segunda-feira, 19 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9628: Meu pai, meu velho, meu camarada (25): Bo vida ta na balança... (Luís Graça)


Para o meu pai, Luís Henriques
(n. 1920, Lourinhã, ex- 1º cabo inf, 3º Companhia, 1º Batalhão, RI 5, Mindelo, São Vicente, Cabo Verde, 1941/43) (*)
e para todos os pais,
os nossos pais,
que vivem com a dignidade possível
na solidão instuticionalizada dos terminais da morte



Meu pai,
Meu velho,
Meu camarada…
Sinto que estás a chegar ao fim,
Sinto que estás a desistir,
Sinto que estás com poucas ganas de lutar
Contra o inexorável fim…
É com um aperto no coração
Que te vejo aí deitado no teu cadeirão articulado,
Do Lar de Nossa Senhora da Guia,
Na Atalaia da Lourinhã,
Com as velhas canadianas definitivamente arrumadas a um canto…
Onde está o teu proverbial sentido de humor,
Quando brincavas com as tuas canadianas,
Dizendo que tinhas trocada uma velha por duas novas ?!…
Onde está o teu gosto jovial pela anedota,
Pelo verso de improviso,
Pelo dito sempre apropriado
Para cada conversa, para cada ocasião ?
(Sempre brejeiro, sem nunca dizer um palavrão!)




Meu pai,
Meu velho,
Meu camarada…
Sinto que está agora mais difícil, para ti,
Prosseguir a viagem…
Eu já não queria que fosses até ao km 100,
Da autoestrada da vida,
Queria que chegasses ao menos até ao km 92,
Devagarinho,
Um dia de cada vez,
Sem dores,
Com o teu sorriso doce
E com o segredo da tua alegria
Que contagia(va) tudo e todos...
Queria que chegasses, para já,
Até o dia 19 do próximo mês de Agosto,
Dia dos teus anos,
Para a gente poder vcoltar a ouvir de novo os dois,
Numa cumplicidade pai/filho,
A tua coladera preferida,
Aquela que eu te ouvia cantarolar, desde miúdo,
Sem nunca entender, ao certo,  a letra em crioulo...
Lembras-te ?
Se bo ta moda um tracolança
'M ca sabê
Se bo vida ta na balança
'M ca e culpode (**)...



Se calhar estou a ser egoísta,
Miseravelmente egoísta,
E a subestimar ou menosprezar os teus avisos:
“Isto tá bera, Lis Manel”…
(É assim que me tratas,
Sempre me trataste,
Por Lis Manel).
Claro que eu vou brincando contigo,
Vou-te animando,
Vou-te desafiando para ir comer um peixinho,
Desafiando-te para ir ver o mar,
Não o mar azul da baía do Mindelo,
Aonde nunca mais voltaste, 
Mas o mar do Cerro da tua infância
Com as  Berlengas ao fundo...
Para limpar a vista, como  tu gostas de dizer... 
Anda, anda a tomar o teu café com o cheirinho,
No bar dos Cinco Paus,
Na Praia da Areia Branca...
Que eu vou pedindo a tua amarelinha em balão:
“Tome (nunca te tratei por tu)
Que no céu não há disto!”…


O que te prende à vida, meu velho,
Mesmo sabendo que és um homem de fé ?
A tua velha companheira,  
A minhã mãe,
A tua cachopa, agora muda e queda,
Ali a teu lado,
Na Senhora da Guia ?
Os teus filhos, netos e bisnetos,
Que já são tantos que dão
Para fazer duas equipas de futebol ?
Já não queres ir à vila,
Já não queres ver os teus amigos
Do banco do jardim,
Do Largo da Igreja,
Já não te interessas pelos resultados do teu Benfica,
Já deixaste de escrever o teu diário,
Já não jogas às damas,
Já não lês a Bola,
Já não ouves, na rádio,  o relato da bola,
Já não vais à bola ao domingo,
 Nem gritas aos jogadores do Lourinhanense:
“Quem ganha é quem corre,
Quem ganha é quem corre!”…


Já não corres, meu pai,
Grande ponta direita,
Velha glória de clubes de futebol
Sem história,
As pernas tramaram-te,
Já correste tudo o que tinhas a correr
Pela vida fora, na labuta da vida,
Nos campos de futebol e fora deles…
Já não corres,
Mas ainda continuas a ganhar,
Meu velho,
A marcar pontos,
Meu camarada…
Os dos exemplos de bondade,
E de humanidade,
E de coragem
E de sabedoria,
Que eu gostaria de poder transmitir aos meus dois filhos
E aos meus netos (quando os tiver)…


Um bom dia do pai,
No Dia do Pai,
Para ti,
Meu pai,
Meu velho,
Meu camarada!


Alfragide, 19 de Março de 2012
Luís Graça

2. Já que estamos numa homenagem ao(s) pai(s), ao(s) nosso(s) pai(s), a todos os nossos queridos pais, feita a duas, quatro seis, múltiplas mãos, aqui fica, ao cair do dia, a mensagem carinhosa que os meus dois filhos, Joana e João, quiseram deixar no nosso blogue, no Dia do Pai...

Amigos, camaradas, camarigos: Entendam-na como a expressão dos sentimentos de todos os nosso filhos, já que uma das nossas máximas é justamente essa: "Os filhos dos nossos camaradas nossos filhos são"... (LG)

Para o nosso Pai:


Chegámos a casa e não parámos de chorar pela bonita homenagem que fizeste ao teu Pai! 


Pai!, como consegues tocar no coração das pessoas com as tuas palavras, o verso curto, a palavra certa, o sentimento todo, certeiro?!


Pai!, como consegues adivinhar o que sentimos nós, também, a sofrer ao longe, mas a pensar que os outros são fortes, quando afinal a todos o coração enfraquece.


Pai!, sentir o teu pai, nosso avô, a partir é triste. Mas foi ele, o teu pai, nosso avô, que disse que quem não viveu não pode viver.


Pai!, e o avô viveu e deu a viver, e viverá para sempre nas nossas histórias, aquelas que tu e nós vamos contar aos nossos filhos, sim, por que ser avô é uma bênção, e queremos dar-te essa alegria também.


Pai!, toca-nos a tua sensibilidade silenciosa, escondida, mas forte pela subtileza e bondade.


Pai!,  vamos levar nas nossas vidas a celebração da vida através da poesia embrulhada de afetos.


Com afeto,


Joana e João


Alfragide, 19 de Março de 2012

3. Magnífica lição sobre a música popular urbana de Cabo Verde, por parte do nosso amigo Nelson Herbert [ jornalista, VOA - Voice of America, Washington, DC, filho de um camarada do meu pai, velha glória do futebol caboverdiano e guineense, Armando Lopes, mais conhecido por Búfalo Bill] que, do outro lado do Atlântico, se apressou a responder ao meu pedido de tradução da letra da coladera Velocidade (que faz do álbum da Cesária Évora, Voz d'amor):

Caro Luís:


Antes de mais, votos de rápidas melhoras para o seu "Velho"...


De facto esta sarcástica coladera é do tempo da vivência do seu "Velho" em S. Vicente, é da década de 40/50, anos em que fez um estrondoso sucesso...

Época áurea do Porto Grande de Mindelo, dos marinheiros dos navios que aportavam à ilha, do corpo expedicionário, clientes dos bares e casas de música e "engates" famosas da ilha...


Sarcástica como praticamente todas as coladeiras, ela retrata no fundo uma espécie de sermão, com laivos de ciumeira, aparentemente dirigida à m'nina de vida, como se diria naqueles tempos... (Hoje simplificando, e falando politicamente correto, uma prostituta ou profissional do sexo).
Mindelo era conhecido na altura pelo seu Porto (Porto Grande)... Como diria o poeta italo-caboverdiano Sergio Frusoni, era o tempo em que os gatos eram engordados à base da gemada ... e pelo seu intenso traáego portuário,  com todas as demais actividades paralelas,nomeadamente a prostituição !


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > "O belo porto de mar de São Vicente; ao centro, o ilhéu [dos Pássaros] que se confunde com um barco. Outubro de 1941" [Foto de Luís Henriques, 1º cabo nº 188/41, 1º Pelotão, 3ª Companhia, 1º Batalhão, Regimento de Infantaria nº 5, Cabo Verde, Ilha de São Vicente, Mindelo, 1941/1943].


E de tão profícua atividade, a m'nina de vida tendia a sobressair-se... pelo seu ar sobranceiro e exibicionista...

E é, pois, reflectindo essa realidade que esta sarcástica coladera é feita.  Salvaguardando as expressões idiomáticas do crioulo caboverdiano, por vezes difíceis de traduzir, a tradução da letra desta coladera ficaria mais ou menos assim (Ver abaixo). Mantenhas. Nelson Herbert

Coladera Velocidade
Trad. para português: Nelson Herbert

E m'dojr bo caba q'ues esparate
Pa ca ba pobe nome d'Velocidade
Oia q'ma tude cosa forte
Um dia ta t'chega na fim


[É melhor deixares-te desses disparates
antes que ganhes a alcunha de Velocidade.
Vê bem, que tudo que é forte
não deixa um dia de ter um fim.]


[Comentário: ... Um dia deixas de ser forte... No fundo, um dia com a velhice, ainda te cai a crista !]


(Bis)


Refrão


Se bo ta moda um tracolança
'M ca sabê
Se bo vida ta na balança
'M ca e culpode


[Se tens estado a dar nas vistas, pela vida que levas,
eu cá não sei..
Se a tua vida, o que fazes ou (des)fazes ja está na boca do povo...
Nao fui eu o culpado, nada tenho a haver com isso]

(Bis)


Ja'l soma ta bem ta treme
Q'tude se vaidade estilusinha
Ele ca t'ma fe na ques desgraçode
Q'tava traz d'quel esquina ta guital


[E lá vem ela de novo, qual donzela,  saracoteando,
Com toda a sua vaidade, estilo e charme
Que nem deu conta daqueles desgracados (supostamente os clientes habituais...)
Que algures numa esquina, observam-na e preparam-se para  disputar a sua companhia]...

________________

Notas do editor:

(*) Último poste da série >  23 de outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7164: Meu pai, meu velho, meu camarada (24): Bijagós, memórias de menino e moço (Manuel Amante)

(**) Letra recuperada aqui, no sítio Vagalume... Letra da coladera tradicional,  Velocidade,  magistralmente interpretada por Cesária Evora (1941, Mindelo - 2011, Mindelo)  (Vídeo no You Tube disponível aqui)


E m'dojr bo caba q'ues esparate
Pa ca ba pobe nome d'Velocidade
Oia q'ma tude cosa forte
Um dia ta t'chega na fim

(Bis)

 Refrão

Se bo ta moda um tracolança
'M ca sabê
Se bo vida ta na balança
'M ca e culpode

(Bis)


Ja'l soma ta bem ta treme
Q'tude se vaidade estilusinha
Ele ca t'ma fe na ques desgraçode
Q'tava traz d'quel esquina ta guital


 (Bis)

Refrão

27 comentários:

Anónimo disse...

Meu Caro Luís

Foi com muita emoção que li o que escreveu ao Sr. seu Pai!

Mentalmente fiz uma retrospectiva dos dias da minha infância e vi o meu, sempre compreensivo, doce, companheiro, protector, elucidativo, e as lágrimas...deixei-as cair livremente!
É o que hoje lhe posso oferecer: a saudade!
Sabemos todos que a ordem natural da vida nos vai privando uns dos outros e naturalmente aceitamos, mas...não sem dor!

Permita-me bum abraço sincero, para o seu pai, pela obra construída e outro para si, pelo mesmo motivo.

Um abraço igualmente a todos os Homens de boa vontade, e,muito particularmente, a todos os homens da nossa Tabanca, de quem sempre me orgulhei.

Felismina

José Botelho Colaço disse...

Um dia não se sabe quando irá partir, mas quase de certeza que vai feliz pela família que criou e por todo o amor e atenções que essa família teve para ele ao longo da vida.
Um abraço para ti e um cumprimento muito especial para o teu PAI.

Luís Graça disse...

1. Talvez alguns dos nossos "tabanqueiros" que falam o crioulo de Cabo Verde (o Nelson Herbert, o Manuel Amante, pro ex.) me possam ajudar na tradução desta coladera que ouvi, deliciado, na voz mágica da Césaria (curiosamente nascida a 27 de agosto de 1941, no Mindelo, um mês depois da chegada - a 23/7/1941 - do 1º Batalhão Expedicionário do RI5, a São Vicente, onde ia integrado o meu pai...

Julgo que apanho o sentido da letra da canção, mas não as suas subtilezas...


E m'dojr bo caba q'ues esparate
Pa ca ba pobe nome d'Velocidade
Oia q'ma tude cosa forte
Um dia ta t'chega na fim

(Bis)

Refrão

Se bo ta moda um tracolança
'M ca sabê
Se bo vida ta na balança
'M ca e culpode

(Bis)

Ja'l soma ta bem ta treme
Q'tude se vaidade estilusinha
Ele ca t'ma fe na ques desgraçode
Q'tava traz d'quel esquina ta guital



2. Fico, por outro lado, sensibilizado pelos comentários da Felismina e do Colaço...

Segunda-feira, Março 19, 2012 4:21:00 PM

Torcato Mendonca disse...

Caro Luís

Há uns anos,quantos não sei, conheci o teu Pai.

É bom ter Pai e poder abraça-lo.

Cumprimento-o, a ele, e dou-te um abração a ti.

Ab T.

Luígi disse...

"O dia do Pai" do Luis, ou como tocar profundamente os nossos corações.
Parabéns, um abraço.
Luis de Sousa

paulo santiago disse...

Gostei da homenagem ao teu pai...
um belo poema
Saudades que tenho do meu pai
Abraço

Luís Graça disse...

Fico feliz por, de alguma maneira, dar voz aos sentimentos de muitos camaradas que já não têm o pai a seu lado (fisicamente falando)...

A pequena homenagem que quis fazer ao meu pai, é extensiva a todos os nossos pais, vivos ou mortos (e eles nunca morrem, nem morrerão, nos nossos corações)...

Enquanto eu me vou preparando para fazer o luto pela perda do meu (e mesmo assim com o privilégio de o ter comigo há mais de 9 décadas!...), deixo aqui uma mensagem comovente de um camarada nosso, que me me disse o seguinte ( e ele há coisas que devemos partilhar, na nossa Tabanca Grande, mesmo salvaguardando o anonimato e o devido recato dos nossos sentimentos):

(...) "Olá Amigo Luís!
Escrevo-te aqui, porque,por duas vezes comentei o teu poema sobre o Pai no nosso blogue e não consegui gravá-lo. Quero dizer-te com o coração nas mãos como gostei de lê-lo. Está sublime. Diz sobre os nossos Pais aquilo que todos sentimos e não sabemos dizer. Claro que acabei de lê-lo a chorar...pelo humanismo...cada vez mais ausente deste mundo...e porque me fez sentir a ausência do meu Pai, desde os meus tenros vinte anos, por fazer. Fiquei só perante este mundo, com muita ambição e muitas dificuldades à frente para transpor...desde logo o fantasma da tropa que não me largava...Com ele ausente, nunca estive só. Falava com ele em todas as horas. Sabia que ele estava a ver-me...Ainda tens o teu, ao pé de ti. E vais tê-lo por mais Agostos...estou certo. saboreia-o. É aquilo que temos de mais nosso...e nós dele. Tu és das pessoas que conheço que me fazem acreditar na Humanidade. Um grande abraço. Fica bem e todos os teus".

Henrique Cerqueira disse...

Luís
SOMENTE PARA TE DIZER OBRIGADO.
Tenho muitas saudades do meu Pai.Sou Pai e Avô
Um Grande abraço
Henrique Cerqueira

António Rodrigues disse...

À um Ano neste dia do Pai, foi a minha ultima oportunidade de nesta efeméride poder ter tido ainda na minha companhia o meu saudoso e querido Pai, menos de um mês depois, perdi-o de uma forma completamente inesperada. por isso digo, a quem ainda tem o seu Pai, que aproveitem ao máximo a sua companhia e lhe dêem todo o carinho, porque quando menos se espera perdê-mo-los, como aconteceu comigo.Obrigado Luís pela bonita homenagem ao seu Pai, aos nossos Pais.Um Forte abraço e tudo de bom para o seu Pai.

José Marcelino Martins disse...

Um abraço!

Entre camarigos, poucas palavras são suficientes.

augusto.d.s.santos@gmail.com disse...

Camarada e Amigo Luís Graça, nem calculas como as tuas sábias palavras sobre o teu pai também a mim me tocam. Faz hoje precisamente 23 anos que o meu saudoso pai foi a enterrar. Se fosse vivo, teria perto de 90 anos(faria essa bonita idade no próximo mês de Abril). Tal como o teu, também ele esteve na década de 40 em Cabo Verde, mobilizado pelo R.I.11 (Setúbal) com 18 anos de idade. Lembro-me com saudade de também ele falar na música daquele arquipélago e, de algumas vezes, o ver com lágrimas nos olhos quando ouvia uma morna. Que coincidência ... Muito obrigado por me teres feito recordar bons momentos. Um grande abraço. Augusto Silva Santos

Hélder Valério disse...

Luís

Um grande, forte e sentido abraço!

Hélder

Anónimo disse...

Caro Luis

Antes de mais,votos de rapidas melhoras para o seu " Velho"...

De facto esta sarcastica coladera e do tempo da vivencia do seu "Velho" em S Vicente....decada de 40/50...anos em que fez um estrondoso sucesso ....

Epoca aurea do Porto Grande de Mindelo, dos marinheiros dos navios que aportavam a ilha, do corpo expedicionario, clientes dos bares e casas de musica e "engates" famosas da ilha...

Sarcastica como praticamente todas as coladeiras, ela retrata no fundo uma especie de sermao...com laivos de ciumeira...aparentemente dirigida a "m"nina de vida", como se diria naqueles tempos...hoje simplificando, uma prostituta ou profissional do sexo (politicamente falando ahahahah)...

Mindelo era conhecido na altura pelo seu Porto ( Porto Grande)...como diria o poeta italo-caboverdiano Sergio Frusoni...tempo em que os gatos eram engordados a base da gemada ... e pelo seu intenso trafego portuario com todas as demais actividades paralelas,nomeadamente a prostituicao !

E de tao proficua a actividade, a "m"nina de vida" tendia a sobressair-se...pelo seu ar sobranceiro e exibicionista...

E eh pois reflectindo essa realidade que esta sarcastica coladera e feita.

Salvaguardando as expressoes idiomaticas do criolo caboverdiano,por vezes dificeis de traduzir, a traducao da letra desta coladera ficaria mais ou menos assim:


E m'dojr bo caba q'ues esparate
Pa ca ba pobe nome d'Velocidade
Oia q'ma tude cosa forte
Um dia ta t'chega na fim

( E melhor deixares desses disparates
antes que ganhes a alcunha de Velocidade.
Ve bem que tud o que e forte nao deixa um dia de ter um fim
....Um dia deixa de ser forte... No fundo,um dia com a velhice, ainda te cai a crista !

(Bis)

Refrão

Se bo ta moda um tracolança
'M ca sabê
Se bo vida ta na balança
'M ca e culpode

(Se tens estado a dar nas vistas, pela vida que levas,
eu ca nao sei..

Se a tua vida, o que fazes ou (des)fazes ja esta na boca do povo...
Nao fui eu o culpado -nada tenho a haver com isso

(Bis)

Ja'l soma ta bem ta treme
Q'tude se vaidade estilusinha
Ele ca t'ma fe na ques desgraçode
Q'tava traz d'quel esquina ta guital

( e la vem ela de novo ,qual donzela saracoteando
Com toda a sua vaidade e estilo/charme
Que nem deu conta daqueles desgracados ( supostamente os clientes habituais)
Que algures numa esquina,observam-na e preparam-se para
disputar a sua companhia ...

Mantenhas

Nelson Herbert

Anónimo disse...

Apenas este Abraço


de Afecto e Emoção!



J.Cabral

Luís Gonçalves Vaz disse...

Caro LuíS:~

Parabéns pela tua "sensibilidade" e capacidade de dedicação aos outros! só poucos conseguem ser assim, embora muitos o desejassem...
Como já alguém aqui disse "...Dizes sobre os nossos Pais aquilo que todos sentimos e não sabemos dizer..." Eu não o fiz em vida dele, apenas senti sempre muito amor por ele... Ontem sabes que me lembrei dele..., do meu falecido Pai. mas todos os dias isso acontece, pois a sua memória anda sempre comigo, e em alguns momentos é o meu grande reconforto espiritual/psicológico. Quem o ainda tem "neste mundo", que aproveite esse "privilégio"...

Um grande Abraço

Luís Gonçalves Vaz

Luís Graça disse...

Nelson:

Fico muito sensibilizado pela tua rápida resposta, od outro lado do Atlântico..., o que só vem comprovar que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabnaca... é Grande!

Excelente introdução à (e a tradução da) letra da coladera Velocidade, que ontem ouvi, emocionado e deliciado, diversas vezes... (É uma letra e uma música que me vem da infânncia!).

O contexto socioantropóligoco da música popular urbana de Cabo Verde, em especial as mornas e as coladeras, tem grandes semelhanças com o nosso fado...

Sou fâ, ainda um dia hei-de aprender o crioulo (que tem expressões idiomáticas tramadas...).

Espero que o teu "velho" esteja benzinho... O meu, desde que caiu, perdeu autoconfiança, e deixou de andar... Foi-se abaixo das canetas, como dizemos em linguagem coloquial... Além disso, tem um cancro no estômago que o vai debilitando... Mas tem um coração forte, de atleta... Vamos ver...

Vou publicar a tua mensagem, na série "Meu pai, meu velho, meu camarada", em homenagem aos nossos dois futebolistas, aos nossos pais, ao Mindelo, ao mar azul, aos poetas, músicos e cantores, às belas mulheres do Mindelo!

Pode ser ? Um abração. Luis

Luís Graça disse...

Querido camarada Augusto S. Santos:

Obrigado pelas tuas palavras amigas... Tenho pena que o teu pai já tenha partido precocemente... Compete-nos a nós lembrar essa geração, de gente anónima, que durante a II Guerra Mundial também soube dar o melhor da sua juventude no esforço de defesa do país e dos seus territórios de além-mar...

Tens fotos de Cabo Verde, do álbum do teu pai ? Não as queres partilhar connosco para esta série "Meu pai, meu velho, meu camarada" ?

Já descobrimos que o meu, bem como o pai do Nelson Herbert (jornalista, guineense, da Voz da América) e ainda o pai do Hélder Sousa (, nosso camarada que vive em Setúbal) estiveram em Cabo Verde como expedicionários, na mesm altura, em plena II Guerra Mundial...

Fala-nos do teu pai, nosso camarada... Quando e onde esteve, etc. Um abração. Luis

Cherno Baldé disse...

Caro Luis,

Vejo que o teu pai, também, tinha uma bicicleta. Talvez pudesses falar-me da sua importancia e do significado simbolico que podia ter, na altura. Eu ja contei a minha versao.

Um abraco de amizade e encorajamento pois tudo na vida tem seu inicio e fim, exceptuando o poder de Deus.

Ao Nelson, envio mantenhas desde Bissau e dizer que o Crioulo de S. Vicente é mesmo tramado, nao consegui perceber patavina da coladera.

Durante os meus estudos em Kiev, tinha dois colegas de Cabo-Verde, um era de Santiago e o outro de S. Vicente. Com o primeiro, comunicavamos em Crioulo, sem dificuldades, mas com o segundo eu preferia o portugués ou o Russo, pois nao entendia nada.

Cherno Baldé

Luís Dias disse...

Caro Luís Graça

Já somos homens no adiantado da vida e, confesso, estou cada vez mais piegas, porque o que tu escreveste ao teu pai é ao mesmo tempo de uma força muito grande, mas também da tristeza que te invade o coração contra o avanço inexorável do tempo, a que eu não resisti de deixar cair as lágrimas.
O meu pai, se fosse vivo, ia fazer 93 anos em Junho e também esteve no Mindelo, no tempo da IIª GM, mas partiu há já 24 anos. Partiu, mas deixou no meu coração uma imensa saudade.
Obrigado pelo teu maravilhoso texto.
Um abraço.
Luís Dias

Luís Graça disse...

Dizia-me alguém das minhas relações mais próximas: "Bolas, até parece que o teu morreu!"... E eu respondi. "Felizmente está ainda vivo, e ainda ontem à noite trauteou a Tracolança"...

Eu é que estou a preparar-me para o luto pela perda do meu pai, algo que é doloroso para qualquer filho... Como eu costumo, dizer, os nossos pais são as nossas raízes na terra... Depois da sua morte, ficamos nós na linha da frente... É inexorável, não tem que ser um processo gerador de sofrimento patogénico...

O que é o luto ? Socorro-me de um pequeno texto do sítio (que aproveito para divulgar) A Nossa Âncora - Apoio a Pais em Luto)

________________


(...) A palavra luto quer dizer “dor” causada pela morte de alguém. “Fazer o seu luto” quer dizer literalmente: “passar através da sua dor”.

Para melhor compreender o processo do luto, é preciso lembrar que o ser humano é um ser afectivo. Um ser que cria ligações com as pessoas e as coisas. Sem ligações, sem afectividade, a vida não é possível. É por isso que nós criamos com os seres queridos relações que são laços psicológicos e espirituais. Esses laços são de intensidade variável de acordo com o tipo de investimento afectivo em relação à outra pessoa.

Normalmente ligamo-nos mais às pessoas, mas acontece também podermos investir a nossa energia afectiva em objectos, lugares ou animais; em suma, em qualquer realidade que possa estar carregada de uma carga simbólica.

Quando sobrevém a perda desses seres ou dessas coisas, produz-se uma ferida no sistema de ligação. Mas, como o organismo sabe como proteger a sua integridade e fazer os seus lutos, põe-se imediatamente em trabalho para reparar a ferida. Este trabalho de cura chama-se: “A resolução do luto”.

O luto é assim um acontecimento normal da vida e não uma espécie de doença. Infelizmente, a negação do sofrimento e da morte na nossa sociedade impedem o desenrolar normal da resolução do luto. A dissimulação e o recalcamento aos quais são obrigadas as pessoas em luto são factores muito importantes de “stress” e até mesmo de doença.

Se é verdade que o ser humano não pode viver sem se ligar a qualquer pessoa ou coisa, é também verdade que todas as ligações não são definitivas. Todas acabam com uma separação. Podemos observar esta realidade desde o nascimento. A vida é uma série ininterrupta de ligações e de separações, de mortes e de nascimentos. É preciso estar sempre preparado para morrer para uma situação e nascer para outra. É este o preço da vida. O luto faz, por isso, parte da vida. Poderemos mesmo dizer que é um elemento fundador da vida.

(Continua)

Luís Graça disse...

(Continuação)

O luto apesar de ser um trabalho individual, é também um acontecimento colectivo. Toda a comunidade sofre a perda de um ser que tinha tecido à sua volta toda uma teia de ligações. É por isso que a pessoa em luto deve, no seu caminho, tornar-se solidária para não ficar solitária. A perda de um membro de uma família, de uma comunidade, toca todos e faz reviver em cada um as suas próprias perdas. É toda a comunidade que fica privada de um dos seus. (...)

Fonte: Disponível aqui:

http://www.anossaancora.pt/website/index.php?

Anónimo disse...

E nao e que tens razao Tcherno...

Nos anos 80, mal pisei Cabo Verde, dei-me logo bem com o criolo de Santiago,pelas suas similaridades com o criolo da Guine.

O de Sao Vicente, que me era suposto ser bem mais familiar...por aquilo que fui ouvindo o meu pai falar na minha infancia,embora reconheca,que decorrente dos mais de 40 anos de vivencia na Guine, o velho ao fim ao cabo, ja nao falava nem um nem outro...que confusao o criolo dele-acredita meu caro Tcherno, nao me saia uma frase com sentido, no criolo de Sao Vicente.

Os anos como professor nessa ilha acabariam por facilitar o aprendizado! E hoje la me vou aventurando pelas nuances proprias das variantes de um mesmo criolo...

Mss de uma coisa estou certo : guineense a falar o criolo dos "outros",esquece...pois acaba por ser traido pelo seu sotaque caracteristico!

Mantenha

Nelson Herbert




Ps: A proposito de bicicletas,Bafata ( o Leste da Guine no geral ) foi desde sempre a "capital"das bicicletas na Guine.. Tcherno ainda hoje se preserva essa tradiccao?



Mas os anos como professor nessa ilha,

Luís Graça disse...

Luis Dias, camarada da zona leste da Guiné: Faço-te o mesmo convite (ou desafio) que fiz ao Augusto S. Santos...

Tens fotos de Cabo Verde, do álbum do teu pai ? Não as queres partilhar connosco para esta série "Meu pai, meu velho, meu camarada" ?

Já descobrimos que o meu, bem como o pai do Nelson Herbert (jornalista, guineense, da Voz da América) e ainda o pai do Hélder Sousa (, nosso camarada que vive em Setúbal) estiveram em Cabo Verde como expedicionários, na mesm altura, em plena II Guerra Mundial... E agora temos o teu pai, infelizmente já falecido...

Compete-nos honrar a sua memória...

Manuel Joaquim disse...

Meu caro Luís:

Um grande e fraterno abraço!

Que coisa! Como são teimosas estas lágrimas que teimam em surgir às janelas dos meus olhos!

Belo e comovente, este momento de leitura que tu e teus filhos me proporcionaram!

José Marcelino Martins disse...

SUGESTÃO DE LEITURA:

Reler e/ou recuperar o Post 5184 de 30 de Outubro de 2009.

Parece que foi ontem...

Luís Graça disse...

Zé, escrevi na altura, secundando a tua proposta, o seguinte comentário, que republico:

(...) Apreciei o teu gesto, a tua sugestão, a tua provocação, a tua imaginaão, a tua ousadia, remando contra a maré do esquecimento e da ingratidão...

A nossa Pátria sempre foi (ou tem sido) madrasta dos filhos que a defendem, com sacrifício da sua juventude, da sua saúde e até da sua própria vida...

Aconteceu connosco que durante 13 anos fizemos a guerra colonial (ou do Ultramar, como quiseres); aconteceu com os nossos pais que foram guarnecer as nossas colónias (era assim que se dizia na época) de África e da Ásia, durante a II Guerra Mundial; acnteceu com os nossos avós, que combateram na Flandres, mas também na Guiné, Angola e Moçambique, na I Guerra Mundial ou antes e depois; aconteceu com os nossos bisavós que estiveram nas primeiras "guerras de pacificação" em África, a seguir a 1890 (Conferência de Berlim)... E por aí fora.

No caso dos nossos pais que fizeram parte de forças expedicionárias enviadas para os Açores e Cabo Verde, em especial, receio bem que o devido reconhecimento chegue já tarde demais... Temos falado aqui de três homens que estiveram na Ilha de São Vicente, entre 1941 e 1944: casos do meu pai, Luis Henriques, do pai do Nelson Herbert, Armando Duarte Lopes, e do pai do Hélder de Sousa, Ângelo Ferreira de Sousa.

Este último já morreu há uns anos. Os dois primeiros estão a caminho dos 90 anos (em 2010, se lá chegarem). Muitos outros companheiros de expedição já morreram. E eu duvido até que o Ministério da Defesa Nacional tenha registos actualizados dos homens que foram mobilizados na época...

Mesmo assim, concordo contigo, Zé, que importa o país dar, através do Estado (e do poder executivo em especal), um sinal claro, inequívoco, forte, de reconhecimento público, histórico, pelo sacrifício dessa gente.

Mesmo que seja um pequeno sinal, simbólico, imateral, que, em termos de futuro, poderá ajudar a reforçar o tão débil ou inexistente sentido de Pátria e de patriotismo, uma coisa que as actuais gerações pura e simplesmente ignoram, dado que os partidos do poder e as suas juventudes partidárias tudo fizeram para, demagógica e perfidamente, acabar com o republicano serviço militar obrigatório... No máximo, a Pátria e o patriotismo são hoje valores associados à selecção nacional... de futebol.

Mas cheira-me que que ELES (os homens e as mulheres que estão no poder...) vão achar a tua ideia serôdia, arcaica, incomóda, démodée, tonta, lamechas, quiçá até passadista e... reaccionária.

A tua proposta subentende uma questão: como transmitir os valores autênticos do patriotismo sadio, informado, interiorizado, consensual, assumido por cidadãos conscientes e homens livres, vivendo e respirando em ambiente livre, pacífico, aberto e democrático ? Como transmitir esses valores aos mais novos, aos nossos filhos e netos, através do bom exemplo dos mais velhos, dos pais e dos avós ?

Se, para além da reparação (histórica) de justiça, a ideia for também didáctica, eu posso e quero estar contigo... Um Alfa Bravo. Luís

[Sábado, Outubro 31, 2009 12:18:00]

João José disse...

Caros Camarigos,li com cuidado o que foram escrevendo e fiquei com a esperança de "um Portugal melhor", "mais solidário", "mais responsável pelo futuro que deixamos aos nossos filhos", agora que, aos poucos, mas inexoravelmente, vamos tomando o lugar dos que nos antecederam e vamos chegando à linha da frente. Faço parte do grupo dos "indignados" e se choro a partida do meu pai, não posso lamentar se um dia o meu filho não encontrar as condições de vida a que aspira e resolver emigrar. Pelo menos,
terei a consciência de que lutei pela minha Pátria, que por ela podia ter morrido, enquanto que outros, e são muitos, usufruem em minha opinião erradamente, de excessivas mordomias, apesar de terem contribuído para um sistema político, económico e social altamente fragilizado. Que esta página seja um raio de esperança e de luz que nos ilumine a todos, e porque não, inclusive os que já partiram e que de "outros lugares" nos vão acompanhando, e que possam finalmente pensar como o poeta: "valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena"...Um grande abraço a todos. João Martins