sexta-feira, 23 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9644: Agenda Cultural (189): Apresentação do livro A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné: Gandembel / Ponte Balana, de Idálio Reis, dia 21 de Abril de 2012 no Palace Hotel de Monte Real (Carlos Vinhal)




1. O nosso camarada Idálio Reis, Engenheiro Agrónomo reformado, natural de Cantanhede, ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 2317 / BCAÇ 2835 (Gandembel e Ponte Balana, 1968/69) faz questão de oferecer um exemplar autografado do livro a todos os camaradas da Guiné que aparecerem na sessão de apresentação. O livro, edição de autor, não está à venda no mercado livreiro.




O livro, cuja narrativa não está isenta de paixão e dor, não fosse o seu autor oficial miliciano da CCAÇ 2317, centra-se essencialmente na história dramática dos homens-toupeira, os heróicos construtores e defensores da Gandembel e de Ponte Balana, no corredor da morte. Começa com uma dedicatória (Relembranças) aos seus camaradas de Companhia, seus familiares e combatentes de outras Unidades que partilharam os mesmos momentos difíceis que não foram poucos, um Preâmbulo com a formação da Companhia e listagem nominal dos militares que a compunham.

Depois de um capítulo dedicado à chegada a Bissau e treino operacional, faz uma descrição da evolução da guerra subversiva na Guiné, desde 1963 a 1967.

O ano de 1968 coincide com a chegada da CCAÇ 2317 à Guiné, pelo que a partir daqui o livro entra no seu tema principal. Primeiro uma passagem por Guileje, onde, nas palavras de Idálio, a guerra não se fez esperar, depois a ida para Gandembel e Ponte Balana, em 8 de Abril de 1968, um deserto onde as condições de vida eram piores que más. Trabalhar na construção de abrigos tendo sempre à vista a G3, ferramenta bélica, companheira inseparável. Trabalho árduo, noites mal dormidas, emboscadas, ataques ao "aquartelamento" e às colunas de reabastecimento, mortos e feridos, de tudo e pior que se possa imaginar foi o inferno de Gandembel.


Idálio Reis não se cansa de ao mesmo tempo que narra os momentos mais trágicos da sua 2317, realçar a bravura dos seus heróicos militares. O livro está profusamente ilustrado, dando ao leitor a ideia do esforçado trabalho e das condições miseráveis em que sobreviviam. Depois de meses de sacrifício, o então novo Comandante-Chefe António de Spínola, contrariando a ordem do anterior, Arnaldo Schulz, de ocupação de Gandembel, torna efectiva uma ideia há muito amadurecida, a retirada da tropa daquele local. Estávamos já a 28 de Janeiro de 1969. Destino, Buba, onde finalmente souberam o que era dormir numa cama e usufruir de alimentação melhorada.

Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > 1968 > Início da construção do aquartelamento > Sem comentários!... Uma das fotos famosas do nosso blogue que nos acompanha há anos!.. As grandes fotografias dispensam legendas. Esta é uma das fotos-ícones da guerra da Guiné. Tem uma tremenda força dramática! Está lá tudo: o homem-toupeira, o homem de nervos de aço de Gandembel/Balana, também tinha alma de poeta e sabia transformar a pá do trolha em viola de baladeiro, ou guitarra de fadista! Estamos lá todos nesta fotografia de um camarada, sozinho, no palco da guerra, no cu do mundo, enrodilhado num manta, dedilhando a sua viola ou a sua guitarra e cantando para um público imaginário as suas alegrias, as suas tristezas, a sua coragem, a sua solidão, a sua saudade, as suas esperança, os seus medos, os seus sonhos... Trata-se do nosso camarada Idálio Reis, na altura Alf Mil da CCAÇ 2317... Podemos imaginá-lo no intervalo de um dos 372 ataques e flagelações a que os nossos camaradas foram submetidos, entre 8 de Abril de 1968 até 28 de Janeiro de 1969, os nove meses em que, em tempo-recorde, construiram de raíz um aquartelamento, defenderam-no galharda e heroicamente e receberam ordens para o abandonar!...Um verdadeiro Suplício de Sísifo!... Noutro país, esta epopeia teria dado um grande filme, um grande livro, uma grande exposição fotográfica!... Gandembel, quer se queira ou não, faz parte da nossa história, dos portugueses e dos guineenses... É bom invocável para que não ouçamos amanhã a resposta dos nossos filhso e netos: Gandembel ? 'Não, nunca ouvi falar'... Em 1969, a música mais popular entre a nossa tropa era o Hino de Gandembel...

Fotos: © Idálio Reis (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

Terminada a odisseia da 2317, o autor fala-nos das célebres Directivas do General Spínola. A mais célebre será a 20/68 de 25 de Julho que permitiu, entre outras alterações no TO do CTIG, a retirada das NT de Gandembel.

Na sequência de leitura encontramos um capítulo dedicado a Os Gandembéis, ao seu Cancioneiro, às suas músicas e poetas. O autor publica as letras do Hino de Gandembel e do poema Os Gandembéis (90 estrofes, em oitavas decassílabas, adaptadas de Os Lusíadas).

Finalmente o livro retoma as facetas da incidência da guerra subversiva após o regresso da 2317, que contempla o período entre 1970 e 1974, fim da guerra colonial e do regime deposto em 25 de Abril.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 20 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9629: Agenda Cultural (188): Convite para o lançamento do livro Adeus até ao meu regresso, de Mário Beja Santos, dia 29 de Março de 2012, pelas 18h30, na Associação 25 de Abril, em Lisboa (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P9643: Notas de leitura (344): A descolonização da África Portuguesa, por Norrie MacQueen (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 22 de Fevereiro de 2012:

Queridos amigos,
Este livro de Norrie MacQueen é considerado pelos especialistas como a primeira síntese rigorosa sobre a descolonização da África portuguesa, nada tem a ver com os textos de exaltação a favor da independência e da descolonização nem procura recriminar quem defendeu o Império português nem aprecia o comportamento por vezes destrutivo dessas ex-colónias. Este estudo tem a originalidade de pôr em destaque as raízes metropolitanas da desagregação imperial, associa o fenómeno à evolução da Guerra Fria e toma sempre em consideração a extrema debilidade do que se convencionou chamar o Terceiro Império Português, baseado em África.

Um abraço do
Mário


A descolonização da África Portuguesa

Beja Santos

Não se pode ignorar o nome do investigador Norrie MacQueen quando se pretende ter uma visão de conjunto de como se processou a descolonização da África portuguesa. Terá sido o primeiro estudioso a apresentar uma investigação equilibrada quanto às principais premissas que conduziram por obstinação do Estado Novo a uma luta armada que conduziu à dissolução do Império. O livro “A Descolonização da África Portuguesa” (por Norrie MacQueen, Editorial Inquérito, 1998) é uma análise exaustiva dos porquês do colapso desse império em que se analisa o funcionamento do Portugal metropolitano e as interdependências económicas entre a metrópole e o Ultramar. Quando surgiu a edição inglesa (Norrie MacQueen é o professor de Ciência Política na Universidade de Dundee, Grã-Bretanha) logo a crítica saudou o trabalho classificando-o como “a primeira síntese séria sobre este importante acontecimento”.

Obviamente que esta recensão parte de algumas categorias gerais da leitura do investigador para se cingir à Guiné.

O autor adverte que pretende preencher uma lacuna: A partir dos anos 60 apareceu uma considerável quantidade de materiais sobre as lutas de libertação na África Portuguesa e, depois, sobre o desenvolvimento dos novos Estados saídos da descolonização. De maneira geral, esses estudos orientavam-se segundo um ponto de vista africano e descuravam a análise sistemática das ligações entre o nacionalismo revolucionário na África lusófona e o processo revolucionário na metrópole. Também a década de 70 foi um período de significativas alterações nas relações entre as superpotências. A década começou com o desabrochar do desanuviamento e terminou com o seu colapso. Consequentemente, os especialistas em relações internacionais tenderam a interpretar a evolução na periferia africana do equilibro central, nesta altura mais em termos gerais do que em termos locais. Poucas tentativas houve para ligar estas grandes alterações nas relações entre as superpotências à evolução da política revolucionária e ao processo de descolonização em Lisboa, durante 1974 e 1975. São estes os meus dois objetivos: destacar as raízes metropolitanas da desagregação imperial e tentar integrá-las num conjunto de outros fatores ocasionais existentes em África e no vasto sistema internacional.

Primeiro, o colapso do Terceiro Império de Portugal prende-se com o fenómeno de ocupação, depois da Conferência de Berlim tornou-se crucial ocupar o território e marcar-lhe fronteiras. O Brasil já estava praticamente afastado da órbita política e cultural de Lisboa, em breve vão surgir cobiças nomeadamente da Alemanha sobre as parcelas do Império. O autor refere minuciosamente as etapas da ocupação e pacificação, o modo como o Estado Novo encarava as parcelas africanas e as aspirações nacionalistas da época. Em meados dos anos 50 começam a soprar os “ventos da História”, em 1957 a PIDE abre delações em todos os territórios africanos e começa a organizar a rede de informadores. A Casa dos Estudantes do Império acaba por ser o berço das futuras chefias africanas, é neste tempo que se vão organizar os movimentos de libertação. O autor descreve minuciosamente os acontecimentos metropolitanos de 1961, o início da guerra em Angola, depois na Guiné-Bissau e por último em Moçambique. E questiona: “O que é que determinou a adoção de diferentes análises e programas marxistas dos três movimentos? Contribuíram fatores globais, africanos e, particularmente portugueses. As lutas armadas foram cronologicamente enquadradas pela revolução cubana e pela vitória do Vietname do Norte e deram-se durante o período em que o terceiro mundo estava a afirmar o seu lugar no sistema internacional. Durante esses anos, o discurso do anticolonialismo e da libertação nacional era inseparável das críticas radicais, sociais e económicas”. Como se compreenderá, depois da queda do Muro de Berlim e do colapso soviético estas experiências socialistas ficaram na maior orfandade, decompuseram-se.

Segundo, é igualmente indispensável compreender como a guerra de África afetou internamente o regime, nomeadamente no tempo de Marcello Caetano. Este revelou-se incapaz de concretizar autonomia progressiva, muito provavelmente ficou prisioneiro da lealdade que devia ao salazarismo. A despeito da crise relacional entre Caetano e Spínola, o primeiro ainda fez a tentativa, em 1973 para nomeá-lo ministro do Ultramar. Não há hoje resposta documentada para o que queria Caetano, pode admitir-se que pretendia apoio reformista numa altura em que a comunidade internacional, por larga maioria, tinha reconhecido a república da Guiné-Bissau. O fundamental é que Spínola rompeu com Marcello Caetano e iludiu-se com o que escreveu em “Portugal e o Futuro”, o livro que contribui decisivamente para o golpe do 25 de Abril.

Norrie MacQueen refere as conversações entre o mensageiro do governo de Caetano e os representantes do PAIGC, em Londres, Março de 1974. Dá uma interpretação a esta atitude de Caetano: “A concordância, sob pressão diplomática, em participar em conversações, está longe da conclusão e execução de um acordo. No entanto, ao assumir que estava realmente pronto a encarar um acordo direto com o PAIGC e a fazê-lo sem condições prévias, estava a demonstrar uma flexibilidade relativamente a África pelo menos tão grande como a de Spínola”. Depois o autor discorre sobre as teses federalistas de Spínola, a criação do MFA, detalha as primeiras negociações com o PAIGC, o impasse que se seguiu, o aparecimento da Lei Constitucional n.º 7/74 e o compromisso de descolonização.

Terceiro, o investigador reconhece a importância do MFA na Guiné-Bissau, considera-o como a grande componente do movimento, descreve a destituição de Bethencourt Rodrigues, a interceção de Senghor e o conteúdo das conversações de Londres e Argel. Considera que pesou as atividades do MFA da Guiné o baixo moral das tropas, o MFA começou imediatamente a pedir a retirada incondicional, constitui-se mesmo o Movimento para a Paz em que os militares se manifestavam energicamente contra a guerra.

Quarto, em jeito de conclusão, o autor considera que foi com a Guiné-Bissau que Portugal teve, no período pós-colonial, as mais satisfatórias relações. E justifica: a ausência do problema de uma colónia de brancos, escasso nível de contenciosos económicos e a transferência do poder para um movimento de libertação incontestado. No entanto, Portugal será mantido à margem nas divisões cavadas entre cabo-verdianos e guineenses e mesmo quando a etnia balanta se arvora ou pretende arvorar em etnia dominante. Quando se deu o chamado golpe Paulo Correia, as relações esfriaram temporariamente. A Guiné foi a ex-colónia que se manteve mais próxima do espírito português: advogou a formalização de relações entre os cinco Estados africanos de língua portuguesa e a antiga metrópole; apoiou para que Portugal fosse eleito para um lugar não-permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. E adianta mais um argumento pouco conhecido: “O bom relacionamento da Guiné com Portugal foi facilitado pelo relativo distanciamento que manteve com a União Soviética depois da independência. A rapacidade da frota pesqueira soviética ao largo da costa da Guiné provocou um claro esfriamento das relações, pouco depois da independência, e a Guiné-Bissau tomou o seu confessado não alinhamento suficientemente a sério para recusar os pedidos de Moscovo para a concessão de facilidades para a construção de uma base naval no Rio Grande de Buba”.

Enfim, uma obra que não deverá ser descurada quando se pretende ter uma visão panorâmica dos múltiplos fatores que devem ser equacionados no estudo da descolonização da África portuguesa.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9626: Notas de leitura (343): Testemunho, de Filinto Barros (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P9642: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (12): Os infelizes que estão em Cobumba...

1. No seu diário, o António Graça de Abreu ( nascido em 1947, no Porto, ex-Alf Mil do CAOP1, 1972/74, aqui na foto à esquerda, no rio Manterunga, braço do Cumbijã) dá-nos desta vez notícias dos infelizes que estavam em Cobumba, ali perto de Cufar e de Bedanda, em pleno Cantanhez, e que embrulhavam amiudadas vezes...  


Entre esses infelizes, estava o nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba, Bissau, 1972/74), que nos tem surpreendido com as suas crónicas "do tempo que ninguém queria"...

Mais uma vez, e com a devida vénia, reproduzimos - para conhecimento da generalidade dos nossos leitores - mais alguns excertos do Diário da Guiné, 1972/74, da autoria do António Raça de Abreu, de que temos um ficheiro em word, o mesmo que serviu de base à edição do seu livro Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp) (*). 

Os parênteses curvos com reticências são da responsabilidade do editor do poste (LG), não do autor, e significam  cortes no texto... Seleccionámos apenas as entradas do diário e os parágrafos com referências a Cobumba.  (LG)

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Cufar, 25 de Junho de 1973 


Não estou encantado com o lugar que vim encontrar, mas Cufar é melhor do que eu imaginava. Em termos de guerra, segurança pessoal, companheiros de armas e instalações. 

(…) A dois quilómetros de Cufar, passa o rio Cumbijã que subi há três dias na LDG. A sul deste rio fica a região do Cantanhez, até há pouco tempo um santuário do PAIGC. Ora em finais de 1972, o general Spínola decidiu ocupar toda esta zona e, talvez pareça estranho, no entanto não foi difícil espalhar as NT pelas regiões do sul, os guerrilheiros têm também as suas debilidades, quase não resistiram à ocupação e foram-se multiplicando os destacamentos com tropa portuguesa junto de pequenas aldeias, cada um deles com pelo menos uma companhia de cerca de 180 homens, Cafine, Cafal, Cadique, Cobumba, Jemberém, Chugué, Caboxanque. 

Os portugueses podem agora afirmar que o sul já não é pertença do PAIGC. Não conheço ainda a maneira como vivem estes quase dois mil homens, mas posso imaginar como tudo tem sido duro. Estão a construir os aquartelamentos, sujeitos a frequentes flagelações, muitos dormem ainda em tendas, em valas, quase sem luz, com dificuldades de abastecimento de água, com alimentação deficiente. 

Uma coisa é certa, os guerrilheiros não só não conseguiram impedir a instalação dos novos aquartelamentos portugueses como tiveram de abandonar as aldeias e de se refugiar nas florestas, junto de pequenos lugarejos escondidos no mato (…) 

(…) Cufar, 29 de Junho de 1973 

Às oito horas voltei a ouvir os pum, catrapum, pum, pum. Era o vizinho de cima, Cobumba, oito quilómetros a norte daqui. Sem consequências. 

Esta flagelação foi mais dura do que a de ontem a Cafal e Cafine, ouviam-se nitidamente as armas ligeiras, o matraquear das metralhadoras, costureirinhas, as rajadas. O sul da Guiné é tudo menos monótono, temos ruído, estrondos e emoção todos os dias. 


(…) Cufar 3 de Julho de 1973 

(…) Hoje comi bifes de gazela, gazelas mortas pela metralhadora pesada de um helicóptero, numa verdadeira caçada a partir do ar. Um homem está sempre a aprender, ignorava que se podia caçar de helicóptero. 

Os hélis vêm cá quase todos os dias, sempre aos pares, o Alouette normal e o helicanhão. Fazem base em Cufar e daqui irradiam para os aquartelamentos de toda a zona, Cadique, Cafine, Cafal, Cacine, Cabedu, Cobumba, Chugué, Caboxanque, Bedanda, as tais povoações que volta e meia “embrulham”. Levam víveres, correio e algum pessoal. 

Os hélis passam por cima das regiões libertadas, mas até hoje nunca foram flagelados. Voam a “rapar”, cinquenta metros acima do solo, a boa velocidade e não dão chances aos mísseis do PAIGC. Um dia podem ter uma surpresa, esperemos que não. O perigo existe sempre, mas os pilotos são responsáveis e corajosos. 

Ontem no voo para Cacine, os dois helicópteros viram uma manada de gazelas, o helicanhão fez fogo e abateu três animais. O outro héli desceu, foi buscar as gazelas e trouxe-as para Cufar. Duas ficaram aqui e uma seguiu para Bissau, para o banquete dos pilotos. Está explicado o requinte de hoje haver bifes de gazela ao almoço.(…) 

(…) Cufar, 5 de Julho de 1973 

À tarde, evacuámos no Nordatlas para o hospital de Bissau um soldado de Cobumba que pisou uma mina e ficou sem uma perna, esfarrapado, retalhado até aos testículos. O médico diz que ele não se salva. 

Veio pelo rio Cumbijã de “sintex” até Cufar e perdeu muito sangue. Fui à pista e todo o seu corpo era ligaduras e sangue. A minha passividade a olhar para o moço, os olhos parados. Não sou o mesmo António que desembarcou na Guiné há um ano atrás. 

(….) Cufar, 6 de Agosto de 1973 

Fui voar de helicóptero. Quase todos os dias temos cá os hélis. O serviço deles é transportar géneros frescos, correio, algum pessoal, estarem disponíveis para qualquer evacuação, assegurarem-nos a logística. Esta manhã pedi uma boleia e, como havia espaço para mim, aí fui eu dar uma grande volta com os pilotos, no Alouette normal tendo sempre ao lado o hélicanhão. Voei até Cacine, Cabedu, Cafal, Cafine, Cadique, Cobumba, Chugué e Bedanda, quase todos os aquartelamentos nossos vizinhos aqui na região. 

Foram mais de duas horas de viagem, incluindo as estadias não muito demoradas nos diferentes lugares. Perigo? É muito relativo, ainda há dias estiveram cá o Spínola e o Silva Cunha, e foram a Cadique e Cacine, voando sempre por cima do rio e do mar porque é mais seguro. 

(…) Cufar, 1 de Setembro de 1973 

(…) Também sábado ao entardecer, tivemos em Cufar as consequências da guerra. Às quatro e meia da tarde, um Unimog pisou uma mina anti carro em Cobumba. Os seis pobres desgraçados que iam na viatura ficaram feridos, três em estado grave. De Cufar, pedimos a evacuação para Bissau, vinham dois hélis a caminho mas voltaram para trás devido ao mau tempo. Um Nordatlas que seguia de Bafatá para Bissau foi desviado para aqui e chegou já de noite. 

Entretanto, os feridos de Cobumba, a perder muito sangue, vieram para Cufar nos sintex, descendo o rio Cumbijã. A pista de aviação foi iluminada pelo usual processo artesanal, as garrafas de cerveja cheias com petróleo e as mechas acesas distribuídas lateralmente ao longo da pista. Com os feridos seguiu para Bissau o furriel enfermeiro que fez de capelão quando daquela brincadeira no desembarque dos “periquitos” há quinze dias atrás. Os feridos de Cobumba estiveram na sala de operações do hospital de Bissau até às quatro horas da manhã, não morreu nenhum. Tanto esforço, mas salvaram-se as vidas. 

(…) Cufar, 12 de Novembro de 1973 

Na LDG chegou uma companhia de “periquitos”, com um mês de Guiné que vão render os infelizes que estão em Cobumba. Já perceberam para onde vão e estão completamente desmoralizados. Como é possível aguentar as NT a combater na Guiné quando o que todos desejam é a paz e sair daqui? 

No porto pequeno, no rio Manterunga, que chega quase até Cufar e é um braço do rio Cumbijã, temos um pau com duas bandeiras. Em cima, por causa das agruras do clima, já meio trapo, a bandeira portuguesa, em baixo, em melhor estado, uma bandeira branca. O capitão da companhia açoreana disse-me que também vai mandar hastear um par igualzinho de bandeiras lá em baixo, no porto grande, no cais do Cumbijã.(…) 

(…) Cufar, 15 de Novembro de 1973 

Ainda a propósito do ataque de ontem, estivemos a fazer contas das flagelações sobre os aquartelamentos da nossa zona nos últimos oito meses. Catió “embrulhou” seis vezes, o Chugué vinte, Cobumba doze, Caboxanque quatro, Cadique dez, Cafal quinze, Cafine catorze, Bedanda onze e Cufar apenas três. Não nos podemos queixar, somos uns privilegiados, vivemos no buraco mais seguro do sul da Guiné. (…) 

(…) Cufar, 21 de Novembro de 1973 

Guerra todos os dias. Ontem às seis de tarde, hoje às seis da tarde. Ontem foi Cobumba, estávamos a começar a jantar e pum, catrapum, pum, pum. Alguns de nós saltaram das mesas e começaram a correr para as valas.

Cobumba fica aqui mesmo ao lado e como têm lá uma nova companhia de “periquitos”, os guerrilheiros trataram de lhes fazer condigna recepção, com foguetões, morteiros, canhão sem recuo, tudo a disparar numa cadência de fogo impressionante. O pessoal de Cobumba teve sorte, estão lá estacionados quatrocentos homens – a companhia velha e os “periquitos” que os vêm substituir – e não sofreram uma beliscadura. 

(…) Cufar, 1 de Dezembro de 1973 

O grupo de homens do PAIGC que veio outro dia atacar Cufar com os morteiros e os RPGs anda a visitar as capelinhas da zona. Depois de nós, foram duas vezes a Cobumba e uma ao Chugué, com flagelações precisamente iguais à nossa. Também não deu nada, só insegurança e medo. Já sabemos que é um grupo novo de guerrilheiros e que andam a treinar. Ontem foi a vez de Cafal. Não houve feridos, mas acertaram em cheio com uma granada de RPG na secretaria da companhia e deram cabo das instalações. Pior seria se tal tivesse acontecido na secretaria do CAOP 1 em Cufar, com o alferes Abreu lá dentro, ou por perto.

 (…) Cufar, 9 de Dezembro de 1973 

(…) Às cinco menos dez da manhã, fomos acordados pelos pum, catrapum, pum, pum. Era Cobumba, os nossos vizinhos mais próximos. Mais um ataque filho da puta! Estava tudo a dormir e durante meia hora a cadência de fogo era impressionante. Se fosse connosco, lá teria eu de fugir em cuecas para a vala. 

Cobumba levou o tratamento do costume, foguetões, canhão sem recuo, RPGs e morteiros. Também como é habitual, nem uma beliscadura nos duzentos homens que por lá padecem. 

(...) Cufar, 21 de Janeiro de 1974 

Cumpriu-se um ano sobre o assassinato do Amílcar Cabral e o PAIGC comemorou a data. Aqui na zona atacaram os aquartelamentos de Gadamael, Cafal, Cafine, Cadique, Cobumba, Bedanda, Chugué, Catió e … Cufar. (…) 

(…) Cufar, 3 de Abril de 1974 

A guerra está feia. Bedanda embrulhou durante todo o dia, um ataque tremendo, doze horas consecutivas de fogo. A festa só acabou à noite com uma espécie de cerco à povoação levado a cabo pelos homens do PAIGC. Em Cufar, tão próximo, além de distinguirmos nitidamente as rajadas de metralhadora de mistura com os rebentamentos dos RPGs, foguetões e canhão, à noite viam-se as balas tracejantes e as explosões no ar. 

Uma novidade, os guerrilheiros utilizaram viaturas blindadas na flagelação a Bedanda. Existe uma estrada que vem da Guiné-Conacry, passa junto a Guileje – abandonada pela tropa portuguesa, – entra pela região do Cantanhez e termina em Bedanda. O IN está a utilizar esse percurso para deslocar camiões carregados com todo o tipo de armamento, em seguida é só despejar sobre os aquartelamentos portugueses mais expostos e fáceis de alcançar, como Chugué, Caboxanque, Cobumba, Bedanda, Cadique e Jemberém. (…)

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Nota do editor:

Guiné 63/74 – P9641: Convívios (405): Encontro de 2012 da 2.ª CART do BART 6523/73, no próximo dia 12 de Maio de 2012, Pombal (António Barbosa)


1.   O nosso Camarada António Barbosa (ex-Alf Mil Op Esp/RANGER do 1º Pelotão da 2.ª CART do BART 6523, Cabuca, 1973/74, solicita-nos a divulgação do próximo convívio da sua companhia.

 CABUCA

Camaradas,

Em nome da comissão organizadora, solicito o favor de publicação do programa do próximo Encontro/Convívio da minha 2ª CART do BART 6523/73.

NOTA: Queremos estender este convite a todos os Combatentes que tenham passado por Cabuca.

O meu obrigado
Cumprimentos
António Barbosa
Alf Mil Op Esp/RANGER do 1º Pel da 2ª CART/BART 6523,


Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

17 DE MARÇO DE 2012 > Guiné 63/74 – P9621: Convívios (325): No dia 3 de Março de 2012 ocorreu o VI Encontro dos ex-combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos (Carlos Vinhal)  


quinta-feira, 22 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9640: Nós da memória (Torcato Mendonça) (15): Corpo di Bó? - Fotos falantes IV





1. Texto e Fotos Falantes (IV Série) do nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69) para integrar os seus "Nós da memória".





NÓS DA MEMÓRIA - 15
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

11 – Corpo di Bó ? Fotos – 27;28;29;30 –

Para tratarmos o corpo era necessária uma boa alimentação. Falhava.
As Forças Armadas não tinham Nutricionistas e, menos ainda, militares entendidos na alimentação para um Quartel na zona do Porto, Timor ou na Guiné. Assim era natural que a nossa alimentação falhasse, apesar de sermos abastecidos por terra, “mar” e ar. Aqui “mar” era o Rio Geba. Os barcos, da Manutenção Militar, sulcavam as suas águas, de quando em vez revoltas pelos macaréus programados e descarregavam, no Xime ou Bambadinca, toneladas de alimentos para tanta gente.

De quando em vez, muito raramente, tínhamos rancho melhorado. Um “héli” podia trazer-nos frescos (vegetais, peixe, carne). Esses, vindos do ar, eram consumíveis e consumidos com gosto e apetite voraz.

Outros frescos que íamos buscar a Bambadinca, não eram tão fiáveis mas marchavam. Havia ainda uma ou outra vaca trazida de Sonaco. Aí estão as fotos a atestarem o tratamento que era dado a essas amigas. Eram consumidas com rapidez. Aquele calor incomodava tudo. Até a carne de vaca não o tolerava bem.

Acabadas estas excepções à alimentação voltávamos ao habitual. Aí estava feijão (em cinco, cinco, qualidades), conservas diversas, chispe holandês (rosado, como as naturais daqueles lados depois de um dia de Sol no Algarve), dobrada liofilizada, salsichas, arroz e mais arroz.

Era o eterno círculo vicioso do cardápio ou do menu dos almoços e jantares. A alimentação era igual para todos.

Nas Tabancas, estadias de um mês nas em autodefesas, podia ser pior. Contudo, de quando em vez aparecia uma galinha, um cabrito ou outro petisco.

Em Candamã/Áfia, raramente um caçador se aventurava noite dentro e abatia caça grossa. Se sim, lá estávamos nós a comer bife de empreitada, três ou quatro naquele dia ou no outro “ká tem”…o calor e os insectos amigo tudo estragavam. A alimentação, no outro dia, voltava ao mesmo, talvez mais leve nesse dia ou nós teríamos menos apetite.

Dias e dias a feijão com feijão-frade é aborrecido. O frade claro.

A magreza era devida ao exercício físico e prática desportiva. Eu vos contarei depois.

Mansambo > Heliporto > Abastecimento de frescos e afins

Mansambo > Vaca de Sonaco quase no tacho ou panela, sem política

Mansambo > Em preparação

Texto e fotos ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9601: Nós da memória (Torcato Mendonça) (14): O percevejo e o flautista - Fotos falantes IV

Guiné 63/74 - P9639: Análise da situação do inimigo - Acta da reunião de Comandos, realizada em 15 de Maio de 1973 - Parte I (Luís Vaz Gonçalves)




Mais um trabalho documental do nosso tertuliano (Tabanqueiro 530) Luís Gonçalves Vaz, desta vez uma Análise da situação do inimigo - Acta da reunião de Comandos, realizada em 15 de Maio de 1973 no Quartel General do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné.




ANÁLISE DA SITUAÇÃO DO INIMIGO



PARTE I

Reunião de Comandos, em 15 de Maio de 1973, “alguns excertos da comunicação do Chefe da Repartição de Informações”, Tenente-coronel Artur Batista Mourão (Chefe 1ª Rep.)


“Em 15 de Maio de 1973, pelas 10H30, no Quartel General do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, teve lugar, sob a presidência e mediante convocação do General Comandante-Chefe, General António de Spínola, uma reunião de Comandos na qual participaram os comandantes-adjuntos respectivamente, Comodoro António Horta Galvão de Almeida Brandão, Comandante da Defesa Marítima da Guiné, Brigadeiro Alberto da Silva Banazol, Comandante Territorial Independente da Guiné, Brigadeiro Manuel Leitão Pereira Marques, Comandante-Adjunto Operacional e Coronel Gualdino Moura Pinto, Comandante da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné …”

General Comandante-Chefe, General António de Spínola

“… Dou a palavra ao Chefe da Repartição de Informações. …”

“… A Situação no TO, analisada à luz da evolução do IN e do seu potencial, e processos de acção, sofreu, em especial nestes últimos dois meses, um substancial agravamento de resto já oportunamente previsto face às informações processadas, e que se traduz em Franca subida de grau no desenvolvimento em escalada da sua manobra Político-militar, constituindo o tempo inicial de uma nova fase do conflito: o empenhamento na passagem para acções do tipo convencional, embora ainda isoladas, visando objectivos limitados, e não integrados em qualquer plano de ofensiva geral em moldes clássicos, só próprio, aliás, de uma ulterior e última fase …”

Mapa da Guiné Portuguesa, com o Dispositivo Militar do PAIGC
Anexo à Ata da Reunião de Comandos de 15 de Maio de 1973

Lancha torpedeira do tipo P6 - Deslocamento: 75 toneladas; Dimensões (em metros): 25.7 x 6.1 x 1.8; Armamento: dois tubos lança-torpedos de 533mm e dois reparos duplos de 25mm: Propulsão: quatro motores diesel accionando quatro hélices, totalizando 4800 CV; Velocidade: 43 nós; Autonomia: 450 milhas náuticas a 30 nós; Tripulantes: 25.

“… Para completar o quadro da evolução do potencial material do IN, resta acrescentar, no que se refere a Meios Aéreos, que o PAIGC dispõe já de 4 aviões ligeiros e aguarda o fornecimento de mais 6 de tipo não revelado, contando já com 28 pilotos; e no que se refere a Meios Navais, a posse de três Vedetas Rápidas do tipo P-6, de origem Soviética. …. “

“…A recente chegada de 6 pilotos estrangeiros (Líbios e Argelinos) à Rep. Guiné para substituírem, nos MIG-15 e MIG-17, os pilotos guineanos cuja imperícia se revelou em alguns acidentes.

Mig 15 e Mig 17 (fotografia retirada de: http://www.fairchild24.com/fighters.htm)

Soldados russos embarcando um Mil Mi-8 versão de transporte-armado durante a Guerra do Afeganistão. Esse helicóptero representou para os russos na guerra do Afeganistão, a mesma importância que os Bell UH-1 Huey representaram pros EUA durante o conflito no Vietnam. A diferença é que os Mi-8 são maiores, consequentemente levam maior quantidade de tropa e carga, e são bimotores. (Foto: Vaul)


A chegada à Rep. Guiné de 2 Helicópteros MI-8 Em fins de Abril.

A promessa da Rep. Guiné ceder uma pista ao PAIGC para manobra dos seus aviões.
…………….

POSSIBILIDADE DO INIMIGO E PROVÁVEL EVOLUÇÃO DA SITUAÇÃO

“…Face aos elementos analisados, em especial tendo em atenção as acções que o IN, bem como os países que mais directamente o apoiam, têm capacidade e intenção de realizar, concluiu-se neste estudo pelo agravamento progressivo e rápido de uma situação cuja súbita deterioração recente parece não deixar margem para dúvidas quanto à sua perspectivação no futuro próximo e imediato. Assim julga-se que o IN, no imediato, e tirando partido do impacto nas NF (nossas forças) das limitações sofridas, bem como da alta moralização que daí naturalmente advém para os seus combatentes, procurará:

- intensificar a acção antiaérea, procurando obter a todo o custo novos sucessos e adaptando …..

- incrementar a acção de guerrilha à luz de uma mais directa agressividade, especialmente dirigida contra as guarnições agora mais dependentes do reabastecimento por via terrestre, em especial por emboscadas contra colunas auto e apeadas, conjugadas com ou não com ataques a aquartelamentos;

- massificar as acções contra povoações com guarnição militar em ordem a obter sucessos militares politicamente exploráveis e dissociar a adesão das populações pela prova de força em acção frontal contra a protecção conferida pelas NT, tirando assim partido dos novos meios e processos de acção.

Esta actividade incidirá, mais provavelmente, nas guarnições de fronteira em especial nas mais vulneráveis às acções com carros de combate, pelo que se consideram áreas de preocupação:

- o eixo NOVA LAMEGO-BURUNTUMA e em especial a guarnição de BURUNTUMA, particularmente ameaçada:

- a região de ALDEIA FORMOSA e, e em especial, as guarnições de GADAMAEL e GUILEJE, expostas a uma acção de carros de irradiando da Rep Guiné;

- a fronteira Norte da Zona Oeste, com particular incidência para a faixa tradicional de infiltração (GUIDAGE/BIGENE/FARIM/CUNTIMA).
……”

Chefe da Repartição de Informações, Tenente-coronel Artur Batista Mourão. In: Anexo “A” À Ata da Reunião de Comandos, de 15 de Maio de 1973

Base de Cumbamori no Senegal
Fonte da foto: livro "Guerra Colonial", Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes

Como sabem, neste mesmo mês (Maio de 73), Guidage ao Norte e Guileje ao sul, foram as duas pontas da tenaz da Operação Amílcar Cabral, lançada pelo PAIGC, e de que já escrevi neste nosso Blog. A queda de Guilege a 22/05/1973, na sequência da operação "Amilcar Cabral", é de facto “previsível” na análise da reunião de Comandos de 15/05/73, pois nela se debateram o crescente poderio do PAIGC nas zonas de fronteira. Como tal, fica aqui a questão, “qual a razão do Comando-chefe da altura, o mesmo que cerca de 10 dias antes, soube das verdadeiras intenções/potencial do In e não fez nada (a Sul) para evitar que “a ponta da tenaz da Operação Amilcar Cabral, lançada pelo PAIGC, não tivesse êxito a Sul? Falta de Efectivos de Reserva? Falta de Tropa especial? Ou subestimou-se mesmo o “potencial do PAIGC”? ou outro motivo? …. De facto o Comando-chefe, “investiu a Norte, na Operação Ametista Real”, realizada para "libertar" Guidaje, a norte, com um batalhão de comandos, tendo as NT sofrido nessa operação, 10 mortos, 22 feridos graves e 3 desaparecidos. É bom relembrar, que no primeiro trimestre de 1973 as NT tiveram 135 mortos, enquanto em igual período em 1972, tinham tido apenas 48.

Em Suma, e como o Comandante-Chefe (general António de Spínola) afirmou nesse longínquo dia 15 de Maio de 1973, nessa mesma reunião de Comandos; “…encontramo-nos, indiscutivelmente, na entrada de um novo patamar da guerra, o que necessariamente impõe o reequacionamento do trinómio missão-inimigo-meios …”

Ao contrário do que se possa pensar, os serviços de informação militares, funcionavam e pelos vistos com um grande grau de previsão…. Tínhamos mesmo agentes no terreno …

Estes registos que aqui apresento, foram extraídos de um Documento “MUITO SECRETO”, já “DESCLASSIFICADO”, Ata da Reunião de Comandos, de 15 de Maio de 1973.


Mapa da Guiné Portuguesa, com a Área onde o PAIGC exercia Acções de Guerrilha
Anexo à Ata da Reunião de Comandos de 15 de Maio de 1973


Comunicação nesta reunião de Comandos, do Chefe da Repartição de Informações…


Luís Gonçalves Vaz
(Tabanqueiro 530)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9634: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (6): Os Oficiais do Corpo do Estado Maior (CEM) no TO da Guiné em 1973/74 (Luís Gonçalves Vaz)

Vd. último poste da série de

Guiné 63/74 - P9638: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (33): Lembrando os meus amigos da CCAÇ 3549... e discorrendo sobre o meu pessimismo crónico (Cherno Baldé)

1. Comentário de  Cherno Baldé, com data de 19 de março, ao poste P9617 [, Foto do Cherno, à direita, quando jovem estudante universitário, em 1989, na Ucrânia, ex-URSS]:

Caro José Cortes,

Aproveito esta oportunidade para felicitar a CCAÇ 3549,  "Deixós Poisar",  por mais um encontro-convívio entre velhos amigos de Fajonquito. Só lamento não poder estar lá, desta vez, sempre na esperança de um dia poder participar e abraçar os meus velhos amigos. 


Assim na impossibilidade de o fazer pessoalmente, rogo-te, caro amigo, que sejas o portador de uma mensagem de amizade e de fraternidade para com todos os camaradas da companhia que estarão presentes em Vizela,  da parte dos filhos e amigos de Fajonquito que nunca deixaram de pensar neles, desejando longa vida e felicidades sempre na esperança de um dia poder reencontrá-los e matar saudades.

Um grande abraco para ti e lembranças aos meus amigos condutores: Mandinga, Torres, Celestino, Sérgio e Magalhães; ao Cunha, Esteves, Oscar (3º  pelotão), Marques (Cabo do 2º pelotao),  Fininho e Gonçalves. Cherno Baldé. 



2. Resposta, de 29 de fevereiro último, do Cherno Baldé [, foto atual, à esquerda, no seu gabinete de trabalho, no Ministério das Infraestruturas, Transportes e Comunicações, em Bissau, onde exerce as funções de diretor do gabinete de estudos e planeamento], ao um mail meu, do dia 27: 

["Cherno, meu amigo e irmão: Tens toda a razão...O título é 'enviesado'... Substitui 'amargura' por 'lealdade'... Como sociólogo, tenho como princípio nunca  confundir as 'elites' com o 'povo'... Mas fazemos isso, ao falar dos 'fulas', dos 'tugas', etc. Fica bem, em paz, com saúde... Aprecio a tua sinceridade... Mas tenho-te achado, nestes últimos tempos,  mais amargo, mais desencantado... Podes ser franco comigo... Luís]

Caro amigo e irmão Luis Graça,

Amargo e desencantado e, acrescento, pessimista... É  o que eu sempre fui na vida, senão como seria o rafeiro, a  como eu próprio me auto-intitulo ?!

Se puderes imaginar, por um instante so, o que significa ser rafeiro, então facilmente poderás compreender-me. Mas atenção, ser rafeiro para mim, não é o mesmo que ser cão. Este último orienta o seu faro e intelecto mais no sentido de encher a barriga e saciar a fome, e é muito egoista enquanto que o primeiro, mesmo se precisa de sobreviver, está ao servico de um objetivo superior, uma missão que tanto pode ter uma como várias finalidades sociais ao servico do seu amigo, do seu grupo, etc. de forma aberta, dialogante e tendo como premissa de fundo a lealdade e o respeito de certos princípios orientadores e consensuais. 

Talvez por isso, o político português que eu mais admirava era o Álvaro Cunhal, não tanto pela sua orientação ideológica, já caduca no anos 90, mas sobretudo pela força da sua convicção e perseverança, assente em princípios políticos e morais. 

Mas, confesso também que o Blogue tem sido, para mim, uma importante escola e, tendo em conta o manancial de informação que ele representa, mesmo sem querer, pode estar a provocar em mim algumas mudanças (ruturas) de sensibilidade em relação ao meio envolvente que, às vezes, se manifestam nas palavras, e como tu o dizes, não há maneira de contrariar pois não tenho dúvidas quanto à tua extraordinaria capacidade de leitura, nas entrelinhas e não só. 

Mas podes crer que, seja o que for, não será contra o tuga a quem eu aprendi a respeitar e sobre quem eu já tenho ideias fixas, velhos amores, que dificilmente vão mudar, pese embora as pequenas deceções e amarguras que vão aparecendo aqui e acolá em função de descobertas repentinas e inesperadas sobre o comportamento do corpo expedicionário português na Guiné durante a guerra (serão as tais espinhas do Blogue?), como por ex. algumas suspeitas infundadas sobre a lealdade dos aliados fulas no decorrer da guerra, os acontecimentos obscuros de Guidage envolvendo militares portugueses e tropas nativas que não estavam de acordo com a forma como a questão da independência estava a ser tratada, entre outras coisas. 

Mas a vida é assim mesmo, não é?

Por outro lado, será que há muitos motivos para que um Guineense comum, ou se se quiser, da classe média, como eu, esteja  encantado, seja doce e otimista em relação ao futuro? E, ainda mais, nós que tivemos a ousadia de, desafiando um futuro incerto, procriar filhos com a obrigaçã
o de os educar e inculcar otimismo. 

Quem quiser compreender as origens do meu pessimismo crónico, deverá fazer uma retrospetiva histórica sobre a Guiné e a minha comunidade, em particular, no período entre 1960 a 1980.

Ou se calhar, também eu, já estou a envelhecer...

Com os meus melhores cumprimentos,

Cherno Baldé
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Guiné 63/74 - P9637: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (9): Comentário de António J. Pereira da Costa ao documento de Carlos Filipe

1. Ainda a propósito do documento do camarada Carlos Filipe publicado no nosso Blogue (P9602*), o editor Luís Graça pediu uma análise/comentário ao outro nosso camarada António José Pereira da Costa, Coronel Reformado (ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69 e ex-Capitão de Art.ª e CMDT da CART 3494/BART 3873, Mansabá, Xime e Mansambo, 1972/74). Publicamos agora a sua resposta:

Camaradas
Este documento parece-me o rascunho da acta da reunião.
Parece-me ser "autêntico", isto é, produzido em 29JUL74. Não estando assinado é difícil ir mais longe.

Como nele se vê, são tratados diversos temas e não apenas a questão dos BCmds.
O PAIGC parece querer assumir o controlo do Batalhão e saber, de antemão, que a FLING não é nada mas interessa-lhe que ela seja qualquer coisa...

É evidente o clima desconfiança reinante no Batalhão. Uns ainda pensavam que o PAIGC estaria disposto a integrá-los na sociedade e a esquecer o sucedido. Daí a referência aos cursos de formação profissional acelerada (impossíveis, como se sabe). Outros adivinhavam que isso não sucederia e que maus tempos estavam para chegar.

O PAICG assume realmente que alguns elementos do Batalhão eram socialmente irrecuperáveis. Para além do Marcelino não há mais nomes, talvez porque tinha havido uma reunião como os oficiais do BCmds e o Partido não se quereria referir a eles abertamente.

Contudo, como se vê, não há a menor intenção do PAIGC de que os constituintes do BCmds fossem considerados como portugueses, o que implicaria a sua expulsão imediata do país e, mais que provável, perda de nacionalidade.

Por mim, e doa a quem doer, o PAIGC agiu de má fé. Ao pretender desarmar o BCmds queria simplesmente anular uma muito possível rebelião (muito sangrenta, mas destinada ao fracasso), atitude que se pode considerar como normal numa força política que ascende ao poder, descobrindo que agora é que os seus problemas iam começar, a sério.

Numa segunda fase trataria - como o fez - de os eliminar, social ou mesmo fisicamente. Não creio que "a população" estivesse interessada em hostilizar ou maltratar o pessoal do BCmds. A generalidade da população tinha mais em que pensar do que andar à "caça ao comando". Só excepcionalmente poderiam surgir situações de violência entre elementos do BCmds e pequenos grupos ou elementos isolados da população.

Para mim, esta foi uma consequência (sempre previsível) da "guineização da guerra". Em qualquer situação semelhante, há sempre uma boa parte da população de um país que está na oposição à força vencedora, ou porque "colaborou com o inimigo" ou "recebeu apoio dele". São os vencidos das guerras civis ou os colaboracionistas. Mesmo quando há uma "reconciliação" (e tantas tem havido) há sempre "dificuldades de integração" que a historiografia normalmente esquece, por não merecer investigação e ter pouco valor como tema para a literatura...

Finalmente acho estranhíssimo que este documento tenha sido encontrado no emissor da Buraca da RR. Como terá ele ido lá parar? Com que fim? Simples curiosidade do possuidor que, depois, sentiu os dedos a queimar e largou? Foi bom que não se tenha perdido. Creio que o AHM deverá ser depositário deste e doutros documentos similares que por aí andam.

Quando penso na quantidade de arquivos das Companhias e Batalhões que hoje não conseguimos localizar, pergunto-me para onde poderão ter ido. Posso admitir que a documentação das ultimas unidades se possa ter "perdido" ou ter sido elaborada com muito menos cuidado, mas relativamente às mais antigas, não entendo. De posse dessa documentação poderíamos desenvolver estudos que nos permitiriam reconstituir coisas tão complexas como a evolução táctica no "nosso" sector. Enfim procuremos...

Um Abraço e peço desculpa por me ter alargado
António José Pereira da Costa
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 13 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9602: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (4): Documentação referente a negociações entre Portugal e o PAIGC com vista à desmobilização das tropas africanas que combateram por Portugal (Carlos Filipe)

Vd. último poste da série de 21 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9634: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (6): Os Oficiais do Corpo do Estado Maior (CEM) no TO da Guiné em 1973/74 (Luís Gonçalves Vaz)

Guiné 63/74 - P9636: Efemérides (85): Operação Ebro, realizada a 22 ou 23 de Março de 1965 (António Bastos)

1. Mensagem do nosso camarada António Bastos*, ex-1.º Cabo do Pel Caç Ind 953, Teixeira Pinto e Farim, 1964/66, com data de 13 de Março de 2012:

Companheiro Carlos boa noite,
Dia 22 de Março ou 23 faz quarenta e sete anos que o meu Pelotão 953 tomou parte da operação "EBRO" - ocupação de Canjambari Praça.

Tomaram parte nesta invasão: CCav 488, um GCOMB da CCav 487, Pel Caç 953, Pel Fox 693, Pel Daimler 810, Pel Sapadores da CCS do BCAV 490, o Pel Mil 5 e um GCOMB da 1.ª CCaç Africanos. A comandar a operação ia o então Tenente Coronel Cavaleiro.

Este foi o dia do meu batismo de fogo, já estava há sete meses a fazer turismo no Cacheu.

Sobre as datas, eu no meu diário escrevi 23, mas na História do Batalhão 490 está 22. Não sei se foi lapso meu na altura.

Esta foto foi tirada momentos antes do rebentamento de uma mina anticarro que destruiria uma viatura GMC

Esta foto foi tirada minutos antes de rebentar a emboscada. A secção que ia na frente deixou de ouvir os pássaros e os macacos, e fez alto à coluna. Logo a seguir ficava a bolanha e depois uma grande árvore atravessada na estrada onde eles diziam que era a porta de armas. Aí a secção começou a embrulhar.

Fotos do "Hotel de Canjambari Morcunda" onde eu passei 13 meses, sempre a ver as mesmas caras, pois na altura não havia população. Depois fomos agraciados com dois meses em Jumbembem. O aquartelamento de Canjambari foi todo feito por nós, Pelotão 953, e um pelotão da 1.ª CCaç Africanos, inclusive até a pista foi feita por nós, tudo à força dos braços, a Engenharia não pôs lá os pés.

Um abraço para ti, e extensivo a toda a tabanca.
António Paulo S. Bastos
Ex-1.º Cabo
Pel Caç Ind 953
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 12 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8897: Filhos do vento (11): A filha da minha lavadeira (António Bastos)

Vd. último poste da série de 30 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9290: Efemérides (62): A CART 3521 chegou à Guiné no dia 29 de Dezembro de 1971 (Adriano Neto)

quarta-feira, 21 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9635: O tempo que ninguém queria (António Eduardo Ferreira) (3): De Mansambo para Cobumba

1. Terceiro capítulo do trabalho do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74), intitulado O tempo que ninguém queria:

O TEMPO QUE NINGUÉM QUERIA (3)

DE MANSAMBO PARA COBUMBA

O pior da nossa comissão estava para vir. No fim de Março, a nossa Companhia foi informada que íamos ser transferidos para Cobumba, nome para nós desconhecido, mas logo nos disseram que ficava na zona sul próximo do Cantanhez, e estava tudo dito, uma das piores zonas de guerra na Guiné.

Deixamos Mansambo, e depois de cerca de uma semana em Fá Mandinga e mais três ou quatro dias em Bissau. Era chegado o dia de rumarmos ao Sul na LDG que nos haveria de levar até Cobumba. Iniciamos a viagem ao começo da tarde do dia 7 de Abril de 1973, sábado, acompanhados daquilo que era indispensável para início da nossa instalação no terreno. Ao anoitecer chegamos algures à foz do rio Cumbijã e ali tivemos de ficar o resto da noite. Ao mesmo tempo que a LDG parava, levantou-se uma trovoada violentíssima ao ponto de ficarmos todos assustados com a agitação do mar que até aí tinha sido de calma absoluta, depois dos marinheiros terem descido as âncoras e a trovoada acalmar, passamos uma noite com a normalidade possível.

No dia seguinte fizemos o resto da viagem rio acima acompanhados por um navio patrulha da Armada até Cobumba, sitio onde nunca tinha estado aquartelada tropa portuguesa. Chegamos ao inicio da tarde, estava na região muita tropa especial (Paraquedistas) mantendo segurança ao nosso desembarque. À medida que as quatro viaturas que levávamos (duas Berliet e dois Unimog 404) iam saindo da LDG, eram carregadas e seguiam fazendo uma pequena viagem de cerca de quatrocentos metros onde eram descarregadas.


Localização de Cobumba no itinerário Bedanda/Estrada de Catió

As viaturas tinham sido dias antes levantadas em Bissau por quatro condutores que para esse efeito tinham saído mais cedo da Companhia. Durante a descarga foram esses condutores a manobrar as viaturas (eu não indo a conduzir fui um dos que foram nas primeiras quatro carradas), à medida que descarregavam voltariam ao rio para novo carregamento. 

Sendo eu o condutor que naquele momento estava mais próximo da primeira que descarregou, o Capitão, Comandante da Companhia, disse-me para eu seguir com ela para o cais, tendo eu perguntado ao condutor que fizera o primeiro trajecto se ele queria que eu fosse ao rio, respondendo-me que não, que ia ele. Com toda aquela confusão nem sequer pensávamos em minas, pois a estrada teria sido supostamente bem picada e já tinham passado as quatro viaturas uma vez.

O condutor Cabral, e o Varela das Transmissões eram os únicos ocupantes que seguiam na viatura de regresso ao rio, percorreram cerca de trinta ou quarenta metros e a viatura accionou uma mina, que pelo estrago feito talvez fosse anti-pessoal, mas mesmo assim ficou alguns dias inutilizada, tendo o Cabral e o Varela ficado feridos, voltado logo para Bissau, rumo ao Hospital Militar num helicóptero que passados poucos momentos chegou ao local. 

O Varela não tendo nada de grave no dia seguinte voltou para a Companhia, o Cabral não mais voltou, foi ferido com gravidade numa vista tendo sido enviado para o Hospital Militar Principal de Lisboa.

O desembarque do resto do pessoal e de carga continuou, mas com atenção redobrada dado as coisas começarem a correr mal logo de início, o resto da operação de desembarque decorreu sem sobressaltos de maior. 

Na primeira noite a Companhia ficou toda no mesmo sitio. Na manhã do dia seguinte quase toda a formação:criptos,  radiotelegrafistas, condutores, padeiros, mecânicos, enfermeiros, alguns elementos de transmissões, uma secção de artilharia tendo a seu cargo o morteiro de 107 milímetros, o Comando da Companhia e mais dois pelotões de atiradores, foram instalar-se a cerca de quatrocentos metros. Os outros dois pelotões ficaram no mesmo sitio, assim como uma secção de especialistas de armas pesadas tendo como função ocupar-se de um canhão sem recuo, a precisar de reforma.

A cerca de trezentos metros do pessoal da nossa Companhia estavam mais dois pelotões que estando connosco pertenciam a outra Companhia, ou seja, estávamos distribuídos em três sítios formando um triângulo separados por poucas centenas de metros, um desses três era como que o equivalente à CCS do Batalhão já que aí se situava o Comando da Companhia, e quase toda a formação.

Depois foi instalarmo-nos o melhor possível o que não foi fácil, estávamos habituados a ter luz, abrigos com alguma segurança e menos guerra, ali tudo era diferente, houve que fazer valas apressadamente, montar tendas, fazer um forno para cozer o pão, tendo sempre como companhia a inseparável G3. 

No primeiro mês o PAIGC não nos incomodou… durante esse tempo foram feitos outros trabalhos, mas aquela calma… deixava antever qualquer coisa que nós não sabíamos muito bem o que seria!

Entretanto conforme estava previsto vim a segunda vez de férias à Metrópole; numa zona sem vias de comunicações viárias, isolada com guerra por todos os lados, restava-nos fazer o trajecto pelo rio ou via aérea «mas pelo ar só em casos especiais», e lá fui numa coluna de pequenos barcos de fibra,  os “Sintex”, até ao aquartelamento de Cufar, onde existia uma pista de aviação, creio ser a melhor do sul da Guiné. 

No mesmo dia embarquei num avião Nordatlas até Bissau, foi a aeronave mais barulhenta das sete em que viajei durante o meu tempo de guerra que foram: o DC 6, o Dakota, a avioneta DO 27, o Boeing 727, o Nordatlas, o Helicóptero, e o Boeing 707, que nos trouxe de regresso à metrópole no final da comissão.

Passados dois dias em Bissau, embarquei em Bissalanca rumo a Lisboa onde cheguei ao cair da noite, se da primeira vez que vim de férias o meu pensamento estava quase sempre no dia em que teria de regressar a África, agora a confusão era ainda maior; mesmo junto da minha esposa e do meu filho muitas vezes a minha ausência era quase total, foi um tempo de tal confusão que quase nada me lembro daquilo que por essa altura terá acontecido.

Se da primeira vez conhecia bem o sitio para onde iria voltar; da segunda apenas sabia ir para uma das zonas de maior actividade operacional do IN. Ainda bem que durante as férias não tive qualquer noticia daquilo que por lá se passava, pois se tal tivesse acontecido a partida teria sido ainda mais dolorosa.

Terminadas as férias lá fui uma vez mais rumo a Bissau onde cheguei ao fim da manhã, no mesmo dia tive transporte para Cufar e de novo no barulhento Nordatlas, como os homens por mais que fossem eram sempre poucos naquela zona, à tardinha arranjaram-me boleia para Cobumba, desta vez de helicóptero com uma breve passagem por Bedanda, onde o heli que me levava se manteve no ar enquanto o heli-canhão foi a terra, cheguei a Cobumba ao fim do dia.

Ao chegar, ainda no ar, tive oportunidade de ver que muito havia mudado durante o tempo que eu estivera fora, as muitas árvores que ali existiam tinham sido quase todas derrubadas, muita terra mexida, abrigos subterrâneos que começavam a ser feitos, tudo estava diferente. 

Ao chegar a terra era grande a curiosidade que tinha em saber o que teria por ali acontecido durante a minha ausência, e, não era menor a vontade que os meus camaradas tinham de me pôr ao corrente de tudo que tinha mudado, e que não tinha sido pouco.

E o que tinha acontecido durante a minha ausência, é que, a acalmia dos primeiros dias tinha sido quebrada com enorme violência, quando certo dia pela madrugada o inimigo se infiltrou dentro do triângulo que era formado pela disposição das nossas forças no terreno, onde existiam muitas árvores que lhe serviram de abrigo, e estando eles no meio das nossas tropas e muito perto, a poucos metros, foi necessário ter muito cuidado em particular das nossas armas pesadas para não sermos nós a bombardear as nossas próprias forças, terá durado esse ataque cerca de duas horas junto ao “arame” que nessa altura ainda não havia. 

Mas como em tudo na vida também na guerra havia momentos de sorte, e apesar da violência do ataque, dos nossos apenas um militar que estava na nossa Companhia acidentalmente ficou ligeiramente ferido (pertencia à Engenharia sediada em Bissau e tinha ido acompanhar material), do lado do inimigo segundo informações posteriores, terão tido várias baixas. Isto de estar tanto tempo debaixo de fogo não é coisa que se deseje a ninguém, só quem por lá passou pode fazer ideia do que isso era.

Durante as primeiras semanas foram levantadas várias minas próximo do sitio onde passámos a primeira noite, para sorte nossa estavam uns metros mais ao lado, talvez o sitio onde o inimigo pensasse que íamos acampar, o furriel que levantou essas minas assim como outras que entretanto vieram a ser colocadas, viria a ser uma das baixas da nossa Companhia, vitima dum acidente estúpido como são quase todos os acidentes.

Nessa altura ainda as valas eram de certo modo improvisadas, e abrigos só os destinados às comunicações, era pouca a luz eléctrica que havia, fornecida por um pequeno gerador que quase não iluminava a zona circundante de um dos três sítios em que estávamos sediados. 

Foi a partir desse ataque quase corpo a corpo que tudo se alterou, as árvores que tinham servido de abrigo ao inimigo foram quase todas deitadas abaixo, valas mais organizadas foram feitas, todos passamos a dormir em abrigos que tivemos de ser nós a fazer.

Para que o buraco a abrir tivesse mais segurança tinha de ser pequeno, assim juntaram-se dois ou três e cavavam até que coubessem de pé, depois era coberto com troncos de palmeiras e com cerca de um metro de terra por cima. 

Eu e outro condutor, o meu amigo Cruz, abrimos o nosso abrigo, se não tem sido o incidente do primeiro dia certamente também o Cabral faria parte do nosso grupo de abrigo. Durante a abertura sofri um ataque, não de fogo inimigo mas sim de abelhas, presumo que estivessem na terra entretanto remexida, pois apenas as vi quando começaram a espalhar sobre mim ferrões sem dó nem piedade, a minha primeira reacção foi meter-me debaixo de um chuveiro improvisado que nós tínhamos, três barris em cima de um cajueiro, mas elas não me deixavam, foi então que comecei a correr pelo meio do capim e só assim me vi livre delas.

Mas a tormenta não terminou ai, é que a tenda que servia de enfermaria ficou cheia de abelhas, e o enfermeiro que estava por perto enquanto viu por ali uma abelha não me quis ir tratar, com muita sorte minha não sou alérgico às ferroadas! Quando as abelhas abalaram lá veio o enfermeiro que me retirou cerca de trinta ferrões do rosto, dos quais sete estavam numa orelha, para além das dores que senti que foram muitas, não provocaram qualquer inflamação, mesmo a esta distância no tempo, ainda não esqueci a actuação menos própria do enfermeiro, coisa rara entre camaradas, mas mesmo em situações de guerra há sempre alguém que...

Depois de feito o abrigo era tempo de nos organizarmos, aproveitando alguma madeira que por lá havia fizemos cada um a sua cama onde colocamos o colchão de campanha que tinha sido distribuído a todos os elementos da Companhia, só que, o meu durante o tempo em que dormi no chão rompeu dois dos cinco canos de ar que o compunham, a almofada era independente, como não podia dormir assim, foi necessário vazar os três que ainda tinham ar e ficar só com a almofada. No sitio do colchão estava uma manta dobrada, e assim tive de dormir durante os quase nove meses que lá estivemos, dentro do abrigo tínhamos como companhia a G3,  os cinco carregadores, e mais um cunhete com mil munições.

O trabalho dos condutores era quase nada, tínhamos pouco mais de um quilómetro de picada para percorrer desde as nossas instalações até ao rio, à medida que o tempo ia passando também as viaturas que tínhamos eram cada vez menos, a primeira a ficar inutilizada definitivamente foi uma Berliet. 

A comida era feita para toda a Companhia no mesmo local e depois transportada para o sitio onde estavam os outros elementos. Certo dia seguiam na viatura o condutor e um cozinheiro levar o café, era madrugada, porque estava previsto uma saída das nossas tropas, o que não viria a acontecer, porque uma mina rebentou fazendo ir pelos ares a viatura e os dois ocupantes, e claro o pequeno almoço que eles iam levar.

Mas uma vez mais a sorte esteve connosco, perdeu-se a viatura mas os ocupantes sofreram apenas o susto e já não foi pouco, o condutor foi o mesmo que em Mansambo conduzia a viatura que accionou a primeira mina das várias com que fomos contemplados, onde o furriel Ferreira perdeu um pé, - de seu nome José de Sousa

A viatura que tinha accionado a primeira mina em Cobumba, se da primeira vez foi possível ser recuperada, à segunda já não; ficou completamente destruída, ao accionar mais uma mina dentro do arame junto a casas que andávamos a construir para a população, por essa altura já o PAIGC possuía os mísseis Strela com que tinha abatido várias aeronaves, era a terceira mina a ser accionada em Cobumba e também a que fez mais estragos, para além da perda da viatura houve três feridos graves. 

Como de costume foi pedido uma evacuação urgente via rádio, ficando nós à espera que não demorasse muito tempo, como normalmente acontecia, mas com a introdução dos Strela na guerra tudo se alterou; os nossos camaradas feridos estiveram no local onde supostamente o helicóptero os ia buscar, cerca de três horas! A mina rebentou por volta das duas horas da tarde, já passava das cinco quando de Bissau informaram que a evacuação tinha que ser feita em Cufar, depois de toda aquela espera foi necessário organizar uma coluna via rio Cumbijã com os nossos três barcos, e com o apoio dos fuzileiros que estavam próximo de nós, no Chugué. 

Era já noite quando a evacuação se efectuou, não de helicóptero como era costume, mas sim de outra aeronave que suponho ter sido um Nordatlas.

Era já tarde quando o pessoal e barcos utilizados na evacuação regressaram, se o nosso moral era já muito baixo, a partir dai ficou de rastos, todos pensávamos que um de nós poderia ser a próxima vitima do novo rumo que a guerra tinha tomado, necessitar de ser evacuado e não ser possível em tempo útil.

Das quatro viaturas que tínhamos, duas já estavam inutilizadas, mais ou menos de oito em oito dias estávamos de serviço de condução, o resto dos dias era esperar que o tempo passasse, quase sempre por perto dos abrigos. Todas as noites tínhamos de fazer reforço, o primeiro turno era apenas feito por um militar, os outros eram feitos a dois, a zona era tão má que não podíamos facilitar em nada, como éramos poucos, até os furriéis tinham de fazer reforços, e, contrariamente ao que estavam habituados, ir como nós à cozinha buscar a comida, pois ali tudo era diferente.

A razão que nos levava a estar sempre perto dos abrigos é que as flagelações à distância de quando em vez aconteciam, e a qualquer hora, mas mais grave ainda é que eram muitos os aquartelamentos ou acampamentos na zona, e no inicio dos bombardeamentos não sabíamos a quem se destinavam, só depois de começarem os rebentamentos, e de informações via rádio ficávamos a saber quem eram os destinatários.

Em Cobumba quase todos usávamos chinelos de plástico, quando começava um ataque e tínhamos de fugir para os abrigos, perdíamos logo os chinelos. A correr sem ser a medo nunca os perdíamos. Era mais um passatempo que tínhamos, depois da “festa” acabar havia que procurar onde estariam os chinelos.

Os ataques do IN por vezes tinham também como objectivo desmoralizar as nossas tropas, pois chegavam a disparar duas ou três vezes o RPG, uma ou duas morteiradas e depois paravam. De realçar que a zona onde nos encontrávamos era terra do PAIGC. Algumas vezes nem sequer respondíamos às provocações ou respondíamos na mesma medida.

Certo dia apareceu uma mulher com uma galinha para vender, coisa rara naquelas paragens, pois por ali o povo não estava connosco. Passado este tempo chego a pensar se a galinha não terá sido um pretexto para fazer algum reconhecimento atendendo ao que a seguir se passou.

Alguns de nós condutores compramos a galinha, e claro, fomos logo tratar de a pôr a jeito de ir para a frigideira. Ainda que funcionasse poucas vezes, tínhamos uma máquina a petróleo que o condutor Cruz logo se prontificou para pôr a trabalhar para fritar a galinha. 

Estava a começar a aquecer o azeite, começam a cair algumas morteiradas, há que deixar a galinha e fugir para o abrigo, mas o fogo foi pouco e sem consequências. O Cruz volta ao trabalho, estava a pôr os primeiros pedaços na frigideira volta a haver mais fogo, uma vez mais tudo para os abrigos, o Cruz começava a ficar impaciente, o fogo inimigo voltou a ser pouco, as nossas armas pesadas respondiam de igual forma, esperamos mais algum tempo tudo se calou e nós pensamos que para aquele dia já chegava,mas bem nos enganamos. 

O cozinheiro voltou ao serviço convencido que desta é que era, mal começa a pôr a máquina a trabalhar nova flagelação, desta vez com um míssil à mistura e mais umas poucas morteiradas, e como sempre todos a fugir para os abrigos, daquela vez as nossa artilharia creio que nem respondeu ao fogo do IN. O Cruz bastante aborrecido com a situação decidiu, agora ataquem mais ou não, eu é que não saio daqui enquanto não fritar a galinha! E desta vez pararam mesmo, mas só naquele dia, que a festa haveria de continuar quando eles entendessem.

Por essa altura ainda tínhamos duas viaturas operacionais. Certo dia à tardinha o furriel mecânico, acabado de chegar de férias da Metrópole, foi dar uma voltinha com uma Berliet. Andou cerca de quinhentos metros, estava uma mina na picada que o fez ir pelos ares, mas também desta vez com sorte, a viatura ficou destruída mas ele apanhou apenas um grande susto, o que não foi nada que ele não merecesse. 

Em Mansambo, quando tínhamos muitas viaturas e percorríamos muitos quilómetros, víamos condutores de outras Companhias que debaixo e em volta dos bancos traziam vários sacos com areia, tendo em vista proteger um pouco o possível impacto do rebentamento das minas a que estávamos sempre sujeitos, mais que não fosse do ponto de vista psicológico protegia-nos. Pois o nosso furriel mecânico não autorizava que puséssemos esses sacos!...

A partir dessa altura ficamos apenas com uma viatura operacional, o serviço dos condutores era cada vez menos, em boa verdade também não podíamos ser sujeitos a grandes esforços físicos, pois a alimentação a que estávamos sujeitos não permitia que tal acontecesse. 

À medida que o tempo passava mais difícil se tornava o abastecimento de géneros alimentares. Até parece mentira mas não é, houve um dia em que o almoço foi arroz cozido acompanhado com marmelada, e no local que servia de cantina, não havia nada que pudéssemos comprar.

Não havia bicho que chegasse ao arame que escapasse. Certo dia, um que os nativos diziam ser gato foi atraído à luz durante a noite tendo sido abatido, mais parecia ser um cão na fisionomia, mas pouco importou se era cão ou gato, o destino foi ser assado com batatas no forno dos padeiros. 

De outra vez foram os nativos que mataram uma cobra muito grande para lhe tirarem a pele, mas logo houve alguém que achou por bem não desperdiçar tal manjar, e também a cobra foi parar ao forno. Eu não consegui comer mas lá que o petisco parecia estar bom isso parecia. Outro dia foi a vez de esquilo guisado com batatas, dessa vez também eu quis provar, ainda pus um bocado na boca mas não o consegui comer.

A pouco mais de um mês de abandonarmos Cobumba, num dia em que eu estava de condutor de serviço com a única viatura que tínhamos operacional, os picadores como era costume fizeram a picagem do trajecto que eu depois teria de percorrer onde detectaram uma potente mina anti-carro, que foi levantada pelo Furriel Trindade o homem encarregado de fazer esse trabalho. Ao contrário de outras que foram accionadas no local, essa foi levada para a nossa arrecadação onde estava muito material relacionado com a construção, enxadas, picaretas, pregos e outro material, parte dessa arrecadação servia também de depósito de géneros alimentares, onde se encontravam umas dezenas de sacos de farinha para cozer pão. No que à alimentação diz respeito o pão foi a única coisa sempre boa.

Uma tarde, passados três dias após o levantamento da mina, estavam três militares junto do local onde ela se encontrava. Nunca ninguém soube o que se terá passado, o certo é que ouvimos um estrondo enorme, nos primeiros instantes chegámos a pensar que teria caído por ali algum foguetão, mas não, depressa encontramos a causa, a mina que tinha sido levantada dias antes, tinha explodido e feito desaparecer as instalações, ferindo gravemente os três homens que lá se encontravam, que viriam a ser evacuados para o Hospital Militar em Bissau.

Na manhã do dia seguinte recebemos a noticia que dois tinham falecido, o Furriel Galeano e um soldado do 2.º Pelotão cujo nome já não me recordo, o outro esteve cerca de um mês no hospital, vindo ainda a tempo de regressar à Companhia que passados poucos dias regressava a Bissau. 

Foi terrível o que aconteceu, mas podia ter sido ainda pior, do lado que servia de depósito de géneros, separados apenas por umas chapas, estavam mais quatro homens a jogar as cartas, tiveram a sorte de estar encostados a uma pilha de sacos cheios de farinha, que amorteceu o impacto e só por isso a tragédia não foi maior.

Faltavam poucos dias para sairmos de Cobumba sofremos mais um violento ataque que durou cerca de trinta minutos, que pareceram horas, em que o inimigo utilizou várias armas: o morteiro 82, o canhão sem-recuo, o RPG 7 entre outras, mas uma vez mais a sorte esteve connosco, apesar da precisão do bombardeamento pois caíram várias granadas dentro do aquartelamento, e junto há picada que só por sorte ainda não estávamos a percorrer. 

Apenas tivemos dois feridos ligeiros, vitimas do rebentamento de uma granada de RPG7, eram os apontadores do nosso canhão sem-recuo que ao introduzirem a primeira granada ficaram logo inoperacionais. Houve uma vitima mortal, uma mulher da população.

Nesse dia também eu estava de serviço de condução, já tinha tomado banho, tomava banho normalmente três vezes ao dia , havia pessoal nosso que tinha ido a Cufar, como de costume via rio Cumbijã, e nós tínhamos de os ir levar e buscar ao rio assim como aos barcos. Era fim da tarde, estávamos no cais à espera que eles chegassem, ao mesmo tempo que a aviação bombardeava não muito longe de nós, ainda os Fiat iam a caminho de Bissau, já estávamos a ser bombardeados, o que levou alguns a pensar que seria ainda a nossa aviação a bombardear, mas não, era mesmo Cobumba que estava a ser atacada, o rio naquela altura estava com a maré baixa cerca de três ou quatro metros, muitos de nós tentamos abrir buracos no lodo deixado pelo baixar da maré para nos protegermos, se é que isso ajudava alguma coisa, mas era o que nos restava fazer, mas as granadas mais próximas caíram a cerca de cem metros de nós.

Passados alguns dias chegou a Companhia que nos foi render a Cobumba. Durante o tempo em que estivemos com os “piras”., cerca de dez dias, fomos atacados uma vez, para eles era o baptismo de fogo, mas também desta vez apesar de nos mandarem alguns foguetões à mistura não nos causaram qualquer dano, a não ser algumas pisadelas pois os abrigos onde nos abrigávamos, durante este ataque ficaram com o dobro da lotação.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9623: O tempo que ninguém queria (António Eduardo Ferreira) (2): De Bissau para Mansambo