segunda-feira, 19 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9626: Notas de leitura (343): Testemunho, de Filinto Barros (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 17 de Fevereiro de 2012:

Queridos amigos,
Em duas circunstâncias diferentes tive a possibilidade de conviver e conhecer a personalidade de Filinto Barros, recentemente desaparecido. O Eng.º Filinto diplomou-se em Portugal, esteve, após a independência da Guiné-Bissau associado às atividades dirigentes, no PAIGC e no governo. Trabalhei na sua dependência em 1991, num projeto de cooperação relacionado com a defesa do consumidor. Em Novembro de 2010, na recolha de elementos para a conclusão do livro “A Viagem do Tangomau”, conversámos longamente. Pude avaliar a sua cultura, a sua sensatez, o seu humanismo.
Deixou um romance admirável “Kiakia Matcho”. O livro “Testemunho” é inacreditável como publicação, é impossível que tenha sido revisto pelo seu autor, um intelectual que dominava com perícia a língua portuguesa. E no entanto as suas análises, justificações e comentários são de uma real importância para entender a Guiné-Bissau. Sobretudo após o golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980. Para os estudiosos, mesmo sendo uma leitura penosa, passou a ser uma referência obrigatória.

Um abraço do
Mário


Confissões e justificações de Filinto Barros

Beja Santos

O livro “Testemunho”, de Filinto Barros é uma edição de autor, porventura a derradeira obra do antigo dirigente do PAIGC publicada em vida. Há uma enorme dificuldade em entender se o antigo dirigente político concedeu uma sucessão de entrevistas ou elaborou memórias avulsas sobre quatro temas em que foi participante seja como governante, observador político ou dirigente ativo.

Os temas abordados são do maior interesse para a história da Guiné-Bissau pós-independência. É deplorável que o autor não tenha revisto a edição, cheia de erros de toda a natureza, Filinto Barros era um homem culto, comunicava num português irrepreensível, não há página deste livro que não esteja polvilhada de gralhas, faltas de concordância, a pontuação no seu lugar. Isto quando estamos perante um testemunho que irá entrar na História.

O primeiro texto prende-se com os acontecimentos do golpe de Estado de Novembro de 1980. Filinto Barros critica a escolha de Luís Cabral para o cargo de presidente do Conselho de Estado, após a independência unilateral, por se tratar de um cabo-verdiano, era uma questão de jus sangue. Refere uma entrevista que o leitor não sabe qual que Luís Cabral, certamente no exílio, terá dado acerca dos acontecimentos do 14 de Novembro. Diz taxativamente: “Se há um responsável pelo golpe, Luís Cabral deve ser apontado pelo ambiente de intrigas que implantou, tentando inverter as hierarquias saídas da luta”. Mais adiante recrimina a discriminação praticada pelos dirigentes cabo-verdianos para tomarem o vértice do aparelho do Estado. Considerando que Amílcar Cabral, a propósito da unidade Guiné-Cabo Verde, fizera uma aposta corajosa ao criar uma nova entidade que englobava as duas realidades herdadas do colonialismo, atribui ao seu desaparecimento e à incapacidade dos seus herdeiros de prosseguir uma dinâmica criativa que levasse a cada um dos dois Estados a ser gerido pelos autóctones, devia-se ter optado rapidamente por uma federação de dois Estados. Nessa perspetiva, o 14 de Novembro pode ser encarado como uma retificação. Volta a acusar Luís Cabral, considerando que para este líder o adversário principal era o crioulo guineense.

Uma nova chuva de críticas vai agora impender sobre Nino, este tratou de consolidar o poder rodeando-se dos seus incondicionais. A governação de Nino, na sua ótica, foi um profundo desastre, continuando a implantar pequenas fábricas sem estudos de impacto, sem questionar se o país reunia condições em termos de matérias primas e uma mão-de-obra apta para garantir a sua rentabilidade. Nino continuou a praticar os erros de Luís Cabral que procedeu a uma implantação selvática de pequenas unidades febris. Filinto Barros pretende analisar o porquê dos seus insucessos. Diz mesmo que a sua análise procura determinar até que medida as ações levadas a cabo depois de 14 de Novembro de 1980 prejudicaram ou beneficiaram o país no quadro de industrialização iniciada por Luís Cabral. Passa em revista o Complexo Agro-industrial de Cumeré, a NHAI – Unidade de Montagem de Veículos, a fábrica de leite Blufo, o projeto Volvo, a Socotram – unidade de corte e processamento de madeira, o fabrico de plásticos, Titina Silá, uma fábrica de sumos e compotas, uma fábrica de colchões de espuma, a Dicol, a Guimetal, a Cerâmica de Bafatá, a Folbi – unidade de folhados e contraplacados de madeira, aponta gestão danosa, cegueira nos pareceres do Banco Mundial e FMI, muita corrupção, muita irresponsabilidade política sobretudo uma enorme incompreensão sobre o que devia ter sido uma liberalização gradual na transição de uma economia estatizada para as regras livres do mercado.

No segundo texto, o antigo governante pretende defender-se sobre a polémica questão dos lixos industriais. Narra as diligências efetuadas para apurar da possibilidade da transformação dos resíduos industriais provenientes da Europa reelaborando-os com adubos e material de construção. Denuncia as agiotas, queixa-se de oportunismos de vários colegas delatores. Justifica-se, dizendo que estava consciente dos efeitos nefastos dos resíduos tóxicos, deplora as forças do obscurantismo e a intelectualidade de meia-tigela da região. Sentiu-se obrigado a desistir do processo e a dar por encerrado todo o assunto.

No terceiro texto tece considerações sobre o II Congresso extraordinário, realizado na Base Aérea, em 1992. Comenta: ”Foi um congresso terrível, em que se deu a separação entre os políticos e as Forças Armadas, o congresso no qual o PAIGC deixou de ser considerado a força política dirigente da sociedade. Todos soubemos que o congresso foi manipulado por certa gente, que se aproveitaram da incapacidade da maior parte dos congressistas analfabetos ou semianalfabetos, induziram-nos com vários argumentos incluindo a solidariedade tribal. Ninguém de pele clara conseguiu passar! A partir daí, a história do Partido foi a história de uma série de complôs para afastar muita gente, sobretudo os preferidos do Nino e sempre o Malã Bacai Sainhá se aproveitou, pôs-se no lugar certo! Até que acabou por ficar com o partido como queria!”.

E estamos chegados ao texto fundamental, a Guerra Civil de 1998. Fala no tráfego de armas, na imperícia governamental no tratamento da questão, nas extensões crescentes nas FARP como causas do levantamento armado encabeçado por Ansumane Mané. Entende que o VI Congresso do PAIGC foi um congresso desunião que se estendeu ao descontentamento no seio dos militares, era um descontentamento que se prendia ao estatuto de carreira de promoções e ao tratamento que Nino fazia da instituição militar, manipulando-a a seu belo prazer. Como o texto seguramente que não foi revisto, até se pode pôr a hipótese de fazer parte de um conjunto de entrevistas ou de apontamentos escritos não organizados, a seguir Filinto Barros fala do assassinato de Nino e regressa a outro tipo de considerações que tem a ver com o pretenso golpe de Estado atribuído a Paulo Correia e que levou à execução de vários dirigentes. Considera que estes acontecimentos constituíram uma profunda humilhação da etnia balanta com repercussões que chegam à atualidade. Refere o seu protagonismo no Conselho de Estado, em 1986, e quais as opiniões que se manifestaram a favor ou contra a pena de morte. A narrativa tem foros de tragicomédia, Filinto Barros escalpeliza o livro “Ordem para matar”, de Quebá Sambu, para pôr em causa a sinceridade dos seus argumentos. Acha que Paulo Correia não foi tão inocente quanto protestou, que Viriato Pã era um verdadeiro tribalista e que os fuzilamentos foram um dano irreparável para o PAIGC e para o país inteiro, acabou por colocar a etnia balanta contra o PAIGC, passou a viver-se numa atmosfera de vingança tribal. Isto dá-lhe oportunidade para invocar outras purgas e ajustes de contas, invoca o nome do comandante André Gomes que morreu na prisão, sobre ele recaía a acusação de ter sido o acusador de Osvaldo Vieira, Lay Seck, um alto dirigente, faleceu na prisão logo após o 14 de Novembro, refere outros nomes de gente que sofreu sevícias terríveis. Este texto é depois dirigido para atuação de Kumba Yalá, outro dirigente que lançou o país no atraso e na miséria. O livrinho de justificações vai culminar numa exortação aos seus colegas de trincheira a participarem na tarefa de ajudar a esclarecer a verdade dos fatos passados.

Trata-se de um documento que não pode ser doravante ignorado, apesar da sua leitura ser penosa e da organização do textos ser altamente deficiente. Filinto Barros não merecia uma publicação destas, uma vergonha editorial.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9613: Notas de leitura (342): O Boletim Geral do Ultramar (3) (Mário Beja Santos)

5 comentários:

antonio graça de abreu disse...

Publicado no "Jornal de Notícias" de hoje, 19 de Março de 2012:

"Samba Djaló, ex-chefe das informações militares da Guiné-Bissau quando Zamora Induta foi chefe das Forças Armadas guineenses, foi assassinado a tiro em Bissau na noite de domingo, disseram à Lusa fontes diplomáticas.
Outras fontes contactadas pela Lusa confirmaram a morte de Samba Djaló e disseram que o corpo já foi retirado da sua residência, enquanto vizinhos disseram à Lusa ter ouvido tiros cerca das 23 horas, na zona da casa de Samba Djaló.
Samba Djaló foi preso em 1 de abril de 2010 juntamente com o então chefe das forças armadas, Zamora Induta, numa intervenção militar que conduziu António Indjai à chefia militar, e fora acusado pelo irmão de Baciro Dabó do assassinato deste ex-candidato presidencial em 2009.
Iáiá Dabó foi por sua vez morto numa troca de tiros durante a última sublevação militar na Guiné-Bissau, em finais de 2011, uma operação falhada que foi atribuída ao ex-chefe da armada guineense, Bubo Na Tchuto.
A Guiné-Bissau realizou no domingo eleições presidenciais antecipadas, que decorreram com normalidade.

Meu pequeno comentário:

Estes homens (ou terão sido outros?) que um dia pegaram em armas para lutar contra "o colonialismo, a impiedosa exploração do capitalisno e imperialismo internacional" (não é Zé Brás?), continuam a assasinar-se uns aos outros.

Mas as eleições decorreram com normalidade.

Abraço,

António Graça de Abreu

antonio graça de abreu disse...

Foi-me chamada a atenção de que este texto do Jornal de Notícias e o meu comentário violam as regras deontológicas do blogue. Peço o favor aos editores do blogue de retirarem o texto e comentário.

Abraço,

António Graça de Abreu

Anónimo disse...

Caros camarigos

Como diz o camarada Beja Santos, o livro de Filinto Barros tem de facto uma revisão pouco cuidada..ou não teve revisão nenhuma que deve ser o mais provável..seria de propósito ?..não sei..mas.
O que é um facto é que diz muitas verdades.
Sobre o assassinato de Samba Djaló..soube à 1 hora da manhã.
Não há testemunhas..só ouviram tiros..pudera.
Em dia de eleições que decorreram com toda a normalidade !!!!
Parece que Zamora Induta está em parte incerta..ui que admiração.
Entretanto C.Gomes Júnior vai ser o novo P.R..
António Indjai continuará C.E.M.F.A....
Entretanto o Povo da Guiné continua sofrendo com toda a normalidade..
É tão triste.

C.Martins

Anónimo disse...

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