Foto (e legenda) © Carlos Silva (1970). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
O nosso camarada e amigo Virgínio Briote, o editor literário ou "copydesk" desta obra, facultou-nos uma cópia digital. O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem mais de nove dezenas de referências no nosso blogue. Tinha um 2º volume em preparação, que a doença e a morte não lhe permitaram ultimar.
O autor, em Bafatá, sua terra natal, por volta de meados de 1966. (Foto reproduzida no livro, na pág. 149) |
(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné Conacri, começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;
(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;
(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;
(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;
(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);
(vii) depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido, por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757;
(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló (Cacine, Catió, 1929 - Tite, 1971)
(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal e em setembro anda por Paunca: aqui ouve as previsões agoirentas de um adivinho;
(x) em finais de outubro de 1970, começam os preparativos da invasão anfíbia de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), na qual ele participaçou, com toda 1ª CCmds, sob o comando do cap graduado comando João Bacar Jaló (pp. 168-183);
(xi) a narrativa é retomada depois do regresso de Conacri, por pouco tempo, a Fá Mandinga, em dezembro de 1970; a companhia é destacada para Cacine [3 pelotões para reforço temporário das guarnições de Gandembel e Guileje, entre dez 1970 e jan 1971]; Amadu Djaló estava de licença de casamento (15 dias), para logo a seguir ser ferido em Jababá Biafada, sector de Tite, em fevereiro de 1971;
(xii) supersticioso, ouve a "profecia" de um velho adivinho que tem "um recado de Deus (...) para dar ao capitão João Bacar Jaló"; este sonha com a sua própria morte, que vai ocorrer no sector de Tite, perto da tabanca de Jufá, em 16 de abril de 1971 (versão contada ao autor pelo soldado 'comando' Abdulai Djaló Cula, texto em itálico no livro, pp.192-195) ,
(xiii) é entretanto transferido para a 2ª CCmds Africanos, agora em formação; 1ª fase de instrução, em Fá Mandinga , sector L1, de 24 de abril a fins de julho de 1971.
(xiv) o final da instrução realizou.se no subsector do Xitole, regulado do Corunal, cim uma incursão ao mítico Galo Corubal.
(xv) com a 2ª CCmds, comandada por Zacarias Saiegh, participa, em outubro e novembro de 1971, participa em duas acções, uma na zona de Bissum Naga e outra na área de Farim;
Começou a folheá-lo e, uns momentos depois, mandou chamar o tenente Jamanca. Nisto entrou o Marcelino da Mata [1] e, logo a seguir o Jamanca.
O major, dirigindo-se ao Jamanca, perguntou-lhe porque é que ainda não tinha sido entregue o meu processo de promoção. Como o Jamanca ficou calado, o comandante voltou a fazer a pergunta e o Jamanca continuou calado. Nessa altura, o Marcelino disse que no batalhão já se vendiam os postos e que era por isso que não gostava de lá estar [2].
O comandante não ficou muito satisfeito com esta saída do Marcelino e mandou-o estar calado.
− Amadu, vais ser oficial. E a questão do vencimento vai resolver-se.
Uma semana depois, talvez, estava na cantina quando me chamaram ao telefone.
−Amadu, sabes com quem estás a falar?
Eu não reconheci a voz e respondi que não, que não sabia quem me estava a telefonar.
− É do Comando-Chefe, é o Ramos[3]!
− Olá. meu capitão, está bom?
E, depois começámos a falar, até que me convidou a ir ter com ele.
Fui sem demora. Quando o vi, ele perguntou-me se eu queria escolher um furriel e dez soldados, que fossem da minha total confiança e passasse a sair com ele[4], para o mato.
Nesse mesmo dia chamei o furriel Facene Sama. Eu gostava do Facene, tanto como se fosse meu filho. Disse-lhe:
− Escolhe dez homens da tua completa confiança e apresenta-te na parada com eles, com as vossas armas e mais dois RPG2 e uma HK 21. Quando estiverem prontos, chama-me. Entretanto, fui buscar a minha arma, os equipamentos e um rádio AVP 1.
O grupo já estava formado quando me dirigi ao encontro deles. Passei-lhes revista, inspeccionei as armas e os respectivos equipamentos e disse-lhes que estivessem prontos para saírem no dia seguinte às 07h30.
No dia seguinte, começámos a sair com o Marcelino da Mata e com o capitão paraquedista Ramos. Por cada saída eu recebia mil escudos e o furriel e os soldados quinhentos.
Estas acções duraram três a quatro meses, com uma a duas saídas por semana, ao mesmo tempo que me mantinha nos Comandos em Brá e saía sempre que o meu grupo estava escalado.
Tive conhecimento que ia haver um curso em Mansabá, logo nos inícios de 1973. Eu andava muito cansado e, quando vi o meu nome na lista de instrutores, pedi para me trocarem. Quando teve conhecimento do meu pedido, o capitão Matos Gomes mandou-me chamar.
− De que é que eu estou cansado, meu capitão? De tantas correrias, de marchas forçadas!
− Não vais correr, Amadu, quem corre são eles, tu vais mandar, vais controlar as corridas e as marchas.
Três dias depois, lá fui eu, outra vez, numa coluna de viaturas, para Mansabá. Chegámos atrasados, já passavam das 16 horas. Tinha havido um acidente com alguns feridos, na curva de Nhacra, logo a seguir à povoação.
Eu levei a minha mulher e o Braima Baldé e o Bailo Djau também levaram as deles. Depois de chegarmos fomos procurar alojamentos.
No dia seguinte começou o curso[5]. Nos três primeiros dias comemos muito mal, não havia carne. Não estávamos a passar muito bem e, então fui falar com o capitão, comandante da companhia, a ver se nos podia arranjar carne.
Que havia um homem, chamado Malan, que matava o gado e que, quando precisavam de carne, falavam com ele.
Eu, o alferes Carolino Barbosa e os sargentos Braima Bá e Bailo Djau andámos de casa em casa, à procura do homem até que o encontrámos sentado na varanda. Cumprimentou-nos mas não nos mandou entrar.
Quando lhe fizemos o pedido, disse que não, que só mataria com a autorização do capitão. Nós dissemos-lhe que tinha sido o capitão que nos tinha indicado o nome dele, mas mesmo assim recusou, dizendo que o capitão tinha que falar directamente com ele.
Vimos um furriel ali perto, dentro de um jipe e pedimos-lhe que transmitisse ao capitão que estávamos ali por causa da carne, mas que o homem dizia que só na presença do capitão é que o caso se podia resolver.
Não demorou muito, chegou um jipe com um alferes que, a mando do capitão, disse que o homem podia matar vacas para o nosso consumo. No dia seguinte, de manhã, tínhamos a carne que precisávamos. E á tarde, quando estava com o capitão Matos Gomes perguntei-lhe se era possível organizar uma coluna para Farim. Porque eu tinha parentes lá, que tinham muito gado. Arranjava pastor, trazia-o para Mansabá e era capaz de arranjar carne de vaca a 11 escudos o quilo.
Saímos no dia seguinte, de manhã, em coluna, e ainda não eram 11h00 já estávamos em Farim. Contactei os parentes, juntámo-nos à beira dos correios, falei-lhes do que precisava, começámos a negociar e chegámos a acordo. E pedi para eles me arranjarem também alguém, voluntário, que fosse comigo para Mansabá.
O gado estava numa bolanha ali perto. Ajudaram-me a escolher vinte e duas vacas e depois atravessámos o rio, ao encontro da coluna que estava na outra margem do rio Cacheu.
A partir dessa altura, passámos a fornecer a carne à companhia, a uma cantina e à serração. Quando abatíamos uma vaca dividíamos a carne.
No decorrer da instrução de comandos havia quase sempre azares. No curso que estávamos a dar[6], um soldado[7] de meu grupo foi atingido mortalmente por um colega e um outro foi ferido na prova individual[8].
Num dia em que o capitão Matos Gomes se tinha deslocado a Mansoa, saímos para fora do arame farpado e andámos na mata. O nosso capitão ainda não tinha regressado mas, como estava no programa do curso, jantámos à pressa para nos prepararmos para a instrução nocturna.
O alferes[9], que o nosso capitão tinha deixado a substituí-lo, perguntou-nos o que íamos fazer.
− Vamos sair para a instrução nocturna.
− Não me responsabilizo pela saída do quartel, à noite. Só quando o nosso capitão vier[10]!
Contrariados, porque a instrução nocturna fazia falta, fomos aos quartos mudar de roupa. Depois dirigi-me a casa do padre da Mesquita, que era meu amigo. Estivemos a conversar e, quando chegou um homem que o vinha visitar também, despedi-me e comecei a dirigir-me para o quarto. Quando estava quase a entrar na estrada alcatroada, de um momento para o outro vi o céu muito claro e logo a seguir tiroteio à volta do arame farpado. O fogo de armas automáticas e os rebentamentos não me deixavam regressar para o quartel.
Decidi voltar a casa do padre. Quando cheguei, vi-a a arder, de uma ponta a outra. Voltei para a Mesquita e encontrei muita gente lá dentro, militares europeus e outras pessoas. Como não havia bombeiros, alguns militares vieram do quartel com água. Toda a gente tentava apagar o fogo, que tinha tomado conta da casa.
Quando o PAIGC cessou o ataque, soubemos que tinham sido atingidas mortalmente três pessoas, um casal idoso e um rapaz[11].
Voltaram a atacar o aquartelamento quando o curso estava a terminar. Desta vez, utilizaram armas pesadas, mas tiveram pouca pontaria, as granadas caíram todas fora do quartel e da povoação.
No final do curso, regressámos a Bissau e começámos os preparativos para o treino operacional que iria começar com uma das maiores operações de comandos. Quase 500 homens, o batalhão inteiro, comandado pelo major Almeida Bruno.
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Notas do autor e/ou do editor VB:
[1] Nota do editor: Marcelino da Mata, na altura 2º sargento, chefiava o grupo “Os Vingadores”, sediado na Amura, que dependia do COE, comandado pelo major Almeida Bruno.
[2] O ambiente entre nós nem sempre foi o melhor. Havia rivalidades étnicas que se cruzavam com os problemas que ocorriam em qualquer unidade militar.
[3] Nota do editor: capitão António Joaquim Ramos, paraquedista, em missão no COE do Comando-Chefe
[4] A missão era levar a efeito assaltos a acampamentos IN, juntamente com o grupo “Os Vingadores” do 2º. sargento Marcelino da Mata.
[5] Nota do editor: foi o primeiro curso realizado em Mansabá. Os anteriores tinham sido realizados em Fá Mandinga. A ideia de Mansabá partiu do major Almeida Bruno, para marcar a diferença relativamente ao anterior, pois este era o primeiro curso realizado sob a responsabilidade do Batalhão de Comandos da Guiné, criado em 2 de novembro de 1972. A ideia era estabelecer um Centro de Instrução de Comandos e a localização tinha a ver com a situação operacional. Era um desafio ao PAIGC, um centro de instrução de Comandos nas barbas do Morés.
[6] Nota do editor: em 21 abril 1973.
[7] Nota do editor: Saranjo Baldé, durante a limpeza da sua arma, segundo a versão oficial.
[8] Prova individual, numa pista de combate no exterior do quartel, com obstáculos e progressão com tiro real.
[9] Nota do editor: alferes da 35ª CCmds, comandante de um grupo de combate.
[10] A instrução nocturna era feita habitualmente na zona da pista, na direcção da estrada para Bafatá, ou nos terrenos junto à estrada Mansabá-K3-Farim. Aproveitava-se, assim, a instrução para criar instabilidade no PAIGC.
[11] No quartel caíram várias granadas e um foguete de 122 abriu um buraco na parede do bar.
[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]
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Nota do editor:
(*) Último poste da série > 22 de outubro de 2023 > Guiné 61/74 - P24780: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXVII: assalto, da 1ª CCmds Afriicanos, com o cap cav 'cmd' Carlos Matos Gomes como supervisor, ao irã da Caboiana, em outubro de 1972