quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18273: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XIII: uma mudança (histórica) sob o spinolismo: em 1 de janeiro de 1969, o administrador de São Domingos, cabo-verdiano, é substituído por um guineense


Foto nº 7 A > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Janeiro de 1969 > Cerimónias da mudança do administrador da circunscrição administrativa de São Domingos > Miúdos da Mocidade Portuguesa local, trajando a rigor e usando ténis...


Foto nº 7 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Janeiro de 1969 > Cerimónias da mudança do administrador da circunscrição administrativa de São Domingos  > Miúdos da Mocidade Portuguesa local


Foto nº 6 A > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Janeiro de 1969 > Cerimónias da mudança do administrador da circunscrição administrativa de São Domingos > "Djubis" da população local,  imitando os jovens da Mocidade Portuguesa...


Foto nº 6 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Janeiro de 1969 > Cerimónias da mudança do administrador da circunscrição administrativa de São Domingos > Aspeto da povoação, com um grupo de miúdos à direita.


Foto nº 1 A > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Janeiro de 1969 > Cerimónias da mudança do administrador da circunscrição administrativa de São Domingos > Em primeiro plano, o cmdt do BCAÇ 1933 e o administrador cessante, cabo-verdiano.


Foto nº 1Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Janeiro de 1969 > Cerimónias da mudança do administrador da circunscrição administrativa de São Domingos > O cmdt do BCAÇ 1933, o administrador cessante, cabo-verdiano, a população local e os militares da guarnição local (onde se realizou a cerimónia de boas vindas).


Foto nº 8 A > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Janeiro de 1969 > Cerimónias da mudança do administrador da circunscrição administrativa de São Domingos  > Em primeiro plano, o  novo administrador, guineense, e o administrador cessante, cabo-verdiano. Ao fundo,  uma representação da Mocidade Portuguesa local.


Foto nº 8 >  Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Janeiro de 1969 > Cerimónias da mudança do administrador da circunscrição administrativa de São Domingos > Os dois administradores, em primeiro plano, cumprimentados por uma criança.


Foto nº 5 A > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Janeiro de 1969 > Cerimónias da mudança do administrador da circunscrição administrativa de São Domingos > Mocidade Portuguesa e população local (1)


Foto nº 5 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Janeiro de 1969 > Cerimónias da mudança do administrador da circunscrição administrativa de São Domingos > Mocidade Portuguesa e população local (2)


Foto nº 4 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Janeiro de 1969 > Cerimónias da mudança do administrador da circunscrição administrativa de São Domingos > Assistência frente à sede da circunscrição administrativa.


Foto nº 3 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Janeiro de 1969 > Cerimónias da mudança do administrador da circunscrição administrativa de São Domingos > Os dois  administradores, o cessante, em primeiro plano.


Foto nº 2 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Janeiro de 1969 > Cerimónias da mudança do administrador da circunscrição administrativa (equivalente da concelho) de São Domingos (na província, havia mais as seguintes sedes de circunscrição administrativa: Teixeira Pinto, Bissorã, Mansoa, Farim, Bafatá, Nova Lamego, Bolama, Bubaque, Fulacunda e Catió) > Na foto, os dois administradores, o cessante, à direita, e o novo (aqui a falar comum régulo local), à esquerda.

Os administradores de circunscrição eram funcionários com vastos poderes, de acordo com a reforma administrativa ultramarina de 1933: para além das competências de administração p.d., as suas atribuições eram também nos domínios da  autoridade civil, da autoridade judiciária, da política indígena, da fiscalização, da defesa económica e da informação (artº 47 do decreto-lei 23229, de 15 de novembro de 1933).

Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69).


Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


I. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69), e que vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado [, foto atual à direita; economista reformado, vive em Vila do Conde].

Mensagem de 18 do corrente:

Boa tarde Luís e Vinhal:

Achei,  dentro dos meus álbuns, um acontecimento algo inesquecível, e que pode ser útil a alguém. Gostaria de o ver publicado e com o texto de anotações e legendagem

Um Ab
VT


II. Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira   > A mudança do Administrador de São Domingos, em janeiro de 1969 

Legendas e Anotações:

1 – Em 1 de Janeiro de 1969 deu-se a cerimónia de mudança do administrador local [, da circunscrição administrativa de São Domingos]. Sai um cabo-verdiano, o homem de bigode, e entra um homem preto, local,  guinéu de raça.

Há um conjunto de cerimónias de vários dias, com a participação da população local, em grande festa de ronco – estas fotos estão noutro lote – bem como as entidades militares oficiais.

No dia 31 de Dezembro de 1968 foi feita uma recepção nas instalações da administração, com convite do comandante do BCAÇ 1933 e restantes oficiais, onde eu lá estive também, e nunca me esquecerei da monumental ‘bebedeira’ com direito a ‘coma’,  e levado para a minha cama pelos furriéis da CART 1744, a quem devo e agradeço.

2 – Temos a chegada do novo administrador em avião civil, a recepção no ‘aeroporto’ de S. Domingos, e aquelas coisas todas que já se imaginam. O fotógrafo também estava lá.

3 – Há movimentos de crianças da Mocidade Portuguesa, e agora vejo pela primeira vez na foto com 2 rapazes, que eles já tinham ténis como agora todos usam [foto nº 7]. Não sei se esta foto é assim tão antiga – 49 anos.

Para não pesar muito seleccionei estas poucas fotos e o amigo Luís edita as que quiser e achar melhores.

Foi um acontecimento marcado por grandes festas durante muitos dias. Diz-se que finalmente um administrador [, que era mais do que chefe de posto,] passou a ser negro, mas não sei bem.

Tenho esperanças que gostem destes postes.

Em, 18-01-2018 - Virgílio Teixeira
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Guiné 61/74 - P18272: Memória dos lugares (373): Cacine, 1967 (Manuel Cibrão Guimarães, ex-fur mil, CCAÇ 1620, Bissau, Cameconde, Cacine, Sangonhá, Cacoca, Cachil e Bolama, 1966/68)


Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Cacine > CCAÇ 1620 > 1967>  O fur mil Manuel Cibrão Guimarães, frente à "capela militar de N: sra. de Fátima", construída ao tempo da CART 496, em 13/5/1964 e provavelmente completada pela CCAÇ 799, um anjo depois (10/6/1965)... O Cibrão Guimarães está vestida com uma "sabadora" (peça principal do traje masculino dos muçulmanos) e um gorro, fula, na cabeça... A peça do vestuário tem a particularidade de ser feita com sacos de farinha de panificação (, "ofício" a que sempre esteve ligado: o pai era industrial de panificação; e ele daria continuidade ao negócio até se reformar; natural de Avintes, Vila Nova de Gaia, mora em Rio Tinto, Gondomar; é pai de duas filhas, a esposa, licenciada em farmácia e professsora do ensino secundário, também está reformada).


Foto nº 2 > Guiné > Região de Tombali > Cacine > CCAÇ 1620 > 1967>  Da esquerda para a direita, o Cibrão Guimarães, um furriel do BENG 447 e o vagomestre da CCAÇ 1620, o António Santos,


 Foto nº 3 > Guiné > Região de Tombali > Cacine > CCAÇ 1620 > 1967>   Em primeiro plano,  um furriel da "psico" (de óculos), e no lado direito,  de barbas, sem óculos, mais outro furriel, seguido do sargento Moreira (de costas), o Manuel Cibrão Guimarães (em terceiro lugar) e,por fim, o furriel Valente... Do lado esquerdo da mesa, estão outros sargentos e furriéis, incluindo o António Santos, vagomestre, de barbas.



 Foto nº 3 A > Guiné > Região de Tombali > Cacine > CCAÇ 1620 > 1967>    Mesa de furriéis milicianos e sargentos QP... O Manuel Cibrão Guimarães, de bigode,  é o segundo a contar do fim, do lado direito da foto...


 Foto nº 4 > Guiné > Região de Tombali > Cacine > CCAÇ 1620 > 1967> Cerimónia religiosa, com homens grandes e população. Ao centro, em primeiro plano, o "mauro", de turbante e vestes pretas.



 Foto nº 4A>  Guiné > Região de Tombali > Cacine > CCAÇ 1620 > 1967> Cerimónia religiosa, com homens grandes e população. O Manuel Cibrão Guimarães está por detrás do "mauro", de camuflado, e bigode.

Fotos (e legendas): © Manuel Cibrão Guimarães (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Manuel Cibrão Guimarães:
natural de Avintes, V. N. Gaia,
 vive em Rio Tinto, Gondomar
1. Continuação da publicação de uma seleção de fotos do
 álbum do nosso grã-tabanqueiro nº 766, Manuel Cibrão Guimarães, ex-fur mil, da CCAÇ 1620 (Bissau, Cameconde, Cacine, Sangonhá, Cacoca, Cachil e Bolama, 1966/68). (*)


Antes de ir para o Cachil (em março de 1968), a CCAÇ 1620 tinha assumido, em 5 de janeiro de 1967, a responsabilidade do subsetor de Cameconde, rendendo, por troca, a CCAÇ 799 (Cacine e Cameconde, 1965/67), e passando a integrar o dispositivo  e manobra do BCAÇ 1861 e depois do BART 1896.

É nessa altura que a CCAÇ 1620 tem um pelotão destacado em Cacine. E o Manuel Cibrão Guimarães estevelá, como as fotos documentam...

Em 1 de agosto de 1967, por rotação com a CART 1692,  a CCAÇ 1620,assumiu a responsabilidade do subsector de Sangonhá, com um pelotão destacado em Cacoca, mantendo-se no mesmo sector do BART 1896.

Guiné 61/74 - P18271: Bibliografia de uma guerra (85): “O céu não pode esperar”, por António Brito; Sextante Editora, 2009 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Novembro de 2017:

Queridos amigos,
António Brito, autor de uma obra-prima incontornável da literatura da guerra, "Olhos de Caçador", é um autor prolífico em obras de aventura e ação, criou mesmo um justiceiro, de nome Sagal.
Neste seu segundo romance concatenou uma série de factos que vão desde um Fiat abatido, a descoberta de uma mensagem dirigida a D. João IV, que o mesmo piloto encontrou numa gruta na região do Rovuma, um espetacular afundamento de um galeão espanhol perto de Peniche, as experiências assombrosas que um frade desenvolve no Mosteiro de Alcobaça, e as peças do puzzle são tremendas, chegam ao Vaticano e tudo desagua numa estrepitosa cavalgada no espaço e num amor tão profundo que alguém anuncia dos céus o seu amor eterno.
Um excelente produto do realismo fantástico.

Um abraço do
Mário


O céu não pode esperar, por António Brito

Beja Santos

De António Brito já aqui se fez com detalhe a exaltação do seu livro "Olhos de Caçador"[1], seguramente um dos livros cimeiros da literatura da guerra colonial, romance baseado nas suas vivências africanas, em jovem alistou-se nas tropas paraquedistas e foi mobilizado para a guerra em Moçambique. O seu segundo romance aponta noutra direção, cimenta-se no realismo fantástico, organiza-se em repetidas viagens entre um determinado presente e um determinado passado, dispõe de um ritmo trepidante, empurra o leitor para acompanhar sem pausa esta aventura que não dá pausas, tal o seu empolgamento: “O céu não pode esperar”, por António Brito, Sextante Editora, 2009.

De que trata este romance? Façamos fé ao constante na contracapa:
“A história do Tenente Romão, o aviador que enfrenta a morte nos céus de Moçambique durante a guerra, quando o seu avião é atingido por um míssil terra-ar. Na costa Oriental de África tropeça no rasto de outro português, agente do rei de Portugal, que por ali passou séculos atrás. A descoberta arrasta-o do passado para o futuro, seguindo uma enigmática pista, anteriormente perseguida pela Inquisição. Envolve-se numa perigosa cruzada onde se entrelaçam o insólito e o inexplicável, a política de estado e as intrigas das organizações clandestinas, a procura do sagrado e o conhecimento profano. Descobre que o mesmo céu que percorreu de avião foi durante séculos alvo da curiosidade de outros homens com outros propósitos. Homens que, movidos pela força da fé e a curiosidade da razão, afrontam o fanatismo dos dogmas e a ordem estabelecida. Em "O céu não pode esperar", cruzam-se a ciência divina do Novo Mundo e o obscurantismo religioso, a Restauração da Independência de Portugal e a herança judaica, os inimigos da Revolução de Abril e a política da Santa Sé. Quando a admirável verdade irrompe, tudo faz sentido, tudo se harmoniza, até o censurável amor, coisa admirável de acontecer”.

Logo na abertura, António Brito dá-nos conta dos factos com que vai manipular este edifício da escrita: um Fiat atingido por um míssil Strela, em Outubro de 1972; o afundamento do galeão San Pedro de Alcantara, perto de Peniche, em 2 de Fevereiro de 1786, seguiam a bordo índios ligados à rebelião inca de Tupac Amaru; a ocupação espanhola de Portugal e a Guerra da Restauração; as perseguições da Inquisição que levaram à extinção dos judeus em Portugal e à perseguição de cientistas como Bartolomeu de Gusmão, construtor da Passarola; os crânios de cristal descobertos na América Central e na América do Sul, no interior destes cristais foram descobertas imagens holográficas a três dimensões; a construção, em 1993, pelo físico russo Eugene Podkletnov de um mecanismo antigravitacional que conseguia anular parcialmente a lei da gravidade e diminuir o peso dos corpos, enquanto um cientista francês desenvolvia um projeto de uma aeronave experimental com propulsão eletrocinética. Abreviadamente se dá conta desta trama avassaladora: o abate do avião do Tenente Romão, o afundamento do galeão espanhol e o auxílio prestado pelos monges do Mosteiro de Alcobaça; a cicatrização das feridas do Tenente Romão, que estava prisioneiro dos guerrilheiros, e que descobre numa gruta a seguinte inscrição: “Aqui chegou Fagundes Dias no ano de 1643 vindo de Jerusalém a cidade de Nosso Senhor, entrou na gruta e encontrou um pequeno cofre; no Mosteiro de Alcobaça fazem-se experiências e o índio Yupanki é envolvido numa intrigante construção; o documento guardado naquele cofre são umas folhas acastanhadas que falham de um naufrágio… Assim vamos saltando no tempo e no espaço, e é uma deslealdade tamanha usar o poder quase discricionário de esmiuçar minuciosamente a essência da trama da obra em análise, descurando que não se deve defraudar o leitor na vivência desse empolgamento, como é o caso.

Falou-se acima em realismo fantástico, tudo a propósito de uma narrativa que tem foros de plausibilidade com a especulação de hipóteses não demonstradas. O escritor elenca factos históricos ou possibilidades de ocorrência e dá-lhes um tratamento próximo do fantástico ou mesmo da ficção científica. António Brito revela-se um mestre nesta arte combinatória, urde uma história de bom entretenimento que merece a melhor atenção do leitor, vale a pena citá-lo numa prosa em que se vive uma odisseia no espaço:
“Estava a viver uma experiência extrema.
Ao alcançar os duzentos quilómetros acima da Terra, Romão sentiu-se astronauta lançada para o espaço sem plano de viagem. Não fazia ideia de onde estava nem do que viria a seguir. Sabia apenas que estava longe, muito longe de Alcobaça. Naquele momento, nas traseiras do Mosteiro, estariam a interrogar-se pela demora, por onde andaria com a borboleta-monarca. Pela vigia, perscrutava um infindável vazio. O negrume do espaço profundo contrastava com o azul que abraçava a Terra. Continuava a afastar-se dela, cada vez mais longe de casa. Tocava nos losangos de cristal que o fariam perder a altitude, mas a nave deixara de lhe obedecer. Movia-se apenas num sentido: para cima, sempre para cima.
Passou a marca dos quinhentos quilómetros, depois dos setecentos. Uma qualquer programação da borboleta de cristal não cessava de enviar instruções à máquina, levando-o para fora da Terra. A nave tinha vida própria, deixara de lhe obedecer. Na sua arrogância de piloto experiente, pensava conhecê-la, controlar o seu previsível comportamento, mas ela escapava-lhe das mãos. Nada do que aprendera na Academia da Força Aérea se aplicava aqui. Não era Romão que levava a nave, era a nave que o levava a ele. Para onde? Não sabia.
Por volta dos mil quilómetros, a subida cessou. A vertigem do voo transformou-se em quietude. Respirou fundo. Olhou preocupado o nível de oxigénio. Devia estar no mínimo, mas deixara de receber essa informação. Os instrumentos, exaustos pela louca corrida, tinham-se amotinado, cessado de dialogar com ele, mantinham-se imóveis, olhando sem reação para o piloto. Subitamente, sentiu-se inquieto e só. Enfiado no casulo de posto de pilotagem, sem espaço para se mover, passara a orbitar em redor da Terra, envolvido por um silêncio aterrador. Nada podia fazer. A realidade explodiu-lhe na cabeça. Ampliou-lhe a compreensão do momento.
Nunca mais voltaria a casa.
Olhou para fora, espantou-se com a soberba visão do Planeta Azul. Emocionado, compreendeu, por fim, porque incas, frades e navegadores quiseram ascender ao céu. Porque quiseram contemplar a criação de Deus”.

Nunca há bom romance se a história não for bem contada. Em O céu não pode esperar cumprem-se os melhores cânones: trepidação e uma grande história de aventura e amor. Não se pode pedir mais.
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Notas do editor:

{1] - Vd. postes: P14713; P14737; P14747 e 14766

Último poste da série de 24 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18246: Bibliografia de uma guerra (84): “Contra o Vento, Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)”, por Valentim Alexandre; Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2017 (3) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18270: Memórias de Gabú (José Saúde) (69): Na cozinha da messe de sargentos, em Nova Lamego, num ataque de "fair play.": o “Sermão aos peixes” em tempo de guerra (José Saúde)



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.



As minhas memórias de Gabu



Na cozinha da messe de sargentos, em Nova Lamego, num ataque de "fair play":

O “Sermão aos peixes” em tempo de guerra


Revejo, amiudadamente, imagens sobre a nossa comissão militar na Guiné que me provocam intensos calafrios. Não sendo este o caso, pois a pose para o clique que máquina fotográfica registou, visa o recordar de velhos camaradas que conviveram comigo por terras de Gabu. Vamos, pois, dissertar sobre um ataque noturno mas de… fair play.

A noite era de festa. Comemorava-se o nascimento de Jesus, ou seja, festejava-se a quadra natalícia de 1973. Lá fora o breu da noitada reclamava cuidado. No interior do arame farpado o pessoal convivia. Uns, não recusavam disfarçar o vício do tabaco; outros, riam pelas “traquinices” provocadas pela minha pose que mais parecia o reeditar do proclamado “Sermão de Santo António aos Peixes”. É óbvio que o desígnio que ficou célebre é da autoria do padre António Vieira que a 13 de junho de 1654, na sequência da encruzilhada de litígios entre colonos brasileiros e os Jesuítas, ordem a que Vieira pertencia, contestavam a escravidão dos povos indígenas. Numa observação ao acontecimento litúrgico, o sermão terá sido declarado em São Luís do Maranhão, Brasil. 

A história diz-nos, também, que três dias depois, António Vieira embarcou para Lisboa onde debateu com o rei D. João IV leis que garantissem direitos básicos para os índios brasileiros protegerem as explorações dos colonos brancos. Esse objetivo visava, simultaneamente, a perda da mão-de-obra barata por parte dos colonos que exploravam impiedosamente os escravos.

O sermão constitui um surpreendente imaginário onde o padre António Vieira toma os peixes como símbolos de virtudes humanas que colidem em vícios de colonos então severamente censurados. Aliás, todo o sermão é uma alegoria, tendo em conta que os peixes são simplesmente uma metáfora dos homens.

A metáfora dos homens embebecidos por tamanha homilia não foi, em particular, a guerra com a qual convivemos. Não somos conhecedores de sermões aos peixes, nem enxergámos indícios de trabalho tipicamente escravo. Conhecemos, e essa foi a realidade, fazendas exploradas por feitores brancos, sabendo-se, historicamente, que a anulação da escravatura na Guiné teve lugar em finais do século XIX. Logo, escravos fomos nós de um regime totalitário que impunha regras de obrigatoriedade a jovens soldados.

Assim sendo, em meu entender, não houve ao longo da guerra pactos de reconciliação com o poder central instalado em Lisboa, nem metamorfoses que carecessem o erigir de novas leis do Estado Novo para protegerem os escravos inocentes atirados para as frentes de combate. Davam o seu corpo às balas e lá vinha a já gasta retórica que o audaz combatente morreu ao serviço da Pátria. Ponto final.

Nesta panóplia de combatentes nos campos da guerrilha, pormenorizo caras jovens de antigos camaradas que o tempo ousou imensuravelmente separar. Com a marcha da vida em rodagem moderada, embora o “contrarrelógio” visione sexagenários que se aproximam vertiginosamente para uma viragem de direção para um escalão superior, isto é, para categoria de septuagenários, eis-me, uma vez mais, ao encontro do precioso intento de rever companheiros que comigo partilharam inolvidáveis momentos.

Sei que a quase totalidade dos camaradas pertencentes ao BART 6523 que se fixou em Nova Lamego, Madina Madinga e Cabuca, são originários de terras nortenhas. Recordo que o Batalhão foi formado em Penafiel, não obstante de nunca por lá ter passado, uma vez que fiquei em Lamego a ministrar o 2º curso de 1973, precisamente ao 1º grupo de cadetes – Operações Especiais/Ranger -, seguindo-se a minha incorporação no respetivo corpo operacional na região de Gabu, um mês depois das nossas tropas por lá se terem instalarem.

Porém, a distância do tempo levou-me a citar o “sermão aos peixes” do padre António Vieira, embora ao de leve, dado que a narrativa tem como objetivo prioritário uma aproximação a esses célebres camaradas que foram meus fiéis companheiros enquanto da nossa estadia em chão fula.

Sabe-se que no Norte, presumivelmente ao invés da rapaziada do Sul, existe uma esmerada afeição pelos militares da guerra de África. As Tabancas de ex-combatentes que prestaram serviço na Guiné que por lá existem, são a prova reconhecida desse inequívoco querer. Os convívios predominam. Ainda bem que assim é. Bem-haja a vossa voluntariedade!

Fica este meu suposto “sermão aos peixes” em tempo de guerra, tendo em conta que esses outrora jovens, com caras joviais, são hoje gentes com rostos já rogados e vergados ao peso de uma idade que teima em não dar tréguas num trilho ultrapassado com alguma segurança. Aqui não há minas, nem tão-pouco fornilhos da desgraça. Vivamos a vida enquanto esta não derrapar para a fatídica emboscada final. 

Camaradas, espero, e teria muito prazer, um dia reencontrar-vos! Ficam os sinais de esperança. Facultem-me, pelo menos, um grito de alerta. O Zé Saúde, que vós conhecestes vive, desde criança, na cidade de Beja.

A vida, não obstante ter-me sido madrasta, contínuo a usufruir da minha plena liberdade e pronto a desafiar quilómetros de estrada. Aqui não há AVC que me derrube, por enquanto.


Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Guiné 61/74 - P18269: (In)citações (115): A nossa amiga e grã-tabanqueira Anabela Pires, de volta à Guiné-Bissau, seis anos depois do golpe de Estado de 12 de abril de 2012



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém > 10 de dezembro de 2009 > Mulheres...

Foto: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


[Anabela Pires, janeiro de 2012, em Catesse, no sul da Guiné-Bissau, foto à esquerda de Pepito... Nascida em Moçambique, técnica superior de serviço social no Ministério da Agricultura, reformada, amiga dos nossos grã-tabanqueiros Jero (Alcobaça), Alice Carneiro (Alfragide/Amadora), e do nosso saudoso Pepito, cidadã do mundo, "globetrotter", esteve três meses, entre janeiro e março de 2012, integrada, como voluntária, no projeto do Ecoturismo, da AD - Acção para o Desenvolvimento, e a viver em Iemberém; foi o golpe de Estado de 2012 que a obrigou a sair da Guiné-Bissau; está lá de novo, desde 18 do corrente; tem 25 referências no nosso blogue, dela publicámos o "diário de Iemberém"; pacifista e feminista, ela não gosta que a gente lhe chame uma "mulher de armas"... mas é assim que a gente a vê, aqui da Tabanca Grande]


1. Mensagem da nossa amiga e grã-tabanqueira Anabela Pires, com data de hoje

Queridos familiares e amig@s,

Estou na Guiné desde o dia 18  (*). A primeira semana foi agitada com passeios por Kéré nos Bijagós, depois Cacheu, Cachungo, Quinhamel.

Os últimos dias tenho-os passado num remanso calmo na residência dos meus amigos, a ler, com algumas saídas para almoços ou jantares enquanto tento descobrir como vou ao Sul, a Iemberém, onde estive há 6 anos. 

Tive um encontro breve com a Isabel Levy (mulher do Pepito) e espero voltar a estar com ela com mais tempo. Para já pareceu-me bem.

Entretanto o clima político na Guiné está bastante tenso. Hoje deveria começar o Congresso do PAIGC, maior partido nacional que ganhou as últimas eleições mas há 2 facções em confronto e a temperatura começou a subir na última noite. 

Bem, os que vos quero dizer é que se ouvirem notícias não fiquem preocupados. Pode ser que isto seja só fumaça mas se não for eu estou muitíssimo segura mesmo estando em Bissau. E se entretanto for para Iemberém também estarei em segurança pois todas estas tricas não passam, regra geral, de Bissau. Nada de preocupações ou alarmismos, neste país estas coisas são recorrentes.

Beijinhos e abraços,
Anabela (**)

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Guiné 61/74 - P18268: Agenda cultural (626): Lançamento do livro "A Fábrica e a Torre da Pólvora", a ter lugar amanhã, 31 de Janeiro, pelas 18 horas, nas Caves Manuelinas do Museu Militar de Lisboa (António José Pereira da Costa)


1. Em mensagem de ontem, 29 de Janeiro de 2018, o nosso camarada António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª da CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74), enviou-nos para publicação o Convite dele próprio e do Major-General Director da Direcção de História e Cultura Militar, para a sessão de lançamento do livro "A Fábrica e a Torre da Pólvora", a ter lugar amanhã, 31 de Janeiro, pelas 18 horas, nas Caves Manuelinas do Museu Militar de Lisboa.
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18265: Agenda cultural (625): Workshop "Viagens pela História do Fado" com Rui Vieira Nery, no Museu do Fado, todos sábados, das 17h30-19h00, de 10 de fevereiro a 3 de março de 2018

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18267: Fotos à procura de... uma legenda (99): Porque é que este(s) barco(s) nunca poderia(m) chamar-se Luís Graça? Ou Virgílio Teixeira? Ou Carlos Vinhal? Ou outro nome de grã-tabanqueiro, macho?








Alcácer do Sal > Carrasqueira > Cais palafítico > 28 de janeiro de 2018 > Nomes de barcos ancorados...  Dizem que é a maior "aldeia palafítica" da Europa... Homens e mulheres trabalham juntos na faina da pesca no estuário do Sado... A aldeia encontra-se dentro da Reserva Natural do Estuário do Sado... E é um belo sítio para se observar aves (de dezenas e dezenas de espécies diferentes) como para comer o famoso choquinho de coentrada e outras coisas boas que há por aqui, do camarão à enguia, da ostra às ameijoas... Fica a 3 km da praia da Comporta...

Vale uma visita, a Carrasqueira e não só... até por que todo o concelho de Alcácer do Sal (, o segundo maior do país em superfície) nos faz lembrar algumas coisas da Guiné-Bissau, não só a paisagem física (as "bolanhas"; aqui é a "Catió" de Portugal, produzindo um 1/3 do nosso arroz, com destaque para o nosso carolino...mas também o grande produtor do pinhão!), como a fauna (com destaque para as aves pernaltas..) e até as gentes (uma parte da população será de origem subsariana, antigos escravos que trabalhavam nos arrozais)...


1. Pergunto: porque é que aquele barco, "Graça Luis(a)" nunca se poderia chamar "Luis Graça"?  Ou "Virgílio Teixeira", que também faz anos hoje (e que me confessou: "até que enfim!, nunca tinha dado os parabéns a ninguém neste dia!"...).  Ou "Carlos Vinhal", que é o nome do nosso querido editor que que nunca se esquece de nós, e nos dá os "parabéns"...no dia certo!

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Nota do editor:

Último poste da série > 13 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18209: Fotos à procura de...uma legenda (98): Adivinhem quem vem almoçar à Tabanca da Linha, 5ª feira, dia 18?... Será um grupo coral alentejano? Alguns "meninos da Linha" já se começaram a queixar, ao régulo e seu adjunto, que a Tabanca está-se a tornar numa grande "bandalheira"...

Guiné 61/74 - P18266: Notas de leitura (1036): “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau”, por Livonildo Francisco Mendes; Chiado Editora, 2015 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Janeiro de 2018:

Queridos amigos,
O Dr. Livonildo rotula a sua obra sem nenhuma humildade: "Um livro indispensável para dissipar todas as dúvidas sobre os acontecimentos políticos que têm abalado a sociedade guineense e todo o continente africano".
Diz ter procedido a uma investigação que lhe fez desenhar um modelo para combater a má liderança governativa, levar à mudança de mentalidades, à mudança da retórica dos discursos, um modelo que obedeça a uma certa hierarquia entre governantes, políticos, decisores e governados. Antes de chegar a um modelo já proferiu algumas enormidades e teremos por diante umas largas centenas de considerações sobre ciência política, algumas delas num notável despropósito.
Um trabalho que se recomenda a leitura para se perceber que é preciso fazer qualquer coisa que leve à dignificação das dissertações de doutoramento.

Um abraço do
Mário


Uma proposta para novo modelo de governação na Guiné-Bissau (2)

Beja Santos

A obra intitula-se “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau”, por Livonildo Francisco Mendes, Chiado Editora, 2015. O autor concluiu a licenciatura e o mestrado em Sociologia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e em 2014 terminou o doutoramento em Ciência Política, Cidadania e Relações Internacionais pela Universidade Lusófona do Porto. A dissertação e a tese serviram de base a este livro, que é prefaciado por António José Fernandes, professor catedrático de Ciência Política.

O primeiro capítulo da obra procura contextualizar um quadro explicativo da epistemologia da ciência para depois se chegar à ciência política, acaba por ser um enquadramento abusivo e hipertrofiado, quem se lançar na leitura à procura deste novo paradigma de governação na Guiné-Bissau corre sérios riscos de ficar desalentado, é uma enxúndia e um despropósito, um livro que se arroga para divulgação nunca é uma dissertação de doutoramento. Segue-se o enquadramento histórico da Guiné-Bissau, do mosaico étnico à luta armada, interrompemos a recensão quando o autor se debruça sobre o assassinato de Amílcar Cabral (a palavra assassinato aparece entre aspas, sabe-se lá porquê). E são enunciadas as hipóteses quanto a responsáveis: dissidentes do PAIGC; morte acidental durante a operação do rapto; contínuas tensões no seio do PAIGC entre guineenses e cabo-verdianos; por ordem de Sékou Touré; a mando da União Soviética, que estaria à procura de uma nova liderança, mais maleável aos seus interesses; por ordem de Spínola. E sem fundamentar as diferentes hipóteses enunciadas, tecendo os necessários comentários, à luz dos documentos existentes, o autor deriva prontamente para as causas, segundo outros autores: o anúncio da criação da Assembleia Nacional Popular, proclamação do Estado da Guiné-Bissau; reforma da direção do PAIGC, que tiveram ressonância em Sékou Touré, deixando os blocos Leste e Ocidental num estado de alerta máximo pelo facto do PAIGC poder assumir uma posição neutra, havia perturbações no Ocidente face à possibilidade de uma futura luta armada em Cabo Verde que levaria à instalação de uma base militar soviética. E depois o autor fala nas incongruências diante dos factos apurados. Imprevistamente, fala-se na possibilidade de Amílcar Cabral se ter sentido pressionado e ter cometido suicídio ou de ter sido encontrado morto numa situação imprevista. Nova guinada, voltamos atrás, até à deslocação do Comité de Descolonização das Nações Unidas, em Abril de 1972, até às “zonas libertadas”, mais adiante escreve-se que Spínola fora administrador de uma grande empresa e que depois como governador da Guiné estabelecera estreitas relações com a CUF, e por aí adiante, é impossível encontrar fio condutor neste articulado sem qualquer trambelho.

Assim se chegou à independência, vieram à tona novos conflitos, foi o caso dos chefes tradicionais, que o PAIGC subalternizou. E o autor profere uma sentença:  
“A filosofia de Amílcar Cabral baseada no conflito armado é, em grande parte, responsável pela situação em que a Guiné se encontra. A guerra colonial não é a via adequada para a resolução de problemas. O controlo do poder na Guiné-Bissau teve durante muito tempo uma componente auxiliar fora do território nacional. Queremos dizer com isto que, a subordinação político-militar da Guiné-Bissau sempre funcionou do século XIII até ao século XX com um (ou mais) Estado a auxiliar. Nesta fase, voltamos a recorrer à analogia entre o império romano e o grande império do Mali. Para o império português verificamos uma semelhança entre o império português (Guiné-Bissau e Cabo Verde) e o império do PAIGC (Guiné-Bissau e Guiné Conacri). Portugal apostou no desenvolvimento de Cabo Verde enquanto aliado, funcionando como um braço do império, tal como a Guiné Conacri funcionava como base de apoio para o PAIGC. Quando esta subordinação político-militar externa cessou, com a implementação de uma autonomia interna, a Guiné-Bissau entrou num ciclo de instabilidade político-militar”.
Quem souber decifrar esta charada, tem direito a um doce, prometo-vos.

Entramos agora na caraterização política e social da Guiné-Bissau. Quanto à instabilidade, aponta-se como principal responsável o braço armado do PAIGC e o autor adverte: "esquecem-se que o PAIGC é em si mesmo o maior responsável pela instabilidade político-militar, por ter na frente do partido-Estado um esquema de liderança que funciona com base no sistema de triunvirato – através do sistema político do governo guineense, os ex-presidentes da República controlavam os primeiros-ministros e os CEMGFA. Mas, com o conflito político-militar de 7 de Junho de 1998, que culminou com a vitória dos militares, estes aperceberam-se de que o poder residia afinal nas suas mãos. Foi a partir desse momento que o poder político ficou refém do poder militar – até hoje".

É verdade que o autor atribui importância ao que se passou no Congresso de Cassacá, que abriu caminho para a subordinação indiscutível dos militares aos líderes políticos. Nessa leitura, com o derrube de Luís Cabral por Nino Vieira, confluíram na mesma pessoa o poder político-militar. Nino estimulou invejas e medos, inventou o complô dos militares Balantas com a fantasia de que estavam atrelados à conspiração de Paulo Correia, as FARP foram envolvidas neste envenenamento de relações, tomaram-se posições à volta do chefe supremo, colaboraram em processos de corrupção, caso da venda de armas aos rebeldes do Casamansa, onde nunca se provou quem era quem. Mas como se a confusão já não fosse enorme nesta dissertação do doutor Livonildo, ele conduz-nos até à literatura fantástica, vejam só:
“Conotamos e comparamos os líderes que estão a passar na governação da Guiné-Bissau com autênticos Beowulf. Esta metáfora de Beowulf, enquadrada na nossa arquitetura política, vem confirmar-nos que o poder na Guiné-Bissau se encontra provisoriamente nas FARP. Esses pactos entre Beowulf (poder político) e a mãe de Grendel (poder militar) são uma das causas da instabilidade política que, analisados precipitadamente, são confundidos com conflitos étnicos”.

Por pura generosidade com o leitor, o doutor Livonildo explica-nos a lenda de Beowulf:
“Beowulf é a personagem principal de um poema épico da literatura anglo-saxónica escrito na Grã-Bretanha entre os séculos VIII e XI. Na sua adaptação ao cinema de 2007, Beowulf, um corajoso guerreiro da tribo dos gautas (da Suécia) livra os dinamarqueses do terrível Grendel. Porém, ao ser confrontado com a sedutora mãe do monstro, Beowulf ao invés de matá-la, cai na tentação e envolve-se com ela. Do enlace entre Beowulf e a mãe de Grendel nasce um novo monstro (um dragão) que acabará por matar Beowulf. Esta história mostra-nos como a ambição desmedida pelo poder pode arruinar o futuro dos homens, criando ciclos repetidos de mentira, traição, violência e morte".

E vem a sentença do autor: “Com base nesta ordem de ideias, conotamos e comparamos os líderes que estão a passar na governação da Guiné-Bissau, em especial das lideranças do PAIGC em 1960, com autênticos Beowulf”.
Como se vê, a apregoada ciência política tem um sério entrosamento com a literatura fantástica, com as lendas e o esoterismo.

(Continua)
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Notas do editor:

Vd. poste anterior de 22 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18239: Notas de leitura (1034): “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau”, por Livonildo Francisco Mendes; Chiado Editora, 2015 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 26 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18255: Notas de leitura (1035): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (19) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18265: Agenda cultural (625): Workshop "Viagens pela História do Fado" com Rui Vieira Nery, no Museu do Fado, todos sábados, das 17h30-19h00, de 10 de fevereiro a 3 de março de 2018



1. VIAGENS PELA HISTÓRIA DO FADO > SINOPSE:

Da Lisboa oitocentista à atualidade, dos bairros castiços às grandes salas de concerto em todo o mundo, conheça melhor as histórias da canção de Lisboa!

Desenvolvido no século XIX, o Fado resulta de um processo de fusão multicultural que envolve as mais variadas influências, das danças afro-brasileiras às tradições vindas de zonas rurais, passando pelos padrões cosmopolitas da época. 

No século XX, a sua disseminação pela Europa e Américas, inicialmente por via da emigração, depois através dos circuitos de world music, contribuiu para a troca de sinergias com outros géneros musicais e reforçou o Fado, no campo internacional, como símbolo da identidade portuguesa.

Neste workshop, faça uma viagem pela História do Fado, conduzida pelo musicólogo e historiador Rui Vieira Nery.


2.  LOCAL E DATAS:

Local: Museu do Fado
Largo do Chafariz de Dentro, nº 1
1100-139 Lisboa

Data de início: 2018-02-10  | Data de fim: 2018-03-03

Sábados, 17h30 - 19h

Preço: 5 € por sessão

Inscrições: telef +351 218 823 470 | email: info@museudofado.pt

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Guiné 61/74 - P18264: Parabéns a você (1384): Luís Graça, Fundador deste Blogue, ex-Fur Mil Aarmas Pesadas Inf.ª da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71) e Virgílio Teixeira, ex-Alf Mil SAM do BCAÇ 1933 (Guiné, 1967/69)


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Nota do editor

Último poste da série de 27 de Janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18258: Parabéns a você (1383): Mário Serra de Oliveira, ex-1.º Cabo Escriturário - BA 12 (Guiné, 1967/68)

domingo, 28 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18263: Blogues da nossa blogosfera (90): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (9): "Impossibilidade" e "Monte das Oliveiras"


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos estas duas publicações da sua autoria.


IMPOSSIBILIDADE
ADÃO CRUZ

© ADÃO CRUZ

Persegue-me a impossibilidade de lá chegar…

Como se fora um belo dia de primavera nos olhos de um prisioneiro atrás das grades.

Faltam-me as pernas, o tempo, as palavras e o caminho.

Falta-me a força das coisas simples e o gesto subtil da liberdade.

Cada dia é um mundo oferecendo-me todos os frutos que não sei colher, cada cidade um labirinto por onde não sei andar.

A minha fragilidade é metade de um sonho inacabado, a outra metade é este quadro que pinto numa manhã de sol da minha doce loucura.

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Tremem-me as pernas a caminho de Belvedere onde me espera Egon Schiele, num salão enorme tendo ao fundo uma mulher.

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MONTE DAS OLIVEIRAS

 ADÃO CRUZ

 ©ADÃO CRUZ


Não sei o que entra em mim no cálido fim desta tarde alentejana, não sei ao certo o que me diz o silêncio aberto destes campos sem fim, nem sei se procuro o lugar seguro para abrir o pensamento.

Há qualquer coisa para lá do horizonte entre a angústia e a Esperança, estranha esperança de futuro no silêncio aberto destes campos sem fim, qualquer coisa que arde no cair da tarde entre a magia da vida e a dor contida no monte das oliveiras.

Para lá do horizonte, no fim de La Codozera, não havia ninguém à minha espera no cálido fim desta tarde alentejana.

Nesta tarde alentejana, feita de silêncio aberto e de campos sem fim, parei o carro na berma da estrada que vinha do nada de onde parti à procura da cidade com todas as ruas que há dentro de mim.

Há anos que não me adormecia um sono tão profundo nem o sol trigueiro me dourava a figura, num quase azul, pintando de ternura esse sonho perdido no fim do mundo.
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18185: Blogues da nossa blogosfera (89): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (8): "Quando vens ao meu encontro"

Guiné 61/74 - P18262: Blogpoesia (550): "As sombras dormem ao sol", "O despertar da toupeira", e "Os astros", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


As sombras dormem ao sol

As sombras dormem ao sol,
Estendidas no chão.
Se levantam sonâmbulas e deambulam perdidas na noite.
Prendem-se aos corpos e giram sem asas, amarradas por cordas adiante dos passos.
Tingem de negro a terra e não deixam pegadas.
Derramam frescura no solo e se escondem do sol.
Empurram e abrem as portas sem chave.
Ficam à porta e sacodem os pés.
Tangidas por feixes, escorrem do telhado das casas e se espalham secas no chão.
Escrevem rabiscos e formas com ordem
E cavam buracos.
Sem óculos, tapam a cara e tingem de negro os olhos.
Semeiam sementes de sombras. Mesmo molhadas, morrem ao sol.
São e não são…

Ouvindo Pachelbel - Forest Garden
Berlim, 21 de Janeiro de 2018
9h25m
Jlmg

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O despertar da toupeira

Da minha janela, pela manhã,
Ponho-me a ver o despertar da toupeira, na encosta do monte,
No meio das urzes.
Bate-lhe o sol. Aí vem ela saindo da toca,
Regalada da cama.
Estrega os olhitos. Limpa as ramelas. Olha em redor.
Tudo nas calmas.
Lava a cara com a saliva quentinha.
Depois todo o corpo, onde chegam as patas.
Avança cautelosa, pelas veredas de terra.
Debica as folhitas mais verdes.
Come formigas.
E vai. Calmamente. Orelhitas no ar.
Há um gato vizinho.
Uma ameaça constante.
Passa um coelhito,
Nem olha pra ela.
Fica a mirá-lo e faz seu xi-xi.
Às tantas, lá vem a sua vizinha.
Pergunta-lhe pelos seus.
Quando pensa mudar.
A encosta de sempre já não é como era.
A pouco e pouco, está no topo do monte.
De lá vê-se tudo.
-hei-de pegar minhas trouxas e venho para cá.
Assim pensava a toupeira no caminho para a toca.

Berlim, 24 de Janeiro de 2018
8h44m
Jlmg

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Os astros

Pontinhos humildes.
Luzentes, ocultos.
Estáticos, ao alto.
Na realidade, gigantes.
A distância infinita os humilha.
Parecem inúteis.
São tantos.
Faúlhas latentes.
Tecem de luzes o céu das estrelas.
A ciência diz:
Correm velozes, calados,
Em órbitas imensas.
Um jogo de forças.
Equilíbrio total.
Aquele maior,
Que nasce e se põe
Nos longes da serra
E do mar,
Iluminando a terra,
Cobrindo-a de verde,
Quem diria,
É um deles.
O sol.
Controla ao redor,
Em harmonia total,
Com diversos tamanhos,
Uma dezena de
Bolas sem luz,
Será que têm vida?...

Berlim, 25 de Janeiro de 2018
10h39m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18235: Blogpoesia (549): "As escolinhas primárias", "Parado às dez...", e "Secaram as fontes", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P18261: O Cancioneiro da Nossa Guerra (5): O hino dos "Unidos de Mampatá", a CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74)



Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250/72 , Os Unidos de Mampatá (1972/74) > O repouso do guerreiro... O Zé Manel, ou o Josema (pesudónimo literário), "a reler o que havia escrito, numa pausa durante a protecção a uma coluna de Buba para Aldeia Formoso".
Fotos (e legendas): © José Mnauel Lopes  (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Tombali > Nhala > 1974 > Foto nº 1 > Os "Unidos de Mampatá", CART 6250/72, em final de comissão, foram despedir-se dos "periquitos" de Nhala,  2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74).


Guiné > Região de Tombali > Nhala > 1974 > Foto nº 2 Os "Unidos de Mampatá", CART 6250, em final de comissão, foram despedir-se dos "periquitos" de Nhala,  2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74).

Comentário do António Carvalho (ex-fur mil enf, da CART 6250):

"Primeiramente devo manifestar a minha gratidão ao Murta, por ter guardado e nos ter proporcionado esta vista do regresso da nossa companhia a Bissau, via Nhala e Buba. As fotografias são muito interessantes, sob o ponto de vista da história da guerra do ultramar porque mostram a alegria transbordante pelo fim da comissão e a anarquia reinante com ausência de armamento, agora já imprestável naquele irrepetível tempo, posterior ao 25 de Abril. Para trás ficava Mampatá e a memória dos nossos dois mortos - o Mata e o Albuquerque. Eu já não me lembrava daquela paragem em Nhala que não terá sido só para atazanar os periquitos mas para retemperar energias com mais umas cervejas. Aquela viajem foi gloriosa também porque estávamos a inaugurar a estrada nova Aldeia Formosa- Buba, agora percorrida em menos de uma hora." (*)


Fotos (e legendas): © António Murta (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Continuamos o nosso projeto de reunir, numa só série (**), os versos e outros textos poéticos do nosso Cancioneiro, do "cancioneiro da nossa guerra"...

O "Hino dos Unidos", já aqui reproduzido há 10 anos,  data  muito provavelmente de princípios de 1974 (***). Segundo o José Manuel Lopes, produziram-se, no seu tempo, diversas letras que parodiavam fados, canções e baladas em voga. Primeiro escolhia-se uma música, e depois encaixava-se, muitas vezes a martelo (como é aqui o caso...), uma letra. Ele próprio foi autor de algumas letras que ficou de identificar, no "baú da casa da avó"... Havia também um furriel madeirense, da CART 6250/72.  que era um bom letrista...

Recorde-se que esta companhia, a CART 6250/72 [, não confundir com a CART 6250/73,] especializou-se em operações de segurança aos trabalhos de construção da estrada, que ia de Buba, Quebo, Mampatá, Cumbijã, Nhacobá, Salancaur, até ao corredor da morte... O José Manuel Lopes ("Josema") e os seus camaradas passaram dias e dias, semanas e semanas, meses e meses, a picar, a levantar minas, a montar segurança, a fazer emboscadas, a dormir e a comer na estrada, acompanhando a sua abertura, em direcção ao sul... Havia, portanto, tempo para tudo: desde o Leça que escrevia todos os dias areogramas para a sua amada, até ao Josema, que escrevia todos os dias um poema... (Infelizmente só chegaram até nós umas escassas seis dezenas, reproduzidas na série "O poemário do José Manuel").

Havia, por outro lado, três ou quatro camaradas que tinham jeito para a música e tocavam instrumentos (nomeadamente viola). Havia, inclusive, um baterista de um conjunto que na época teve algum sucesso em Portugal. Ele disse-me o nome, ao telefone, mas não fixei (***). Na época, eram, raros infelizmente os gravadores de som. Não haverá, por isso, muitos registos fonográficos deste "outro lado da guerra"... Há, comn certeza, memórias ainda vivas dessa produção poético-musical, que de resto temos vindo aqui a recolher e a divulgar...

Além do Cancioneiro de Mampatá, tenho outros,  espalhados pelos mais de 18 ,mil postes até agora publicados no nosso blogue. desde 2004: Cachil, Bafatá, Bambadinca, Bissau, Canjadude, Empada, Gandembel, Mansoa, Xime/Ponta do Inglês, Bedanda...

Estamos a fazer um esforço para "salvar",  "salvaguardar" e  divulgar outros mais, todos eles "pedaços da nossa memória" (, individual e coletiva).


2. O cancioneiro da nossa guerra > Hino da CART 6250/72 (Mampata, 1972/74)

Refrão

Sessenta e dois cinquenta,
Sessenta e dois cinquenta,
Sessenta e dois cinquenta,
Sessenta e dois cinquenta,
Sessenta e dois cinquenta,
Mampatá, patá, patá, patá,
Mampatá, Mampatá, Mampatá.

Andam bocas por aí
Que os Unidos só sabem piar,
Mas a realidade
É bem fácil de se provar.

Refrão

Deixai lá falar
E cumpramos o nosso lema,
Sempre Unidos cem por cento,
Venceremos para sempre.

Isto aqui é nosso,
É Mampatá, patá, patá, patá,
Mampatá, tá, tá, tá,
Mampatá, patá, patá, patá.

A protecção à estrada
Que os Unidos estão a fazer,
Basta p’ra provar
Qu’ aqui se trabalha a valer.

Refrão

Começámos sem ter lar
E já temos o nosso abrigo,
Esta é aquela máquina,
Só possível aos Unidos.

Refrão

Esta CART dos Reguilas,
Como alguém do outro lado lhe chamou,
Será sempre honrada
Como herói qu’aqui suou e lutou.

Refrão

Mampatá espera de nós
O Progresso e a promoção do seu povo,
Nós lhe prometemos
Que terá esse MUNDO NOVO!

Letra recolhida por José Manuel Lopes [Josema],
ex-fur mil da CART 6250 , "Os Unidos de Mampatá" (Mampatá, 1972/74)

Texto: © José Manuel Lopes (2008). Todos os direitos reservados. [ Edição / revisão / fixação de texto: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14277: A minha homenagem aos "Unidos de Mampatá" (CART 6250/72, Mampatá, 1972/74), António Carvalho, José Manuel Lopes (Josema) e Carlos Farinha... (António Murta, ex-alf mil inf, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74)

(...) Tenho duas fotografias, que anexo, de um momento importante da sua comissão na Guiné e que é, precisamente, o fim dela (comissão). Os rapazinhos estão de malas feitas e vão para a peluda. Foram a Nhala despedir-se e atazanar os periquitos locais.  Podem reconhecer-se também nas fotos o nosso poeta de Mampatá, José Manuel Lopes [, Josema,] e o Alfero Carlos Farinha, todos nossos Grã-Tabanqueiros. (...)

sábado, 27 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18261: O cancioneiro da nossa guerra (4): "o tango dos periquitos" ou o hino da revolta da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) (Silvino Oliveira / José Colaço)


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) > 1964 >Abrigo "Cova do Comando" da CCAÇ 557 no Cachil. Alguém chamou a esta subunidade, que também participou na Op Tridente (jan/mar 1964), "a esquálida e esgroviada Companhia de Caçadores 557". Por detrás desta foto estão cinquenta e cinco dias a ração de combate, cerca sessenta dias sem mudar de roupa nem tomar banho, e com água racionada para beber

Legenda: a começar da esquerda para a direita o 1.º Cabo Enfermeiro Leiria; 1.º Cabo Radiotelegrafista Joaquim Robalo Dias; Dr. Rogério Leitão, que já partiu; atrás o 1.º Cabo Enfermeiro António Salvador, e por último, de quico, a sair do buraco, eu, Soldado de Transmissões José Colaço. mAs barbas com cerca de 90 dias. Os cabelos já tinham levado um corte para melhor se aguentar o calor. Aquela "divisória" entre o 1.º Cabo Dias e dr. Rogério, é uma cobra que durante a noite se lembrou de nos assaltar o abrigo e que só de manhã com a luz do dia foi detectada a um canto da cova. Foi condenada à morte pela catana de um milícia.

Foto (e legenda): © José Colaço (2015). Todos os direitos reservados. [Edição elegendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem do  José Colaço, ex-sold trms, CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), fidelíssimo membro da nossa Tabanca Grande desde junho de 2008:


Data: 30 de dezembro de 2017 às 00:19
Assunto: Contribuição da CCaç 557 para o cancioneiro da Guiné

Caro Luís,  com ou sem razão todos nós sentimos por vezes discriminados e, no que toca às companhias ditas independentes [, caso da CCAÇ 557], eram um pouco os filhos do "vento".

E foi nesta base que o ex-1º cabo condutor rádio telegrafista Silvino Oliveira fez estes versos que eram cantados com adaptação da música "O amor do estudante".Para  mostrar a nossa insatisfação como eramos tratados a nível de comando das Companhias. a que estivemos adidos.

Para demonstrar a nossa  "revolta",  foi-se solidificando a ideia que no dia da despedida organizássemos uma marcha pelas ruas de Bafatá a cantar a nossa canção de despedida.

Mas com tudo isto quando se deu conhecimento ao capitão ele disse por outras palavras mais ou menos isto: "Não façam isso,  uma coisa é o que vocês cantam e dizem entre muros,  outra é a praça pública"... E  ficou sem efeito o acto de "provocação".

Mas mesmo que o nosso programa se mantivesse, ele ficaria sempre sem efeito porque a nossa saída de Bafatá foi bastante  atribulada: quando faltavam três dias para sairmos, o que nós considerávamos a peluda, já depois de termos entregue todo o material de guerra inclusive o fato camuflado, recebemos ordem  para levantar todo o material de guerra para ir para a última operação de dois dias... 

O regresso foi tudo à pressa, entregar novamente o material de guerra e tomar as camionetes Mercedes para Bambadinca e o barco, a Bor, estava já ancorado no cais para nos transportar até Bissau onde o paquete Niassa nos esperava, ancorado ao largo do cais de Pidjiguiti. por este motivo as despedidas pessoais de Bafatá e Bissau ficaram adiadas "sine dia".

Ao nosso administrador e editores se este hino de "revolta" em alguma parte fere os princípios do blogue estão à vontade para não publicar.

Um abraço, José Colaço.
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O Tango dos periquitos

[Com música de "Amores de estudante"]

I

Oficiais e soldados
Estão a ser embarcados
Por motivos esquisitos,
Não respeitam a velhice,
Estes montes de imundice
Que se chamam periquitos.
De avião fazem a guerra,
Mas quem anda por terra
No perigo se meterá,
Mais um louvor que surge
Para quem anda na 'babuge'
Dos velhinhos de Bafatá.

Coro

Queremos que chegue a bola,
Para corrermos Bafatá de cartola,
Para mostrar aos amigos periquitos
Que vamos embora
E ficam os periquitos.



II

Nas bolanhas traiçoeiras,
No capim e nas palmeiras,
O perigo nos espreita,
Com o tempo terminado
É triste ser mandado
Por semelhante seita,
Periquitos manhosos.
Como são vaidosos,
Quando abrem os bicos,
Necessito desabafar,
Por isso vou cantar
O tango dos periquitos.

III

Já estamos habituados
A ser enganados
Na nossa comissão,
Mas nunca previa
Que ainda surgia
Mais outro aldrabão,
Mas que grande periquito
Que em tudo se mete
Mas podes correr e saltar
Que nunca chegas aos calcanhares da 557.

Hino de "revolta",
 autor Silvino Oliveira,
ex-1º cabo condutor rádio telegrafista CCaç 557


Texto: © Silvino Oliveira (2017). Todos os direitos reservados. [ Edição / revisão / fixação de texto: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Nota do editor:

Último poste da série >  27 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18259: O cancioneiro da nossa guerra (3): mais quatro letras, ao gosto popular alentejano, do Edmundo Santos, ex-fur mil, CART 2519, Os Morcegos de Mampatá (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá, 1969/71)