sábado, 27 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18261: O cancioneiro da nossa guerra (4): "o tango dos periquitos" ou o hino da revolta da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) (Silvino Oliveira / José Colaço)


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) > 1964 >Abrigo "Cova do Comando" da CCAÇ 557 no Cachil. Alguém chamou a esta subunidade, que também participou na Op Tridente (jan/mar 1964), "a esquálida e esgroviada Companhia de Caçadores 557". Por detrás desta foto estão cinquenta e cinco dias a ração de combate, cerca sessenta dias sem mudar de roupa nem tomar banho, e com água racionada para beber

Legenda: a começar da esquerda para a direita o 1.º Cabo Enfermeiro Leiria; 1.º Cabo Radiotelegrafista Joaquim Robalo Dias; Dr. Rogério Leitão, que já partiu; atrás o 1.º Cabo Enfermeiro António Salvador, e por último, de quico, a sair do buraco, eu, Soldado de Transmissões José Colaço. mAs barbas com cerca de 90 dias. Os cabelos já tinham levado um corte para melhor se aguentar o calor. Aquela "divisória" entre o 1.º Cabo Dias e dr. Rogério, é uma cobra que durante a noite se lembrou de nos assaltar o abrigo e que só de manhã com a luz do dia foi detectada a um canto da cova. Foi condenada à morte pela catana de um milícia.

Foto (e legenda): © José Colaço (2015). Todos os direitos reservados. [Edição elegendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem do  José Colaço, ex-sold trms, CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), fidelíssimo membro da nossa Tabanca Grande desde junho de 2008:


Data: 30 de dezembro de 2017 às 00:19
Assunto: Contribuição da CCaç 557 para o cancioneiro da Guiné

Caro Luís,  com ou sem razão todos nós sentimos por vezes discriminados e, no que toca às companhias ditas independentes [, caso da CCAÇ 557], eram um pouco os filhos do "vento".

E foi nesta base que o ex-1º cabo condutor rádio telegrafista Silvino Oliveira fez estes versos que eram cantados com adaptação da música "O amor do estudante".Para  mostrar a nossa insatisfação como eramos tratados a nível de comando das Companhias. a que estivemos adidos.

Para demonstrar a nossa  "revolta",  foi-se solidificando a ideia que no dia da despedida organizássemos uma marcha pelas ruas de Bafatá a cantar a nossa canção de despedida.

Mas com tudo isto quando se deu conhecimento ao capitão ele disse por outras palavras mais ou menos isto: "Não façam isso,  uma coisa é o que vocês cantam e dizem entre muros,  outra é a praça pública"... E  ficou sem efeito o acto de "provocação".

Mas mesmo que o nosso programa se mantivesse, ele ficaria sempre sem efeito porque a nossa saída de Bafatá foi bastante  atribulada: quando faltavam três dias para sairmos, o que nós considerávamos a peluda, já depois de termos entregue todo o material de guerra inclusive o fato camuflado, recebemos ordem  para levantar todo o material de guerra para ir para a última operação de dois dias... 

O regresso foi tudo à pressa, entregar novamente o material de guerra e tomar as camionetes Mercedes para Bambadinca e o barco, a Bor, estava já ancorado no cais para nos transportar até Bissau onde o paquete Niassa nos esperava, ancorado ao largo do cais de Pidjiguiti. por este motivo as despedidas pessoais de Bafatá e Bissau ficaram adiadas "sine dia".

Ao nosso administrador e editores se este hino de "revolta" em alguma parte fere os princípios do blogue estão à vontade para não publicar.

Um abraço, José Colaço.
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O Tango dos periquitos

[Com música de "Amores de estudante"]

I

Oficiais e soldados
Estão a ser embarcados
Por motivos esquisitos,
Não respeitam a velhice,
Estes montes de imundice
Que se chamam periquitos.
De avião fazem a guerra,
Mas quem anda por terra
No perigo se meterá,
Mais um louvor que surge
Para quem anda na 'babuge'
Dos velhinhos de Bafatá.

Coro

Queremos que chegue a bola,
Para corrermos Bafatá de cartola,
Para mostrar aos amigos periquitos
Que vamos embora
E ficam os periquitos.



II

Nas bolanhas traiçoeiras,
No capim e nas palmeiras,
O perigo nos espreita,
Com o tempo terminado
É triste ser mandado
Por semelhante seita,
Periquitos manhosos.
Como são vaidosos,
Quando abrem os bicos,
Necessito desabafar,
Por isso vou cantar
O tango dos periquitos.

III

Já estamos habituados
A ser enganados
Na nossa comissão,
Mas nunca previa
Que ainda surgia
Mais outro aldrabão,
Mas que grande periquito
Que em tudo se mete
Mas podes correr e saltar
Que nunca chegas aos calcanhares da 557.

Hino de "revolta",
 autor Silvino Oliveira,
ex-1º cabo condutor rádio telegrafista CCaç 557


Texto: © Silvino Oliveira (2017). Todos os direitos reservados. [ Edição / revisão / fixação de texto: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Nota do editor:

Último poste da série >  27 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18259: O cancioneiro da nossa guerra (3): mais quatro letras, ao gosto popular alentejano, do Edmundo Santos, ex-fur mil, CART 2519, Os Morcegos de Mampatá (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá, 1969/71)

3 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Mais um louvor que surge
Para quem anda na 'babuge'
Dos velhinhos de Bafatá.

... o poeta queria dixer "babugem", mas usou a forma popular "babuge" para rimar com "surge"... Usa-se na linguagem corrente.

babugem | s. f.

ba·bu·gem
(baba + -ugem)
substantivo feminino
1. Baba ou espuma nojenta aglomerada num ponto.

2. Resíduos (da comida).

3. Ridicularia, coisa sem importância.


"babugem", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/babugem [consultado em 27-01-2018].

Tabanca Grande Luís Graça disse...

José Colaço, afinal há mais poetas na tua CCAÇ 557. Temos o Francisco Santos e agora mais o Silvino. Faz o favor de o convidar para se sentar à sombra do poilão da Tabanca Grande. Transmite-lhe o convite, que vai da minha parte. Tiro o quico ao poeta, autor de "o Tango dos periquitos"...

Camarada, Silvino Oliveira, camarada José Colaça: afinal, fomos todos tangueados... Gozaram connosco os cabrões todos, deram-nos tanga, dos altos dirigentes da (Da)Nação aos generais de opereta... Os "cães grandes", como eu lhes chamava, nas noites de raiva... Fomos sempre tratados como "periquitos, maçaricos, checas"... Em todas as guerras. Não foi só na Guiné, de 1961 a 1974... Tem sido assim ao longo da nossa história...


Tabanca Grande Luís Graça disse...

Zé, tens de explicar à gente quem é que vos aldrabou e obrigou a vestir outra o camuflado e a empunhar a canhota... Deve ter sido o batalhão periquito que chegou a Bafatá... Em 1965, quem terá sido ?