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quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27320: Historiografia da presença portuguesa em África (500): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1945 (57) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Abril de 2025:

Queridos amigos,
Ricardo Vaz Monteiro tem sido objeto de um lamentável esquecimento, apanhou com a austeridade e a penúria de recursos, a despeito das limitações imprimiu à sua governação o sentido da eficácia na administração, batendo o pé ao rigor orçamental e conseguido obter, na maioria dos casos o reforço de verbas. Sarmento Rodrigues chega em abril de 1945, veremos no próximo texto que ele irá proclamar na primeira sessão do Conselho de Governo ao que vem e o que pretende fazer. Aproveitará as potencialidades de Ricardo Vaz Monteiro quanto a missões científicas, caso da missão geoidrográfica e da zootecnia, começam os trabalhos da missão do sono, o novel governador conseguirá meios para melhorar as instalações portuárias e o saneamento, mas não se ficará por aqui, como adiante se verá.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, quase todo 1945 (57)


Mário Beja Santos

Ricardo Vaz Monteiro partirá em breve, o Boletim Oficial mostra medidas que não abrandam a austeridade, no Boletim Oficial publica-se constantemente o reforço de verbas, era assim que se contornava o rigor orçamental. Permanecem as preocupações com o abastecimento e o combate à fraude. No Boletim Oficial n.º 3, de 15 de janeiro, assinado por Vaz Monteiro, consta a portaria onde se lê:
“Reconhecendo-se a conveniência de, na cidade de Bissau, se confiar a uma só entidade a fiscalização sobre as existências e preços dos géneros alimentícios e a competência para autorizar a saída desses géneros para outros pontos da colónia. O governador determina que na cidade de Bissau sejam das atribuições do Comando do Corpo de Polícia de Segurança Pública a fiscalização sobre as existências, qualidades, estado e preços dos géneros alimentícios e as autorizações para a saída desses mesmos géneros com destino a outros pontos da colónia".


Prosseguem as obras aeroportuárias em Bolama, assim legisla-se no Boletim Oficial n.º 10, de 5 de março haver a necessidade de regulamentar a exploração provisória do Aeroporto Terrestre e Marítimo de Bolama, impondo-se o estabelecimento de taxas a cobrar pelos serviços prestados às aeronaves.

Encontra-se no Boletim Oficial n.º 11, de 12 de março o Decreto-Lei n.º 33.924, sem margens para dúvidas vê-se nele o punho de Salazar ou de Marcello Caetano (então ministro das Colónias), tem a ver com a preocupação da instalação de indústrias nas colónias:
“Cumpre ao Estado promover e favorecer, embora em ritmo prudente, a instalação de indústrias nas colónias, por forma que a economia ultramarina se desenvolva continuamente e em harmonia com o conjunto dos interesses nacionais.
Não deve, porém, concluir-se que seja possível acarinhar indiscriminadamente ou tender-se, no estado atual do desenvolvimento das colónias, para uma industrialização total. Na verdade, em primeiro lugar, as indústrias que se estabeleçam nas colónias devem laborar matéria-prima que exista na própria colónia. Não se compreenderia facilmente a criação de indústrias que tivessem de importar toda ou mesmo a maior parte da matéria-prima destinada a ser transformada. Em segundo lugar, deve procurar-se que as indústrias visem, nesta primeira fase, especialmente ao abastecimento do mercado interno da colónia onde se instalem, sem prejuízo de um ou outro caso, como é, por exemplo, o da extração de óleo de semente de rícino em Angola, na Guiné e possivelmente em Moçambique. Em terceiro lugar, não será aconselhável a instalação daquelas indústrias que só possam vir a prosperar mediante condições exageradas de proteção aduaneira, isto é, de proteção que ultrapasse a defesa contra menos corretos processos comerciais.
É de desejar que nunca se perca de vista o interesse do indígena. É ele o principal consumidor dos territórios de além-mar e lá é ele também o principal obreiro da produção. Desta forma, todas as indústrias que se estabeleçam visando a melhor, mais fácil e barata satisfação das necessidades dos indígenas, devem ser acarinhadas de forma muito especial, bem como as que permitam pagar-lhes os seus produtos pelo melhor preço.”


E produz-se legislação que tinha a ver com a indústria de fiação e tecidos de algodão nas colónias.

Num dos seus livros de memórias, Aristides Pereira referia uma sirene que se fazia ouvir em Bissau e que se prendia com a obrigatoriedade da população africana abandonar o centro, desconhecedor de que havia legislação que tal permitia, achei que se tratava de um exagero anticolonial. Mas não, no Boletim Oficial n.º 24, de 11 de junho, vem publicada uma proposta do Chefe da Repartição, António Francisco Borja Santos, onde se lê que passaria a ser expressamente proibido o trânsito, nas povoações de caráter europeu desde as 22 até às 5 horas, sob pena de 50 escudos de multa. Porquê esta medida segregacionista, não a entendo.


Vamos ter tempo e espaço para falar do novo governador. No Boletim Oficial n.º 26, de 25 de junho vem a referência à Missão de Estudo e Combate da Doença do Sono na Guiné. É um texto riquíssimo de informação, vale a pena registar aqui alguns parágrafos:
“Embora date de 1885 a primeira referência à doença do sono na Guiné, verifica-se que tal endemia não ocupou, até 1932, posição de destaque na nosologia da colónia, discutindo-se mesmo, por vezes, até ao último ano citado, a existência da doença nessa possessão. Em 1932, o Prof. Fontoura de Sequeira, em Missão de Estudo da Escola de Medicina Tropical, esclareceu inteiramente o assunto, concluindo por afirmar que a hipnose grassa na colónia sob a forma de endemia ligeira, irregularmente dispersa por todo o território, com caráter relativamente benigno e, ao que parece, sem tendência a agravar-se. O Prof. Sequeira trabalhou na Guiné durante 7 meses, na época das chuvas, tendo percorrido quase toda a colónia, e na visita feita a 67 tabancas, encontrou apenas 18 doentes. De 1932 para cá, não se pôs mais em dúvida a existência da doença do sono na Guiné, passando aquela afeção a ser considerada nos serviços de rotina dos médicos da maioria das regiões da colónia.”


E depois de mais contextualizar, o diploma traz como conclusão que a doença do sono aumentara consideravelmente de importância. E davam-se competências à missão de estudo, em múltiplos domínios: investigação científica, combate à expansão da doença. Lançava-se deste modo o fundamento para esse formidável combate à doença do sono, que teve resultados assinaláveis.

No Boletim Oficial n.º 30, de 23 de julho, Sarmento Rodrigues anuncia as comemorações do V Centenário da Descoberta da Guiné:
“Compete-nos, aos da Guiné Portuguesa, celebrar como melhor pudermos este acontecimento, recorrendo ao esforço, engenho e boa vontade de todos, sem distinção de categorias, origens ou credos. Vão constituir-se comissões e executar-se trabalhos. Isto não significa que a colaboração fique restringida e vedada para alguém. Pelo contrário, desde já a todos é solicitada. É então criada uma Comissão Central das Comemorações do V Centenário da Descoberta da Guiné, cria-se o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa que deverá publicar o que mais de significativo tiver a ver com a cultura guineense.”
O diploma é extenso, refere pormenorizadamente a constituição destas secções de trabalho. Neste mesmo boletim e na sequência do que acaba de se referir quanto ao Boletim Cultural, veio outro dispositivo muito curioso, também assinado por Sarmento Rodrigues, tem a ver com a verificação de que os terrenos das orlas das estradas estavam a ser sistematicamente desarborizados, o governador mandava proibir o corte das árvores numa faixa de 100 m de largura ao longo de todas as estradas da colónia.


Daremos no próximo texto referência à intervenção de Sarmento Rodrigues no 1.º Conselho de Governo, mas impõe-se aqui faz o registo do Decreto-Lei n.º 34.464 que vem publicado no suplemento ao Boletim Oficial n.º 46, de 17 de novembro. Tem a ver com a necessidade manifestada pelo Governo de tomar certas providências à intensificação do povoamento dos territórios ultramarinos, nomeadamente de Angola e Moçambique, e ao estreitamento das relações espirituais entre a metrópole e as colónias. Menciona-se que o Estado continua a conceder passagem gratuita a colonos nos navios das carreiras de África, concessão que vem desde novembro de 1899. Recorda-se que o êxito da colonização depende muitíssimo da assistência sanitária e técnica proporcionada aos colonos, lembra-se que o conhecimento científico dos territórios estava a cabo da Junta das Missões Geográficas e de Investigações Coloniais. Atribuía-se ao Ministério das Colónias a dotação de 30 mil contos para fomentar o povoamento das colónias e estreitar as relações destas com a metrópole. Tais verbas destinavam-se a passagens para colonos, educação e estudos, etc.

Abril de 1945: anúncio da chegada do comandante Sarmento Rodrigues
Muito multirraciais, mas, quando necessário, segregacionistas
Sarmento Rodrigues (1899-1979)
Sarmento Rodrigues na Guiné Portuguesa em Maio de 1945, a ser cumprimentado por funcionários da Administração local. Foto do arquivo da Casa Comum (FMS), parcialmente restaurada.
Hospital da Cumura, outrora Leprosaria da Cumura

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 8 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27296: Historiografia da presença portuguesa em África (499): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1944 (56) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 14 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27315: P27259: Notas de leitura (1851): "Os Có Boys (Nos Trilhos da Memória)", de Luís da Cruz Ferreira, ex-1º cabo aux enf, 2ª C/BART 6521/72 (Có,1972/74) - Parte III: de Leiria a Coimbra, e da Carregueira a Penafiel, a caminho do CTIG (Luís Graça)



Crachá da 2ª C/BART 6521/72 (Có, 1972/74)


Luís da Cruz Ferreira (n. 1950, Benedita, Alcobaça)


1. Continuando a leitura do livro do Luís da Cruz Ferreira, "Os Có Boys" (edição de autor, 2025, il., 184 pp,) 
(ISBN 978-989 -33.7982-0) (*).

Oriundo co contingente geral, vamos encontrá-lo na recruta, no RI 7, Leiria, 4º turno de 1971 (out/dez 1971).

Fará depois a especialidade de auxilitar de enfermeiro, em Coimbra, no RSS (Regimento de Serviços de Saúde) (jan/mai 1972)

Irá de seguida  formar batalhão, o BART 6521/72, no RAL 5,  Penafiel (jun / set 1972). 

Daí partirá, de autocarro, em 22 de setembro de 1972, de noite, para o aeroporto militar de Figo Maduro,em Lisboa.  Embarcará num Boeing 707 para Bissau, onde chega no dia 26/9/1972 (uma pequena divergència quanto à data de chegada ao CTIG).

O exército levava quase um ano a formar um militar que depois seguia para o ultramar (Angola, Guiné ou Moçambique), em rendição individual, ou integrado num contingente. 

As suas observações críticas  (mesmo que "anedóticas"...) sobre o quotidiano da tropa naquela época merecem, só por si, uma nota de leitura à parte. O livro foi destinado, antes de mais, aos camaradas da sua subunidade,  tendo sido publicado (a 1ª edição) para comemorar, em 2/8/2024,  os 50 anos do regresso da 2ª C/BART 6521/72 (Có, 1972/74).

Com 11 anos de guerra, em Angola e 9 na Guiné e em Moçambique, o serviço militar obrigatório era vista, pelos jovens portugueses de então, como um tempo completamente perdido das suas vidas, que se podia prolongar por 3 ou mais anos. Muitos desses jovens já tinham saído das suas famílias, trabalhando ou continuando a estudar fora das suas terras.

A qualidade da instrução militar (recruta e especialidade) ressentia-se da necessidade, sobretudo do Exército, em mobilizar e preparar rapidamente dezenas de milhares de jovens para um conflito de longa duração, a milhares de quilómetros de casa e  de baixa popularidade. Técnica, tática, física e culturalmente, os militares portugueses iam mal preparados para  uma guerra dita de contra-guerrilha (ou "contra-subversão"), num terreno difícil, de clima tropical.



Capa do livro 


2.  Luís da Cruz Ferreira é natural da Benedita, Alcobaça. Nasceu em 2 de março de 1950, mas só  foi registado  seis meses depois, em 4 de outubro. 

De alcunha o "Beatle", quando jovem, profissionalmente já estava ligado à restauração, tendo trabalhado em diversos estabelecimentos conhecidos da Linha, e nomeadamente em Cascais, a começar pelo famoso  Muchaxo (Guincho).

Na tropa e na guerra, foi 1º cabo aux enf, tendo sido mobilizado para o CTIG, integrado na 2ª C /BART 6521/72 (Có 1972/74). O batalhão estava sediado no Pelundo. Também foram dos últimos soldados do Império, tendo regressado a casa já em finais de  agosto de 1974. 

Antes da suas relativamente tranquilas  "peripécias" da Guiné (onde acabará pro ser sobretudo professor do Posto Escolar Militar nº 20, em Có), vamo ver o que ele nos conta sobre o seu tempo de recruta e instrução de especialidade, bem como de formação de batalhão. (Em Bolama, o batalhão haveria ainda de fazer, durante mais de um mês, a sua IAO -  Instrução de Aperfeiçoamento Operacional, antes de ser colocado na zona oeste,  Sector 07, com sede em Pelundo e abrangendo os subsectores de Có, Jolmete e Pelundo.)

Comecemos pela distribuição do fardamento no RI 7, em Leiria;
 

Fonte: Luís da Cruz Ferreira, "Os Có Boys" (edição de autor, 2025), pág. 9.


Num quartel gigantesco (que albergaria, segundo autor,  c. 1500 homens, um regimento), ficou aboletado  numa caserna para 30 recrutas, com camas duplas, em beliche. Tocou-lhe o 1º andar. Tinha direito a um cacifo com o respetivo cadeado. 

Em Leiria, um quarto dos recrutas do contingente geral eram cooptados para o CSM (Curso de Sargentos Milicianos). Com três disciplinas que lhe faltavam para acabar o 5º ano do liceu,  o jovem recruta, com 21 anos e 6 meses de idade (ou só 21 anos, segundo o registo civil), tinha algumas esperanças de ser um dos "eleitos"... Não o foi, alegadamente por não ter nenhuma "cunha",  revoltou-se mas depressa se resignou, a viver naquele espaço "onde tudo quanto mexia, (...) era de cor verde" (pág. 11).

Visto por um "extraterrestre", aquele era um espaço de segregação, destinado apenas a homens,  "onde não havia mulheres" (pág. 11), e onde esses homens,  com postos hierárquicos bem diferenciados, tinham de se saudar uns aos outros, quando se cruzavam:



Fonte: Luís da Cruz Ferreira, "Os Có Boys" (edição de autor, 2025), pág. 11


Lembra os instrutores (cabos milicianos, furriéis, aspirantes...) que o tratavam com uma inesperada e desnecessária "rudeza". A instrução era dada "em passo de corrida". E havia a ideia de que um homem só era homem depois de ter ido à tropa, e de ter suportado, ci,m sucesso,  muitas privações, contrariedades, humilhações, afinal "demonstrações de coragem, destemor e capacidade  de sofrimento, além de muitas outras coisas inúteis" (pág. 11).



Fonte: Luís da Cruz Ferreira, "Os Có Boys" (ediçáo de autor, 2025), pág. 12


Havia "palestras" ou aulas ao ar livre. Mas o mais importante era o "exercício prático", com a omnipresente companhia da inseparável G3. Recorda a "ida à carreiro de tiro de Marrazes", onde cada recruta fez tiro a 100 metros, em várias posições, gastando cada um carregador de 20 balas... 

Equipara o RI 7 a uma "prisão", onde escasseavam os apoios sociais..Com tanta gente, beber um café na cantina, foi coisa que nunca conseguiu, e que muita falta lhe fazia. Estava habituado, na vida civil, a tomar, depois do almoço e do jantar, o seu "Tofa 404 e, mais tarde, o 505 embalado em vácuo" (pág, 13). Tal como era difícil comprar cigarros. Ir à cidade eram 2 km.  Com o tempo ameno, nesse outono de 1971,  ainda chegou a lá ir e ver nas esplanadas algumas meninas da sua terra, Benedita, Alcobaça, que estavam a tirar o curso do magistério primário. Capital de distrito, Leiria também tinha liceu.

Relembra ainda a semana de campo nas "matas de São Pedro de Moel" e "a tenda de quatro panos" que  ele e mais 3 recrutas montaram.  Passou o tempo doente, de amigdalite, na tenda, e de tal maneira que passou a odiar o campismo para o resto da vida.

Depois do juramento de bandeira, na parada do quartel, ficou a saber que lhe tinha calhado em sorte ir para Coimbra "tirar a especialidade de enfermeiro" (pág, 17).

De Coimbra, onde o colchão já era de espuma (em Leiria era de palha...), não guarda boas recordações da tropa, e muito menos do "rancho": tratavam os futuros enfermeiros "como presidiários com algumas precárias pelo meio para lavarmos a roupa que tínhamos bem suja à custa de nos fazerem ajoelhar, chafurdando nas terras enlameadas" (pág. 21).

Os transportes na época eram um pesadelo. Eram escassos, morosos e caros. Pouca gente ainda tinha carro. Aprendeu a andar à boleia, na estrada nacional nº 1. O célebre restaurante "O Bigodes", aberto 24 horas por dia, era paragem obrigatória, quer de camionistas quer dos militares que andavam à boleia. (Ainda hoje existe, IC2 / N 1 Km 81, 2475-034 Benedita),.

Um dia apanhou boleia até à Figueira da Foz, onde chegou às cinco da manhã. O comboio para Coimbra era só às sete. Com medo de chegar tarde à formatura, teve de ir de táxi, viagem que lhe custou uma pequena fortuna, 150 $00, o equivalente a 10 jantares (ou a 42 euros, a preços de hoje).

Comia-se tão mal no quartel, que era um antigo convento (e depois instalaçpes do RI 12 e, a oartir de 1965, do Regtimento do), que o Luís e um colega decidiram fazer, mesmo sem estarem desarranchados, as suas refeições por conta própria.

Quanto ao que aprendeu em Coimbra, 
entre janeiro e maio de 1972, foi muito pouco. E também ali não se falava do "conflito do ultramar"...



Fonte: Luís da Cruz Ferreira, "Os Có Boys" (edição de autor, 2025), pág. 25


Passou ainda pelo Hospital Militar Principal (HMP) na Estrela, em Lisboa, e pelo quartel da Carregueira. Ainda conseguiu fazer mais um disciplina do 5º ano, o inglês, faltando-lhe agora duas: fisico-químicas e matemática.

É pena que, passado mais de meio século, sobre o seu tempo de instrução de especialidade, em Coimbre e depois no HMP, à Estrela, haja poucas referências ao que ali aprendeu. Diz-nos apenas que foi pura perda de tempo. Mesmo assim, da sua passagem pelo "serviço de cirurgia plástica" do HMP, diz-nos que "através de observação, aprendi alguma coisa, não muito" (pag. 27).

Sabemos que o curso de especialidade para 1º cabo auxiliar de enfermeiro,   ministrado apenas em Coimbra, no Regimento do Serviço de Saúde (criado em 1965, poara responder às necessidades de pessoal sanitário nos 3 teatros de operaçóes. Os futuros furriéis enfermeiros, esses, tiravam a especialidade em Lisboa, no antigo quartel de Campo de Ourique,  onde  funciona a Escola do Serviço de Saúde Militar, a ESSM). 

O conteúdo era sobretudo prático,  devendo compreer matérias como: (i) noções básicas de anatomia e fisiologia; (ii) higiene e profilaxia de doenças tropicais (paludismo, disenterias, infecções cutâneas); (iiii) técnicas de enfermagem geral (curativos, injeções, soros, etc.); (iv) socorrismo em combate (estancar hemorragias, imobilizações, transporte de feridos, reanimação); (v) administração de medicamentos de rotina (quinino, cloroquina, antibióticos comuns); (vi) evacuação sanitária e triagem.

Portanto, o Luís deve ter recebido uma formação intermédia entre o socorrista civil e o enfermeiro profissional, com forte ênfase na autonomia e na  improvisação em condições adversas (recorde-se  que, na Guiné, tanto o furriel enfermeiro como o alferes médico, ambos milicianos, raramente saíam para o mato, sendo cada vez afetos, no tempo do gen António Spínola, aos serviços de saúde da província, prestando cuidados primários (e secundários) não só aos militares como à população civil.) (Os casos mais graves careciam de evacuação para o HM 241, em Bissau.)




Guiné > Zona Leste > Região de Gabu >  Nova Lamego > 1973 > CCS/ BART 6523 (Nova Lamego, 1973/1974)  > O 1.º cabo aux enf Alfredo Dinis, a "tratar de graves queimaduras do Filipe, resultantes da explosão de um gerador de energia, no quartel".

Foto do álbum de Alfredo Dinis (já falecido) – P6060, com a devida vénia. Ver, também, "Memórias de Gabú (José Saúde): Recordando o saudoso enfermeiro Dinis" – P14106.


E entramos na reta final, que foi o RAL 5, em Penafiel, distrito do Porto, onde se foi juntar ao BART 6521/72, que estava em formação. De Penafiel até tem boas recordações, mas não dos transportes para lá se chegar na época. Eram 3 enfermeiros que sairam da Carregueira com destino  a Penafiel:

(i) "por  volta das 11 horas meteram-nos numa camioneta de carga que era utilizada para fazer a ligação  entre o quartel e a estação do Cacém e lá nos largaram" (pág. 34);

(ii) em Braço de Prata, informaram-nos que tinham um comboio-correio para o Porto às 15h00, mas parava em todas as estações e apeadeiros;

(iii) chegaram ao Porto, Campanhã, seis horas e meia depois, às 21h3o;
 
(iv) foram dar um giro pelos arredores e "comer um bom bife com batas fritas a um preço acessível", mas acabando por perder o comboio da meia-noite;

(v) apanharam o das 2h00, chegaram a Penafiel às 3h00;

(vi) extremamente cansados, pousaram os sacos no chão, a servir de almofada,  e assim se ajeitaram para retemperar as forças, só despertando ao toque do corneteiro a anunciar a alvorada.

A manhã começaria com a azáfama própria de um quartel de mobilização de tropas para o ultramar. Nesse mesmo dia conheceu o seu futuro comandante, um jovem capitão miliciano, bem como o alferes, também miliciano, do seu pelotão.  Ficou então a saber que "pertencia ao 2º pelotão da 2ª companhia do Batalhão de Artilharia nº 6521" (pág. 38) (**).

(Continua)

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quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27296: Historiografia da presença portuguesa em África (499): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1944 (56) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Abril de 2025:

Queridos amigos,
A guerra traduziu-se na vida da Guiné por um sem número de dificuldades, logo a contenção de despesas, isto a despeito de um programa de melhoramentos em infraestruturas, incluindo os dois hospitais, o de Bolama e o de Bissau, prosseguem as construções na nova capital, atua-se contra o açambarcamento, embora todos os relatos da época revelem o muito contrabando graças à porosidade das fronteiras, à circulação do ouro em pó, exporta-se algum arroz, oleaginosas e madeiras, as casas comerciais alemãs estão rigorosamente controladas, tudo quanto vai da Guiné tem que passar pelo porto de Lisboa. Trouxe à colação do leitor a publicação de União Nacional desta época, as imagens são bem expressivas que na continuação da obra de Carvalho Viegas, e também dentro do ímpeto de construir uma nova capital é significativo o número de construções, quando Sarmento Rodrigues chegar no ano seguinte não deixará de mencionar que traz muitos projetos e importantes trabalhos para concluir.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1944 (56)


Mário Beja Santos

É o último ano completo da governação de Ricardo Vaz Monteiro, sairá major da Guiné, no próximo ano será rendido pelo Comandante Manuel Sarmento Rodrigues. A despeito da austeridade, da severidade orçamental, há obras, como veremos em síntese no trabalho publicado pela União Nacional da Guiné. As indústrias mantêm-se caseiras e de pequeno porte, é o caso da Sociedade Industrial Ultramarina, como iremos ver no Boletim Oficial n.º 20, de 15 de maio, vem pedir a prorrogação por mais dez anos da concessão do exclusivo de fabrico de telhas, tijolos e outros produtos cerâmicos. Vaz Monteiro defere, mas deixará escrito: “Considerando as poucas probabilidades – ou nenhumas – de se montar outra fábrica de produtos cerâmicos, e ainda porque a existência da atual fábrica muito beneficia a economia da colónia que deixa de pagar fora dela algumas de centenas de contos anuais”, e assim se deu a prorrogação por mais de dez anos deste exclusivo.

A colónia tem vindo a aumentar o seu parque automóvel, as transmissões as estações de CTT, chegou a altura de se proceder ao levantamento geodésico, cartográfico e hidrográfico da Guiné. O Ministério das Colónias ficou incumbido de organizar e enviar à Guiné uma missão geoidrográfica encarregada de proceder ao levantamento geodésico e cartográfico da colónia e seguidamente ao levantamento hidrográfico, conforme instruções que para este fim lhe serão dadas pela Junta das Missões Geográficas e Investigações Coloniais. Dá-se a composição da missão, vencimentos, repartição de despesas, etc.

É no Boletim n.º 52, de 26 de dezembro, que encontrei informações que ajudam a percebera as mudanças populacionais provocadas pela luta armada e como alguns anos antes existiam sérias tensões étnicas em regulados do Leste. Decide o governador por portaria, a n.º 132:
“Atendendo ao que o administrador da circunscrição civil de Bafatá, no intuito de evitar conflitos e abusos a que estão sujeitos os indígenas de raça Balanta, residentes nalgumas povoações nos regulados de Badora, Xime e Cuor, propôs ao Governo da colónia:
Considerando que estes núcleos de população Balanta, destacando-se nitidamente das tribos que habitam aqueles regulados nos seus usos, costumes e civilização, carecendo ser diretamente dirigidos pela Autoridade Administrativa, sem qualquer interferência dos régulos ou de outras autoridades gentílicas;
O governador determina que sejam desanexadas dos regulados a que pertencem atualmente as seguintes povoações, unicamente habitadas por indígenas Balantas: a) no regulado de Badora: Santa Helena, Fá Balanta, Mero e Nabijão; b) no regulado do Xime: Samba Silate, Lantar, Ponta Luís Dias, Ponta Varela, Ponta Dédé, Madina, Mam-Ai, Ponta Inglês, Ponta Nova e Ponta João Silva; c) regulado do Cuor: Mato de Cão, Farancunda, Malandim, Finete, Flaque Dulo e Gam Sambu.
Que para cada grupo de povoações dos referidos regulados seja nomeado um chefe geral, da mesma tribo e por estes grupos escolhido; que fiquem diretamente a cargo dos chefes gerais as relações com a autoridade administrativa em tudo quanto diga respeito às respetivas populações.”


Isto em 1944, menos de 20 anos depois tudo se tresmalhou, a luta armada fez desaparecer a maior parte destas povoações e nos casos em que as populações preferiam a soberania portuguesa ou ficaram à sua mercê, os Balantas coexistiram com outras etnias, por exemplo em Finete ou nos Nabijões, no regulado do Cuor, no primeiro caso, no regulado de Bambadinca, no segundo; Santa Heleno e Mero, na margem esquerda do Geba, durante a luta armada, ficaram inequivocamente sobre duplo controle, vivia-se a experiência.

Por este período a comissão da Guiné da União Nacional resolve passar a escrito os benefícios do Estado Novo, ir-se-ão escrever louvores e maravilhas aos progressos registados depois de 1926, haverá mesmo o completo descaro de esquecer governações como as Velez Caroço. Mas eram assim as obrigações da hagiografia…

António Borja Santos, chefe dos Serviços da Administração Civil, não se poupa a elogios: “Conheço a Guiné há dois anos apenas, mas pelo que tenho lido e ouvido no tocante à história da sua governação anterior à Revolução Nacional de 1926, ela não era mais do que um reflexo da desorganização social, económica e financeira da Mãe-Pátria.” Há uma referência à conferência de administradores realizada em 1936, portanto no tempo da governação de Carvalho Viegas, daí resultou o plano de construções e reconstruções que entrou em execução no ano de 1937, em Cacheu, Mansoa, Bafatá, Farim, Buba, Gabu, Bolama, Bissau e Bijagós. O padre António Joaquim Dias, Pré-Prefeito Apostólico da Guiné faz uma síntese da atividade missionária, dirá que em 1932 se iniciou a Missão de Santo António de Bula, na administração de Canchungo, por dádiva de edifícios pelo governador de então, Soares Zilhão. Foi criado o internato masculino, escolas em Có e Pelundo, refere também o Asilo de Infância Desvalida de Bor, assistido pelas Irmãs Franciscanas Hospitaleiras Portuguesas e não esquece a obra missionária em Geba.

Outros autores elencam trabalhos na reparação de estradas, alude-se à programação do alargamento do cais do Pidjiquiti e às novas casas para funcionários em Bissau. É trabalho significativo, como iremos ver adiante, quando Sarmento Rodrigues tomar posse de governador dirá que para além dos muitos projetos que traz há muita obra para finalizar, era o caso da Sé, do Palácio do Governador e de uma multiplicidade de serviços públicos, em Bissau e no interior da colónia.

Tabela dos preços máximos de artigos de consumo corrente, era uma tentativa de defender o poder de compra, combater a especulação e o açambarcamento
Publicação da União Nacional da Guiné, 1944
Imagens retiradas da publicação da União Nacional
Ilustração retirada da revista As Colónias Portuguesas, nº1, janeiro de 1885, seguramente em Bolama
Fotografia de Francisco Nogueira na obra Bijagós: Património Arquitetónico, Tinta da China, 2016, seguramente um dos quartéis de Bolama

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 1 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27275: Historiografia da presença portuguesa em África (498): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1943 (55) (Mário Beja Santos)

domingo, 5 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27286: Efemérides (468): Faz agora 54 anos: em 1 de outubro de 1971, a CCS/BCAÇ 2912 e a CCAÇ 2700 sofrem uma emboscada, num patrulhanento auto noturno a aldeias em A/D, na picada Duas Fontes-Bangacia, de que resultaram 8 mortos (5 no local, 3 no HM 241). Mais uma vez a CECA não reportou este revés das NT, no livro sobre a atividade operacional de 1971.



Foto do álbum do Américo Estanqueiro, com a devida vénia ao autor e à editora, a Fundação Mário Soares (*). 

 Na foto, alinham-se os caixões que hão-de levar os restos mortais das vítimas...Cinco, na sequência da emboscada, e mais três, dos evacuados para  o HM 241, em Bissau, com ferimentos graves (e que acabaram por morrer, uns dias a seguir). 

Mais uma vez a CECA não reportou este revés das NT,  no livro  sobre a  atividade operacional (neste caso do ano de 1971).

Fonte: Américo Estanqueiro (2007) / Fundação Mário Soares


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá, Sector L5 > Galomaro > CCS / BCAÇ 2912 (Galomaro, 1970/72) e CCAÇ 2700 (Dulombi, 19670/72) >

Em 1 de outubro de 1971, por volta das 20h30, duas secções da CCS / BCAÇ 2912, reforçadas por uma secção da CCAÇ 2700, em coluna auto, sofreram uma violenta emboscada, na estrada Galomaro-Duas Fontes (Bangacia), de que resultaram de imediato 5 mortos e vários feridos graves, da CCS / BCAÇ 2912, do CCAÇ 2700 e do Pel Mil 288.

Bangacia (ou Duas Fontes) ficava a meio caminho entre Galomaro e Dulombi, a sul de Bafatá, a sudeste de Bambadinca, a oeste do Xitole, a sudoeste do Saltinho. Com a retirada de Madina do Boé, em 6/2/1969, o sector L5 tornou-se mais vulnerável a incursões do PAIGC.
 





1. Foi há 54 anos. Não há registo desta trágica ocorrência no livro da CECA sobre a atividade operacional no ano de 1971. Apenas no livro dos mortos.  

No passado dia 1 de outubro, às 20:06, na sua página do Facebook,  o nosso grão-tabanqueiro António Tavarese que vive no Porto veio lembrar,  oportunamente, esta efeméride:

"Emboscada em Duas Fontes/Bangacia

Pelas 20h30 do dia 01 de outubro de 1971 (há 54 anos) uma coluna de Patrulhamento Auto por todas as Autodefesas da CCS/BCaç 2912 foi emboscada em Duas Fontes/Bangacia.

No local faleceram cinco militares continentais e houve quatro feridos graves.
Passadas poucas horas a rádio da 'Maria Turra' anunciou a morte de seis militares na emboscada. Errou.

Dos evacuados para o HMR 241, em Bissau, faleceram posteriormente mais três militares. (...) Descansem em paz."


Antóno Tavares 
ex-fur mil SAM, 
CCS/BCAÇ 2912, 

2. Foram 8 os militares (incluindo 1 milícia) mortos nesta emboscada (5 no local,  e posteriormente, mais 3  no HM 241, em resultado dos ferimentos em combate). 


(i) 2 militares da CCAÇ 2700, Dulombi
  •  sold at inf, José Guedes Monteiro, solteiro, natural de São João da Folhada, Marco de Canaveses (foi inumado no cemitério da sua terra);
  • 1º cabo at inf, Rogério António Soares, casado, natural de Canas de Senhorim,  Nelas (inumado no cemitério paroquial de Oliveira do Conde - Carregal do Sal).

(ii) 5 militares da CCS / BCAÇ 2912, Galomaro (dos quais dois já no HM 241, Bissau, dias depois)

  • 1º cabo bate-chapas , Alfredo Tomás Laranjinha, solteiro, natural de Lumiar, Lisboa (inumado no cemitério paroquial de Pombais, Odivelas);
  • sold mecânico auto Leonel José da Conceição Barreto, solteiro, natural de Guia, Albufeira (inumado no cemitério da sua terra natal);
  • sold trms, José Peralta de Oliveira, solteiro, natural de Souto da Casa, Fundão (inumado no cemitério da Covilhã);
  • sold apontador de metralhadora, Luís Vasco Fernandes, solteiro, natural de São João da Pesqueira (inumado no cemitério Paroquial de Pereiros; ferido em 1 de outubro de 1971, vindo a morrer a 5, no HM 241, Bissau);
  • sold sapador, José Ferreira, casado, natural de Longos, Guimarães (inumado no cemitério da sua terra natal; ferido em 1 de outubro de 1971, vindo a morrer,a 6, no HM 241, Bissau).
(iii) 1 milícia, do Pel Mil 288 / CMil 30, Dulombi
  • sold milícia, Iderissa Candé, casado, natural de  Jemjelém,  Galomaro, Bafatá (inumado em Galomaro: falecido a 20 de outubro).
  •  
Repare-se que dos 8 mortos acima listados, só três são atiradores ou operacionais p.d, sendo os restantes (i) um bate-chapas, (ii)  um mecânico auto, (iii) um operador de transmissões, (iv) um sapador e (v) um milícia.

 Voltaremos, oportunamente, a falar desta emboscada que afetou profundamente, na altura, o moral do pessoal da CCS/BCAÇ 2912. 

Terá havido erros no planeamento e execução deste patrulhamento auto, à noite. Um atividade de rotina, ao que parece, mas feita em parte por pessoal "atiruense", sem desprimor para ninguém.  A coluna, de duas viaturas (1 Unimog 404 e 1 Unimog 411), levava 1 secção da CCAÇ 2700 e 2 secções da CCS/BCAÇ 2912.   


2. Comunicado do PAIGC de 7/10/1971 assinado por Constantino dos Santos Teixeira (Tchutchu) sobre a emboscada de 1/10/1971
 


O Constantino dos Santos Teixeira (nome de guerra, "Tchutchu"), um dos históricos "comandantes" do PAIGC, formados na Academia Militar de Nanquim, China: distinguiu-se na Frente Sul; em finais de 1971 liderava a Frente Bafatá / Gabu Sul. 

Foto; John Sheppard & Granada TV, in Liberation of Guinea, Basil Davidson. Acedido em: A Brief History of PAIGC (com a devida vénia...).

Recorde-se que o "Tchutchu" frequentou, em 1960, o 1º Curso de Sargentos Milicianos, juntamente com o Domingos Ramos e outros futuros combatentes do PAIGC, e ainda  com o nosso Mário Dias. Deve ter desertado já como 1º cabo miliciano, tal como Domingos Ramos.

 Depois da independência da Guiné-Bissau, Teixeira desempenhou várias funções governamentais: (i) foi ministro do Interior, no tempo de Luís Cabral; e (ii) após a morte de Francisco Mendes (que era Primeiro-Ministro) a 7 de julho de 1978, Teixeira assumiu temporariamente o cargo de Primeiro-Ministro: por pouco tempo, de 7 de julho até 28 de setembro de 1978, quando João Bernardo Vieira foi nomeado Primeiro-Ministro.

Após o golpe de Estado de 14 de novembro de 1980, o "Tchutchu", uma figura prestigiada do PAIGC,  também caiu em desgraça, como outros elementos próximos de Luís Cabral, tendo ficado em prisão domiciliária em Bolama; morreu em 1988 ("apareceu morto dentro do carro em Bissau", diz o Mário Dias, que foi seu colega de recruta).



Fonte: (1971), "Comunicado de guerra [Frente Leste]", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40550 (2025-10-4)


Guiné > PAIGC > Comando da Frente Bafatá > Gabu Sul > 1971 > Comunicado, assinado por Constantino dos Santos Teixeira ("Tchutchu"), sobre os resultados da emboscada montada pela guerrilha a forças do BCAÇ 2912 (CCS e CCAÇ 2700) na estrada Galomaro - Bangacia (ou Duas Fontes, em 1 de outubro de 1971.

O documento original é do Arquivo de Amílcar Cabral / Fundação Mário Soares, reproduzido, na página 67, no catálogo da exposição de fotografia do Américo Estanqueiro (*).

É um notável documento, objectivo, seco, brutal, sucinto, escrito em português (quase perfeito), e revelador dos valores, da organização e da disciplina (revolucionária) dos combatentes do PAIGC... O resultado do "saque" (despojos dos mortos foi devidamente, burocraticamente, discriminado e reportado a Conacri, onde estava estado-maior do Partido).


Reprodução do documento (LG);

Comando Frente Bafatá. Gabu Sul, 7/10/71

Comunicado

Dia 10/1/71, os nossos combatentes numa emboscada
feita na estrada Galomaro-Bangacia,
conseguiram destruir dois camiões militar[es], 
maioria dos ocupantes liquidados; 
deixaram no terreno 6 mortos confirmado[s] pelo nosso c/ [camarada],
e apanharam 5 espingardas G-3
e alguns carregadores da mesma arma,
e apanharam 2 relógios, 
(302$50) trezentos e dois escudos e cinquenta centavos
 e nove (9) vacas
onde mandaram 5 para Quembera [ou Kambera] **, e ficaram com 4 no interior do país.

O c/ [comarada] Paulo Maló mandou-me dizer para pedir à direcção do Partido, 
para que o c/ [camarada], M’ Font Tchuda (?) N’ Lona estava sem relógio[;], 
resolveram deixá-lo com um dos dois relógios apanhados durante a acção. 
Também trouxeram um prisioneiro, ele encontra-se con[n]osco.

Durante a operação tivemos dois feridos não grave[s], 
são eles Canseira Sambu, N’ Dankena (?) N’Hada.

Segue[m] com o portador as 5 espingradas G-3 apanhadas ao inimigo, 
e os outros objectos.

Saudações combativa[s].

Constantino dos Santos Teixeira (Tchutchu)



3.. Ficaram ecos desta terrível emboscada na memória dos vindouros. Leia-se por exemplo este excerto de um poste do nosso camarada Juvenal Amado (CCS/BCAÇ 3873, Galomaro, 1972/74)

"Duas Fontes: local onde abastecíamos de água perto de Bangacia. Era um local que inspirava confiança, mas não podemos esquecer que essa mesma confiança custou a vida a seis camaradas do Batalhão antigo [,BCAÇ 2912, 1970/72,] que ali foram emboscados.

Bangacia foi também destruída por um ataque durante a nossa comissão. Nós reconstruímos a povoação com ordenamento tipo Baixa Pombalina, com escola, posto médico e o PAIGC nunca mais atacou. Deve ter considerado que era uma coisa boa a manter para quando a paz chegasse. E tinham toda a razão".

sábado, 27 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27259: Notas de leitura (1842): "Os Có Boys (Nos Trilhos da Memória)", de Luís da Cruz Ferreira, ex-1º cabo aux enf, 2ª C/BART 6521/72 (Có,1972/74) - Parte I: Apresentação sumária (Luís Graça)


 






Crachá dos "Có Boys" > Divisa: "Quatro Chapos e Bolinha Baixa"...


1. Chegou-me às mãos, por intermédio do Joaquim Pinto de Carvalho, este livrinho, de 184 pp., edição de autor, 2ª ed. revista e aumentada, e que foi expressamente feito para comemorar, em 2/8/2024,  os 50 anos do regresso da 2ª C/BART 6521/72 (Có, 1972/74). 

Prometo fazer uma recensão da obra, que de 2024 para 2025 foi aumentada e melhorada, integrando preciosos comentários dos seus camaradas.

Para já quero fazer a sua apresentação sumária. E dar os parabéns ao Luís da Cruz Ferreira ( de alcunha, o "Beatle", antes da tropa"), natural da Benedita, Alcobaça.  Teve o posto de 1º cabo aux enf, mas também foi "barman" e depois professor do Posto Escolar Militar nº 20, na tabanca de Có, onde a companhia estava sediada.

"Os Có Boys" é o nome de guerra da companhia. Já de si, um achado. Mas atente-se na sua divisa: "Quatro Chapos e Bolinha Baixa"... Nada mais pícaro e irreverente (face ao RDM)!

É mais uma camarada que se sentiu na obrigação de cumprir a nobre função de "guardião da memória".  Vou convidá-lo a integrar as fileiras da Tabanca Grande. 

Não temos nenhum representante desta subunidade, embora o José Joaquim Martins Morgado, ex-sold cond auto, já tenha 2 referências no nosso blogue, e também está convidado para se juntar ao Luís. É  ele quem nos tem trazido notícias dos convívios dos "Có Boys".

O livro faz parte de um projeto autobiográfico mais vasto. Como diz o autor, é uma pré-publicação do livro que há de sair com a sua história de vida, e está é apenas a  parte que corresponde à tropa e à guerra ( 3 anos de vida). Para já cumpre a função de um roteiro de memórias desse  tempo.

Não tem um índice, mas podemos listar alguns dos principais tópicos abordados:

  • Serviço militar obrigatório, RI 7, Leiria  (pp. 7/18)
  • Coimbra: Regimento do Serviço de Saúde (pp. 18/27)
  • Hospital Militar Principal (pp. 27/34)
  • Penafiel: formação do BART 6521/72 e partida para o CTIG  (pp. 34/45)
  • Bissau e Bolama: chegada e IAO (pp. 45/59)
  • Có: as primeiras impressões, o quartel e a sobreposição (pp. 59/73)
  • A coluna de Teixeira Pinto: o batismo de fogo (pp. 73/85)
  • A rendição da CCAÇ 3308, os "velhinhos" (pp. 86/100)
  • De enfermeiro a "barman" (pp. 100/108)
  • De "barman" a professor (pp. 109/126)
  • Marcelino da Mata, uma referência (pp. 126/132)
  • Rancho, levantamento de rancho, ataque à messe, prepotências (pp. 133/152)
  • Um senhor negro vestido com uma "thobe" branco (pp. 153/156)
  • O ataque à coluna de Có + diversos apontamentos  (pp. 156/162) 
  • O 25 de Abril  que veio da Metrópole (pp.162/174)
  • O regresso a casa (pp. 174/179)
  • 50 anos depois (pp. 180/184).
O autor garante que escreveu esta parte da sua "brochura", de memória, sem ter tirado notas de nada... É "obra", tiro-lhe o quico!... Há quem, quando se pergunta sobre esse passado, responda: " Guiné ?Varreu-se-me tudo da memória?"... Não são casos de amnésia, mas de denegação... 

(Continua)
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Nota do editor LG:

Último poste da série > 25 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27254: Notas de leitura (1840): "O capelão militar na guerra colonial", de Bártolo Paiva Pereira, capelão, major ref - Parte I: Apresentação sumária (Luís Graça)

quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27251: Historiografia da presença portuguesa em África (498): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1942 (54) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Abril de 2025:

Queridos amigos,
A guerra exigiu restrições, já não é só europeia, ganhou dimensão mundial, as colónias têm que responder com orçamentos severos, incentivos à produção e as exportações altamente regulamentadas; haverá mesmo um Tribunal Repressivo da Especulação e do Açambarcamento; fez-se contrato com um engenheiro para estudar melhorias e alargamento do cais do Pidjiquiti, toda a administração tem a receita e a despesa sujeita a vigilância e, como veremos no referente a 1943, existe na metrópole uma Inspeção do Comércio Geral, daremos por ela a encontrar alguns lotes de borracha exportados da Guiné com impurezas de areia e matérias estranhas em volume e percentagens, serão tomadas medidas. Procura-se vasculhar em todos estes Boletins Oficiais dados que nos permitam percecionar o labor da administração, mas tudo aparece camuflado com nomeações e partidas, reformas e processos de doença, é a total discrição.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1942 (54)


Mário Beja Santos

A guerra deixou de ser europeia, extravasou para os outros continentes, redobraram as medidas de contenção de despesas, não se pode importar nem exportar à toa, usam-se as moedas estrangeiras com a maior prudência, aliás nesta altura já circula na Guiné o ouro em pó como moeda de troca, as administrações coloniais estão seriamente implicadas em cuidar do aumento da produção de bens essenciais, no caso da Guiné o controlo do arroz vai passar a ser muito severo, o mesmo acontecerá com as madeiras.

Estamos em maio de 1942, o Encarregado do Governo chama-se Armando Augusto Gonçalves de Morais e Castro, no Boletim Oficial n.º 20 publica-se uma portaria a regular o comércio e o consumo de arroz, tomam-se medidas como estas:
- Todos os que, por qualquer título, sejam detentores de arroz na colónia, com exceção dos produtores indígenas, devem obrigatoriamente apresentar às autoridades administrativas dos concelhos ou das circunscrições onde o arroz se encontre, no prazo de 24 horas a contar da data desta portaria, manifesto em duplicado devidamente datado e assinado, das quantidades de arroz em casca e arroz descascado que possuam, com indicação dos locais onde as têm armazenado e do destino que pretendem dar-lhes;
- Não é permitido na colónia vender, ceder, transportar, fornecer a trabalhadores, ou de qualquer forma utilizar quantidades superiores a 100 kg de arroz descascado ou a 150 kg de arroz em casca sem expressa autorização da autoridade administrativa;
- Será permitido aos donos das mercearias das cidades de Bissau e Bolama terem postos especiais e unicamente destinados à venda a retalho de arroz, independentes dos seus estabelecimentos principais; os comerciantes possuidores de arroz, estabelecidos nas sedes dos concelhos e das circunscrições civis, que por não terem mercearias, não seja obrigados a vender arroz a retalho e não o queiram voluntariamente fazer, ficam contudo na obrigação de fornecer arroz por grosso, aos preços tabelados, a revendedores que se apresentem munidos das respetivas autorizações;

- As autoridades administrativas, quando reconheçam que as existências de arroz nas áreas sob a sua jurisdição são necessárias ao consumo local, não autorizarão pedidos de transferência para outras áreas; a fim de regular a conveniente distribuição por toda a colónia, a Inspeção do Comércio Geral poderá mandar, por intermédio das autoridades administrativas, requisitar aos industriais, comerciantes e outros detentores de arroz a transferência de determinadas quantidades.

Temos agora obras no porto de Bissau, faz-se contrato entre o Ministério das Colónias e o Engenheiro Civil Henrique Figueiredo O’Donnell para execução dos estudos do porto de Bissau, consta do Boletim Oficial n.º 25, de 22 de junho. Diz-se o seguinte:
“O segundo outorgante obriga-se a fazer os estudos do porto de Bissau com o objectivo da construção de uma ponte-cais acostável pelos navios de maior calado, colhendo no local todos os dados necessários; se, do resultado dos trabalhos realizados no local pelo segundo outorgante se vier a verificar a conveniência e a possibilidade de se executar uma estrutura provisória que facilite a carga e a descarga de mercadorias durante o tempo necessário ao estudo e construção da obra de carácter definitivo, o mesmo segundo outorgante fornecerá os dados técnico relativos a essa estrutura; a execução do presente contrato não poderá importar a quantia superior a 400 mil escudos."

Tratava-se de um contrato completíssimo, inclusive o segundo outorgante ficava obrigado a observar escrupulosamente, e a fazer observar, pelos empregados que estivessem sobre as suas ordens na Guiné, as normas e regulamentos respeitantes a condições de trabalho dos indígenas.

O Boletim n.º 50, de 14 de dezembro, vem exatamente na mesma linha da regulamentação do comércio de arroz, por Portaria é determinado que a exportação de produtos da colónia para países estrangeiros só poderá realizar-se mediante prévia autorização do governador, sob informação da Inspeção do Comércio Geral, e prescrevem-se as atuações necessária sobre documentação, licenças de autorização, etc.

E no Boletim n.º 51, de 21 de dezembro, ficamos a saber que há um Tribunal Repressivo da Especulação e do Açambarcamento:
“Joaquim de Souto Patrício, Tenente Miliciano de Infantaria, Secretário do Tribunal Repressivo da Especulação e do Açambarcamento, certifico que na Secretaria a meu cargo existem uns autos de transgressão em que é arguido José Pereira Monteiro, comerciante, pelo crime de açambarcamento. Vistos os autos: considerando as respostas unânimes dadas aos quesitos; considerando todas as atenuantes que militam a favor do réu; considerando ter ficado provada a culpa, mas não a intenção criminosa; considerando não ser o crime cometido de grande gravidade, embora também não seja de pouca; os do tribunal acordam em dar como provado o crime de que o réu vem acusado, pelo que o condenam ao pagamento da multa de 1500 escudos.
Bissau, 3 de dezembro de 1942.

Joaquim do Souto Patrício, Tenente Miliciano de Infantaria, Secretário do Tribunal Repressivo da Especulação e do Açambarcamento, certifico que na secretaria a meu cargo existem uns autos de transgressão em que é arguido Apolinário Gonçalves Pereira, negociante, residente em S. Domingos. Vistos os autos: considerando as respostas unânimes dadas aos quesitos; considerando ter-se assim provado que o réu procedeu sem intenção criminosa, embora com culpa; considerando as circunstâncias atenuantes que militam a favor do réu; os do tribunal acordam em dar como provado o crime em que o réu vem acusado e condená-lo no pagamento da multa de 500 escudos.
Bissau, 7 de dezembro de 1942.

Joaquim do Souto Patrício, Tenente Miliciano de Infantaria, Secretário do Tribunal Repressivo da Especulação e do Açambarcamento, certifico que na secretaria a meu cargo existem uns autos de transgressão em que é arguido Maximiano Gomes Fernandes, comerciante, residente em Suzana. Vistos os autos: considerando as respostas dadas, por unanimidade, aos quesitos; considerando anulado o acórdão proferido por este tribunal em 23 de setembro; os do tribunal acordam em dar como não provado o crime de que o réu vem acusado, pelo que o isentam de culpa, o absolvem e o mandam em paz, devendo ser-lhe levantado o aresto que lhe foi justificado.
Bissau, 7 de dezembro de 1942.”


O curioso disto tudo é que no ano seguinte o Tenente Joaquim do Souto Patrício é transferido e o tribunal desaparece

Chegada do novo governador, o capitão Ricardo Vaz Monteiro, junho de 1942
Ricardo Vaz Monteiro, governador da Guiné
Carta da Guiné de 1933
Imagem extraída da revista Império, publicação de Lourenço Marques, 1952

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 17 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27226: Historiografia da presença portuguesa em África (497): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1941 (53) (Mário Beja Santos)