quinta-feira, 22 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9638: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (33): Lembrando os meus amigos da CCAÇ 3549... e discorrendo sobre o meu pessimismo crónico (Cherno Baldé)

1. Comentário de  Cherno Baldé, com data de 19 de março, ao poste P9617 [, Foto do Cherno, à direita, quando jovem estudante universitário, em 1989, na Ucrânia, ex-URSS]:

Caro José Cortes,

Aproveito esta oportunidade para felicitar a CCAÇ 3549,  "Deixós Poisar",  por mais um encontro-convívio entre velhos amigos de Fajonquito. Só lamento não poder estar lá, desta vez, sempre na esperança de um dia poder participar e abraçar os meus velhos amigos. 


Assim na impossibilidade de o fazer pessoalmente, rogo-te, caro amigo, que sejas o portador de uma mensagem de amizade e de fraternidade para com todos os camaradas da companhia que estarão presentes em Vizela,  da parte dos filhos e amigos de Fajonquito que nunca deixaram de pensar neles, desejando longa vida e felicidades sempre na esperança de um dia poder reencontrá-los e matar saudades.

Um grande abraco para ti e lembranças aos meus amigos condutores: Mandinga, Torres, Celestino, Sérgio e Magalhães; ao Cunha, Esteves, Oscar (3º  pelotão), Marques (Cabo do 2º pelotao),  Fininho e Gonçalves. Cherno Baldé. 



2. Resposta, de 29 de fevereiro último, do Cherno Baldé [, foto atual, à esquerda, no seu gabinete de trabalho, no Ministério das Infraestruturas, Transportes e Comunicações, em Bissau, onde exerce as funções de diretor do gabinete de estudos e planeamento], ao um mail meu, do dia 27: 

["Cherno, meu amigo e irmão: Tens toda a razão...O título é 'enviesado'... Substitui 'amargura' por 'lealdade'... Como sociólogo, tenho como princípio nunca  confundir as 'elites' com o 'povo'... Mas fazemos isso, ao falar dos 'fulas', dos 'tugas', etc. Fica bem, em paz, com saúde... Aprecio a tua sinceridade... Mas tenho-te achado, nestes últimos tempos,  mais amargo, mais desencantado... Podes ser franco comigo... Luís]

Caro amigo e irmão Luis Graça,

Amargo e desencantado e, acrescento, pessimista... É  o que eu sempre fui na vida, senão como seria o rafeiro, a  como eu próprio me auto-intitulo ?!

Se puderes imaginar, por um instante so, o que significa ser rafeiro, então facilmente poderás compreender-me. Mas atenção, ser rafeiro para mim, não é o mesmo que ser cão. Este último orienta o seu faro e intelecto mais no sentido de encher a barriga e saciar a fome, e é muito egoista enquanto que o primeiro, mesmo se precisa de sobreviver, está ao servico de um objetivo superior, uma missão que tanto pode ter uma como várias finalidades sociais ao servico do seu amigo, do seu grupo, etc. de forma aberta, dialogante e tendo como premissa de fundo a lealdade e o respeito de certos princípios orientadores e consensuais. 

Talvez por isso, o político português que eu mais admirava era o Álvaro Cunhal, não tanto pela sua orientação ideológica, já caduca no anos 90, mas sobretudo pela força da sua convicção e perseverança, assente em princípios políticos e morais. 

Mas, confesso também que o Blogue tem sido, para mim, uma importante escola e, tendo em conta o manancial de informação que ele representa, mesmo sem querer, pode estar a provocar em mim algumas mudanças (ruturas) de sensibilidade em relação ao meio envolvente que, às vezes, se manifestam nas palavras, e como tu o dizes, não há maneira de contrariar pois não tenho dúvidas quanto à tua extraordinaria capacidade de leitura, nas entrelinhas e não só. 

Mas podes crer que, seja o que for, não será contra o tuga a quem eu aprendi a respeitar e sobre quem eu já tenho ideias fixas, velhos amores, que dificilmente vão mudar, pese embora as pequenas deceções e amarguras que vão aparecendo aqui e acolá em função de descobertas repentinas e inesperadas sobre o comportamento do corpo expedicionário português na Guiné durante a guerra (serão as tais espinhas do Blogue?), como por ex. algumas suspeitas infundadas sobre a lealdade dos aliados fulas no decorrer da guerra, os acontecimentos obscuros de Guidage envolvendo militares portugueses e tropas nativas que não estavam de acordo com a forma como a questão da independência estava a ser tratada, entre outras coisas. 

Mas a vida é assim mesmo, não é?

Por outro lado, será que há muitos motivos para que um Guineense comum, ou se se quiser, da classe média, como eu, esteja  encantado, seja doce e otimista em relação ao futuro? E, ainda mais, nós que tivemos a ousadia de, desafiando um futuro incerto, procriar filhos com a obrigaçã
o de os educar e inculcar otimismo. 

Quem quiser compreender as origens do meu pessimismo crónico, deverá fazer uma retrospetiva histórica sobre a Guiné e a minha comunidade, em particular, no período entre 1960 a 1980.

Ou se calhar, também eu, já estou a envelhecer...

Com os meus melhores cumprimentos,

Cherno Baldé
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6 comentários:

Juvenal Amado disse...

Caro Cherno

De facto não tens como nós não temos razões para muitos optimismos.
Para muitos africanos negros ou brancos, a realidade é que se está preso entre dois mundos, sendo que nenhum deles se perfila como resolução dos problemas que nos afligem.
No caso da Guiné a coisa é ainda mais difícil se tivermos em conta que a divisão étnica potencia também o poder.
Mas é assim em todo lado e se cá na vez de portugueses se nos dividíssemos entre Nortistas e Sulistas, alentejanos e beirões, então os nossos problemas seriam tão graves como aí.
Não sei se me fiz entender?
Quero dizer com isto que, enquanto não houver acima de tudo uma raça que seja só guineense, que faça esquecer as diferenças étnicas, ( um povo um país e uma bandeira) a paz e o bem estar será muito difícil.

Um abraço

Luís Graça disse...

Juvenal, querias dizer um "só povo", guineense... Não gosto da palavra "raça": é conceptual e semanticamente confusa, quiçá perigosa, e no passado foi usada para fazer muita coisa monstruosa...

Havendo só uma espécie humana ("Homo Sapiens Sapiens"), o conceito de raça não é válido, do ponto de vista da antropologia, da biologia, etc. Há um só genótipo humano, com diferentes fenótipos (pequenas diferenças, resultantes da adaptação da nossa espécie a diferentes ambientes: v.g., textura do cabelo, cor da pele, formato dos olhos...).

Chamamos também raça, indevidamente, ao grupo etnicolinguístico... (v.g., raça cigana).

Anónimo disse...

Caro Luís Graça

Acrescento

O termo "raça" para o ser humano é cientificamente incorrecto porque temos todos o mesmo genoma.
Os fenotipos é que podem ter e têm designações...caucasiano,ameríndio ou asiático e negro.
Por acaso o Homo sapiens sapiens é originário de África..e esta hem..como dizia o Fernando Pessa.
Ora sendo assim, somos todos originários de África, logo Africanos.
Quem teve origem na Europa central foi o Homo de Neanderthal,que se extinguiu,parece que era um pouco menos sapiens que o sapiens.

Um abraço

C.Martins

Juvenal Amado disse...

Caros amigos

O termo "raça" foi inadvertidamente utilizado por mim. Um termo que nem parece meu porque na verdade, raça têm os cães por etc.O termo quando utilizado por humanos teve sempre maus resultados.
O que eu queria dizer com o meu comentário, é que o povo tem se unir em volta da bandeira formando uma só nação, onde as diferenças étnica e porque não religiosas, nem sequer sejam consideradas preocupação para as populações.
Peço desculpa pelo termo utilizado, embora não o tenha feito, com intenção com que ele é normalmente utilizado que é depreciar um estrato da população.
Para mais estando eu de acordo que todos somo oriundos da mesma árvore.

Um abraço

Cherno Baldé disse...

Caro Amigo Juvenal,

O Luis tem toda a razão do mundo ao chamar-nos a atenção sobre esta perigosa questao da "raça" mas acho que toda a gente compreendeu o sentido das tuas palavras. Aliás, ainda na Guiné é comum as pessoas identificarem-se pela "raça" em lugar do grupo étnico. Dizem: Raça fula, Mandinga, Bijagô etc. Realidades e heranças de uma outra era que teimam em ficar.

Um abraço para os dois,

Cherno Baldé

Anónimo disse...

Caro camarada Juvenal

Claro que não foi entendido como conotação pejorativa.

Olha que os cães também não..ahh.aahh ,também têm todos o mesmo genoma e diferentes fenótipos.

Aliás a designação "raça" não existe em termos científicos.

Um alfa bravo

C.Martins