quinta-feira, 22 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9637: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (9): Comentário de António J. Pereira da Costa ao documento de Carlos Filipe

1. Ainda a propósito do documento do camarada Carlos Filipe publicado no nosso Blogue (P9602*), o editor Luís Graça pediu uma análise/comentário ao outro nosso camarada António José Pereira da Costa, Coronel Reformado (ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69 e ex-Capitão de Art.ª e CMDT da CART 3494/BART 3873, Mansabá, Xime e Mansambo, 1972/74). Publicamos agora a sua resposta:

Camaradas
Este documento parece-me o rascunho da acta da reunião.
Parece-me ser "autêntico", isto é, produzido em 29JUL74. Não estando assinado é difícil ir mais longe.

Como nele se vê, são tratados diversos temas e não apenas a questão dos BCmds.
O PAIGC parece querer assumir o controlo do Batalhão e saber, de antemão, que a FLING não é nada mas interessa-lhe que ela seja qualquer coisa...

É evidente o clima desconfiança reinante no Batalhão. Uns ainda pensavam que o PAIGC estaria disposto a integrá-los na sociedade e a esquecer o sucedido. Daí a referência aos cursos de formação profissional acelerada (impossíveis, como se sabe). Outros adivinhavam que isso não sucederia e que maus tempos estavam para chegar.

O PAICG assume realmente que alguns elementos do Batalhão eram socialmente irrecuperáveis. Para além do Marcelino não há mais nomes, talvez porque tinha havido uma reunião como os oficiais do BCmds e o Partido não se quereria referir a eles abertamente.

Contudo, como se vê, não há a menor intenção do PAIGC de que os constituintes do BCmds fossem considerados como portugueses, o que implicaria a sua expulsão imediata do país e, mais que provável, perda de nacionalidade.

Por mim, e doa a quem doer, o PAIGC agiu de má fé. Ao pretender desarmar o BCmds queria simplesmente anular uma muito possível rebelião (muito sangrenta, mas destinada ao fracasso), atitude que se pode considerar como normal numa força política que ascende ao poder, descobrindo que agora é que os seus problemas iam começar, a sério.

Numa segunda fase trataria - como o fez - de os eliminar, social ou mesmo fisicamente. Não creio que "a população" estivesse interessada em hostilizar ou maltratar o pessoal do BCmds. A generalidade da população tinha mais em que pensar do que andar à "caça ao comando". Só excepcionalmente poderiam surgir situações de violência entre elementos do BCmds e pequenos grupos ou elementos isolados da população.

Para mim, esta foi uma consequência (sempre previsível) da "guineização da guerra". Em qualquer situação semelhante, há sempre uma boa parte da população de um país que está na oposição à força vencedora, ou porque "colaborou com o inimigo" ou "recebeu apoio dele". São os vencidos das guerras civis ou os colaboracionistas. Mesmo quando há uma "reconciliação" (e tantas tem havido) há sempre "dificuldades de integração" que a historiografia normalmente esquece, por não merecer investigação e ter pouco valor como tema para a literatura...

Finalmente acho estranhíssimo que este documento tenha sido encontrado no emissor da Buraca da RR. Como terá ele ido lá parar? Com que fim? Simples curiosidade do possuidor que, depois, sentiu os dedos a queimar e largou? Foi bom que não se tenha perdido. Creio que o AHM deverá ser depositário deste e doutros documentos similares que por aí andam.

Quando penso na quantidade de arquivos das Companhias e Batalhões que hoje não conseguimos localizar, pergunto-me para onde poderão ter ido. Posso admitir que a documentação das ultimas unidades se possa ter "perdido" ou ter sido elaborada com muito menos cuidado, mas relativamente às mais antigas, não entendo. De posse dessa documentação poderíamos desenvolver estudos que nos permitiriam reconstituir coisas tão complexas como a evolução táctica no "nosso" sector. Enfim procuremos...

Um Abraço e peço desculpa por me ter alargado
António José Pereira da Costa
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 13 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9602: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (4): Documentação referente a negociações entre Portugal e o PAIGC com vista à desmobilização das tropas africanas que combateram por Portugal (Carlos Filipe)

Vd. último poste da série de 21 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9634: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (6): Os Oficiais do Corpo do Estado Maior (CEM) no TO da Guiné em 1973/74 (Luís Gonçalves Vaz)

1 comentário:

Anónimo disse...

... com v/licença, anoto (e peço anulação deste comment após enxotada a gralha):
- onde está 29JUN74, deverá estar 29JUL74.
Cpts,
JCAS