Lisboa, Belém, 10 de Junho de 2006 > 13º Encontro Nacional de Combatentes > O António Duarte (CART 3493 e CCAÇ 12, 1972/74), assinalado com um círculo a vermelho, na nossa mini-tertúlia dos amigos e camaradas da Guiné:
(i) na primeira fila, eu próprio, Luís Graça (CCAÇ 12, 1969/71), à esquerda, e a meu lado o Carlos Fortunato (CCAÇ 13, 21969/71);
(ii) na segunda fila, a contar da esquerda para a direita: o Jorge Cabral (Pel Caç Nat 63, 1969/71), o já citado António Duarte, o Mário Dias (CCmds, 1963/66), o José Martins (CCAÇ 5, 1968/70), o Francisco Baldé (1ª, 2ª e 3ª Companhia de Comandos Africanos, 1969/74) e o João Parreira (CART 730 e Comandos, 1964/66).
Foto: © Luís Graça (2006). Direitos reservados.
Texto do António Duarte, datado de 25 de Outubro de 2006:
Terapia através da escrita. Vamos editar um livro ?
Caro Luís Graça:
Durante estes últimos anos pouco tenho falado sobre a guerra colonial com terceiros, excepto com amigos mais chegados. Reconheço que tenho (ou tinha) alguma dificuldade em abordar o tema, já que sentia alguma responsabilidade por nela ter participado (1). Claramente teria preferido não ter lá estado, já que quando embarquei não tinha grandes dúvidas sobre a quem é que interessava a dita cuja. Considero-me patriota, mas percebia que a História não estava com a postura do governo da época.
Vem esta minha lengalenga a propósito dos escritos, de altíssimo interesse, que os nossos camaradas vão escrevendo, constituindo por si só uma óptima terapia espiritual, que nos ajuda a viver com as nossas consciências. Permite-me que te diga que fico esmagado.
Pedindo desculpa a todos, gostaria de referir a qualidade e a serenidade dos textos do Beja Santos do Pel Caç Nat 52, a emotividade transmitida pelo Amílcar Mendes da 38ª CCmds e do VictorTavares da 121ª CCP, transmissão só possível por quem viveu / sofreu os factos terríveis relatados na primeira pessoa.
Por fim, e voltando a repetir-me, acho que se justifica que façamos algo no sentido de promover e perpetuar o nosso blogue através de livro. Se te parecer oportuno, lança a ideia e a caserna que emita opinião.
Um abraço para todos os membros da tertúlia.
António Duarte
Ex-Fur Mil Atir
Cart 3493 e CCAÇ 12
(Mansambo e Xime, 1972/74)
______________
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts de António Duarte:
18 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXI: Um periquito da CCAÇ 12 (António Duarte / Sousa de Castro)
20 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXVIII: Notícias da CART 3493 (Mansambo, 1972) e da CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1973/74) (António Duarte)
11 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLV: Ex-graduados da CCAÇ 12 também foram fuzilados (António Duarte)
17 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P966: O Mexia Alves que eu conheci em Bambadinca (António Duarte, CCAÇ 12, 1973)
24 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P984: Ainda a tragédia de Quirafo: o 'morto' que afinal estava vivo (António Duarte)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
terça-feira, 21 de novembro de 2006
Guiné 63/74 - P1301: O cruzeiro das nossas vidas (4): Uíge, a viagem nº 127 (Victor Condeço, CCS/BART 1913)
Companhia Colonial de Navegação > TT Uíge > Viagem nº 127 (Bissau - Lisboa) > Bordo, 2 de Março de 1969 > Ementa do jantar e programa das distrações... Por curiosidade, a ementa desse dia era: Crème Conchita; Peixe au Meunier, Batata à Parmentier; Contre-Fillet à Maître d'Hôtel, Batata Boulanger, Alface; Bábás com Rhun; Fruta; Chá, Café...
Era caso para pensar que fomos para (e viemos de) a guerra, com chef de cuisine française atrás!... Enfim, não se pode dizer que a Pátria, através da Companhia Colonial de Navegação, não tratava bem de nós... E no programa social, não faltavam os jogos de salão, as sessões de cinema, o jantar de despedida!... Só faltou o baile de máscaras, nesta farsa carnavalesca!... Àparte isto, pergunto-me o que terão comido nessa noite os desgraçados das praças que iam no porão...
O serviço a bordo na viagem nº 127 do Uíge, nos princípios de Março de 1969, na classe turística (a dos sargentos!), era seguramente bem melhor que aquele a que iremos ter direito, no mesmo navio, dois anos depois, em Março de 1971: eu, o Tony Levezinho, o Humberto Reis, o Sousa, o Abel Rodrigues, o Fernandes e os demais camaradas (metropolitanos) da CCAÇ 12... A avaliar pelas ementas, os ladrões roubaram-nos as batatas à Parmentier e o fillet mignon a que tínhamos direito! (2) ...
Do programa social já não me lembro... Aliás, quando pus os pés no Uíge eu só queria esquecer a Guiné (3)... De qualquer modo, a degradação do serviço no Uíge era um sinal dos tempos: a guerra agravava-se, metade do Orçamento Geral do Estado ia para o esforço de guerra em três frentes, Portugal continuava cada vez mais isolado no seio da comunidade internacional, a Academia Militar estava às moscas, batiam-se recordes na saída da população portuguesa para o estrangeiro, o Uíge não chegava para as encomendas, e o cozinheiro francês deve ter esgotado o stock de batatas Boulanger, a pachorra e a imaginação...
A propósito dessa nossa viagem de regresso (tudo menos triunfal) a Penates, em 17 de Março de 1971, eu escrevi:
"Regressávamos da guerra, com a morte na alma e mazelas no corpo, num navio da marinha mercante da Companhia Colonial de Navegação (uma empresa, fundada em Angola em 1922, para assegurar os transportes marítimos das colónias portuguesas com a Metrópole, sendo o paqueteVera Cruz o seu navio mais emblemático, e que não teve tempo de fazer o branqueamento do seu nome, já que o termo colonial não era politicamente correcto no início dos anos 70...).
"Como se tudo continuasse como dantes e a vida corresse normalmente, contra os ventos da história (como então se dizia), nessa viagem de regresso à pátria servia-se a bordo, na classe turística (reservada aos sargentos) uma sopa de creme de marisco, seguido de um prato de peixe (Pescada à baiana) e um de carne (Lombo Estufado à Boulanger)... sem esquecer a sobremesa: a bela fruta da época, o bom café colonial, o inevitável cigarro a acompanhar um uísque velho, antes de mais uma noitada de lerpa ou de king" (3)... (LG)
Fotos e texto: © Vitor Condeço (2006)
Camarada Luís Graça,
Em primeiro lugar deixe-me cumprimentá-lo e elogiar o seu muito digno e meritório trabalho que tem conseguido levar por diante no blogue.
Ter já conseguido fazer deste blogue um referencial histórico de um período da história de Portugal, escrito pelas pessoas que fizeram essa própria história, não é obra fácil.
Que tenha a saúde, a disposição e a disponibilidade de tempo suficientes para poder continuar a sua obra e que não faltem as colaborações dos nossos camaradas e amigos da Guiné.
Sou assíduo frequentador desde Março de 2006, altura em que, procurando por mapas da Guiné, me deparei com este excelente sítio. Raro é o dia que o não visite, já li também a grande maioria dos postes mais antigos, onde recordei ou fiquei sabendo de acontecimentos que já não lembrava ou nunca soubera.
Já ando há tempos para lhe escrever, tem-me faltado a coragem mas, ao ler há dias o Post 1271 e hoje o 1296 sobre O cruzeiro das nossas vidas (1) , achei que devia contribuir com algo que este blogue teve a virtude de me ajudar a redescobrir a minha velha mala de porão que não era aberta há talvez trinta anos, e que foi-o de novo.
O material digitalizado que junto em anexo, pode ajudar a ilustrar esses mesmos cruzeiros e o Luís usará como lhe aprouver se neles reconhecer algum interesse.
Trata-se da ementa do primeiro jantar de regresso da Guiné a bordo do NM Uíge e do programa de distracções para os cinco dias previstos da viagem, que afinal acabaram por ser seis.
Os passageiros eram os militares dos BART 1913 e do BART 1914.
São portanto, recordações desse cruzeiro, iniciado a 26 de Abril de 1967, quando na Rocha do Conde Óbidos embarquei no Uíge com destino à Guiné.
Já tinha quase vinte meses de tropa, já nem contava de ser mobilizado, mas fui, infelizmente todo o pessoal do meu curso foi contemplado com um destes cruzeiros.
Sou um velho combatente (63 anos feitos ontem, dia 18 de Novembro), estou aposentado, meu nome é Victor Manuel da Silva Condeço, ex-Furriel Miliciano 00698264, do Serviço de Material – Mecânico de Armamento e, por isso mesmo, sem grandes histórias de guerra para contar. Este blogue teve a virtude de me despertar recordações, umas boas, outras menos boas, mas que nem por isso deixam de ser uma forma de reviver um passado de há quase quarenta anos.
Participei na Guerra da Guiné por obrigação, como aliás quase todos nós, desde 1 de Maio de 1967 a 3 de Março de 196, fazendo parte da CCS do BART 1913 que era constituído também pelas CART 1687 (Cachil e Cufar), CART 1688 (Bissau e Biambi) e CART 1689 (Fá, Catió, Cabedú e Canquelifá).
Estive na região do Tombali na Vila de Catió, Comando de Sector, pertencente ao Comando de Agrupamento de Sectores de Bolama. As unidades deste sector eram: Bedanda, Cabedú, Cachil (i), Cufar e o destacamento de Ganjola (i), por todas passei em serviço.
Desembarquei em Catió a 2 de Maio de 1967, os vinte e um meses de comissão foram aqui cumpridos, até 20 de Fevereiro de 1969, data em que regressei a Bissau.
Um abraço Luis, por hoje é tudo.
Victor Condeço
Comentário de L.G.:
Meu caro Victor:
Julgo que tu és o primeiro especialista mecânico de armamento que aparece por estas bandas. E não penses que é uma especialidade de 2ª classe: pelo contrário, se a G3 encrava ou se o canhão sem recuo não recua, estamos todos fritos... Humor à parte, nenhum de nós vem aqui exibir o seu cardápio de roncos, o seu currículo de horrores ou o seu estojo de cruzes de guerra... Todos estivemos lá, todos somos camaradas da Guiné... É isso que nos une. Sê, portanto, bem aparecido e, quando te der jeito, manda duas chapas tuas para a fotogaleria... A gente gosta de conhecer a cara dos camaradas e de os ouvir falar dos sítios fantásticos por onde andaram e da gente simples e boa, guineense, com quem conviveram... Fala-nos de Catió, e de como eram as coisas no teu tempo... A Catió que era gozada nos programas de rádio a fingir, para a plateia da caserna: E agora um disco pedido, pelo Embaló, que tem um primo em Catió!....
Um dia destes, encontramo-nos por aí, para dar um abraço uns aos outros e beber um copo... Obrigado, pela teus recuerdos da viagem nº 127 do Uíge, a caminho de casa, depois de mais de quarenta longos meses de tropa (120o e tal dias!!!)... Ah, e já agora, um abraço de parabéns do tamanho da nossa tertúlia pelos teus belos 63 anos! (LG)
_________
(i) Estes aquartelamentos foram desmantelados e abandonados pelas NT a meio do segundo semestre de 1968, em virtude da adopção de novas estratégias pelo então Brigadeiro Spínola, Comandante Chefe do CTI da Guiné (4).
_________
Nota de L.G.:
(1) Vd posts
21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1300: O cruzeiro das nossas vidas (3): um submarino por baixo do TT Niassa (Pedro Lauret)
21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1299: Antologia (54): Transporte de tropas, por via marítima e aérea (CD25A / UC)
19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1296: O cruzeiro das nossas vidas (2): A Bem da História: a partida do Uíge (Paulo Raposo / Rui Felício, CCAÇ 2405)
12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)
(2) Vd. post de 9 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXV: Amigos para sempre (Tony Levezinho, CCAÇ 12)
(3) Vd. Blogue-Fora-Bada... e Vão Dois (Luís Graça) > post de 8 de Dezembro de 2005 > Blogantologia(s) II - (22): Esquecer a Guiné
(...)
Esquecer a Guiné... por uma noite!
O sabor a sangue e a merda
Que a vida aqui tem,
Aos vinte e três anos,
Já feitos.
A merda da Guiné.
A merda que te cobre o corpo e a alma.
É mais do que a merda toda
Das bolanhas, das lalas e do tarrafo.
Podes lavar-te todos os dias
Que essa merda
Nunca mais te sai.
Nunca mais te sairá do corpo e da alma.
(...)
(4) Em Ganjolá morreu um primo meu, o soldado José António Canoa Nogueira, natural da Lourinhã, em 1965. Já aqui transcrevi uma das suas últimas cartas: vd. post de 8 de Setembro de 2005 (Guiné 63/74 - CLXXXI: Antologia (18): Um domingo no mato, em Ganjolá ).
Sobre o destacamento do Cachil, diz o oficial da Armada Marques Pinto:
(...) Percorri várias vezes o Rio Cobade, frente á Ilha do Como, lá recebi o meu primeiro abonanço de morteirada, felizmente sem consequências para o pessoal embarcado e lá fiz algumas entregas logísticas para o infelizmente célebre e tão martirizado destacamento do Cachil, que segundo me contaram pessoalmente alguns soldados tinham de fazer escolta armada para percorrerem os 300 a 400 metros que os separavam da água" (...)
Vd. post de 29 Outubro 2006 > Guiné 63/74 - P1221: Lembranças de mais um marujo (Marques Pinto)
Guiné 63/74 - P1300: O cruzeiro das nossas vidas (3): um submarino por baixo do TT Niassa (Pedro Lauret)
Lisboa > Mosteiro dos Jeróminos > Claustro > Uma nau portuguesa do Séc. XVI (pormenor). Foto: © Luís Graça (2006)
Marinha Portuguesa > Fragata classe João Belo (foto gentilmente cedida por Pedro Lauret e adaptada por L.G.).
Marinha Portuguesa > Corveta classe João Coutinho (foto gentilmente cedida por Pedro Lauret e adaptada por L.G.)
Marinha Portuguesa > Submarino classe Albacora. Fonte : © Marinha Portuguesa > Galeria Digital > Fotos > Submarinos (2004) (com a devida vénia...)
Marinha Portuguesa > Fragata classe João Belo (foto gentilmente cedida por Pedro Lauret e adaptada por L.G.).
Fonte: © Marinha Portuguesa (2004) (com a devida vénia...)
Marinha Portuguesa > Corveta classe João Coutinho (foto gentilmente cedida por Pedro Lauret e adaptada por L.G.)
Texto do Pedro Lauret (membro da nossa tertúlia, foi oficial imediato da LFG Orion - Guiné, 1971/73 -, sendo hoje capitão-de-mar-e-guerra na reforma e dirigente da Associação 25 de Abril) (2)
A Marinha Oceânica na Guerra Colonial
por Pedro Lauret
A Marinha é um ramo das Forças Armadas que tem tradicionalmente uma postura discreta, não evidenciando muitas das suas responsabilidades nem a forma como as cumpre, talvez porque saiba que como é importante num País com a História e Geografia como o nosso.
Esta postura muitas vezes a tem prejudicado por incompreensão. Quem não questionou, ontem como hoje: submarinos e fragatas, para quê?
Tudo isto vem a propósito dos transportes de tropas (1).
Talvez nem todos saibam que 90% do reabastecimento dos três teatros de operações [ - Angola, Guiné e Moçambique - ] nos 13 anos de guerra foram efectuados por via marítima, mas é verdade!
Talvez também nem todos se tenham apercebido que as áreas oceânicas que os nossos transportes de tropas atravessavam eram contíguas a mares territoriais de países hostis, países que, em muitos casos, tinham saído recentemente de situações coloniais. Países que assumiam protagonismo internacional crescente, que se organizavam a partir de Bandung, no movimento dos não-alinhados. Países que assumiam claramente posições agressivas contra a política ultramarina/colonial de Portugal. Países que faziam ouvir as suas vozes nas posições que as Nações Unidas iam assumindo contra a política do governo do nosso país.
O conjunto de deliberações e resoluções das Nações Unidas contra Portugal começava a justificar, face ao direito internacional, acções militares contra transportes de tropas e outros transportes logísticos.
Por este motivo foi necessário, com discrição, manter abertas as linhas de comunicação: proteger os transportes de tropas e materiais destinados à Guerra.
A Marinha assumiu essa missão tendo adquirido para o efeito (2):
- 4 Fragatas classe Comandante João Belo, construídas em França, tinham consideráveis capacidades artilheiras quer anti-superfície quer anti-aéreas e ainda capacidade anti-submarina;
- 4 Submarinos classe Albacora;
por Pedro Lauret
A Marinha é um ramo das Forças Armadas que tem tradicionalmente uma postura discreta, não evidenciando muitas das suas responsabilidades nem a forma como as cumpre, talvez porque saiba que como é importante num País com a História e Geografia como o nosso.
Esta postura muitas vezes a tem prejudicado por incompreensão. Quem não questionou, ontem como hoje: submarinos e fragatas, para quê?
Tudo isto vem a propósito dos transportes de tropas (1).
Talvez nem todos saibam que 90% do reabastecimento dos três teatros de operações [ - Angola, Guiné e Moçambique - ] nos 13 anos de guerra foram efectuados por via marítima, mas é verdade!
Talvez também nem todos se tenham apercebido que as áreas oceânicas que os nossos transportes de tropas atravessavam eram contíguas a mares territoriais de países hostis, países que, em muitos casos, tinham saído recentemente de situações coloniais. Países que assumiam protagonismo internacional crescente, que se organizavam a partir de Bandung, no movimento dos não-alinhados. Países que assumiam claramente posições agressivas contra a política ultramarina/colonial de Portugal. Países que faziam ouvir as suas vozes nas posições que as Nações Unidas iam assumindo contra a política do governo do nosso país.
O conjunto de deliberações e resoluções das Nações Unidas contra Portugal começava a justificar, face ao direito internacional, acções militares contra transportes de tropas e outros transportes logísticos.
Por este motivo foi necessário, com discrição, manter abertas as linhas de comunicação: proteger os transportes de tropas e materiais destinados à Guerra.
A Marinha assumiu essa missão tendo adquirido para o efeito (2):
- 4 Fragatas classe Comandante João Belo, construídas em França, tinham consideráveis capacidades artilheiras quer anti-superfície quer anti-aéreas e ainda capacidade anti-submarina;
- 4 Submarinos classe Albacora;
- 10 Corvetas classe João Coutinho e Baptista de Andrade.
Os transportes de tropas (TT) tinham embarcado um oficial superior da Armada: o Capitão de Bandeira, que tinha como missão superintender a disciplina a bordo e a sua articulação com os outros meios navais empenhados na sua segurança.
Os navios mercantes estavam preparados para, com facilidade, instalar peças de artilharia para auto-protecção.
Resumindo, a Marinha durante os 13 anos de guerra protegeu, discretamente, os transportes de tropas para os três teatros de operações.
Alguém pensou que sob as águas do seu transporte de tropas [ - Alfredo da Silva, Ana Mafalda, Manuel Alfredo, Niassa, Timor, Uíge -] (4), se poderia encontrar um submarino? ou que para além do horizonte poderia estar uma fragata ou corveta? Provavelmente não!
Pedro Lauret
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. por exemplo, post anterior, com data de hoje: Guiné 63/74 - P1299: Antologia (54): Transporte de tropas, por via marítima e aérea (CD25A / UC)
(2) Vd post de 1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1137: Do NRP Orion ao MFA: uma curta autobiografia (Pedro Lauret, capitão-de-mar-e-guerra)
(3) Vd. Portal da Marinha Portuguesa > Guerra de África
(4) Vd. posts anteriores:
20 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1297: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (3): Do navio Timor ao Quartel de Santa Luzia
19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1296: O cruzeiro das nossas vidas (2): A Bem da História: a partida do Uíge (Paulo Raposo / Rui Felício, CCAÇ 2405)
12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)
Os transportes de tropas (TT) tinham embarcado um oficial superior da Armada: o Capitão de Bandeira, que tinha como missão superintender a disciplina a bordo e a sua articulação com os outros meios navais empenhados na sua segurança.
Os navios mercantes estavam preparados para, com facilidade, instalar peças de artilharia para auto-protecção.
Resumindo, a Marinha durante os 13 anos de guerra protegeu, discretamente, os transportes de tropas para os três teatros de operações.
Alguém pensou que sob as águas do seu transporte de tropas [ - Alfredo da Silva, Ana Mafalda, Manuel Alfredo, Niassa, Timor, Uíge -] (4), se poderia encontrar um submarino? ou que para além do horizonte poderia estar uma fragata ou corveta? Provavelmente não!
Pedro Lauret
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Notas de L.G.:
(1) Vd. por exemplo, post anterior, com data de hoje: Guiné 63/74 - P1299: Antologia (54): Transporte de tropas, por via marítima e aérea (CD25A / UC)
(2) Vd post de 1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1137: Do NRP Orion ao MFA: uma curta autobiografia (Pedro Lauret, capitão-de-mar-e-guerra)
(3) Vd. Portal da Marinha Portuguesa > Guerra de África
(4) Vd. posts anteriores:
20 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1297: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (3): Do navio Timor ao Quartel de Santa Luzia
19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1296: O cruzeiro das nossas vidas (2): A Bem da História: a partida do Uíge (Paulo Raposo / Rui Felício, CCAÇ 2405)
12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)
Guiné 63/74 - P1299: Antologia (54): Transporte de tropas, por via marítima e aérea (CD25A / UC)
Ana Mafalda (2)
Uíge (3)
Alguns dos nossos navios da marinha mercante que foram requisitados para transporte de tropas para o TO da Guiné entre 1963 e 1974... O mais requisitado foi o Niassa. Os grandes paquetes, como o Vera Cruz (com capacidade para transportar mais de 2000 homens), não podiam operar no Porto de Bissau.
Fonte: © Navios Mercantes Portugueses , página de Carlos Russo Belo (2006) (com a devida vénia...) . O autor foi oficial da marinha mercante.
Excerto extraído da página CD25A / UC - Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra, relativamente aos transportes de tropas, marítimos e aéreos, durante da guerra colonial (com a devida vénia...):
As guerras de África implicaram a manutenção da maior força armada no exterior, que Portugal alguma vez formou ao longo dos seus oito séculos de história. Em 1974, eram mais de 130 000 homens que se mantinham em pé de guerra a milhares de quilómetros da metrópole (27 000 na Guiné, 57 000 em Angola e 50 000 em Moçambique). O seu simples transporte e apoio logístico era problema de grande envergadura para um país das dimensões de Portugal e com os seus recursos, mas sem esse problema ser resolvido não podia haver guerras de África.
Podemos dizer que a solução começou a ser pensada logo após a Segunda Guerra Mundial. Em 1939-45, tornou-se evidente que um dos pontos que criavam maiores dependências do país em relação ao exterior, em alturas de crise, era a falta de uma marinha mercante e de ligações regulares com o império. Durante a guerra, por exemplo, os produtos de Angola apodreciam nos portos e, embora fosse possível comprar petróleo, não se conseguia assegurar o seu transporte.
O Governo decidiu dar prioridade à resolução desse problema. Logo em 1945 foram aprovadas duas medidas que implicaram vultosos investimentos nesse sentido. A primeira foi o despacho de 10 de Agosto do ministro da Marinha, onde se previa a ampla renovação da marinha mercante nacional por meio da construção de 70 navios, com apoio do Estado, entre os quais nove grandes paquetes. A segunda foi a decisão de criar uma companhia aérea do Estado (a TAP), com a prioridade de iniciar as operações da chamada linha imperial, de ligação regular com Angola e Moçambique.
Em finais dos anos 50, depois de investimentos públicos de grande envergadura, a marinha mercante portuguesa teve o seu desenvolvimento máximo. Contava, nomeadamente, com 22 paquetes, no total de 167 000 toneladas. Entre eles estavam os quatro gigantes: Santa Maria, Vera Cruz, Príncipe Perfeito e Infante D. Henrique, com cerca de 30 000 toneladas cada, capazes de transportar mias de 1000 passageiros ou mais de 2000 soldados.
Muitos destes paquetes foram requisitados em diversas ocasiões para transporte de tropas, muito especialmente na fase inicial da guerra, e as restantes unidades da marinha mercante seriam essenciais para manter o esforço em África. Os paquetes mais requisitados na ligação a África foram o Vera Cruz, o Niassa, o Lima, o Império e o Uíge.
O Niassa foi o primeiro paquete afretado como transporte de tropas e de material de guerra, por portaria de 4 de Março de 1961, mas seria o Vera Cruz a fazer mais viagens, chegando a realizar 13 num ano. Em 1961, efectuaram-se 19 travessias por nove paquetes em missão militar e o ritmo aumentou à medida que a força expedicionária em África crescia: em 1963, tinham-se efectuado 27 viagens por oito paquetes e, em 1967, 33 por nove.
Até 1974, o mar era a grande via de ligação ao império, tendo mais de 90 por cento da carga e de 80 por cento do pessoal metropolitano empenhado na guerra sido transportado em navios.
A linha aérea imperial começou a funcionar em 1947, mantida inicialmente pelos velhos Dakotas da TAP, que asseguravam a ligação a Luanda e a Lourenço Marques (5). Em 1948, os bimotores foram substituídos pelos quadrimotores DC-4 Skymaster, com os quais se conseguiu, pela primeira vez, a ligação semanal regular com o império.
Mais tarde, os DC-4 foram substituídos pelos Constellation e, desde, 1955, pelos Super Constellation, que transportavam 83 passageiros para Luanda em menos de 24 horas. Só em 1965 estes aparelhos foram substituídos na TAP pelos Boeing 707, os primeiros aviões a jacto de longo curso usados por Portugal.
O esforço de guerra não podia ser mantido só com a linha da TAP e assim a Força Aérea, desde muito cedo, tentou desenvolver os transportes aéreos estratégicos, missão entregue aos TAM (Transportes Aéreos Militares), que começaram a operar na primeira metade dos anos 50 a partir do AB1, em Lisboa, para o que usaram dois C-54 (o equivalente do Skymaster), cedidos pelos americanos para uso nos Açores. Em 1955, os TAM contavam já com uma frota de 11 C-54 ou DC-4, mas todos antiquados.
Quando a luta armada rebentou em Angola, os Constellation da TAP foram requisitados e fizeram viagens como transportes de tropas, enquanto os C-54 dos TAM tentaram manter a ligação regular com Luanda, em voos que demoravam 22 horas. As dificuldades eram muitas para os velhos aviões e quatro deles perderam-se em acidentes.
Fonte: © Navios Mercantes Portugueses , página de Carlos Russo Belo (2006) (com a devida vénia...) . O autor foi oficial da marinha mercante.
Excerto extraído da página CD25A / UC - Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra, relativamente aos transportes de tropas, marítimos e aéreos, durante da guerra colonial (com a devida vénia...):
As guerras de África implicaram a manutenção da maior força armada no exterior, que Portugal alguma vez formou ao longo dos seus oito séculos de história. Em 1974, eram mais de 130 000 homens que se mantinham em pé de guerra a milhares de quilómetros da metrópole (27 000 na Guiné, 57 000 em Angola e 50 000 em Moçambique). O seu simples transporte e apoio logístico era problema de grande envergadura para um país das dimensões de Portugal e com os seus recursos, mas sem esse problema ser resolvido não podia haver guerras de África.
Podemos dizer que a solução começou a ser pensada logo após a Segunda Guerra Mundial. Em 1939-45, tornou-se evidente que um dos pontos que criavam maiores dependências do país em relação ao exterior, em alturas de crise, era a falta de uma marinha mercante e de ligações regulares com o império. Durante a guerra, por exemplo, os produtos de Angola apodreciam nos portos e, embora fosse possível comprar petróleo, não se conseguia assegurar o seu transporte.
O Governo decidiu dar prioridade à resolução desse problema. Logo em 1945 foram aprovadas duas medidas que implicaram vultosos investimentos nesse sentido. A primeira foi o despacho de 10 de Agosto do ministro da Marinha, onde se previa a ampla renovação da marinha mercante nacional por meio da construção de 70 navios, com apoio do Estado, entre os quais nove grandes paquetes. A segunda foi a decisão de criar uma companhia aérea do Estado (a TAP), com a prioridade de iniciar as operações da chamada linha imperial, de ligação regular com Angola e Moçambique.
Em finais dos anos 50, depois de investimentos públicos de grande envergadura, a marinha mercante portuguesa teve o seu desenvolvimento máximo. Contava, nomeadamente, com 22 paquetes, no total de 167 000 toneladas. Entre eles estavam os quatro gigantes: Santa Maria, Vera Cruz, Príncipe Perfeito e Infante D. Henrique, com cerca de 30 000 toneladas cada, capazes de transportar mias de 1000 passageiros ou mais de 2000 soldados.
Muitos destes paquetes foram requisitados em diversas ocasiões para transporte de tropas, muito especialmente na fase inicial da guerra, e as restantes unidades da marinha mercante seriam essenciais para manter o esforço em África. Os paquetes mais requisitados na ligação a África foram o Vera Cruz, o Niassa, o Lima, o Império e o Uíge.
O Niassa foi o primeiro paquete afretado como transporte de tropas e de material de guerra, por portaria de 4 de Março de 1961, mas seria o Vera Cruz a fazer mais viagens, chegando a realizar 13 num ano. Em 1961, efectuaram-se 19 travessias por nove paquetes em missão militar e o ritmo aumentou à medida que a força expedicionária em África crescia: em 1963, tinham-se efectuado 27 viagens por oito paquetes e, em 1967, 33 por nove.
Até 1974, o mar era a grande via de ligação ao império, tendo mais de 90 por cento da carga e de 80 por cento do pessoal metropolitano empenhado na guerra sido transportado em navios.
A linha aérea imperial começou a funcionar em 1947, mantida inicialmente pelos velhos Dakotas da TAP, que asseguravam a ligação a Luanda e a Lourenço Marques (5). Em 1948, os bimotores foram substituídos pelos quadrimotores DC-4 Skymaster, com os quais se conseguiu, pela primeira vez, a ligação semanal regular com o império.
Mais tarde, os DC-4 foram substituídos pelos Constellation e, desde, 1955, pelos Super Constellation, que transportavam 83 passageiros para Luanda em menos de 24 horas. Só em 1965 estes aparelhos foram substituídos na TAP pelos Boeing 707, os primeiros aviões a jacto de longo curso usados por Portugal.
O esforço de guerra não podia ser mantido só com a linha da TAP e assim a Força Aérea, desde muito cedo, tentou desenvolver os transportes aéreos estratégicos, missão entregue aos TAM (Transportes Aéreos Militares), que começaram a operar na primeira metade dos anos 50 a partir do AB1, em Lisboa, para o que usaram dois C-54 (o equivalente do Skymaster), cedidos pelos americanos para uso nos Açores. Em 1955, os TAM contavam já com uma frota de 11 C-54 ou DC-4, mas todos antiquados.
Quando a luta armada rebentou em Angola, os Constellation da TAP foram requisitados e fizeram viagens como transportes de tropas, enquanto os C-54 dos TAM tentaram manter a ligação regular com Luanda, em voos que demoravam 22 horas. As dificuldades eram muitas para os velhos aviões e quatro deles perderam-se em acidentes.
Fonte: Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra (2006)
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 20d e Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1297: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (3): Do navio Timor ao Quartel de Santa Luzia
(...) O imponente paquete Timor, amarelado, mais alto e corpulento do que a enorme estação fluvial, ali estava, calmo, à nossa espera, poisado nas águas paradas do Tejo. Várias escadas, longas, ligavam o cais ao bojo barrigudo mas elegante, do paquiderme, de proa arrebitada e pendão festivo, à solta.
"Não demorou muito e toda a gente estava a bordo, distribuida pelos muitos pisos, docilmente transformados em quartel. Um tremendo urro disparou nos ares e as máquinas medonhas aceleraram, lá no fundo.A água do Tejo começou a ferver em ondas de espuma, em turbilhão, à popa, empurrando o gigante para mais uma oferenda, em sacrifício, no altar da ditosa pátria" (...)
(2) Vd. post de 28 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVII: A caminho da Guiné, no "Ana Mafalda" (1967) (A. Marques Lopes)
(...) "Largámos às 12h00 do dia 8 de Abril de 1967. Foi uma bela viagem, como devem calcular, com os baldes dos dejectos do porão a serem despejados borda fora de manhã e ao fim da tarde (ao menos haja regras). Mas os despejo começaram logo à saída da barra do Tejo. Eu, pessoalmente, nunca tinha chamado tantas vezes pelo Gregório" (...).
8 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXXII: Caminhos entrecruzados: Ana Mafalda, Cantacunda... (Carlos Marques dos Santos)
(...) "Bravo, Marques Lopes: Afinal os nossos percursos entrecruzaram-se. Tu antes, eu depois. À tua descrição poderia só acrescentar: Faço minhas as tuas palavras e, concerteza, vivências: (i) Ana Mafalda e vómitos de 5 dias;(ii) Cantacunda e fome de 15 dias, depois de terem levado alguns, não poucos, dos nossos" (...);
25 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXC: Os marinheiros e os seus navios (Lema Santos)
(...) "Estas unidades navais [, as LFG,] efectuavam inicialmente a docagem de conservação (alagem) nos estaleiros navais de S. Vicente, em Cabo Verde e, mais tarde em Bissau. Significava que, com alguma dificuldade e amargos diversos de estômago, efectuavam navegação oceânica.
"Tinham a base naval em Bissau, na ponte cais em T, frente ao Comando de Defesa Marítima na parte interior da ponte-cais em T onde, na parte exterior atracavam também os comerciais e alguns TT's. Estou a lembrar-me do Rita Maria, Ana Mafalda e até mesmo o Funchal" (...).
18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXI: Breve historial da CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)
(...) "Em 7 de Abril de 1970 a CART2732 recebeu o seu Estandarte. No dia 13 de Abril realizou-se no Cais do Porto do Funchal a cerimónia de despedida da Companhia (...).
"A CART 2732, sob o comando interino do Alf Mil Art Manuel Casal, embarcou nesse mesmo dia, cerca das 12H00, no navio Ana Mafalda, que largou pouco depois com destino à Guiné. No cais ficou uma multidão de populares, familiares e amigos dos militares, que ali se deslocaram para assistirem à cerimónia de despedida, embarque e partida da Companhia.
9 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXV: Amigos para sempre (Tony Levezinho, CCAÇ 12)
(...) "Como se tudo continuasse como dantes e a vida corresse normalmente, contra os ventos da história (como então se dizia), nessa viagem de regresso à pátria servia-se a bordo, na classe turística (reservada aos sargentos) uma sopa de creme de marisco, seguido de um prato de peixe (Pescada à baiana) e um de carne (Lombo Estufado à Boulanger)... sem esquecer a sobremesa: a bela fruta da época, o bom café colonial, o inevitável cigarro a acompanhar um uísque velho, antes de mais uma noitada de lerpa ou de king... Obrigado ao Humberto Reis e à sua já famosa "memória de elefante" por me lembrar que o 17 de Março de 1971 foi o primeiro dia do resto das nossas vidas" (...) (LG)
(4) Vd. post de 19 de Novembro e 2006 > Guiné 63/74 - P1296: O cruzeiro das nossas vidas (2): A Bem da História: a partida do Uíge (Paulo Raposo / Rui Felício, CCAÇ 2405)
(...) "A largada foi terrível. O barco a afastar-se do cais é muito doloroso para nós, com as carpideiras que para lá eram enviadas, para nos desmoralizarem ainda mais.
"Depois do navio largar e passar S. Julião da Barra, fomos para o bar à espera que nos chamassem para o almoço. O Major Branco, que comandava interinamente o nosso Batalhão, uma vez que o nosso Comandante, Ten Cor Pimentel Bastos já tinha seguido de avião, perguntou ao nosso Capitão:- Embarcaram todos os rapazes?O Capitão respondeu de imediato:- Sim, sim, meu Comandante. Ele sabia lá!
18 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLVIII: Bajudas, nem vê-las! (Carlos Marques dos Santos)
(...) No final da comissão ainda houve duas saídas para Bafatá, para fim de semana. Ao meu pelotão não chegou a vez.
"Melhor ainda. Viemos embora para casa. Tinha terminado o mato. Esperava-nos Bissau e o Uíge, em contraposição com o Ana Mafalda de ida, de vómitos e sofrimento de toda a Companhia.
"Foi a minha estreia em cruzeiros. No regresso fomos tratados com senhores. Só que não vieram todos" (...).
(4) Vd. post de 23 de Junho de 2005 > Guiné 63/74 - LXXVI: (i) A bordo do Niassa; (ii) Chegada a Bissau
(...) "Alguém se lembrou de abrir uma garrafa de champagne como se tivéssemos atravessado o Equador em alegre cruzeiro pelo Atlântico Sul. Com um sorriso amarelo, também participei neste ritual de iniciação e ergui a minha taça:- Afinal, estamos todos no mesmo barco!, - pensei.
"De resto, come-se e bebe-se o dia todo para matar o tédio da vida a bordo. Há os viciados da lerpa. Os oficiais superiores, esses, divertem-se com o tiro ao alvo na popa do navio, enquanto a malta da turística escreve cartas, aos pais, namoradas, noivas e mulheres, cartas que eu imagino já molhadas de lágrimas salgadas e de saudades. As praças, essas, vomitam nos porões. Todo o navio fede e no meio do cheiro nauseabundo há um desgraçado de um desertor que vai a ferros" (...).
(5) Segundo o Portal da TAP > História > 60 Anos na Rota do Futuro, a Linha Aérea Imperial (Lisboa-Luanda-Lourenço Marques) foi inaugurada em 31 de Dezembro de 1946: com 12 escalas, 15 dias de duração (ida e volta) e 24540 quilómetros, era "a mais extensa linha a nível mundial operada com o DC-3". Em 1964, a TAP inaugura a operação regular Lisboa-Sal-Bissau.
segunda-feira, 20 de novembro de 2006
Guiné 63/74 - P1298: Blogoterapia: Pensei que era fácil esquecer, mas não foi... (Zé Teixeira, CCAÇ 2381)
Guiné > Buba e Empada (Região de Quínara) > CCAÇ 2381 - Os Maiorais, 1968/70 > Três fotografias (artísticas...), daquelas que nós mandávamos para os nossos parentes, amigos e namoradas, mostrando o exotismo da Guiné e deixando antever os perigos que nos espreitavam nas matas, nas picadas ou nos aquartelamentos...
Na primeira foto, de cima, o Zé simula o disparo de um lança-roquetes, de 37 mm, usado tanto pelas tropas especiais (fuzileiros, paraquedistas e comandos) como pelas companhias africanas de intervenção (como era o caso da minha CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)... Esta foto julgo ter sido tirada em Buba, onde estava estaccionada uma força de fuzileiros, de acordo com o relato que o Zé faz no seu diário (1).
Nas restantes fotos - possivelmente tiradas em Empada -, vemos o Zé, sem o seu mochila de cabo enfermeiro, progressindo de G-3 em punho, no capinzal, alto, mais alto do que os nossos campos de milho ou as nossas searas de trigo...
Na terceira e última das fotos, o Zé está numa pose que parece sugerir estar emboscado, por detrás de um tronco de árvore ou - não é claro - de um bagabaga, outro dos fenómenos naturais da Guiné que faziam as delícias dos nossos fotógrafos amadores... Não havia militar que se prezasse que não mandasse para casa uma foto, de pé, garbosamente, - qual Teixeira Pinto ! - em cima de um bagabaga, que está para a formiga como os Himalaias estão para nós...
Daqui vai um grande abraço para ele, que vive em Matosinhos, gozando com saúde e com alegria de viver a sua reforma de gerente bancário... Um abraço também para a restante tertúlia do Norte (LG).
PS - O Zé Teixeira mandou-me um mail, logo a seguir, para esclarecer o seguinte: (i) as fotos foram tiradas na célebre tabanca Ponderosa (aliás, Ualada, a sudoeste de Empada) (2) ; (ii) a CCAÇ 2381 também tinha (dois) lança-roquetes, de 37 mm: o Zé está com um que lhe terá salvo a vida, uns dias antes, quando esteve em risco de ser apanhado à mão; (iii) recorde-se que o Zé estve primeiro na região de Buba (Buba, Mampatá, Chamarra e Aldeia Formosa) e depois na região de Empada (onde fica Sare Tuto e Ualada). Buba e Empada pertencem actualmente à Região de Quínara. Em contrapartida, Quebo (antiga Aldeia Formosa) já pertence à Região de Tombali (Catió).
Fotos: © José Teixeira (2006). Direitos reservados.
Texto do Zé Teixeira (que foi 1º Cabo Enfermeiro, na CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70; que é um excelente contador de estórias; e que tem, além disso, um notável diário do seu tempo de Guiné, que já tivemos o privilégio de publicar no nosso blogue, entre Janeiro e Março de 2006) (1) .
Luís.
Saúde, paz e felicidade para ti, para os teus e para todos os tertulianos.
No meu último texto (3), que fizeste o favor de publicar, eu afirmava:"Quando regressei, acreditava que ia ser fácil esquecer . . .mas não foi".
A Ana Ferreira, filha do cabo Ferreira que nos acompanha neste intercomunicador contínuo, glosou as minhas palavras afirmando: "Quando regressei estava convencido que ia ser fácil esquecer, mas não foi", diz o José Teixeira. Acredito. Não o foi para o José nem para ninguém. Não o foi para os que lá estiveram , de facto, nem para os que viveram esta guerra, através dos que amavam" (4).
Isto foi uma provocação sadia, que me pôs a reflectir e da reflexão surgiu o novo texto que agora te envio, com um beijinho fraternal à Ana.
Quando regressei estava convencido que ia ser fácil esquecer, mas não foi.
Por Zé Teixeira
De facto essa era a minha esperança, mas logo nos primeiros dias de peluda a situação mudou.
Era a verdade sonhada. Tudo ia ser fácil, SE…
SE ao reentrar na sociedade civil, não sentisse que tinha perdido os três melhores anos da minha vida, numa guerra estúpida que não conduziu a nada, pois as informações que chegavam, quantas vezes lidas nas entrelinhas, confirmavam que a situação piorava dia a dia e o fim estava à vista com uma derrota que teria sido estrondosa e trágica se não acontecesse o 25 de Abril.
SE os amigos que deixei não se tivessem naturalmente dispersado na organização da sua vida e o vazio afectivo, não fosse um tormento, embora a prazo.
SE o rosto da mãe que viveu o drama de ver morrer carbonizada a sua menina sem lhe poder valer, por estar ferida e impossibilitada de se deslocar em seu socorro, não me perseguisse.
SE o grito do camarada, que mal conhecera, ao sentir a vista a fugir-lhe e ao reflectir que a sua vida se estava a apagar, sem eu lhe poder valer, não atormentasse mais os meus ouvidos.
SE os olhos aterrorizados das crianças a correr para os abrigos nos ataques diurnos e nocturnos à Tabanca não aparecessem mais à minha frente.
SE a voz sonante do Conceição Caixeiro, não continuasse a soar um melodioso fado nos meus ouvidos, recordando-me a sua morte com a nuca esmagada, quando feliz da vida cantava, enquanto fazia as necessidades fisiológicas.
SE a visão das aldeias cercadas por duas fiadas de arame farpado, não fosse uma constante que apenas desapareceu após o regresso à Guiné em 2005. Arame farpado, cemitério de garrafas amarradas duas a duas para tilintarem à mais pequena tentativa de intrusão do IN. Cercadas ainda por campos de minas, obrigando as populações a usarem só e apenas os carreiros ou picadas. Autênticas prisões de onde se saía apenas para o essencial e bem armado.
SE não sonhasse com o grito eufórico do camarada que localizou um pedaço de corpo humano enegrecido pela pólvora, julgando ser de um inimigo . . . e as suas e nossas lágrimas, quando se verificou que eram de um camarada que tinha pisado um fornilho.
SE o grito do Miguel ao sentir a falta da perna que uma Anti-Pessoal arrancou sem piedade - ela já não me quer – deixasse de me atormentar. O Miguel, calmo e sereno que eu conheci. O Miguel que cintava as cartas da namorada e correspondia a uma por dia . . . O Miguel que só reencontrei 32 anos depois.
SE a cena que vivi na bolanha dos passarinhos a caminho de Nhala em que senti a voz de Deus, dizer-me Salta da viatura e segundos depois esta foi pelos ares, ficando totalmente destruído o habitáculo que momentos antes eu ocupara. Se tal cena não continuasse a perturbar-me.
SE não recordasse com imensa saudade as pessoas de cor negra com quem partilhei belos momentos. Homens da milícia, mulheres, crianças e sobretudo lindas bajudas, a Fátma, a Mariema, a Auá, a Djobo Ansato e tantas outras. Momentos tantas vezes encerrados abruptamente pelo sargenti di milícia Hamadú, que aparecia, com a celebre frase hora di vai na deita, bandido stá lá e apontava para o local donde de vez em quando éramos brindados com umas canhoadas, que punham a Tabanca em sobressalto, trazendo sustos, ferimentos e quantas vezes a morte.
SE as bebedeiras monstruosas para esquecer, que me faziam ir de gatas para a caserna, ou quantas vezes apanhar a agradável cacimba no rosto nas noites dormidas a curtir, não fossem um provocante estímulo a continuar a trilhar esse caminho.
SE o simples bater de uma porta ou o estoirar de um foguete, não provocassem um baque no coração e uma procura rápida de um buraco para me abrigar.
SE o estrondo de simples embate de duas viaturas, com perdas em chaparia, em plena cidade, não me fizesse desatar a correr com medo de ver sangue a correr. (Fui enfermeiro na guerra e bastou o que vi) Só uns anos mais tarde senti algum equilíbrio nesta área.
SE os olhar do prisioneiro abatido a sangue frio, sem culpa formada e sem defesa, não se espetasse no tecto do meu quarto a gritar-me Estou inocente !
SE a voz do prisioneiro, afogado no Rio Grande de Buba - Morte justificada na linguagem militar (muito provavelmente) Atirou-se à água para tentar fugir, levando uma G3 (A G3 que tinha desaparecido e era preciso justificar) - não ecoasse nos meus ouvidos.
SE os sorrisos da minha Maimuna, que me acompanhou durante meses - Bebé amorosa, hoje mudjer garandi - deixasse o meu coração.
SE os canhões sem recuo que todas as noites faziam serenatas - ora em Gandembel, ora em Guileje, Gadamael, Cacine, Catió, Buba, ou ali mesmo onde eu estava - se calassem para sempre.
SE as corridas atarantadas para a vala, para o abrigo mais próximo ou o simples deitar no chão, cobrir a cabeça com as mãos e aguardar a bala ou o estilhaço que felizmente nunca chegaram até mim, cenas de filme repetido e que não me deixavam viver em paz.
SE a voz do Raul Fodé a convidar-me para deixar a arma e ficar em Empada com enfermeiro civil, com comida e mudjer garantidas.
SE...SE...SE...
Tantos SE que ficaram armazenados no sótão da minha consciência a atormentar-me. Armazenados, mas não apagados, dos quais me vou libertando com o tempo.
Não fiz guerra, porque a minha guerra era outra – prestar os socorros possíveis com um volume de soro fisiológico, algumas compressas e pensos, alguns injectáveis na sacola de enfermeiro e muita sorte, sobretudo. Mas, vivi os horrores de uma guerra que não queria. Guerra que era um dever patriótico. Veneno que me injectaram desde a escola primária, num Portugal pluri-racial de aquém e além mar que era preciso defender, até ao sacrifício da própria vida.
Guiné-Bissau > Buba > Tabanca Lisboa > 2005 > O Zé Teixeira, felicíssimo, com um puto ao colo, na tabanca Lisboa (um antigo centro de treino do IN, de nome Sare Tuto, a 5 km de Buba) (4)
Foto: © José Teixeira (2006). Direitos reservados.
Depois do meu regresso à Guiné [, em Abril de 2005], muitos SE se foram esbatendo. Revi um povo que continua pobre e sem rumo, com um futuro muito difícil, mas alegre como sempre o senti, acolhedor como sempre foi. Povo livre, senhor do seu destino, que lutava por uma vida melhor, vida que ambas as partes em contenda prometiam e foi por uns abandonado e pelos outros enganado.
Um dos fantasmas que me perseguia, era como seria recebido, agora que não tinha a força da G3 a impor-me. A surpresa no acolhimento, logo ao chegar à fronteira em Pirada, terra que só conhecia de nome, do tempo em que se ouviam os rebentamentos e alguém dizia - Pirada está a comer !
Guiné-Bissau > 2005 > Morcão e dragão, o Zé Teixeira pôde testemunhar e comprovar, algures numa tabanca do interior, o orgulho de se ser... portista!
Foto: © José Teixeira (2006). Direitos reservados.
Senti-me como que em Portugal. A preocupação do polícia, que me atendeu, foi saber onde tinha estado no tempo da guerra e lá localizou um irmão em Buba e um primo em Quebo. Queria saber se eu os conheci.
Revi amigos, antigos companheiros - Portugueses da Guiné, que lutaram a meu lado -, que se recordavam de mim, que me procuravam para recontar, recordando, cenas vividas em comum., que falavam de outros companheiros, uns desaparecidos que o tempo não perdoa, outros aqui ou além, na sua nova vida a que tiveram de se adaptar, outros que fugiram para nunca mais, ou ainda, os que foram assassinados com o estigma de traidores à Pátria, só porque estavam do lado errado, quando a guerra acabou.
Revi bajudas, agora mudjer garandi, com filhos e netos, que me recordaram velhos tempos de convívio e de namoro, porque não. Elas eram tão lindas ! Como nos divertíamos nos espaços de tempo que o bandido da mato nos permitia !
Visitei uma tabanca que foi base inimiga (Sare Tuto, ou Tabanca Lisboa, como os seus habitantes gostam que lhe chamem) situada a cerca de 5 Km de Buba (5).
Daí partiam para as emboscadas que sofri, para os ataques aos aquartelamentos, para me saudarem ao deitar, acordar de noite ou de manhã cedinho com as suas mortíferas canhoadas. Hoje, é, apenas e só, mais uma Tabanca da Guiné, cuja população já não precisa de se esconder quando ouve o Já passou (*), se é que ainda existem na Guiné aviões desse tipo, o que duvido.
Pude abraçar companheiros de guerra, que me fizeram cara a vida, porque estavam do outro lado da contenda, que ainda não sabem falar português, pois que retirados, talvez à força, sua terra, ainda muito jovens, aprenderam o francês como língua materna e agora servem-se do crioulo para comunicarem.
Que agradável encontro. Foi como que um fazer de pazes.
As tabancas cercadas com duas fiadas de arame farpado, deram lugar a grandes aldeamentos onde habitam milhares de pessoas, onde as pistas de aviação foram transformadas em zonas habitacionais ou campos de cultivo de caju, onde os quartéis se tornaram escolas. As picadas / estradas, outrora campos de morte, cumprem hoje, lá como em todo o mundo, a sua missão de interligarem povoações, de encurtarem distâncias, caminhos de um progresso bem merecido, mas que teima em não aparecer.
Com tudo isto, os fantasmas vão desaparecendo, enquanto a afeição pela Guiné, vai crescendo.
Zé Teixeira
(*) Nome que o IN dava aos Fiat – Caças a jacto da aviação portuguesa que, quando passavam resteiros, só se ouviam quando já estavam em cima do alvo... Logo, quem pudesse gritar Já passou, tinha escapado à sua acção mortífera
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Notas de L.G:
(1 Vd. post de
14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi
Vd posts anteriores:
1 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDX: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (1): Buba, Julho de 1968(...) Buba, 21 de Julho de 1968: Agora me lembro, hoje é Domingo... Saí às cinco da manhã em patrulha de reconhecimento à estrada de Aldeia Formosa. Voltei a Buba onde assento desde ontem pelas treze e trinta, depois de uma marcha de cerca de vinte quilómetros debaixo de sol abrasador. O resto da tarde foi para dormir, estava completamente esgotado (...).
2 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXI: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (2): Buba/Aldeia Formosa, Julho de 1968(...) Buba/Aldeia Formosa, 24-26 de Julho de 1968: (...) A noite começou mais cedo neste negro dia de vinte e quatro de Julho! Esta vida salvava-se, mas um mal nunca vem só. A viatura atingida era o carro do rádio e consequentemente desde aquela hora (16 h) ficamos completamente isolados do resto do mundo. O ferido mais grave e que veio a falecer era o radiotelegrafista. Isto é guerra...Quando nos dispúnhamos a montar acampamento o radiotelegrafista morreu. Com o impacte do rebentamento tinha ido ao ar e caíu de peito, rebentando por dentro. Eu e o Catarino nada pudemos fazer (...).
2 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXIII: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (3): Aldeia Formosa, Julho de 1968 Aldeia Formosa, 9 de Agosto de 1968: (...) Um pelotão de milícia de Aldeia Formosa foi bater a zona de Mampatá, para confundir o IN e sofreu dois mortos e três feridos. Trouxe orelhas de vários IN, mortos durante o combate. É horrível, Senhor... dois mortos e três feridos e... orelhas de vários IN mortos. Alguns, foi a sangue frio, segundo dizem, depois de serem descobertos com ferimentos que os impediam de fugir. Tudo isto é guerra, enquanto uns estavam na rectaguarda feridos, outros, autênticas feras, procuravam IN, irmãos de raça, para os assassinarem (...).
2 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXIV: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (4): Aldeia Formosa, Agosto de 1968 (...) Aldeia Formosa, 28d e Julho de 1968: (...) Encontrei em Gandembel o Mário Pinto, meu colega de escola, contou-me coisas terríveis que se têm passado neste aquartelamento fortificado, junto à fronteira com a Guiné-Conacri que tem como objectivo cortar os carreiros de ligação à estrada da morte, impedindo o IN de fazer os abastecimentos (...).
6 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXVII: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (5): Mampatá, Agosto-Setembro de 1968 (...) Mampatá, 7 de Setembro de 1968: Tenho que reagir. Estou-me portando pior que os outros. Onde está a minha força de vontade de viver segundo o meu projecto de vida ? Sinto-me só... recomeço a luta tanta vez... como fugir ?...Eu não quero matar. Eu não quero morrer. Quero viver, mas esta vida, não (...).
11 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXL: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (6): Mampatá, Setembro-Outubro de 1968 (...) Mampatá, 17 de Setembro de 1968: Dia de correio. Ainda cedo sentiu-se a avioneta de Sector em direcção a Aldeia Formosa. Aguardamos com ansiedade a viatura que partiu para lá....O Vitor escreveu-me. Por Bissorã nem tudo corre bem. Segundo ele, num pequeno incidente ficaram dois soldados inutilizados para toda a vida, ambos com uma perna amputada e um outro com a cara cheia de estilhaços. Além destes, uma nativa morta e outra sem uma perna. Tudo por rebentamento de minas A/P, montadas pelo IN. Numa saída em patrulha a malta vingou-se fazendo sete mortos e dois prisioneiros. O último a morrer foi o tipo que montou as minas e, pelo que ele conta, teve morte honrosa. Todos os africanos verificaram a eficiência das suas facas no seu corpo (...)
(...) Mampatá, 25 de Setembro de 1968: Como é belo sentir nas próprias mãos o pulsar de um coração novo que acaba de vir ao mundo. Um corpo pequenino, branco como a neve, puro como os anjos e no entanto, este corpo vai crescer, a pouco e pouco a natureza encarregar-se-á de o tornar negro como os seus progenitores, negro como os seus irmãos que hoje não cabiam em si de contentes. É puro como os anjos, a sua alma está imaculada, mas virá o tempo em que conhecerá o pecado, terá de escolher entre o bem e o mal (...).
Guiné 63/74 - CDLIV: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (7): Mampatá, Outubro-Dezembro de 1968(...) Mampatá, 29 de Outubro de 1968: (...) A família do sargenti di milícia Hamadu (1) estava toda reunida. No meio, um alguidar cheio de vianda (arroz) com um pequeno bocado frango frito:- Teixeira Fermero, vem na cume (Enfermeiro Teixeira vem comer). - Sentei-me meti a mão no alguidar, fiz uma bola com arroz bem temperado com óleo de palma e meti à boca (Em Roma sê romano). Estava apetitoso e eu estava cheio de comer massa com chispe que o cozinheiro confeccionava na cozinha improvisada ao ar livre, porque não havia mais nada. Estamos no tempo das chuvas, a Bolanha dos Passarinhos está intransponível pelo que não há colunas a Buba para trazer mantimentos (...).
19 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXI: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (8): Chamarra, Janeiro de 1969 (...) Mampatá, 5 de Janeiro de 1969: (...) Admiro esta população de Mampatá. Quando souberam que eu ia de serviço na coluna em substituição do Lemos vieram despedir-se de mim. Fui abraçado, as bajudas beijavam-me e cantavam uma melodia triste. Até dá gosto viver com esta gente.A mãe da Binta veio trazer-ma para lhe dar um beijinho e fazer um festinha como era meu hábito (Pegava nela e atirava-a ao ar dando a miúda e a mãe uma gargalhada). A Maimuna tinha oito luas quando cheguei a Mampatá (...).
(...) Chamarra, 23 de Janeiro de 1969: (...) Ontem ao anoitecer, em Aldeia Formosa, alguém, lançou uma granada de mão para a Messe dos sargentos. Não se sabe quem foi. Branco ou negro. Por vingança, por descuido. Os resultados foram tremendos. Dois soldados, meus camaradas, tiveram morte imediata e houve ainda dez Furriéis feridos, alguns com gravidade. As medidas tomadas pelo Comandante para descobrir o assassino ainda não resultaram.Aqueles dois colegas que casualmente se encontravam à porta encontraram a morte, pela mão de um companheiro cego pela loucura ou pelo ódio, tudo leva a crer (...).
24 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXIV: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (9): Buba, Fevereiro/Março de 1969, 'manga de chocolate' (...) Buba, 20 de Fevereiro de 1968: Estou em Buba desde 7 de Fevereiro e as perspectivas não são muito boas. Gandembel foi abandonada e o IN entretinha-se por lá. Agora, talvez porque se está a construir uma estrada nova para ligar Buba a Aldeia Formosa, esta linda terra está a ser a preferida pelo IN para as suas brincadeiras.A estrada nova já causou um morto, o primeiro da minha Companhia quando eu ainda estava em Chamarra. O IN estava emboscado com dois fornilhos montados e, ao fazer rebentar a emboscada, provocou a explosão das armadilhas e um homem, o velho, foi pelos ares. Mais uma vida roubada (...).
30 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXXVI: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (10): Abril/Maio de 1969, 'Senhora, nem Tu me salvaste!" (...) Buba, 19 de Abril de 1969: (...) Um pequeno incidente de palavras entre um soldado da minha Companhia [CC 2381] e um Comando Africano, quando tomavam banho, originou uma luta entre Fuzileiros e Comandos com consequências graves. Parece estar tudo louco (...).
6 de Fevereio de 2006 > Guiné 63/74 - DII: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (11): Desenfiado, em férias na Metrópole (Maio/Junho de 1969)(...) Bissau, 19 de Junho de 1969: Regressei a Bissau depois de um mês de férias na Metrópole onde pude participar no casamento do meu irmão Joaquim.A minha [licença] de férias foi cheia de aventura. O Comandante não assinou o Passaporte, pelo que não podia ir, apesar de ter a viagem comprada. Mandei um rádio para Bissau a anular a viagem e entretanto o Comandante foi para uma Operação.
(...) Entretanto aparecem dois bombardeiros no ar e o lugar do atirador vago. Ao pressentir que iam aterrar, fardei-me, peguei na mala e dirigi-me à pista com intenções de pedir ao Comandante da Esquadrilha para me levar, só que vejo sair do outro Bombardeiro nada menos que o meu Comandante que regressava da Operação (...).
8 de Fevereiro de 2006 >A Guiné 63/74 - DV: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (12): A morte do Cantiflas (Julho de 1969)(...) Buba, 18 de Julho de 1969: (...) Para morrer basta estar vivo, não interessa o local ou meio. De paz ou de guerra. A morte aparece em qualquer sítio e a qualquer hora. O Cantinflas estava na guerra.. Caíu debaixo de fogo várias vezes, sofreu os efeitos de uma guerra traiçoeira, sem o mais pequeno ferimento, mas a morte espreitava-o impiedosamente e há dias, através de um choque eléctrico, veio ter com ele (...).
9 de Fevereirod e 2006 > Guiné 63/74 - DVIII: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (13): Vi a morte à minha frente (31 de Julho de 1969)Buba, 31 de Julho de 1969: Vi a morte à minha frente. Saí de manhã até à Bolanha de Beafada, a montar segurança à coluna que ia para Aldeia Formosa. Tinha como missão assistir os Picadores que iam à frente a tentar detectar as possíveis minas que o IN costuma colocar. Coloquei a bolsa na 1ª viatura e segui à frente da mesma.Como havia muitas poças de água, instalei-me ao lado do condutor. Em determinado momento tive um pressentimento e saltei da viatura seguindo à sua frente. Não andei 50 metros e senti um rebentamento, fui projectado pela deslocação do ar e senti algo a cair em cima de mim, deduzindo que eram estilhaços. Pensei:- Desta não escapo (...).
11 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXX: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (14): De que lado estaria Deus ? (Agosto de 1969)(...) Buba, 7 de Agosto de 1969: As colunas de abastecimento a Aldeia Formosa e povoações limítrofes continuam a dar que falar. Ontem, seguiu mais uma e, ao chegar ao Pontão de Uane, uma mina anticarro rebentou debaixo da 14ª viatura, projectando os seus ocupantes a grande altura, pois a viatura seguia sem carga. Três mortes instantâneas, todas de africanos e nove feridos graves, entre os quais dois colegas meus. Foi este o resultado (...).
20 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXVII: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (15): um dia negro para a 15ª Companhia de Comandos (Setembro de 1969)(...) Empada, 9 de Setembro de 1969: Na estrada de Fulacunda, mais 8 Comandos e 3 soldados ficaram sem vida. Houve ainda sete feridos graves, entre os quais o meu amigo Zé João, enfermeiro comando. Uma mina anti-carro de grande potência atirou com a viatura cheia de militares, que estiveram comigo em Buba (15ª Companhia de Comandos) contra um tronco de árvore que se debruçava sobre a estrada, matando uma série deles instantaneamente. No buraco feito pela bomba pode-se esconder uma viatura, tal era a sua potência... (...)
8 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXVII: Dia Internacional da Mulher (5): 'Fermero, ká na tem patacão pra paga, fica ku minha mudjer' (Zé Teixeira) .XVI Parte de O Meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (16)
9 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXX: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (17): Este gajo estava mesmo apanhado (...) Empada, 16 de Outubro de 1969: Do pelotão que está em Buba chegam novidades. Há dias houve por lá um terrível ataque com tentativa de assalto. Atacaram do sítio habitual do lado do rio com 10 Canhões s/r (...) Segundo dizem os meus colegas eram mais de duzentos, a avançarem em arco para que se as nossas forças saíssem a envolverem. Felizmente estava emboscado um Pelotão que os detectou. Parece que foi um tremendo fogachal, enquanto os Fuzas perseguiam os que atacaram do lado do rio que pretendiam reforçar as forças de assalto (...).
12 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXII: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (18): Empada, Novembro/Dezembro de 1969 )...) Empada, 20 de Novembro de 1969: O Kebá aparecia todos os dias na Enfermaria. É o nosso ajudante no tratamentos da população. Trata as pequenas feridas. Elas já sabem:- Kebá põe mercuro ! - e ele põe.- Kebá, parte quinino! - e ele vai buscar LM. Vão-se embora todos contentes. Ao Almoço lá lhe trazemos uma cantina cheia de comida. É a nossa paga. Há dias deixou de aparecer. Estranho, mas como tem duas mulheres e vários filhos no mato, admiti que tivesse ido embora.Ontem vi-o a carregar barricas de água, da fonte para o jardim do chefe de posto. Perguntei-lhe porque deixou de aparecer e fiquei horrorizado. Estava preso por não pagar o Imposto de Pé Descalço.Vim para o Quartel e a minha revolta fez-me agir. Um quarto de hora depois estava a casa do Chefe de Posto cercada por militares armados de G3 a exigirem a libertação do Kebá (...).
(2) Vd. post de 11 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCXCIII: Notícias do Zé Teixeira: da Ponderosa (CCAÇ 616) a Gandembel (CCAÇ 2317) (José Teixeira)
(...) "A Ana Ferreira diz que o pai esteve na tabanca Ponderosa, cujo nome nome verdadeiron não conhece. Pois bem, trata-se da Tabanca de UALADA.
"Houve uma Companhia que em memória da célebre série da TV Bonanza fez um pórtico com o nome RANCHO DA PONDEROSA e este vingou, ficando a ser conhecida por todo o branco como Ponderosa.
"Em 1969 a Tabanca estava deserta. Tinha sido abandonada e a população recolhida em Empada. Como tinha um bolanha muito produtiva, a população ia todos os dias para lá trabalhar nos campos de arroz e a minha Companhia fazia deslocar 2 Secções para o local, no sentido de proteger a população. Algumas das fotos que te enviei (Em cima de um bagabaga) foi tirada lá. Vou ver se consigo um foto que já vi, com o pórtico do Rancho da Ponderosa" (...).
(3) Vd. post de post de 26 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1214: Tão longe e tão perto, camaradas de Empada, Gandembel, Guileje, Buba, Mejo, Cacine, Tite, Guidaje ... (Zé Teixeira)
(4) Vd. post de 2 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1239: Recordando o meu pai: era o silêncio o que mais custava ouvir-lhe (Ana Ferreira)
(5) Vd. post de 26 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCI: Onde ficava Sare Tuto ? (Afonso M.F. Sousa)
Guiné 63/74 - P1297: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (3): Do navio Timor ao Quartel de Santa Luzia
Lisboa > Navio da Marinha Mercante Portuguesa Timor > Navio misto (carga e passageiros), de duas hélices; construído em Inglaterra em 1950 e abatido em 1974, tinha mais de 130 metros de comprimento de fora a fora; arqueação bruta: cerca de 7,6 mil toneladas; velocidade máxima: 15 nós; 120 tripulantes; alojamentos para 4 em classe de luxo, 60 em primeira classe, 25 em terceira e 298 em terceira suplementar, no total de 387 passageiros. Armador: Companhia Nacional de Navegação - Lisboa.
Fonte: Navios Mercantes Portugueses (1996) (com a devida vénia...)
O Palmeirim de Catió é o Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins (Catió, 1964/66). Publicamos hoje a terceira parte das suas crónica (1). Já tive oportunidade de lhe dizer o seguinte:
"Caro Mendes Gomes: Como já tive ocasião de te dizer, hoje, no blogue e ontem ao telefone, tu és dos nossos e a gente já te arrumou um cantinho (confortável) na nossa caserna virtual. Se a antiguidade na tropa é um posto, então tu já és, com o Mário Dias e poucos mais, general… De facto, não é todos os dias que nos chega um… Canário de caqui amarelo, um homem que andou pelo Colmo, pelo Cachil, por Catió, no início da guerra… e conheceu o João Bacar Jaló, o Nuno Rubim, o Saraiva, etc."...
Ao que o Mendes Gomes respondeu, logo a seguir, nestes termos:
"Caro Luís: Fiquei muito feliz quando vi o meu texto publicado. Dedico-os sobretudo e em primeiro lugar, com muito carinho, aos meus camaradas Palmeirins que jamais esquecerei. Pesam-me na consciência a minha repetida ausência nos seus encontros anuais. O primeiro em que participei, no quartel de Évora, desencadeou-me uma sensação desagradável, muito estranha, que não quis repetir. Pode ser que passe...
"Estou em Aveiro, onde não tenho o meu espólio de guerra. Quando voltar a Lisboa, far-te-ei chegar algumas fotos e, claro, a do estandarte dos Palmeirins.
Foram muito pertinentes as tuas imediatas achegas literárias, sobre a questão das crónicas dos Palmeirins. Aliás, de Mestre"...
Obrigado e um abraço
Mendes Gomes
2.3. Despedida do Rio Tejo
De Évora, pela madrugada calada de uma noite tórrida de Agosto, saíu o comboio especial, com todo o cortejo militar que perfazia o numeroso batalhão, dado pronto para a luta.
Duas das companhias, a 726 e 728, iriam para a Guiné, outra para Angola e , creio, uma CCS, para Moçambique. O sorteio.
Uma noite de viagem ronceira, desde Évora a Lisboa, cais de Alcântara. Só 130 Km, de linha secundária e sem qualquer prioridade. A longa paragem de Casa Branca ficou na memória: esgotaram as bifanas de porco no pequeno bar da estação, mas não a cerveja… O resto da viagem, até de manhã, correu às mil maravilhas.
O imponente paquete Timor, amarelado, mais alto e corpulento do que a enorme estação fluvial, ali estava, calmo, à nossa espera, poisado nas águas paradas do Tejo. Várias escadas, longas, ligavam o cais ao bojo barrigudo mas elegante, do paquiderme, de proa arrebitada e pendão festivo, à solta.
Não demorou muito e toda a gente estava a bordo, distribuida pelos muitos pisos, docilmente transformados em quartel.
Um tremendo urro disparou nos ares e as máquinas medonhas aceleraram, lá no fundo.
A água do Tejo começou a ferver em ondas de espuma, em turbilhão, à popa, empurrando o gigante para mais uma oferenda, em sacrifício, no altar da ditosa pátria…
As varandas viradas ao cais abarrotavam de tropa. Mantos de lenços esvoçantes e lágrimas a escorrer refrescavam a dor dos que ficavam e dos que partiam…
Na sua lentidão insensível, o barco foi-se afastando, mais e mais até que o punhado de multidão do cais se tornou, apenas, numa seara escura, salpicada de folhas brancas ondulantes.
Do meio do Tejo, era a vez de Lisboa, sempre afável e carinhosa, se despedir de nós, reconhecida, com votos sentidos de feliz e rápido regresso…
A ponte audaz que iria ligar as duas margens, em cabos de aço suspensa, apenas tinha construidas as duas largas sapatas a emergir da tona das águas esverdeadas. Quando regressássemos, se regressássemos…, haveria de estar pronta…para nos receber. Era o que constava.
Mais um pouco e o enigmático oceano recebia, sereno, a quilha altiva da nau castrense, pronta para a peleja.
A vida de quartel iniciou o seu ritual. A comida abundante ressomava festiva nos pratos mais fidalgos, no meio da vozearia frenética dos combatentes.
Cada companhia no seu lugar e cada pelotão bem entregue ao seu alferes e aos 3 sargentos, todos de galões, vaidosos, a estrear…nos ombros.
O programa de bordo já estava montado. Havia que manter a tropa, ocupada quanto possível. Era preciso que não houvesse tempo para pensar, para ninguém. O caminho era, sempre, para a frente.
Campeonatos de pingue-pongue atingiram o rubro entre oficiais, sargentos e praças; remedos de teatro ad hoc surgiram, espantosos de frescura e elevação; concursos de canto e outras habilidades se montaram sobre a parte mais larga do navio, à vista dos altos comandos, nsatisfeitos.
A travessia do equador fez-se sentir, quente, e foi festejada como convinha, a bordo, com alvoroço, muita cerveja e champanhe...
Os dias foram passando e uma sensação estranha começou a perpassar traduzida em nervosismo, disfarçado, muito a custo.
O céu tornou-se diferente e estranho para todos. As águas começaram a tornar-se cinzentas e espessas e o horizonte pardacento e negro. Já eram as águas do vasto estuário do Geba que nos iria levar a Bissau, dentro de algumas horas, à medida que as margens longínquas se iam aproximando.
Agora era um frondoso arvoredo, baixo e densamente entrelaçado que orlava uma e outra das margens do Geba caudaloso. Uma manta de floresta, salpicada de leques de palmeiras bamboleantes, seguia-se para o fundo, infinito e plano. Tinha-se a sensação de estarmos a devassar terras proibidas.
A cada momento, podíamos ser atingidos de qualquer das margens. O alcance de uma simples metralhadora abrangia-nos à vontade, desarmados. Depressa, se soube que uma ou várias curvetas de aço cinzento da marinha já nos vinha a escoltar, desde há muitas milhas, sobre o Atlântico. Ficámos mais serenos.
O Palmeirim de Catió é o Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins (Catió, 1964/66). Publicamos hoje a terceira parte das suas crónica (1). Já tive oportunidade de lhe dizer o seguinte:
"Caro Mendes Gomes: Como já tive ocasião de te dizer, hoje, no blogue e ontem ao telefone, tu és dos nossos e a gente já te arrumou um cantinho (confortável) na nossa caserna virtual. Se a antiguidade na tropa é um posto, então tu já és, com o Mário Dias e poucos mais, general… De facto, não é todos os dias que nos chega um… Canário de caqui amarelo, um homem que andou pelo Colmo, pelo Cachil, por Catió, no início da guerra… e conheceu o João Bacar Jaló, o Nuno Rubim, o Saraiva, etc."...
Ao que o Mendes Gomes respondeu, logo a seguir, nestes termos:
"Caro Luís: Fiquei muito feliz quando vi o meu texto publicado. Dedico-os sobretudo e em primeiro lugar, com muito carinho, aos meus camaradas Palmeirins que jamais esquecerei. Pesam-me na consciência a minha repetida ausência nos seus encontros anuais. O primeiro em que participei, no quartel de Évora, desencadeou-me uma sensação desagradável, muito estranha, que não quis repetir. Pode ser que passe...
"Estou em Aveiro, onde não tenho o meu espólio de guerra. Quando voltar a Lisboa, far-te-ei chegar algumas fotos e, claro, a do estandarte dos Palmeirins.
Foram muito pertinentes as tuas imediatas achegas literárias, sobre a questão das crónicas dos Palmeirins. Aliás, de Mestre"...
Obrigado e um abraço
Mendes Gomes
2.3. Despedida do Rio Tejo
De Évora, pela madrugada calada de uma noite tórrida de Agosto, saíu o comboio especial, com todo o cortejo militar que perfazia o numeroso batalhão, dado pronto para a luta.
Duas das companhias, a 726 e 728, iriam para a Guiné, outra para Angola e , creio, uma CCS, para Moçambique. O sorteio.
Uma noite de viagem ronceira, desde Évora a Lisboa, cais de Alcântara. Só 130 Km, de linha secundária e sem qualquer prioridade. A longa paragem de Casa Branca ficou na memória: esgotaram as bifanas de porco no pequeno bar da estação, mas não a cerveja… O resto da viagem, até de manhã, correu às mil maravilhas.
O imponente paquete Timor, amarelado, mais alto e corpulento do que a enorme estação fluvial, ali estava, calmo, à nossa espera, poisado nas águas paradas do Tejo. Várias escadas, longas, ligavam o cais ao bojo barrigudo mas elegante, do paquiderme, de proa arrebitada e pendão festivo, à solta.
Não demorou muito e toda a gente estava a bordo, distribuida pelos muitos pisos, docilmente transformados em quartel.
Um tremendo urro disparou nos ares e as máquinas medonhas aceleraram, lá no fundo.
A água do Tejo começou a ferver em ondas de espuma, em turbilhão, à popa, empurrando o gigante para mais uma oferenda, em sacrifício, no altar da ditosa pátria…
As varandas viradas ao cais abarrotavam de tropa. Mantos de lenços esvoçantes e lágrimas a escorrer refrescavam a dor dos que ficavam e dos que partiam…
Na sua lentidão insensível, o barco foi-se afastando, mais e mais até que o punhado de multidão do cais se tornou, apenas, numa seara escura, salpicada de folhas brancas ondulantes.
Do meio do Tejo, era a vez de Lisboa, sempre afável e carinhosa, se despedir de nós, reconhecida, com votos sentidos de feliz e rápido regresso…
A ponte audaz que iria ligar as duas margens, em cabos de aço suspensa, apenas tinha construidas as duas largas sapatas a emergir da tona das águas esverdeadas. Quando regressássemos, se regressássemos…, haveria de estar pronta…para nos receber. Era o que constava.
Mais um pouco e o enigmático oceano recebia, sereno, a quilha altiva da nau castrense, pronta para a peleja.
A vida de quartel iniciou o seu ritual. A comida abundante ressomava festiva nos pratos mais fidalgos, no meio da vozearia frenética dos combatentes.
Cada companhia no seu lugar e cada pelotão bem entregue ao seu alferes e aos 3 sargentos, todos de galões, vaidosos, a estrear…nos ombros.
O programa de bordo já estava montado. Havia que manter a tropa, ocupada quanto possível. Era preciso que não houvesse tempo para pensar, para ninguém. O caminho era, sempre, para a frente.
Campeonatos de pingue-pongue atingiram o rubro entre oficiais, sargentos e praças; remedos de teatro ad hoc surgiram, espantosos de frescura e elevação; concursos de canto e outras habilidades se montaram sobre a parte mais larga do navio, à vista dos altos comandos, nsatisfeitos.
A travessia do equador fez-se sentir, quente, e foi festejada como convinha, a bordo, com alvoroço, muita cerveja e champanhe...
Os dias foram passando e uma sensação estranha começou a perpassar traduzida em nervosismo, disfarçado, muito a custo.
O céu tornou-se diferente e estranho para todos. As águas começaram a tornar-se cinzentas e espessas e o horizonte pardacento e negro. Já eram as águas do vasto estuário do Geba que nos iria levar a Bissau, dentro de algumas horas, à medida que as margens longínquas se iam aproximando.
Agora era um frondoso arvoredo, baixo e densamente entrelaçado que orlava uma e outra das margens do Geba caudaloso. Uma manta de floresta, salpicada de leques de palmeiras bamboleantes, seguia-se para o fundo, infinito e plano. Tinha-se a sensação de estarmos a devassar terras proibidas.
A cada momento, podíamos ser atingidos de qualquer das margens. O alcance de uma simples metralhadora abrangia-nos à vontade, desarmados. Depressa, se soube que uma ou várias curvetas de aço cinzento da marinha já nos vinha a escoltar, desde há muitas milhas, sobre o Atlântico. Ficámos mais serenos.
Além disso, aquela zona felizmente, era-nos fiel, supostamente. Era terra dos bijagós. Uma vez mais, os longínquos conhecimentos de geografia da 4ª classe, indelevelmente registados, entravam a funcionar.
As muitas raças que havia na nossa Guiné, os balantas, mandingas, fulas, papéis e os seus costumes despertavam enorme curiosidade a todos.
As muitas raças que havia na nossa Guiné, os balantas, mandingas, fulas, papéis e os seus costumes despertavam enorme curiosidade a todos.
Um tiro soou. Um calafrio nos correu toda a espinha. Foi um crocodilo que apareceu ao longe, atrevido, possivelmente, atraído pelos restos que saíam da cozinha do vapor. Mergulhou e nunca mais se viu. A forte carapaça era o suficiente para nada lhe acontecer, se a bala o atingisse em oblíquo.
A temperatura é sufocante e húmida. A camisa de caqui amarelo cola-se à pele, apesar de ter tomado um duche há momentos. Uma ponta de terra, destacada da outra mais distante, na margem esquerda do Geba, começa a destacar-se e a alargar, elevando-se um pouco sobre as águas. De vez em quando, há clareiras, por entre a imensa manta de arvoredo verde acinzentado. Umas casotas de palha, espalhadas debaixo de uma família de embondeiros abrigam corpos nús de homens, mulheres e crianças irrequietas que andam e correm até à borda do rio.
Muitas canoas compridas, feitas num pedaço de tronco grosso, deslizam ao lado da margem, tangidas por um vulto negro à sua popa, pelas mãos, agarradas à ponta de uma vara que ele faz girar em arcos de oitava, mil vezes repetida e se traduzem na força propulsora da embarcação.
É uma ilhota em frente à cidade de Bissau que não tarda a aparecer, do lado direito.
2.4. Bissau à Vista
Agora, é uma mancha de casaredo entremeado de árvores, terra avermelhada, muitas palhotas espalhadas à sombra de embondeiros gigantes, aos montes, um movimentado porto de pesca e descarga, com muitas barcaças enegrecidas, cheias de gente e carregadores, a crista de uma igreja mais elevada, alguns carros militares, girando rente às águas.
Grandes armazéns toscos, quanto baste, para arrecadar as mercadorias que chegam e partem;
um sinaleiro, de porte senhoril, preto, em cima de um tamborete improvisado, colorido, esforça-se por impor um pouco de ordem no trânsito variado de carros, bicicletas, que escorre, a esmo, pela artéria que vem de cima para o rio.
O Timor avança lento, ao meio do rio largo pelo caminho mais fundo e seguro. Não vai atracar à margem. Não há lugar para o seu tamanho.
Não chove mas o céu está pardacento, embora se adivinhe o sol a tentar rompê-lo. É mesmo assim. As chuvas vêm rigorosamente na sua época. Diziam que, no dia 15 de Maio começava a época das chuvas e foi verdade, rigorosamente comprovada, nos dois anos lá passados.
A tropa destinada à Guiné deixou o barco rapidamente. Os Unimogues militares transportaram toda a bagagem para o quartel de destino. Um desfile de todas as companhias desembarcadas foi imediatamente organizado, pela Avenida Central que cortava Bissau em duas partes, desde o palácio do Governador até ao pé do cais.
Era a habitual apresentação às gentes da Guiné de mais um reforço, chegado em sua defesa. Com júbilo multicolor, multidões de homens, mulheres e crianças, em trajes garridos de festa, preenchiam as alas da avenida, batendo palmas e acenando, agradecidos, à passagem, em marcha de desfile.
Éramos um rio de caqui amarelo e boinas castanhas com duas fitinhas, atrás, a escorrer, trepidantes e de olhares desatinados, perante aquele mundo desconhecido que se abria.
Os cheiros fortes das árvores e das flores, pujantes e exóticas, eram diferentes e novos.Eram quase enjoativos, sem deixarem de ser perfumados. Mais tarde, em cavaqueira à mesa de oficiais, o último comandante de batalhão, de Catió, famoso e chanfrado da cabeça, dizia deles, com gozo nosso, que as árvores da Guiné lhe cheiravam a espermatozóides…
Os gestos, as feições da população negra e todas as expressões obedeciam a um código que nos era inacessível. Só com o correr dos meses, nos fomos inserindo nele, lentamente e sem dar conta.
2.5. Quartel de Santa Luzia
Santa Luzia foi o nosso primeiro quartel. Afastado uma meia dúzia de km do centro de Bissau, em lugar cimeiro, bem encostado às bolanhas( extensos campos de arroz ), por precaução e defesa, ali estava o complexo Quartel – General.
O gorducho e pequeno brigadeiro Schultz e o seu estado maior, à frente das tropas.
Com todo o vasto sistema de apoio logístico-administrativo, distribuido por vários pavilhões de construção tão recente quanto a idade da guerra, era o coração de toda a complexa máquina bélica na Guiné.
Apenas convivíamos com eles, às refeições, no grande refeitório de oficiais. Vestiam como nós, mas nos ombros refulgiam as estrelas douradas do generalato, sobre fundo vermelho.
Eram os velhos senhores e donos da guerra que ali estavam, numa grande mesa, voltados para a frente, dominando toda as mesas da sala ampla. De lá, seguiam para os seus gabinetes por caminhos próprios, fechados ao comum das gentes, no edifício central mais engalanado.
Dentro do espaçoso recinto cercado de uma forte amurada, protegida por fortins de sentinelas, colocados em sítios estratégicos, ocupando muitos hectares, distribuia-se todo o sistema de aquartelamento, das tropas residentes e em trânsito, como nós, mais todos os serviços e espaços lúdicos. Piscina e campos de jogos.
Não fosse o permanente ribombar sinistro de morteiros ou de artilharia, do inimigo e dos nossos, nos longes do outro lado do Geba tortuoso, dia e noite, e sentir-nos-íamos em casa, como em qualquer quartel da metrópole ( assim se dizia do nosso pedaço de terra luso-ibérico, além-mar).
Durante dois meses e meio, a minha companhia ali ficou aquartelada. Servia de segurança ao quartel-general e dali partia, em acções nocturnas, montando emboscadas, para as imediações alagadas ou de densa vegetação, nos arredores de Bissau.
Era fundamental tomar-se contacto com os barulhos da mata africana. Das enormes e variadas aves noctívagas e dos permanentes batuques, soturnos, das tabancas, em toques de festa, de luto ou de simples intercomunicação de mensagens, entre aldeias.
Noites longas e escuras de cacimbo húmido ou luminosas de luar fulgente, quase da cor do dia, deram para sonhar, para temer e rezar.
Com o pelotão disposto em linha, as 3 secções de doze homens, espaçadas, sob o comando do respectivo sargento, ao longo de um caminho, ali se permanecia, deitado, reprimindo a tosse e, quase, o respirar, em constante guerra aos ruídos que poderiam ser fatais.
Se um falso alarme provocava o disparo de um soldado mais timorato, logo outro local teria de ser procurado, uns quilómetros mais adiante, para cumprir a emboscada gorada.
Ao fim de umas semanas, já toda a gente sabia distinguir o piar provocador do passaredo medonho, tropical ou os ruídos normais das aldeias mais próximas.O medo, a pouco e pouco, foi-se ocultando e a tensão, de todos nós, abrandando, até porque não havia notícia de ter ocorrido qualquer contacto com o inimigo naquelas zonas, consideradas fiéis.
Lembro aquela noite luarenta, muito perto de Mansoa, em que momentos após toda a gente ter sido instalada, um sururú crescente, percorreu o pelotão agitado e acabou às gargalhadas e gritos incontroláveis.
O pelotão tinha sido posto em cima de um carreiro de formigas pretas. Aquelas que constroem altas torres de barro, duras que nem cimento, óptimos abrigos para a metralha, mas que tiram pedaços de carne, em cada mordedura das suas poderosas tenazes…
Não demorou muito e todos estávamos despidos a sacudir, como se podia, as vorazes infiltrações mais atrevidas e dolorosas... O espírito de corpo, que deveria ligar todo o pelotão, já estava consolidado ao fim de umas semanas de intenso treino nas matas, aparentemente, bonançosas dos arredores de Bissau.
Só aparentemente, porque era sabido que os turras (assim se chamava ao inimigo) tinham ali os seus familiares e éra-lhes fácil a clandestina infiltração, para colherem as informações fundamentais e preciosas à guerra que suportavam e alimentavam por toda a Guiné.
Por isso, não era muito recomendável vaguear-se pelas muitas e populosas tabancas (as aldeias dos negros) que rodeavam a cidade, de vez em quando lá desaparecia um dos nossos, e, nos cafés ou lojas comerciais de Bissau, toda a probidade era pouca. Um turra poderia estar ao lado, de orelhas afiladas…pronto a seguir, à velocidade da luz, para o mato com a preciosa notícia de uma operação, em tal zona…Era certo que uma terrível emboscada abortaria, com sangue, a operação programada…
A cidade de Bissau visitava-se em pouco tempo. Várias ruas transversais à já referida Avenida Central, a que corta Bissau ao meio, continham as lojas, os cafés e as moradias dos residentes, a maioria, feita de cabo-verdianos, mais desenvolvidos que os nativos da Guiné.
Um banco, um liceu, uma catedral, um hotel, um grande centro comercial da CUF e muitas esplanadas de cafés eram tudo o que conseguia proporcionar aos militares uma óptima estadia, quer em suculentas férias do mato, quer em sortuda comissão militar para aqueles que ali permaneciam durante os dois anos e meio de serviço.
O resto era dado pela pujante vida das tabancas negras, onde havia sempre bom churrasco, muito marisco, baratíssimo, e muita cerveja.
A expectativa constante em saber para onde iríamos ser destacados não era propícia à exploração daquele mundo de diversão, diferente e enigmático.
O tempo era pouco para ouvir os mais velhos que vinham do mato, em descanso ou férias forçadas, com passagem pelo moderno hospital militar, a uns 8 km de Bissau.
Não era difícil reconhecê-los. Os ares quentes daquelas paragens equatoriais já lhes tinham tisnado os rostos, de ar cansado e sofredor. Nem eles próprios já o reconheciam.
O triângulo de Bafatá, Mansabá e Bissorã, ao norte; Catió, Bedanda e Bissalanca Ur, ao sul; Guilege e Madina do Boé, a Leste, eram, sem dúvida, os pontos mais escaldantes no teatro de guerra.[Vd. carta da província, 1961].
Para oeste, ficava o mar da nossa liberdade, se a sorte o permitisse...passados dois anos e tal.
Mansoa, a 30 km de Bissau, o arquipélago dos Bijagós pela sua localização natural ou pela predominância da raça, leal, ali residente eram os poucos sítios apetecidos. Para além de Bissau, claro.
Se bem que era corrente e aceite que, na Guiné, não havia espaços calmos e seguros. A tropa só dominava nos espaços reduzidos dos centros administrativos restantes da secular colonização. 4 ou 5 km fora da cerca e tudo poderia acontecer. Minas, emboscadas ou raptos.
No geral, a ideia corrente era que se estava num impasse teimoso, com tendência para o agravamento de ambas as partes.
Constava que a nossa vantagem aérea estava a ser ameaçada. Os turras já estavam a ser abastecidos por helicópteros, em pleno campo de luta…e os apoios vindos da Rússia, em material e dos homens, ali preparados, eram crescentes, de dia para dia.
Estávamos na época seca e, por isso, a mais turbulenta. Os helicópteros poisavam, constantemente, no redondel do hospital. Não era aconselhável ir para aqueles lados…Muito menos, entrar nas enfermarias.
Era impossível disfarçar-se a preocupação, por mais forte que fosse o espírito. Nas noites, não havia lugar para sonhos, só pesadelos.
Já que tinha de ser que fosse o mais depressa possível. A imaginação e as cores cinzentas das matas distantes esmagavam-nos nas horas longas de cada dia que passava.
Nos primeiros dias de Outubro, veio, por fim, a notícia. Fatal. A companhia 728 ia para Ilha do Como, zona de Catió, render a Companhia 556, que ficara a defender, ali, a soberania, depois da mais brava refrega que o Chefe-Mor, o brigadeiro Schulz, resolveu desencadear durante 3 meses. Com todos os meios militares disponíveis, desde a marinha à força aérea e à artilharia. No fim, a montanha parira um rato… Para não vir para Bissau, de mãos a abanar, decidiu deixar, melhor, imolar uma das últimas companhias a chegar à refrega (2).
Foi deixada entregue a si própria, instalada na bordinha sudoeste da ilha do Como, rica em produtos hortícolas e arrozais. Nela fora proclamada a Républica Independente pelo PAIGC.
Corremos para o mapa a espiolhar o enredo daquelas terras, bem ao sul, às portas da vizinha Guiné-Conacri e da Serra Leoa.
A cota máxima do relevo não passava dos 6 a 7 metros. Um terço das terras ficava debaixo de água em cada maré cheia. Os rios Corubal e Cacine eram uma verdadeira teia de braços tortuosos, com zonas que mais pareciam mar alto, a perder de vista. As matas frondosas e entrelaçadas cobriam o resto que ficava dos arrozais. O seu seio escondia as numerosas tabancas e aquartelamentos, umas e outras, muito primários, quase ambulantes.
O horizonte não podia ser mais pardacento. Só a esperança nos valia e deixava espaço para respirar.
- Seja o que Deus quiser…voltou a ser a expressão mais corrente em todas as bocas. Agora, já um pouco mais conscientes do seu significado.
_______________
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts de:
A temperatura é sufocante e húmida. A camisa de caqui amarelo cola-se à pele, apesar de ter tomado um duche há momentos. Uma ponta de terra, destacada da outra mais distante, na margem esquerda do Geba, começa a destacar-se e a alargar, elevando-se um pouco sobre as águas. De vez em quando, há clareiras, por entre a imensa manta de arvoredo verde acinzentado. Umas casotas de palha, espalhadas debaixo de uma família de embondeiros abrigam corpos nús de homens, mulheres e crianças irrequietas que andam e correm até à borda do rio.
Muitas canoas compridas, feitas num pedaço de tronco grosso, deslizam ao lado da margem, tangidas por um vulto negro à sua popa, pelas mãos, agarradas à ponta de uma vara que ele faz girar em arcos de oitava, mil vezes repetida e se traduzem na força propulsora da embarcação.
É uma ilhota em frente à cidade de Bissau que não tarda a aparecer, do lado direito.
2.4. Bissau à Vista
Agora, é uma mancha de casaredo entremeado de árvores, terra avermelhada, muitas palhotas espalhadas à sombra de embondeiros gigantes, aos montes, um movimentado porto de pesca e descarga, com muitas barcaças enegrecidas, cheias de gente e carregadores, a crista de uma igreja mais elevada, alguns carros militares, girando rente às águas.
Grandes armazéns toscos, quanto baste, para arrecadar as mercadorias que chegam e partem;
um sinaleiro, de porte senhoril, preto, em cima de um tamborete improvisado, colorido, esforça-se por impor um pouco de ordem no trânsito variado de carros, bicicletas, que escorre, a esmo, pela artéria que vem de cima para o rio.
O Timor avança lento, ao meio do rio largo pelo caminho mais fundo e seguro. Não vai atracar à margem. Não há lugar para o seu tamanho.
Não chove mas o céu está pardacento, embora se adivinhe o sol a tentar rompê-lo. É mesmo assim. As chuvas vêm rigorosamente na sua época. Diziam que, no dia 15 de Maio começava a época das chuvas e foi verdade, rigorosamente comprovada, nos dois anos lá passados.
A tropa destinada à Guiné deixou o barco rapidamente. Os Unimogues militares transportaram toda a bagagem para o quartel de destino. Um desfile de todas as companhias desembarcadas foi imediatamente organizado, pela Avenida Central que cortava Bissau em duas partes, desde o palácio do Governador até ao pé do cais.
Era a habitual apresentação às gentes da Guiné de mais um reforço, chegado em sua defesa. Com júbilo multicolor, multidões de homens, mulheres e crianças, em trajes garridos de festa, preenchiam as alas da avenida, batendo palmas e acenando, agradecidos, à passagem, em marcha de desfile.
Éramos um rio de caqui amarelo e boinas castanhas com duas fitinhas, atrás, a escorrer, trepidantes e de olhares desatinados, perante aquele mundo desconhecido que se abria.
Os cheiros fortes das árvores e das flores, pujantes e exóticas, eram diferentes e novos.Eram quase enjoativos, sem deixarem de ser perfumados. Mais tarde, em cavaqueira à mesa de oficiais, o último comandante de batalhão, de Catió, famoso e chanfrado da cabeça, dizia deles, com gozo nosso, que as árvores da Guiné lhe cheiravam a espermatozóides…
Os gestos, as feições da população negra e todas as expressões obedeciam a um código que nos era inacessível. Só com o correr dos meses, nos fomos inserindo nele, lentamente e sem dar conta.
2.5. Quartel de Santa Luzia
Santa Luzia foi o nosso primeiro quartel. Afastado uma meia dúzia de km do centro de Bissau, em lugar cimeiro, bem encostado às bolanhas( extensos campos de arroz ), por precaução e defesa, ali estava o complexo Quartel – General.
O gorducho e pequeno brigadeiro Schultz e o seu estado maior, à frente das tropas.
Com todo o vasto sistema de apoio logístico-administrativo, distribuido por vários pavilhões de construção tão recente quanto a idade da guerra, era o coração de toda a complexa máquina bélica na Guiné.
Apenas convivíamos com eles, às refeições, no grande refeitório de oficiais. Vestiam como nós, mas nos ombros refulgiam as estrelas douradas do generalato, sobre fundo vermelho.
Eram os velhos senhores e donos da guerra que ali estavam, numa grande mesa, voltados para a frente, dominando toda as mesas da sala ampla. De lá, seguiam para os seus gabinetes por caminhos próprios, fechados ao comum das gentes, no edifício central mais engalanado.
Dentro do espaçoso recinto cercado de uma forte amurada, protegida por fortins de sentinelas, colocados em sítios estratégicos, ocupando muitos hectares, distribuia-se todo o sistema de aquartelamento, das tropas residentes e em trânsito, como nós, mais todos os serviços e espaços lúdicos. Piscina e campos de jogos.
Não fosse o permanente ribombar sinistro de morteiros ou de artilharia, do inimigo e dos nossos, nos longes do outro lado do Geba tortuoso, dia e noite, e sentir-nos-íamos em casa, como em qualquer quartel da metrópole ( assim se dizia do nosso pedaço de terra luso-ibérico, além-mar).
Durante dois meses e meio, a minha companhia ali ficou aquartelada. Servia de segurança ao quartel-general e dali partia, em acções nocturnas, montando emboscadas, para as imediações alagadas ou de densa vegetação, nos arredores de Bissau.
Era fundamental tomar-se contacto com os barulhos da mata africana. Das enormes e variadas aves noctívagas e dos permanentes batuques, soturnos, das tabancas, em toques de festa, de luto ou de simples intercomunicação de mensagens, entre aldeias.
Noites longas e escuras de cacimbo húmido ou luminosas de luar fulgente, quase da cor do dia, deram para sonhar, para temer e rezar.
Com o pelotão disposto em linha, as 3 secções de doze homens, espaçadas, sob o comando do respectivo sargento, ao longo de um caminho, ali se permanecia, deitado, reprimindo a tosse e, quase, o respirar, em constante guerra aos ruídos que poderiam ser fatais.
Se um falso alarme provocava o disparo de um soldado mais timorato, logo outro local teria de ser procurado, uns quilómetros mais adiante, para cumprir a emboscada gorada.
Ao fim de umas semanas, já toda a gente sabia distinguir o piar provocador do passaredo medonho, tropical ou os ruídos normais das aldeias mais próximas.O medo, a pouco e pouco, foi-se ocultando e a tensão, de todos nós, abrandando, até porque não havia notícia de ter ocorrido qualquer contacto com o inimigo naquelas zonas, consideradas fiéis.
Lembro aquela noite luarenta, muito perto de Mansoa, em que momentos após toda a gente ter sido instalada, um sururú crescente, percorreu o pelotão agitado e acabou às gargalhadas e gritos incontroláveis.
O pelotão tinha sido posto em cima de um carreiro de formigas pretas. Aquelas que constroem altas torres de barro, duras que nem cimento, óptimos abrigos para a metralha, mas que tiram pedaços de carne, em cada mordedura das suas poderosas tenazes…
Não demorou muito e todos estávamos despidos a sacudir, como se podia, as vorazes infiltrações mais atrevidas e dolorosas... O espírito de corpo, que deveria ligar todo o pelotão, já estava consolidado ao fim de umas semanas de intenso treino nas matas, aparentemente, bonançosas dos arredores de Bissau.
Só aparentemente, porque era sabido que os turras (assim se chamava ao inimigo) tinham ali os seus familiares e éra-lhes fácil a clandestina infiltração, para colherem as informações fundamentais e preciosas à guerra que suportavam e alimentavam por toda a Guiné.
Por isso, não era muito recomendável vaguear-se pelas muitas e populosas tabancas (as aldeias dos negros) que rodeavam a cidade, de vez em quando lá desaparecia um dos nossos, e, nos cafés ou lojas comerciais de Bissau, toda a probidade era pouca. Um turra poderia estar ao lado, de orelhas afiladas…pronto a seguir, à velocidade da luz, para o mato com a preciosa notícia de uma operação, em tal zona…Era certo que uma terrível emboscada abortaria, com sangue, a operação programada…
A cidade de Bissau visitava-se em pouco tempo. Várias ruas transversais à já referida Avenida Central, a que corta Bissau ao meio, continham as lojas, os cafés e as moradias dos residentes, a maioria, feita de cabo-verdianos, mais desenvolvidos que os nativos da Guiné.
Um banco, um liceu, uma catedral, um hotel, um grande centro comercial da CUF e muitas esplanadas de cafés eram tudo o que conseguia proporcionar aos militares uma óptima estadia, quer em suculentas férias do mato, quer em sortuda comissão militar para aqueles que ali permaneciam durante os dois anos e meio de serviço.
O resto era dado pela pujante vida das tabancas negras, onde havia sempre bom churrasco, muito marisco, baratíssimo, e muita cerveja.
A expectativa constante em saber para onde iríamos ser destacados não era propícia à exploração daquele mundo de diversão, diferente e enigmático.
O tempo era pouco para ouvir os mais velhos que vinham do mato, em descanso ou férias forçadas, com passagem pelo moderno hospital militar, a uns 8 km de Bissau.
Não era difícil reconhecê-los. Os ares quentes daquelas paragens equatoriais já lhes tinham tisnado os rostos, de ar cansado e sofredor. Nem eles próprios já o reconheciam.
O triângulo de Bafatá, Mansabá e Bissorã, ao norte; Catió, Bedanda e Bissalanca Ur, ao sul; Guilege e Madina do Boé, a Leste, eram, sem dúvida, os pontos mais escaldantes no teatro de guerra.[Vd. carta da província, 1961].
Para oeste, ficava o mar da nossa liberdade, se a sorte o permitisse...passados dois anos e tal.
Mansoa, a 30 km de Bissau, o arquipélago dos Bijagós pela sua localização natural ou pela predominância da raça, leal, ali residente eram os poucos sítios apetecidos. Para além de Bissau, claro.
Se bem que era corrente e aceite que, na Guiné, não havia espaços calmos e seguros. A tropa só dominava nos espaços reduzidos dos centros administrativos restantes da secular colonização. 4 ou 5 km fora da cerca e tudo poderia acontecer. Minas, emboscadas ou raptos.
No geral, a ideia corrente era que se estava num impasse teimoso, com tendência para o agravamento de ambas as partes.
Constava que a nossa vantagem aérea estava a ser ameaçada. Os turras já estavam a ser abastecidos por helicópteros, em pleno campo de luta…e os apoios vindos da Rússia, em material e dos homens, ali preparados, eram crescentes, de dia para dia.
Estávamos na época seca e, por isso, a mais turbulenta. Os helicópteros poisavam, constantemente, no redondel do hospital. Não era aconselhável ir para aqueles lados…Muito menos, entrar nas enfermarias.
Era impossível disfarçar-se a preocupação, por mais forte que fosse o espírito. Nas noites, não havia lugar para sonhos, só pesadelos.
Já que tinha de ser que fosse o mais depressa possível. A imaginação e as cores cinzentas das matas distantes esmagavam-nos nas horas longas de cada dia que passava.
Nos primeiros dias de Outubro, veio, por fim, a notícia. Fatal. A companhia 728 ia para Ilha do Como, zona de Catió, render a Companhia 556, que ficara a defender, ali, a soberania, depois da mais brava refrega que o Chefe-Mor, o brigadeiro Schulz, resolveu desencadear durante 3 meses. Com todos os meios militares disponíveis, desde a marinha à força aérea e à artilharia. No fim, a montanha parira um rato… Para não vir para Bissau, de mãos a abanar, decidiu deixar, melhor, imolar uma das últimas companhias a chegar à refrega (2).
Foi deixada entregue a si própria, instalada na bordinha sudoeste da ilha do Como, rica em produtos hortícolas e arrozais. Nela fora proclamada a Républica Independente pelo PAIGC.
Corremos para o mapa a espiolhar o enredo daquelas terras, bem ao sul, às portas da vizinha Guiné-Conacri e da Serra Leoa.
A cota máxima do relevo não passava dos 6 a 7 metros. Um terço das terras ficava debaixo de água em cada maré cheia. Os rios Corubal e Cacine eram uma verdadeira teia de braços tortuosos, com zonas que mais pareciam mar alto, a perder de vista. As matas frondosas e entrelaçadas cobriam o resto que ficava dos arrozais. O seu seio escondia as numerosas tabancas e aquartelamentos, umas e outras, muito primários, quase ambulantes.
O horizonte não podia ser mais pardacento. Só a esperança nos valia e deixava espaço para respirar.
- Seja o que Deus quiser…voltou a ser a expressão mais corrente em todas as bocas. Agora, já um pouco mais conscientes do seu significado.
_______________
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts de:
5 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1249: As primeiras fotos do Palmeirim de Catió (Manuel Gomes, CCAÇ 728)
2 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1236: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (2): Do Alentejo à África: do meu tenente ao nosso cabo
20 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1194: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (1): Os canários, de caqui amarelo
(2) Sobre a batalha da Ilha do Como (1964), vd. posts de:
17 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCV: A verdade sobre a Op Tridente (Ilha do Como, 1964) (Carlos Fortunato / Mário Dias)
15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXX: Histórias do Como (Mário Dias)
15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias)
16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXV: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)
17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias)
15 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLI: Falsificação da história: a batalha da Ilha do Como (Mário Dias)
domingo, 19 de novembro de 2006
Guiné 63/74 - P1296: O cruzeiro das nossas vidas (2): A Bem da História: a partida do Uíge (Paulo Raposo / Rui Felício, CCAÇ 2405)
Lisboa > Cais da Rocha Conde de Óbidos > Uíge > Julho de 1968 > Oficiais milicianos dos BCAÇ 2851 e 2852 na hora da despedida...
Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.
Segundo post da série O Cruzeiro das Nossas Vidas (1).
1. Texto e foto do Paulo Raposo, enviados em 7 de Novembro de 2006:
Olá, pessoal.
Lindos rapazes a dizer adeus às miúdas no Cais da Rocha Conde de Óbidos, já a bordo do Uíge em Julho de 1968.
Quem são os malandros ? David, Rijo, Hernâni, Pimentel, Raposo (2).
O Felício estava a mandar uma mensagem do telemóvel, coisa muito em voga naquela altura.
O meu cripto quando vê esta foto, muito se ri.
Um quebra costelas
Paulo Raposo
2. Resposta do Rui Felício, de 9 de Novembro de 2006:
Meus Caros Amigos:
Embora muito me custe contrariar o Paulo Raposo, não ficaria de bem com a minha consciência se não rectificasse a observação que ele faz a meu respeito. A História não se compadece com imprecisões! Há que relatar os factos tal como eles se passaram efectivamente, sob pena de os vindouros tirarem conclusões erradas.
E a rectificação é a seguinte: Eu não estava a mandar nenhuma mensagem de telemóvel, pela simples razão de que os radares do Uíge interferiam com a captação de rede do meu aparelho. Estava naquele preciso momento, no camarote onde íamos viajar, a perfurar um telex, outro aparelho muito em voga também naquela época.
Fica reposta a verdade! A Bem da História!!!!
Um abraço
Rui Felício
________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)
(2) O Victor David, o Jorge Rijo, o Rui Felício e o Paulo Raposo - os quatro baixinhos de Dulombi - pertenciam à CCAÇ 2405, do BCAÇ 2852 (1968/78) . O Ernâni e o Pimentel pertenciam à CCS do BCAÇ 2851: estes últimos também eram alferes milicianos e estiveram no encontro da nossa tertúlia, na Ameira, em 14 de Outubro de 2006 (3).
A bordo do navio Uíge > Final de Julho de 1968 > A caminho de Bissau > O grupo dos futuros baixinhos de Dulombi... "A alegria do regresso quase que compensa a tristeza da partida", escreveu o Paulo Raposo no seu testemunho. O Paulo Raposo é o segundo a contra da esquerda. Vd. post de 19 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXV: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (3): De Santa Margarida ao Uíge
Fonte: © Paulo Raposo (2006), Direitos reservados.
(...) "No final de Julho de 1968, no Cais de Conde de Óbidos, lá embarcámos no Uíge. Seguiram os BCAÇ 2851 e 2852.
"A largada foi terrível. O barco a afastar-se do cais é muito doloroso para nós, com as carpideiras que para lá eram enviadas, para nos desmoralizarem ainda mais.
"Depois do navio largar e passar S. Julião da Barra, fomos para o bar à espera que nos chamassem para o almoço. O Major Branco, que comandava interinamente o nosso Batalhão, uma vez que o nosso Comandante, Ten Cor Pimentel Bastos já tinha seguido de avião, perguntou ao nosso Capitão:- Embarcaram todos os rapazes?O Capitão respondeu de imediato:- Sim, sim, meu Comandante. Ele sabia lá!
"Em conversa, o Cap Medina, que comandava uma companhia do outro batalhão [, o BCAÇ 2851,] que seguia connosco e estava a partir para a sua segunda comissão, disse algo de que nunca me esqueci:- A alegria do regresso quase que compensa a tristeza da partida. Na realidade foi bem assim.
"Durante os cinco dias que se seguiram, o ambiente a bordo não podia ser o melhor. Conversávmos muito uns com os outros enquanto passeávamos ao longo do tombadilho.O nosso espírito era unânime.
"De política, nada sabíamos. Sabíamos apenas que aquela ida para África era o preço que tínhamos de pagar para ter um lugar na sociedade. E se na na vida tínhamos de passar sacrifícios, então iríamos passá-los de uma assentada para o resto da vida. A defesa do Ultramar para nós, naquela altura, era uma coisa que não nos dizia directamente respeito, nem nos apercebíamos que África era fonte de abastecimento das nossas matérias primas. O que é que íamos defender na Guiné, território que estava rodeado de países francófonos ? A população estava dividida por várias etnias, a função pública era ocupada por caboverdianos, os comerciantes eram senegaleses e a religão dominante a muçulmana. Portugueses europeus não os havia por lá" (...).
(3) Vd. post de 15 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira: foi bonita a festa, pá... A próxima será no Pombal (Luís Graça)
O Hernâni Figueiredo (Ovar) e o António Pimenta (Porto) eram alferes milicianos da CCS do BCAÇ 2851 (Região do Oio, 1968/70). Viajaram no Uíge, juntamente com o pessoal do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), em Julho de 1968. São muito amigos dos baixinhos de Dulombi. O nosso camarada Raul Albino, ex-Alf Mil da CCAÇ 2402, também pertencia a este batalhão.
Fotos: © Luís Graça (2006) . Direitos reservados.
Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.
Segundo post da série O Cruzeiro das Nossas Vidas (1).
1. Texto e foto do Paulo Raposo, enviados em 7 de Novembro de 2006:
Olá, pessoal.
Lindos rapazes a dizer adeus às miúdas no Cais da Rocha Conde de Óbidos, já a bordo do Uíge em Julho de 1968.
Quem são os malandros ? David, Rijo, Hernâni, Pimentel, Raposo (2).
O Felício estava a mandar uma mensagem do telemóvel, coisa muito em voga naquela altura.
O meu cripto quando vê esta foto, muito se ri.
Um quebra costelas
Paulo Raposo
2. Resposta do Rui Felício, de 9 de Novembro de 2006:
Meus Caros Amigos:
Embora muito me custe contrariar o Paulo Raposo, não ficaria de bem com a minha consciência se não rectificasse a observação que ele faz a meu respeito. A História não se compadece com imprecisões! Há que relatar os factos tal como eles se passaram efectivamente, sob pena de os vindouros tirarem conclusões erradas.
E a rectificação é a seguinte: Eu não estava a mandar nenhuma mensagem de telemóvel, pela simples razão de que os radares do Uíge interferiam com a captação de rede do meu aparelho. Estava naquele preciso momento, no camarote onde íamos viajar, a perfurar um telex, outro aparelho muito em voga também naquela época.
Fica reposta a verdade! A Bem da História!!!!
Um abraço
Rui Felício
________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)
(2) O Victor David, o Jorge Rijo, o Rui Felício e o Paulo Raposo - os quatro baixinhos de Dulombi - pertenciam à CCAÇ 2405, do BCAÇ 2852 (1968/78) . O Ernâni e o Pimentel pertenciam à CCS do BCAÇ 2851: estes últimos também eram alferes milicianos e estiveram no encontro da nossa tertúlia, na Ameira, em 14 de Outubro de 2006 (3).
A bordo do navio Uíge > Final de Julho de 1968 > A caminho de Bissau > O grupo dos futuros baixinhos de Dulombi... "A alegria do regresso quase que compensa a tristeza da partida", escreveu o Paulo Raposo no seu testemunho. O Paulo Raposo é o segundo a contra da esquerda. Vd. post de 19 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXV: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (3): De Santa Margarida ao Uíge
Fonte: © Paulo Raposo (2006), Direitos reservados.
(...) "No final de Julho de 1968, no Cais de Conde de Óbidos, lá embarcámos no Uíge. Seguiram os BCAÇ 2851 e 2852.
"A largada foi terrível. O barco a afastar-se do cais é muito doloroso para nós, com as carpideiras que para lá eram enviadas, para nos desmoralizarem ainda mais.
"Depois do navio largar e passar S. Julião da Barra, fomos para o bar à espera que nos chamassem para o almoço. O Major Branco, que comandava interinamente o nosso Batalhão, uma vez que o nosso Comandante, Ten Cor Pimentel Bastos já tinha seguido de avião, perguntou ao nosso Capitão:- Embarcaram todos os rapazes?O Capitão respondeu de imediato:- Sim, sim, meu Comandante. Ele sabia lá!
"Em conversa, o Cap Medina, que comandava uma companhia do outro batalhão [, o BCAÇ 2851,] que seguia connosco e estava a partir para a sua segunda comissão, disse algo de que nunca me esqueci:- A alegria do regresso quase que compensa a tristeza da partida. Na realidade foi bem assim.
"Durante os cinco dias que se seguiram, o ambiente a bordo não podia ser o melhor. Conversávmos muito uns com os outros enquanto passeávamos ao longo do tombadilho.O nosso espírito era unânime.
"De política, nada sabíamos. Sabíamos apenas que aquela ida para África era o preço que tínhamos de pagar para ter um lugar na sociedade. E se na na vida tínhamos de passar sacrifícios, então iríamos passá-los de uma assentada para o resto da vida. A defesa do Ultramar para nós, naquela altura, era uma coisa que não nos dizia directamente respeito, nem nos apercebíamos que África era fonte de abastecimento das nossas matérias primas. O que é que íamos defender na Guiné, território que estava rodeado de países francófonos ? A população estava dividida por várias etnias, a função pública era ocupada por caboverdianos, os comerciantes eram senegaleses e a religão dominante a muçulmana. Portugueses europeus não os havia por lá" (...).
(3) Vd. post de 15 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira: foi bonita a festa, pá... A próxima será no Pombal (Luís Graça)
O Hernâni Figueiredo (Ovar) e o António Pimenta (Porto) eram alferes milicianos da CCS do BCAÇ 2851 (Região do Oio, 1968/70). Viajaram no Uíge, juntamente com o pessoal do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), em Julho de 1968. São muito amigos dos baixinhos de Dulombi. O nosso camarada Raul Albino, ex-Alf Mil da CCAÇ 2402, também pertencia a este batalhão.
Fotos: © Luís Graça (2006) . Direitos reservados.
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