quinta-feira, 22 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9640: Nós da memória (Torcato Mendonça) (15): Corpo di Bó? - Fotos falantes IV





1. Texto e Fotos Falantes (IV Série) do nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69) para integrar os seus "Nós da memória".





NÓS DA MEMÓRIA - 15
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

11 – Corpo di Bó ? Fotos – 27;28;29;30 –

Para tratarmos o corpo era necessária uma boa alimentação. Falhava.
As Forças Armadas não tinham Nutricionistas e, menos ainda, militares entendidos na alimentação para um Quartel na zona do Porto, Timor ou na Guiné. Assim era natural que a nossa alimentação falhasse, apesar de sermos abastecidos por terra, “mar” e ar. Aqui “mar” era o Rio Geba. Os barcos, da Manutenção Militar, sulcavam as suas águas, de quando em vez revoltas pelos macaréus programados e descarregavam, no Xime ou Bambadinca, toneladas de alimentos para tanta gente.

De quando em vez, muito raramente, tínhamos rancho melhorado. Um “héli” podia trazer-nos frescos (vegetais, peixe, carne). Esses, vindos do ar, eram consumíveis e consumidos com gosto e apetite voraz.

Outros frescos que íamos buscar a Bambadinca, não eram tão fiáveis mas marchavam. Havia ainda uma ou outra vaca trazida de Sonaco. Aí estão as fotos a atestarem o tratamento que era dado a essas amigas. Eram consumidas com rapidez. Aquele calor incomodava tudo. Até a carne de vaca não o tolerava bem.

Acabadas estas excepções à alimentação voltávamos ao habitual. Aí estava feijão (em cinco, cinco, qualidades), conservas diversas, chispe holandês (rosado, como as naturais daqueles lados depois de um dia de Sol no Algarve), dobrada liofilizada, salsichas, arroz e mais arroz.

Era o eterno círculo vicioso do cardápio ou do menu dos almoços e jantares. A alimentação era igual para todos.

Nas Tabancas, estadias de um mês nas em autodefesas, podia ser pior. Contudo, de quando em vez aparecia uma galinha, um cabrito ou outro petisco.

Em Candamã/Áfia, raramente um caçador se aventurava noite dentro e abatia caça grossa. Se sim, lá estávamos nós a comer bife de empreitada, três ou quatro naquele dia ou no outro “ká tem”…o calor e os insectos amigo tudo estragavam. A alimentação, no outro dia, voltava ao mesmo, talvez mais leve nesse dia ou nós teríamos menos apetite.

Dias e dias a feijão com feijão-frade é aborrecido. O frade claro.

A magreza era devida ao exercício físico e prática desportiva. Eu vos contarei depois.

Mansambo > Heliporto > Abastecimento de frescos e afins

Mansambo > Vaca de Sonaco quase no tacho ou panela, sem política

Mansambo > Em preparação

Texto e fotos ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9601: Nós da memória (Torcato Mendonça) (14): O percevejo e o flautista - Fotos falantes IV

3 comentários:

Luís Graça disse...

Na minha terra, diz-se: "Sou mais peixeiro do que carneiro (ou carniceiro)"...

Na Guiné, em geral, e em Mansambo, em particular, peixe cá tem, carne cá tem...

No Rio Udunduma, apanhavámos peixe à granada!... Mas aquilo sabia a "bolanha"... Nem sei se cheguei alguma vez a provar!... Preconceitos!...

Também tive o teu problema de fartura de alimentos, no dia do reabastecimento, e fome nos restantes, porque arca frigorifica cá tem... (Tratava-se de uma tabanca em autodefesa). Lembro-me de comer cinco quilos de fiambre dinamarquês durante um ou dois dias (no máximo!)... Eu e o radiotelegrafista, arranchados... O resto da malta, africana, desarranchada e muçulmana, não tocava na "carne de porco"... O resto foi para os cães que devem ter rebentado de fartura... (Já agora, não sei se os cães dos fulas comiam fiambre...).

É verdade, e aguentámos... Anos e anos... Não sei se os filhos do Mc Donald's aguentavam... Quero eu dizer: a geração dos nossos filhos e netos... que já perdeu o sabor da dieta mediterrânica...

Mas a capacidade de adaptação e de sofrimento, a par da imaginação, do ser humano é espantosa...

Dou-te os parabéns por teres desencantado mais estas fotos falantes, as da série IV... Que grande mina, a de Mansambo!

Um xicoração. Luís Graça

Luís Graça disse...

Last but not the least... Por fim, mas não menos importante: tal como o PAIGC tinha um exército de camponeses balantas, homens do mato por excelência, o nosso exército era em grande parte de estrato rural: gente não só habituada à dureza da vida do campo, desde pequeninos, como também com polivalência em matérias de artes e ofícios: picheleiros, ramadeiros, carpinteiros, cavadores, mineiros, mecânicos, trolhas, calafates, lenhadores, pastores, pescadores, magarefes...(Sem esquecer os "azeiteiros", esses, da cidade!)...

Luís Graça disse...

Será que este país mudou assim tanto, desde os Descobrimentos até ao início da guerra colonial ? Está por fazer o "perfil sociográfico" do nosso exército em África...

Em 1537 os "burgueses" do Porto, representados, na Misericórdia do Porto, os "irmãos, oficiais mecânicos", a gente dos ofícios, vinha destas proveniências:

Alfaiate
Anzoleiro
Barbeiro
Boticário
Cabeiro
Caixeiro
Calceteiro
Caldeireiro
Canastreiro
Carpinteiro
Cerieiro
Cirurgião
Correeiro
Cutileiro
Esteireiro
Ferreiro
Latoeiro
Livreiro
Luveiro
Mercador
Ourives
Picheleiro
Pintor
Pescador
Sangrador
Sapateiro
Serralheiro
Sombreireiro
Surrador
Tanoeiro
Torcedor de seda
... e ainda:
Carcereiro
Cidadão
Clero
Comendatário
Criado
Doutor
Licenciado
Sargento
Vedor da Fazenda
...


Haveria na época um total de 204 confrades, metade dos quais tinha que ser "gente dos ofícios", e outra metade "gente de melhor condição" (clero, nobreza)o núm, de acordo com a natureza interclassista das misericórdias...

No número destes "humildes mesteirais" (sic), destacavam-se os:

Sapateiros (26),
Alfaiates (11),
Cutileiros (8),
Tanoeiros (8),
Cabeiros (7),
Sombreireiros (5),
Boticários, Cirurgiões e Sangradores (6), além de muitos outros ofícios, a maior parte dos quais já desaparecidos (anzoleiro, canastreiro, cerieiro, esteireiro, surrador, torcedor de seda, etc.).

Fonte:

http://www.ensp.unl.pt/lgraca/textos70.html