinho, Rio Corubal e Quirafo. (Nesta altura não havia Sinchã Sambel, a um escasso quilómetro do Saltinho, na margem direita do rio Corubal).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)

1. A propósito da morte recente do Suleimane Baldé (1938-2025)(*), régulo de Contabane, e antigo militar do recrutamento local que integrou as NT (primeiro como milícia e depois como 1º cabo do  Pel Caç Nat 53, 1968/74), vem-nos à memória o medonho ataque do PAIGC à sua tabanca natal: foi riscada do mapa pelos homens do 'Nino' Vieira (**). Sem dó nem piedade.  (Mas também levou  a sua conta, o 'Nino',  com vários mortos e feridos graves.)

Não sabemos onde é que o filho do régulo Sambel Baldé e da Fatumatá estava nessa noite. Não estaria lá, em Contabane.  O Zé Teixeira  diz que o conheceu (e privou com ele) na "segunda metade do ano de 1968 em Mampatá Forreá, onde ele estava colocado na Milícia local". 

Foi já depois da data do ataque a Contabane que a companhia do Zé Teixeira, a CCAÇ 2381, foi para Buba, em 18/7/1968, em reforço do BCAÇ 2834. Em 8/8/1968, por troca com a CCAÇ 2382, assume a responsabilidade do subsector de Aldeia Formosa, com pelotões destacados em Chamarra, de 10/7/1968 a 8/2/1969. Fica então integrada no dispositivo e manobra do COSAF/COP 1 e depois do BCaç 2834.

É possível que o Suleimane pertencesse ao Pel Mil 135 / CMil 11 (que estava em Buba, com uma secção em Mampatá). E que nesse ano tenha entrado para o Pel Caça Nat 53, que veio do Xime para o Saltinho.

Em 22/6/1968, a CCAÇ 2832 tinham dois pelotões em Mampatá e outros dois em Contabane (mais o comando, incluindo o cap mil Carlos Nery em pessoa, o cmdt da companhia).
 
No livro da CECA - Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974) (6º Volume: Aspetos da Atividade Operacional, na Guiné no período de 1967/70), só há 7 referências a Contabane e 8 à CCAÇ 2382... 

E infelizmente não há uma única  linha sobre este violentíssimo ataque, de 3 horas de duração,  com um arsenal de armas coletivas (canhão s/r, morteiro, LGFog, metralhadoras com balas tracejantes e incendiárias) à tabanca e destacamento de Contabane...  (felizmente tinha um perímetro de ara.e farpado e alguns abrigos mais ou menos improvisados).

A povoação ficou reduzida a cinzas e os nossos camaradas perderem praticamente todos os seus haveres, víveres e até equipamentos.  O destacamento será abandonado. A tabanca seria mais tarde reconstruída, no Saltinho, na margem direita do rio Corubal, com a ajuda fundamental da CCAÇ 2701. Passou a designar-se Sinchâ Sambel, em homenagem ao pai do Suleimane Baldé.

O brigadeiro António Spínola tinha acabado de chegar ao CTIG, em 24 de maio de 1968.  Onde meses depois, em 14 de abril de 1969, durante o "briefing" que fez  por ocasião da visita à Guiné do Presidente do Conselho, Marcello Caetano, acompanhado pelos Ministro do Ultramar, Secretário de Estado da Informação e Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, disse  (deixando um recado bem claro ao poder político):

(...) "Dentro da política realista de estrita economia de meios, e perante a não satisfação, em tempo oportuno, dos meios de combate e de apoio solicitados em novembro (de 1968, e então considerados pelo SGDN  (Secretariado Geral da Defesa Nacional) de urgência imediata, e respeitando o princípio da concentração de meios nas zonas de esforço - princípio básico da manobra militar - tivemos que desmilitarizar algumas áreas do Leste e do Sul da província.

À luz deste condicionalismo, foram desmilitarizados os seguintes pontos: 

  • Banjara, 
  • Beli, Madina do Boé, 
  • Ché Che
  • Contabane, 
  • Colibuia, 
  • Cumbijã, 
  • Ponte Baiana, 
  • Gandembel, 
  • Mejo, Sangonhá, 
  • Cacoca, Cachil, 
  • Ganjola 
  • e Gubia." (CECA, 2015, pág. 401)"

Há muito que se sabia   do crescente incremento da actividade lN na região de Forreá-Contabane.  


2. Claro que esta omissão (a referência ao ataque a Contabane) não tem nada a ver com o "branqueamento" desta situação (que foi, de facto, um revés para as NT), mas resulta, sim, em grande parte, da insuficiência de fontes de consulta, bem como da metodologia seguida pelo grupo de trabalho.

O segundo livro dos "Aspectos da Actividade Operacional - Guiné" abrange o período de  de 1967 a 1970 (4 anos).

(...) "Tal como se referiu na primeira obra são completamentares os livros editados pela Comissão para os Estudos das Campanhas de África: 1° volume - 'Enquadramento Geral'; 7° volume - Tomo II Guiné - 'Fichas das Unidades'; 'Subsídio para o estudo da doutrina aplicada nas Campanhas de África', no respeitante à logística no Teatro de Operações da Guiné.

O trabalho foi conduzido pela recolha de uma compilação de elementos, resumo e extractos alicerçados em documentos oficiais como directivas, ordens, planos, normas de execução permanente e diversos relatórios de comando, pessoal, informações, operações e logística. 

As matérias que são referidas, eram na maioria, no respeitante à segurança, classificadas, exigindo a aplicação de medidas de segurança que recebiam consoante os inconvenientes que podiam causar a sua divulgação em graus que iam desde o reservado, confidencial e secreto até muito secreto. 

Posteriormente foi proposta e autorizada a desclassificação dos documentos pelo que não são agora mencionados os graus que lhes tinham sido atribuídos à época.

Circunscrevemo-nos à consulta dos documentos produzidos à data na Metrópole e aos que na altura foram efectivados e encaminhados para Portugal Continental. Os que foram elaborados e arquivados nos CCFAG e CTIG, embora tenham sido enviados de lá e armazenados no extinto BCaç nº 5, acabaram por ser destruídos num incêndio. Devido a este, não se pode lucrar com o conhecimento dos seus conteúdos.

As fontes de consulta ficaram limitadas aos arquivos dos SGDN, ARM, CECA e do testemunho de alguns militares. [Gralha: a sigla ARM deve ser AHM - Arquivo Histórico Militar; ARM não vem na lista das abreviaturas do referido livro da CECA]

Sobre as operações e acções tácticas executadas no TO da Guiné são mencionadas as ajuizadas como mais relevantes.

Sendo este trabalho sobre a actividade operacional é nossa intenção destacar, também, o esforço apreciável dos militares no apoio à população na sua defesa, educação, saúde, contrução de aldeamentos e vias de comunicação.

Prestamos homenagem aos Oficiais, Sargentos e Praças, que combateram até ao risco da própria vida, com muita dignidade e valor e cumpriram múltiplas e difíceis missões em prol da população.
Consideramos que a actuação dos militares na Campanha da Guiné, merecidamente, deve constituir um exemplo." (CECA. 2105, pág. 7).

Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro II; 1.ª Edição; Lisboa (2015), 607 pp.

(Pesquisa, revisão / fixação de texto, negritos LG) (***)
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Nota do editor LG:

(*) Vd. poste de 9 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27299: In Memoriam (559): Suleimane Baldé (1938-2025), régulo de Contabane, ex-1º cabo do Pel Caç Nat 53 (1968-1974), filho do régulo Sambel Baldé e de Fatumatá; fica inumado, simbolicamente, à sombra do nosso poilão, no lugar nº 908


27 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25690: 20º aniversário do nosso blogue (16): Alguns dos melhores postes de sempre (XII): na noite de 22 de junho de 1968, há 56 anos, Contabane transformou-se no inferno - Parte II: a versão de Carlos Nery, na história da unidade (pp. 10,11,12 e 13)

(***) Último poste da série > 5 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27287: Casos: a verdade sobre... (57): a emboscada de 1 de outubro de 1971, em Bangacia (Duas Fontes), Galomaro, Sector L5, ao tempo do BCAÇ 2912 (1970/72) (António Tavares / J. F. Santos Ribeiro / Vasco Joaquim / Paulo Santiago)

Guiné 61/74 - P27299: In Memoriam (559): Suleimane Baldé (1938-2025), régulo de Contabane, ex-1º cabo do Pel Caç Nat 53 (1968-1974), filho do régulo Sambel Baldé e de Fatumatá; fica inumado, simbolicamente, à sombra do nosso poilão, no lugar nº 908


Guiné-Bissau >  Região de Bafatá > Saltinho > Sinchã Sambel > 2015 : O Zé Teixeira e o Suleimane Baldé (1938-2015), régulo de Contabane...É a foto mais recente que temos dele. Os dois conheceram-se em Mampatá, em 1968

Foto (e legenda): © José Teixeira (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Sinchã Sambel (antiga Contabane) > 3 março de 2008 > O Suleimane Baldé, régulo de Contabane, à direita o Pedro Lauret, e à esquerda o Paulo Santiago, seu antigo comandante, quando ele era, em 1970/72, 1º cabo do Pel Caç Nat 53. Foto tirada por ocasião do Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1-7 de março de 2008)

Foto (e legenda): © Paulo Santiago (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Matosinhos > Tabanca de Matosinhos > s/d > O Suleimane Baldé, ao centro, à sua direita, o Paulo Santiago, à direita o Mário Miguéis da Silva (que conheceu o Suleimane no Saltinho, em 1970) e de perfil o Zé Teixeira.

Foto (e legenda): © Paulo Santiago (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem de Paulo Santiago (ex-alf mil, cmdt, Pel Caç
Nat 53, Saltinho, 1970/72)

Paulo Santiago


Data - 8 out 2025 11:38

Assunto - In memoriam: Suleimane Baldé

Soube há pouco, por telefonema do Zé Teixeira, da morte súbita, ontem, do Suleimane Baldé, antigo 1º cabo do Pel Caç Nat 53 que comandei entre out/70 e ago/72.

O Suleimane, filho do Sambel Baldé e da Fatumatá (morreu aos 100, em 2010),  herdou do pai o regulado de Contabane. 

Em outubro de 1970 eu era um puto ao lado do Suleimane, dez anos era a diferença entre os meus 22 e os dele 32. Fomos bons camaradas.

Ficou algumas vezes em minha casa, quando de vindas a Portugal. 

A foto em anexo  foi tirada numa dessas vezes. Aconteceu na Tabanca de Matosinhos, na imagem Mário Miguéis, que conheceu o Suleimane no Saltinho, e de perfil o Zé Teixeira.

Descansa em paz, camarada Suleimane.

PS - O Suleimane Baldé foi, de facto, também  milícia, antes de ingressar no Pel Caç Nat  53. Esclareça-se, por outro lado, que os moradores de Contabane não  foram dispersos por Aldeia Formosa e Mampatá, A grande maioria,foi "instalada" junto da picada que seguia para o Xitole a cerca de 1 km do quartel do Saltinho, Foram estes antigos moradores da destruída Contabane que ajudaram militares da CCaç 2701 na construção da actual Sinchã Sambel, onde vivi os meus últimos meses de comissão.

Já no século XXI, eu e o antigo cap Carlos Clemente, hoje coronel na situação de reforma, fomos ouvidos, várias vezes, acerca de um ferimento sofrido,  junto a um ouvido, pelo 1º cabo Suleimane Baldé e que lhe provocava  perda de audição. Foi uma situação complicada. Uma operação irregular, sem relatórios escritos, com o grupo do Marcelino da Mata. Mais por declarações do Clemente,do que minhas, foi atribuída uma pensão ao Suleimane.
 

Zé Teixeira

2. Mensagem  do José Teixeira (ex- 1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70):

SULEIMANE BALDÉ, UM AMIGO QUE PARTIU PARA O ETERNO AQUARTELAMENTO. (*)

Tive o prazer de conviver com o Sulimane (como eu o tratava), na segunda metade do ano de 1968 em Mampatá Forreá, onde ele estava colocado na Milícia local. 

Suponho que já estava casado com a Naná, filha do régulo, o alferes de segunda linha Aliu Baldé, de quem guardo as melhores recordações, bem como dos seus filhos e de toda a gente com quem convivi. 

Nessa altura, não sabia que ele era filho do régulo Sambel de Contabane, a viver em Aldeia Formosa (Quebo)  depois da tabanca onde vivia (Contabane) ter sido atacada e  queimada, no dia 22 de junho desse ano.(**)

Quando em 2005 voltei à Guiné, encontrei-o na tabanca de Sinchã Sambel, no Saltinho – tabanca, onde o seu pai se fixou e com ele a sede do regulado de Contabane, agora nas mãos do Sulimane. 

Foi a esposa, a Naná,  que me reconheceu e me fez recordar, os tempos passados em Mampatá, trinta e cinco anos antes, uma surpresa profundamente agradável para quem regressava à Guiné, agora como voluntário para reviver os tempos, os bons e os menos bons, de outrora.

Foi um prazer grato voltar e encontrar o casal e solidificar a amizade que nos unia desde a minha estadia em Mampatá.

Voltei à Guiné várias vezes, com paragem obrigatória por Sinchã Sambel para conviver com o Sulimane e família. 

Levei a sua casa os meus filhos e a minha esposa, os camaradas e amigos que me acompanhavam nas visitas à Guiné. Fui sempre recebido como um filho, pelo Sulimane e pela Naná, também falecida há alguns meses atrás.

O Paulo Salgado, seu conhecido e amigo de outras andanças pela Guiné, quando o Sulimane era seu 1º cabo no Pel Caç Nat 53,  no Saltinho, trouxe-o à tabanca de Matosinhos. Tive a oportunidade de várias vezes o ir visitar a Lisboa, quando ele vinha cá, sobretudo por causa das doenças que o apoquentavam, o mesmo acontecia quando a Naná estava em Lisboa.

Escrever sobre o Sulimane é falar de um homem íntegro, um grande líder étnico, um guineense que também era um português de alma e coração. Um homem simples, cordato, conversador e firme nos seus ideais. Um gigante, que muito me ensinou nos diversos encontros que tivemos.

Faleceu no  passado dia 7, com oitenta e sete anos.

Com a sua morte, fiquei mais pobre.
Fica em paz, querido amigo.

Junto fotos nos nossos encontros.

Zé Teixeira

(Fonte: página do facebook do José Teixeira, 8 de outubro de 2025, 23:22)


3. Comentário do editor LG:

O Suleimane Baldé era 1º cabo do Pel Caç Nat 53, ao tempo do Paulo Santiago, seu comandandente no época de 1970/72. Era DFA (com 30% de incapacidade, por estilhaço num ouvido, resultante de uma nina A/P. Fez operações "irregulares" para lá da fronteira com o grupo do Marcelino da Mata. Herdou de seu pai o regulado de Contabe. A sua tabanca, Contabane, foi riscada do mapa pelo PAIGC, em 22 de junho de  1968. (**)

Veio a Portugal várias vezes. Manteve sempre fortes laços afetivos aos "tugas" (em especial ao José Teixeira, ao Paulo Santiago, Mário Miguéis da Silva). Por todas as razões, e sendo um dos valorosos camaradas da Guiné, passa a ser inumado, simbolicamente, sob o poilão da Tabanca Grande, no lugar nº 908. Tem várias referências no nosso blogue.

As fotos  que publicamos são elequoentes: tanto o Zé Teixeira como o Paulo Santiago sempre tiveram um especial carinho por este nosso camarada e sua família.

São dois "tugas" com uma enorme sensibilidade sociocultural, e capacidade de empatia,  que honram a Tabanca Grande:  um e outro conheceram a senhora Fatumatá, ainda em vida, o Paulo Santiago (ex-alf mil do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72, que voltou à Guiné em 2005, 2008 e 2010), e o José Teixeira (ex-1.º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), que foi à Guiné-Bissau ainda mais vezes (pelo menos, 2005, 2007, 2008, 2013, 2015, se não erro)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Sinchã Sambel >  2005 > A mulher do régulo local, a que está a ordenhar a vaca, casada com o régulo de Sinchã Sambel,  Suleimane Baldé, antigo 1º cabo do Pel Caç Nat 53, filho do antigo régulo de Contabane, Sambel Baldé. 

Depois da evacuação de Contabane, em a população dispersou-se por Mampatá e Aldeia Formosa. Mais tarde,foi reunida numa nova tabanca, junto ao Saltinho, Sinchã Sambel, em homenagem ao régulo, que foi sempre leal aos portugueses (era um firme alidado de Spínola).

Foto (e legenda): ©  José Teixeira (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Contabane > Sinchã Sambel > 3 março de 2008 > "Eu, o Pedro Lauret com o régulo Suleimane Baldé, régulo de Contabane, e outros habitantes da tabanca"

Fotos (e legendas): © Paulo Santiago (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné-Bissau > Região de Bafatá >  Sinchã Sambel > 2005 > "Fatumatá, esposa do régulo Sambel de Contabane.T
irei-lhe esta foto  em 2005 quando ela tinha 96 anos, segundo me disse a Meta Baldé (Naná), esposa do Suleimane Baldé, o filho e atual régulo.   À data estava perfeitamente lúcida. A imagem que me ficou dela foi o seu abraço prolongado enquanto me dizia com emoção 'Branco e na volta, Branco e na volta'.  Quando faleceu em 2010,  tinha efetivamente 100 anos. 


Foto (e legenda): ©  José Teixeira (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís GRaça & Camaradas da Guiné]


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Sambel > 2005 > Fota da dona Fatumatá, viúva do régulo de Contabane, Sambel Baldé, aliado de Spínola... Era já viúva, quando morreu, em 2010 ("com 114 luas, dizem uns, ou 100 anos, dizem outros".  


Foto (e legenda): ©  Paulo Santiago  (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Sambel > 2013 >   Zé Teixeira, Naná, Maria Armanda e Suleimane Baldé



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Sambel > 2013 >  
A famíla Baldé e a família Teixeira  



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Sambel > 2015 >  O "Sulimane", como lhe chamava o Zé Teixeira. Dois velhos amigos e camaradas.



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Sambel > 2015 >  O " Sulimane" com o seu filho Alfa e o Zé Teixeira, vendo-se dntro da morança o Eduardo Moutinho Santos.

Fotos (e legenda): ©  José Teixeira (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

(Revisão / fixação de texto: LG)
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Notas do editor LG:


Recorde-se o contexto (LG):

Face à pressão IN sobre a região do Forreá, a CCAÇ 2382 (que chegara ao CTIG em 6mai68, e estava a fazer a IAO em Bula), é colocada em 7jun68, à pressa, no Sector S2 (Aldeia Formosa), com dois pelotões em Contabane, no Forreá. Veio render forças da 5ª CCmds.

Em 11jun68, instala-se o o comando e os outros dois pelotões em Mampatá; no entanto, em 18jun68, a sede da subunidade passou para Contabane, ficando apenas um pelotão destacado em Mampatá.

Na noite de 22jun68, Contabane sofre um ataque de 3 horas e fica praticamente reduzida cinzas.

O régulo era o Sambel, e a "mulher grande" do régulo, uma grande senhora, a Fatumatá, pais do Suleimane Baldé (1935-2025).

Em 1jul68, Contabane, é evacuada, a CCAÇ 2382 volta de novo a instalar-se em Mampatá, agora com dois pelotões destacados em Buba e Patê Embalá. Será construído um reordenamento, no Saltinho, Sinchã Sambel, para alojar as famílias da antiga Contabane.

Guiné 61/74 - P27298: Parabéns a você (2424): Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 414 (Catió e Ganjola - Guiné e Ilha do Sal - Cabo Verde, 1963/65)

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Nota do editor

Último post da série de 8 de Outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27294: Parabéns a você (2423): Luís Mourato Oliveira, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 4740 e Pel Caç Nat 52 (Cufar, Mato Cão e Missirá, 1973/74)

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Guiné 61/74 – P27297: (Ex)citações (439): Noite de petisco: cabrito assado no forno (José Saúde, ex-fur mil op esp / ranger, CCS / BART 6523, Nova Lamego, 1973/74)


A revolta da população após a libertação pelas forças do PAIGC

Para o portador de armas

Camaradas,

Sabeis, aliás, todos temos essa certeza que, em qualquer base militar, as portas de armas são operadas pelo pessoal que visam assegurar a segurança e a defesa de um qualquer contingente operativo que no interior do aquartelamento excuta os seus deveres, ou, por outro lado, descansa numa noite onde os sonhos são, por vezes, inquietados com importunações que resvalavam para percetíveis pesadelos. Nesta conformidade militar e baseado em experiências vividas, lembro, por exemplo, aquando uma bela noite cheguei ao quartel do CISME, em Tavira, passava ligeiramente da hora marcada, ou seja, à meia noite e cinco/seis minutos, se a memória não me falha, e encontrei, com um outro camarada, a porta já encerrada. Claro que tocamos várias vezes e nada, até ouvirmos uma voz vinda de dentro, que logo nos indicou que só às sete da manhã haveria a ordem da entrada.

Ficamos “fulos que nem uma barata”, restando-nos a certeza de passarmos a noite ao relento e bem defronte ao quartel. Não houve ordem para reclamações, os rígidos princípios da tropa eram, naquela época, incontestáveis, e lá fomos nós noite afora “engolindo em seco” tal tomada de decisão. Melhor: uma ordem que tivemos que cumprir.

Na Guiné, como em outro lugar onde a guerrilha africana imperava, a coisa também cumpria as mesmas regras. Em Nova Lamego, depois do 25 de Abril, lembro, perfeitamente, da população, quiçá desesperada, “reclamar direitos”, tendo em linha de conta a indefinição em que porventura se encontrava. Eis, portanto, mais um texto que trago em meu livro -UM RANGER NA GUERRA COLONIAL GUINÉ-BISSAU 1973/1974 – edições Colibri, Lisboa.

A revolta da população após a libertação pelas forças do PAIGC
Amarras do medo


População à porta do quartel temendo, talvez, pelos tempos de mudança

Manietados pelas amarras do medo, fomos jovens combatentes que conhecemos os horripilantes terrores da guerra colonial. No horizonte de além-mar vislumbravam-se, espaçadamente, sinais de esperança. Uma esperança por todos ambicionada e literalmente com honra concretizada. 

Por que essas breves palavras de liberdade? Há mais de 50 anos as armas se calaram nas antigas províncias ultramarinas. Eu, furriel miliciano de Operações Especiais/Ranger, tive o poder de pertencer a uma lista imensa de camaradas que prestavam serviço militar na Guiné. 

Em Gabu cruzei a guerra com a paz. Vivi intensamente os momentos que se seguiram após a Revolução dos Cravos. Os primeiros contatos com os guerrilheiros do PAIGC e o subsequente duvidar da facilidade deparada. Mas, estávamos em liberdade e o inimigo de ontem eram os homens que agora conviviam libertos das amarras do medo. 

Lembro das cavaqueiras, justamente no bar de sargentos de Nova Lamego, entre antigos opositores no palanque da peleja. Lembro, as armas que outrora serviram, única e exclusivamente, para matar outros homens. Os confrontos diretos onde os sons horripilantes das armas se espalhavam em um horizonte manchado pela negridão de uma África sempre harmoniosa. Porra, por que aquela guerra malvada? O Estado Novo assim ordenava e nós lá partíamos desconhecendo o destino. 

Mas, escalpelizando esses enviesados trilhos guineenses, somos forçados a mergulhar em realidades que tendem cair no limbo do esquecimento, essencialmente por parte daqueles que fogem do tema como o diabo foge da cruz. Não fomos e não seremos reconhecidos por uma gentalha de malfeitores que desconhece o sofrimento dos soldados enviados para as trincheiras da guerra. 

Todavia, existe uma certeza que ainda nos prende o coração: garotos de 20, 21, 22 e 23 anos foram heróis numa guerra para a qual foram atirados à força e mal preparados para lidar com a guerrilha. 

Conheci essa indesmentível verdade. Coloco-me no leque de “putos” que tinham como missão comandar outros “putos” apesar do momento hostil vivido. Não temiam a imprevisibilidade da densidade de um mato que escondia inesperados encontros sempre indesejados. Iam em frente. 

O 25 de Abril foi o momento solene para todos os camaradas que combatiam nas três frentes de batalha se libertassem das amarras do medo e gritassem bem alto “viva a liberdade!”. 

Os alaridos das armas deram lugar às tréguas. Os inimigos se definiam em abraços fraternos. Contudo, existia em cada um de nós uma imensurável raiva do passado. Revíamos os camaradas mortos, os aleijados, os feridos com menos ou mais gravidade e desconhecíamos o futuro. Um futuro onde damos conta de camaradas que jamais conseguiram reencontrar-se com a estabilidade emocional numa sociedade que os renega. 

É hora de vivermos abril, é verdade, mas em nosso cofre existem mágoas que ainda mexem com nossa sensibilidade. 

Revejo a porta-de-armas do quartel em Nova Lamego em fase de transmissão de poderes. Nativos que buscavam ajuda. Nas suas caras, com idades transversais, notava-se sinais de medo e de incertezas nos tempos vindouro. Tentavam um presumível assalto ao quartel. Eles queriam arroz e outros bens alimentícios. Sua ingenuidade parecia atroz. A força da ordem no futuro imediato foi chamada de PAIGC. Eles, membros de uma população com a qual habitualmente convivíamos, por lá ficaram sujeitos a um novo regime. 

Sinais de um abril que cruzaram fronteiras e que libertaram as amarras do medo de um exército que almejava seu retorno para casa. E foi assim o ápice da Revolução dos Cravos em 25 de abril de 1974. 

Abraços, camaradas
José Saúde
Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BART 6523
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 


Guiné 61/74 - P27296: Historiografia da presença portuguesa em África (499): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1944 (56) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Abril de 2025:

Queridos amigos,
A guerra traduziu-se na vida da Guiné por um sem número de dificuldades, logo a contenção de despesas, isto a despeito de um programa de melhoramentos em infraestruturas, incluindo os dois hospitais, o de Bolama e o de Bissau, prosseguem as construções na nova capital, atua-se contra o açambarcamento, embora todos os relatos da época revelem o muito contrabando graças à porosidade das fronteiras, à circulação do ouro em pó, exporta-se algum arroz, oleaginosas e madeiras, as casas comerciais alemãs estão rigorosamente controladas, tudo quanto vai da Guiné tem que passar pelo porto de Lisboa. Trouxe à colação do leitor a publicação de União Nacional desta época, as imagens são bem expressivas que na continuação da obra de Carvalho Viegas, e também dentro do ímpeto de construir uma nova capital é significativo o número de construções, quando Sarmento Rodrigues chegar no ano seguinte não deixará de mencionar que traz muitos projetos e importantes trabalhos para concluir.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1944 (56)


Mário Beja Santos

É o último ano completo da governação de Ricardo Vaz Monteiro, sairá major da Guiné, no próximo ano será rendido pelo Comandante Manuel Sarmento Rodrigues. A despeito da austeridade, da severidade orçamental, há obras, como veremos em síntese no trabalho publicado pela União Nacional da Guiné. As indústrias mantêm-se caseiras e de pequeno porte, é o caso da Sociedade Industrial Ultramarina, como iremos ver no Boletim Oficial n.º 20, de 15 de maio, vem pedir a prorrogação por mais dez anos da concessão do exclusivo de fabrico de telhas, tijolos e outros produtos cerâmicos. Vaz Monteiro defere, mas deixará escrito: “Considerando as poucas probabilidades – ou nenhumas – de se montar outra fábrica de produtos cerâmicos, e ainda porque a existência da atual fábrica muito beneficia a economia da colónia que deixa de pagar fora dela algumas de centenas de contos anuais”, e assim se deu a prorrogação por mais de dez anos deste exclusivo.

A colónia tem vindo a aumentar o seu parque automóvel, as transmissões as estações de CTT, chegou a altura de se proceder ao levantamento geodésico, cartográfico e hidrográfico da Guiné. O Ministério das Colónias ficou incumbido de organizar e enviar à Guiné uma missão geoidrográfica encarregada de proceder ao levantamento geodésico e cartográfico da colónia e seguidamente ao levantamento hidrográfico, conforme instruções que para este fim lhe serão dadas pela Junta das Missões Geográficas e Investigações Coloniais. Dá-se a composição da missão, vencimentos, repartição de despesas, etc.

É no Boletim n.º 52, de 26 de dezembro, que encontrei informações que ajudam a percebera as mudanças populacionais provocadas pela luta armada e como alguns anos antes existiam sérias tensões étnicas em regulados do Leste. Decide o governador por portaria, a n.º 132:
“Atendendo ao que o administrador da circunscrição civil de Bafatá, no intuito de evitar conflitos e abusos a que estão sujeitos os indígenas de raça Balanta, residentes nalgumas povoações nos regulados de Badora, Xime e Cuor, propôs ao Governo da colónia:
Considerando que estes núcleos de população Balanta, destacando-se nitidamente das tribos que habitam aqueles regulados nos seus usos, costumes e civilização, carecendo ser diretamente dirigidos pela Autoridade Administrativa, sem qualquer interferência dos régulos ou de outras autoridades gentílicas;
O governador determina que sejam desanexadas dos regulados a que pertencem atualmente as seguintes povoações, unicamente habitadas por indígenas Balantas: a) no regulado de Badora: Santa Helena, Fá Balanta, Mero e Nabijão; b) no regulado do Xime: Samba Silate, Lantar, Ponta Luís Dias, Ponta Varela, Ponta Dédé, Madina, Mam-Ai, Ponta Inglês, Ponta Nova e Ponta João Silva; c) regulado do Cuor: Mato de Cão, Farancunda, Malandim, Finete, Flaque Dulo e Gam Sambu.
Que para cada grupo de povoações dos referidos regulados seja nomeado um chefe geral, da mesma tribo e por estes grupos escolhido; que fiquem diretamente a cargo dos chefes gerais as relações com a autoridade administrativa em tudo quanto diga respeito às respetivas populações.”


Isto em 1944, menos de 20 anos depois tudo se tresmalhou, a luta armada fez desaparecer a maior parte destas povoações e nos casos em que as populações preferiam a soberania portuguesa ou ficaram à sua mercê, os Balantas coexistiram com outras etnias, por exemplo em Finete ou nos Nabijões, no regulado do Cuor, no primeiro caso, no regulado de Bambadinca, no segundo; Santa Heleno e Mero, na margem esquerda do Geba, durante a luta armada, ficaram inequivocamente sobre duplo controle, vivia-se a experiência.

Por este período a comissão da Guiné da União Nacional resolve passar a escrito os benefícios do Estado Novo, ir-se-ão escrever louvores e maravilhas aos progressos registados depois de 1926, haverá mesmo o completo descaro de esquecer governações como as Velez Caroço. Mas eram assim as obrigações da hagiografia…

António Borja Santos, chefe dos Serviços da Administração Civil, não se poupa a elogios: “Conheço a Guiné há dois anos apenas, mas pelo que tenho lido e ouvido no tocante à história da sua governação anterior à Revolução Nacional de 1926, ela não era mais do que um reflexo da desorganização social, económica e financeira da Mãe-Pátria.” Há uma referência à conferência de administradores realizada em 1936, portanto no tempo da governação de Carvalho Viegas, daí resultou o plano de construções e reconstruções que entrou em execução no ano de 1937, em Cacheu, Mansoa, Bafatá, Farim, Buba, Gabu, Bolama, Bissau e Bijagós. O padre António Joaquim Dias, Pré-Prefeito Apostólico da Guiné faz uma síntese da atividade missionária, dirá que em 1932 se iniciou a Missão de Santo António de Bula, na administração de Canchungo, por dádiva de edifícios pelo governador de então, Soares Zilhão. Foi criado o internato masculino, escolas em Có e Pelundo, refere também o Asilo de Infância Desvalida de Bor, assistido pelas Irmãs Franciscanas Hospitaleiras Portuguesas e não esquece a obra missionária em Geba.

Outros autores elencam trabalhos na reparação de estradas, alude-se à programação do alargamento do cais do Pidjiquiti e às novas casas para funcionários em Bissau. É trabalho significativo, como iremos ver adiante, quando Sarmento Rodrigues tomar posse de governador dirá que para além dos muitos projetos que traz há muita obra para finalizar, era o caso da Sé, do Palácio do Governador e de uma multiplicidade de serviços públicos, em Bissau e no interior da colónia.

Tabela dos preços máximos de artigos de consumo corrente, era uma tentativa de defender o poder de compra, combater a especulação e o açambarcamento
Publicação da União Nacional da Guiné, 1944
Imagens retiradas da publicação da União Nacional
Ilustração retirada da revista As Colónias Portuguesas, nº1, janeiro de 1885, seguramente em Bolama
Fotografia de Francisco Nogueira na obra Bijagós: Património Arquitetónico, Tinta da China, 2016, seguramente um dos quartéis de Bolama

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 1 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27275: Historiografia da presença portuguesa em África (498): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1943 (55) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27295: Elementos para a história do Pel Caç Nat 63 (último comandante: Manuel Elvas, Fá Mandinga e Mato Cáo, 1973/74; autor de "O Vale dos Malmequeres", Chiado Books, Lx, 2017, 46 pp. (Luís Mourato Oliveria, ex-alf mil, últomo cmdt, Pel CaçNat 52, Mato Cão e Missirá, 1973/74)


Capa do livro de Manuel Elvas, "O Vale dos Malmequeres" (inicialmente lançado em 2017, pela Chiado Books, sob o pseudónimo literário M. Lacroix. ISBN 9789897741999, 436 pp.)

 

Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Fá Mandinga > c. 1973/74 > O alf mil Luís Mourato Oliveira, cmdt do Pel Caça Nat 52 (Mato Cão) de visita ao seu vizinho e camarada Manuel Elvas, cmdt do Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga)... O pretexto foi uma caldeirada de cabrito... Para lá foi de jipe... Parece que no regresso, com a maré cheia, teve de ir dar uma volta ao "bilhar grande", isto é, ir a Bafatá...

Foto (e legenda): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



Luís Mourato Oliveira

Foto à esquerrda  Luís Mourato Oliveira, o último comandante do Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, 1973/74); veio da CCAÇ 4740 (Cufar, 1973). Tem cerca de 80  referências no nosso blogue.. É autor da notável série "Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira".


1.  Por qualquer razão, esta mensagem do Luís Mourato Oliveira, que hoje faz anos (e que tem andado fora do nosso "radar"...), não foi publicada na devida altura. É de 13 de novembro de 2022, 
16:39. Não perdeu atualidade.  A amizade e a camarada não têm prazos de validade.

Mas não posso deixar de pedir desculpa nem ao emissário nem ao verdadeiro 
destinatário, que é o Manuel Elvas.
Aproveito, se ele nos estiver a ler, para o 
convidar a integrar as nossas "fileiras". 
O lugar do inesquecível "alfero Cabral" esta bago, desde a sua despedida da Terra da Alegria.

 Boa tarde Luis

Ontem estive com um antigo camarada e amigo, o Manuel Elvas, que por coincidência tem casa e passa férias na Areia Branca.

 Como te vais aperceber pela leitura é apenas uma estória que reúne pessoas muito diferentes num objectivo solidário e que tem origem numa amizade de 48 anos e que teve origem na Guiné.

Segue em anexo e se achares interessante publica. Como sou muito "despachado" a escrever, se detetar erros, corrige por favor.

Abraço, Luis Mourato


Elementos para a história do Pel Caç Nat 63 (último comandante: Manuel  Elvas, Fá Mandinga e Mato Cão, 1973/74;  autor de "O Vale dos Malmequeres", Chiado Books, Lx, 2017,  46 pp.); Luís Mourato Oliveira (último cmdt, Pel Caç Nat 52, Mato Cão e Missirá, 1973/74)



Luís Mourato Oliveira, nosso grão-tabanqueiro nº 730, foi alf mil inf, de rendição individual, na açoriana CCAÇ 4740 (Cufar, 1973, até agosto) e, no resto da comissão, o último comandante do Pel Caç Nat 52 (Setor L1 , Bambadinca, Mato Cão e Missirá, 1973/74): é lisboeta,fez o Liceu Pedro Nunes, é bancário reformado, foi praticante e treinador de andebol, tem fortes ligações à minha terra natal, onde agora vivo, Lourinhã, Oeste, Estremadura; desde que se reformou, tem mantido e reforçado a sua ligação à Guiné-Bissau, em projetos de solidariedade. 

Técnico inscrito na Federação de Andebol de Portugal, tem apoiado e fomentado a modalidade na Guiné-Bissau, nomeadamente entre as camadas mais jovens, incluindo as raparigas, tendo começado por criar uma “oficina de andebol” na escola privada Humberto Braima Sambú. 

Não tenho notícias dele, nem o tenho visto na Lourinhã nem na Praia da Areia Branca. 



Conhecemos-nos em 1973 na Guiné-Bissau. Ele comandante do Pelotão de Caçadores Nativos 63,  então aquartelado em Fá Mandinga,  e eu quase ao lado no Pelotão de Caçadores Nativos 52, em Mato de Cão. 

Naquele tempo fazíamos facilmente amizades. Éramos jovens estávamos longe da família e de tudo o que nos era próximo e com que tínhamos crescido. De momento para o outro éramos homens e soldados e os nossos irmãos eram os companheiros de armas que como gémeos vestíamos de igual, partilhávamos do que dispúnhamos e até nas confidências o relacionamento era de confiança. 

Estou a falar do Manuel Elvas, comandante do Pel Caç Nat 63: na altura visitei-o em Fá Mandinga e para além do acolhimento fraternal recordo a única água pura e cristalina que bebi na Guiné sem ter de passar pelos filtros que a tornavam bebível. Foi ele que me rendeu com o 63 em Mato de Cão tendo na altura sido o 52 transferido para Missirá.

Os contactos mantiveram-se através de encontros na sede de batalhão em Bambadica e após o 25 de Abril na expectativa do regresso a Portugal, o Manuel que tinha reunido objectos de
recordação para trazer e sabendo que a minha bagagem era apenas a farda e dinheiro para o táxi do aeroporto até Campo de Ourique onde então residia, pediu-me para trazer alguns
haveres dado o seu regresso não estar ainda programado o que acedi imediatamente. 

Alguns dias após a minha chegada fui fazer a entrega na morada indicada e até pensei haver engano.

A residência indicada era um magnífico palacete do princípio do século XIX onde fui recebido pelos seus familiares com toda a simpatia. O insólito consistia na imagem que tinha do Manuel, homem simples, discreto, de gargalhada fácil mas contida, inteligente nos pareceres e proporcionando sempre um diálogo interessante e elevado.

O nosso relacionamento continuou em Lisboa. O Manuel tinha um restaurante que frequentei, não por favor ou amizade, mas cuja cozinha genuinamente portuguesa convidava a repetir, só é impossível repetir o prazer para o palato dos filetes de Peixe Galo com arroz que desafiavam e qualquer gourmet não dispensava.

 Recordo que foi ali o jantar oferecido a amigos quando do meu terceiro casamento e daí mais uma memória relevante para mim.

O restaurante alterou posteriormente a sua oferta e o Manuel com a colaboração de um soldado do Pel Caç Nat 63, oriundo da região da Bairrada,  passou a servir exclusivamente leitão. 

Foi um sucesso e, para além de enormes elogios nas revistas da especialidade que o obrigavam a horas extras e aos clientes a pedido de reserva,  tinha orgulho de servir o melhor leitão em Lisboa, senão mesmo no País.

Os encontros com o Manuel continuaram, por vezes mais espaçados mas em setembro (de 2022) juntámos-nos na Praia da Areia Branca. Tal como eu ele elege este local como um dos seus preferidos e onde tem residência. 

É sempre um enorme prazer privar com o Manuel e nesse encontro lá lhe passei a narrativa das minhas missões de voluntariado em Bissau sempre associadas às inevitáveis comparações da Guiné do período colonial com a dos dias de hoje.

Sem saudosismos e conscientes que os sistemas coloniais não servem os povos, resta-nos a tristeza justificada pela atual situação social e política que infelizmente nada trouxe de melhor para o povo guineense.

Sempre que posso, envio bens para os meus irmãos guineenses pela via marítima mas quando me desloco a Bissau transporto tudo o que é possivel e pode ser útil numa sociedade com tantas carências e o Manuel sabendo disso pôs-se imediatamente à disposição para me facultar bens tão necessários como roupa e telemóveis para eu levar e distribuir de acordo com as necessidades locais, e encontrámos-nos para a entrega. 

Tinha comprado o livro “Estórias Cabralianas”, do saudoso Alfero Cabral, também antigo comandante do 63, para lhe oferecer e fiquei mais uma vez surpreendido com o Manuel. Também tinha uma oferta para mim. Um livro com o titulo “O Vale dos Malmequeres”, da editora Chiado Books e o nome do autor que o exemplar exibia era Manuel Elvas.

Não comecei a ler porque o reservo para a minha leitura em Bissau para onde parto dia 26, mais uma vez para colaborar na área da formação desportiva com clubes filiados na Federação da Andebol da Guiné-Bissau mas trata-se de um livro cuja narrativa são memórias que trazemos da Guiné então Portuguesa, sem serem estórias de guerra são estórias dos conflitos interiores que todos trouxemos e que ainda não conseguimos nem conseguiremos pacificar.

Espero também encontrar as estórias de fraternidade e dos sentimentos de amizade e confiança que se mantiveram durante quase cinquenta anos que levam que pessoas tão diferentes como eu e o Manuel se encontrem, se respeitem e mantenham valores comuns e que hão-de prevalecer.

Manel,  esta foi mais uma surpresa que me apanhou desprevenido. A tua discrição e sobriedade escondem talentos como a liderança, a gastronomia e agora a escrita. Espero que tenhas saúde e longa vida e fico expectante mas não desprevenido para outras surpresas.

Lisboa 13 de Novembro de 2022.
_________________ 

 Nota do editor LG:

(*) "O Vale dos Malmequeres", de Manuel Elvas. 

Sinopse: Tal como uma árvore sem raízes não vinga, assim uma causa sem líder é inútil. Os jovens dos anos sessenta e princípios dos anos setenta foram obrigados a suportar sacrifícios incomensuráveis numa guerra colonial que os viria a marcar para toda a vida. 

 A união que prevalecia entre eles quando regressaram à pátria, nunca surgiu com força capaz de fazer valer suas aspirações que não eram mais que o reconhecimento do martírio que haviam suportado. Faltou-lhes um líder.

 Alguém que unisse os elos da corrente tornando-a inconcussa. Alguém que abraçasse todos aqueles que numa desesperação aflitiva deixaram de acreditar na esperança, na vida. 

 Este livro não fala sobre a guerra, antes descreve como teria sido tudo diferente se esse líder tivesse surgido. O romance além de espelhar uma multiplicidade de sentimentos conduz-nos a um mundo de esperança ainda que cientes das desgraças que possam advir. 

 O sonho necessita de dois ingredientes essenciais: vontade e determinação.

 Fonte: ado Books ( com a devida vénia).