1. Mensagem de José Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73), com data de 15 de Março de 2010:
Caro Carlos Vinhal,
Junto encontrarás mais um pedacinho das minhas memórias.
Apesar do dilúvio que se faz sentir lá fora, espero que chegue sequinho.
Um abraço amigo para ti e para os camaradas,
José Câmara
Memórias e histórias minhas (15)
Um erro de periquitos que nos valeu o piar dos nossos próprios camaradas
Nos primeiros dias que passámos na Mata dos Madeiros, o render das outras forças que faziam parte da segurança à estrada constituía, sempre, novidade. Porque aquelas forças eram velhinhas, e porque, entre elas, havia açorianos conhecidos e amigos de longa data de alguns dos militares da CCaç 3327.
O tempo de rendição não era muito, mas tudo servia para uma pequena cavaqueira e troca de impressões, e das últimas novidades das terrinhas que nos viram nascer. Para além disso, esse tempo também dava para observar, dentro do possível, o armamento que essas forças utilizavam, como o dispunham no seu xadrez e a forma como depois progrediam na mata.
A CCmds 26 contava nas suas fileiras com um alferes açoriano (esqueci o seu nome), natural de São Jorge; já o protagonismo da CCaç 2791 ia para o Fur Mil Chaves, natural de Santa Maria, e no DFE 13, o Jorge Sousa, natural de Santa Cruz das Flores, e hoje a morar em Stoughton, Massachuetts, EUA, era o preferido dos florenses. Nos Pára-quedistas não havia açorianos. Os tempos de Tavira também deixaram conhecidos entre os furriéis.
Para a minha curiosidade contribuía, como factor mais importante, o facto de muitas vezes ter ouvido, em Tavira e mesmo na Ilha Terceira e em Santa Margarida, que o que nos ensinavam tinha pouca praticabilidade no teatro da guerra. Nada melhor que a imagem para satisfazer a minha curiosidade, e ali era possível observá-la a diferentes níveis.
O 4.° GComb era comandado pelo Alf Mil Francisco João Magalhães (Brunhoso, Mogadouro).
1.ª Secção - Fur Mil Manuel Lopes Daniel (A-dos-Cunhados) - Met GM42 e Mort 60
2. ª Secção - Fur Mil José A. S. Câmara (Fazenda, Lajes, Flores) - Met HK21 e Dilagramas
3.ª Secção - Luís José Vargem Pinto (Norinha, Silves) - Lança-Granadas e Dilagramas
A força da CCaç 2791, uma unidade de infantaria, era a menos apetrechada em armamento, e a que melhor se podía comparar com a CCaç 3327. O seu armamento era o normal de uma companhia de infantaria, sendo a G3 a arma mais utilizada; o dilagrama e o instalazer davam cobertura à falta de lança-granadas. Já os Comandos primavam pelo uso de armamento apreendido aos turras (uso do palavreado de então e seria descabido usar outra linguagem neste escrito). Os Fuzileiros Especiais faziam das MG42 o seu armamento por excelência, e era evidente que se armavam para a luta curta ou de corpo a corpo, tal era a profusão de granadas de mão e punhais que carregavam. Os pára-quedistas, com as suas G3 de coronha rebatível, impressionavam pela forma como fardavam e pela disciplina, ao ponto de, ainda hoje, estar sem saber se eles se preparavam para a guerra ou para uma cerimónia em parada.
Das minhas observações o que mais me chamou a atenção, como sendo diferente do que aprendera na recruta e especialidade, foi a forma rápida e firme como todas aquelas forças penetravam e davam início à sua progressão na mata. Eram tropas experientes, calejadas pelo sofrimento de muitas emboscadas, assaltos, rebentamento de minas e mortes.
Com essas pequenas observações, fui-me preparando para a minha grande primeira saída, que teria lugar pelas 11 horas do Sábado de Aleluia, em 1971.
Apesar de todos os cuidados que foram tomados para essa saída, a dois grupos de combate, foi cometido um erro tremendo, um erro de periquitos que poderia ter tido consequências catastróficas.
Encarei os meus homens para os últimos conselhos. E tremi!
A 2.ª Secção do 4.° GComb. Da esquerda para direita, na frente: Cabo José Leonardes (Topo, S. Jorge), Cabo António F. Silva (Chão Frio, P. Almoxarife, Faia), Magno Silva (Guadalupe, Graciosa), José F. Serpa (Ponte, Fajã Grande, Flores), Emanuel A. Cardoso da Silva (Castelo Branco, Faial). Pela mesma ordem, em pé: José Ramiro Serpa (Costa, Lajedo, Flores), João Lourenço A. Ventura (Fajãnzinha, Flores), José A. S. Câmara , Cmdt de Secção (Fazenda, Lajes, Flores), António Silvestre Júnior (Urzelina, S. Jorge), José Cristiano Arruda Massa (Arrifes, S. Miguel)
Sim, pela primeira vez tremi com medo. Não da guerra, mas da morte possível. Não da minha, mas de um daqueles moços tão meninos quanto eu. Foi por esse medo horroroso de poder vir a perder um soldado para a morte, que comecei a tomar a consciência que o possível sucesso dos meus homens, a sobrevivência, seria tanto maior quanto maior fosse o grau de disciplina baseada no respeito, na lealdade, na camaradagem e na amizade entre todos nós. O reconhecimento colectivo dos poderes de cada um desses predicados não era mais que o perfeito reconhecimento consciente entre comandos e comandados. Essa foi a minha mensagem.
Na minha Secção sempre houve esse reconhecimento, razão pela qual, ainda hoje, sinto um respeito enorme por aqueles meninos que tive o previlégio de comandar.
José Câmara em patrulha na Mata dos Madeiros. Também se reconhece o Cabo José Leonardes.
Demos início à nossa saída. Rapidamente entrámos na mata em direcção à antiga estrada Teixeira Pinto-Cacheu. Ao longo daquela estrada, procurámos por vestígios de infiltração IN de ou para a Mata do Balenguerez.
A meio da tarde demos algum descanso às pernas, confortámos o estômago com a ração de combate, a terceira em cinco dias, e aguardámos pelo fim da tarde, altura em que reiniciámos o nosso patrulhamento, ao mesmo tempo que procurávamos um lugar apropriado, junto da estrada velha, para embuscar durante a noite.
Cada Secção era responsável por manter dois sentinelas em alerta constante. Por princípio e consciência integrei-me na rotação, muito contra a vontade dos soldados da minha Secção que disseram não ser necessário.
Com o raiar dos primeiros alvores da manhã levantámos a emboscada e demos início ao patrulhamento matinal, ao mesmo tempo que nos aproximávamos do acampamento, onde deveríamos entrar cerca das 08:00 Horas.
De tanto andar sem encontrarmos o acampamento, apercebemo-nos que estavamos perdidos. A mata densa e difícil não deixava perceber onde estávamos. Tínhamos a consciência que tínhamos passsado à cabeça da estrada, e inflitrado a zona de acção da outra força de intervenção. Para além disso, também nos apercebemos que tínhamos cometido outro erro grave, um erro de periquito: a bússola e o mapa com os pontos de apoio e reconhecimento tinham ficado no acampamento. Este foi alertado via rádio.
Retrocedemos em direcção à antiga estrada, pedindo ao Sagrado Coração de Maria que não déssemos de caras com a outra força de intervenção. As consequências poderiam ser desastrosas.
José Câmara numa das suas visitas habituais, fosse à partida ou à chegada da mata. Este pequeno recanto da Mata dos Madeiros era, em boa verdade, o único lugar que transpirava paz.
De novo na estrada velha, obliquámos à direita e entrámos no acampamento cerca de quatro horas mais tarde que o previsto. A nossa entrada foi saudada com um grande insulto: o piar dos outros dois grupos de combate que aguardavama nossa chegada para sairem. E tinham todo o direito. Já podiam considerar-se velhinhos, a avaliar por esta ser a sua segunda saída...
A 13 de Abril de 1971 escrevi à minha madrinha de guerra. Fiz uma pequena referência sobre este assunto:
... A Vida é durinha por aqui; pelo menos para mim, que já não estava habituado a trabalhos forçados. Saio de dois em dois dias para o mato.
No Sábado de Aleluia saí às 11 horas e regressei no Domingo de Páscoa.
Andámos quatro horas perdidos; foi o nosso FOLAR DE PÁSCOA. Mas tudo acabou em bem.
O resto do dia foi bom. Tivemos “jantarada especial"...
Foi um folar de Páscoa diferente. Para não esquecer. Mas houve mais.
O nosso Domingo de Páscoa de 1971 acabaria com uma cerimónia de casamento em plena Mata dos Madeiros.
José Câmara
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 12 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5979: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (14): O acampamento na Mata dos Madeiros: um buraco no meio do nada
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quinta-feira, 18 de março de 2010
Guiné 63/74 - P6017: Notas de leitura (80): Abalada do Pidjiguiti, de Manuel Viana (Beja Santos)
1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Março de 2010:
Queridos amigos,
Este livro de Manuel Viana (não consegui encontrar dados sobre o autor) é uma completa surpresa.
É uma Guiné fantástica, há lá indícios que coisas que vivemos mas a fantasia e a cavalgada das imagens de um autor muito culto acabam por nos desorientar.
Paciência. É mais um livro sobre a Guiné, não sei se vai deixar saudades.
Um abraço do
Mário
De Bissau para Dakar, de Marselha para Paris, daqui para Lisboa
Beja Santos
“Abalada do Pidjiguiti”, de Manuel Viana (Editorial Escritor, 2001) é um livro de difícil classificação. Aliás, o autor hesita se se trata de novela ou romance ou mesmo de simbiose de géneros. É uma prosa onde abunda a linguagem vernacular, a variedade vocabular, como se o autor se sentisse seguro na floresta de termos, à moda de Camilo Castelo Branco ou Aquilino Ribeiro. Não é por acaso que aqui os invoco. Se é facto que a estrutura narrativa lembra a de uma obra modernista, o barroco das imagens, o rebuscado dos sons, os adágios e os anexins sucedem-se em tropel. Dois jovens amam-se em Bissau, são potenciais candidatos a uma história de Romeu e Julieta, até as famílias estão divididas. Alcino amava Maria. Talvez já desde o princípio, quando ainda era criança. E Maria o vice-versa. Reviam-se na natureza que os envolvia a ambos. A família de Alcino parte para a Guiné, aqui já chegou a guerra, ele e a família vivem num cubículo acanhado frente ao cais do Pidjiguiti. Para o autor, Alcino vive num mundo genesíaco: olores apimentados, trovoadas convulsivas, um rio cheio de tubarões, umas descargas de canhões não muito longe. O pai, um cantineiro, rebaixando a mãe e esmiuçando-lhe os erros do caderno.
Decide fugir, lança-se sozinho pelo mato, corre os mais desvairados perigos, é a imagem da sua Maria que o conduz como estrela ao longe. É assim que chega perto de Bissorã, corre os riscos do macaréu, conhece uma nativa que mais tarde fugirá com ele a caminho do Senegal: passaram rios e ribeiras, saltaram moitas e cômoros; fugiram de cobras verdes e beberam água de coco, comeram mangos e figos de acajueiro. As imagens, para que conste, são lindas, poéticas e exóticas: “Amestraram iguanas e guaribas urradores. Lobos maus da floresta e papagaios palradores de bico em pinça recurva próprio para vazar olhos. Abutres esgargalados de pescoço depenado saltavam de tronco em tronco a rezar-lhes pela pele grasnando lugubremente. Viram gafanhotos verdes devorarem os parceiros a partir do abdómen após cópulas prolongadas com um único fim à vista: perpetuar a espécie... Passaram no meio da mata por um hospital de campanha desmantelado pela força da barbari de que este mundo é feito. Viram passar guerrilheiros nos trilhos do mato grosso, e as tropas regulares nos trilhos de quatro rodas... Durante várias semanas caminharam para norte, umas vezes a direito e outras aos ziguezagues. Evitavam os contactos com a população nativa, e esperavam pela noite para se proverem de víveres ao nível do patamar da pura sobrevivência”. E assim chegaram a Dakar, Alcino e Iolanda.
Ambientam-se, encontraram trabalho, ambos estudam. Introduzindo uma nota erótica, Alcino tem um “caso” com a patroa, a criada de nome Melissa amava-o talvez mesmo sem saber. Os parágrafos são espessos, já se percebeu que estamos num mundo de aventuras, pressente-se que Alcino vai dar a volta ao mundo, ou quase. Mete-se num barco “graneleiro” no porto de Dakar, são dias e dias no inferno do porão, lá dentro também vai Iolanda, não se percebe bem como, chegam a Marselha, ele estuda, ela dedica-se à profissão mais antiga do mundo.
Para que não haja equívocos de que estamos na pura fantasia, Maria aparece em Marselha, mais tarde os pais sabem da existência de Alcino, chovem as ameaças, ele tem que fugir para Paris, no fundo é um indocumentado, um adolescente que tem próximo os deveres militares. Em Paris, Alcino estuda afincadamente. Iolanda, grávida de Alcino, fica em Marselha e agora dedica-se também ao teatro. Já estamos num ritmo de folhetim, todos os papéis se podem trocar, todas as aproximações podem acabar na mais dolorosa distância. Para se provar que a cultura portuguesa é universal, há um tunisino que estuda Francisco Lacerda, um músico açoriano que teve grande projecção internacional como maestro. O amigo de Alcino quer estudar a sua obra de compositor. Em Paris aparece Madame Dupont, aquela senhora consulesa que em Dakar teve prazeres carnais com Alcino. Melissa também veio e revela que a patroa deu à luz um filho de Alcino. Chegou a vez de Iolanda também aparecer em Paris. O grande circo está montado. Imprevistamente, chegam notícias de Lisboa, ocorreu uma revolução, consta que as crianças põem cravos nas espingardas dos soldados. Aos poucos, toda esta gente em permanente viagem chega a Portugal, aqui vão ocorrer catástrofes enquanto prossegue uma revolução muito festiva. Maria, afinal, vai casar com outro; Iolanda encontra um companheiro. Com a descolonização, os pais vêm da Guiné, mergulham na província. Alcino é professor em Lisboa, perto da Praça Paiva Couceiro. Num passeio à Fonte da Telha, Alcino é desconsiderado por Madame Dupont. Como não pode deixar de ser, todos os caminhos vão levar à tragédia, aos poucos toda a gente vai morrendo, por afogamento, durante as barreiras revolucionárias, etc.
Coisa curiosa, é um relato pícaro, imaginativo, de uma inviabilidade que não engana ninguém. É uma aventura truculenta, uma peregrinação delirante, chega-se mesmo a perguntar se a Guiné, o Pidjiguiti, aquela correria de dois adolescentes até Dakar, a sua adaptação a terras francesas, o rocambolesco, as peripécias demenciais, não encerram uma máxima moralizante: pede tudo à vida, oferece-te por inteiro, mas não te tomes a sério, em todas as circunstâncias. Em rigor, esta “Abalada do Pidjiguiti”, mesmo com recorte literário deixa-nos a sensação de uma enorme fluidez de uma escrita laboratorial, é a história de um desastre de um anti-herói que tudo fez para cumprir os seus sonhos, que ganhou mais difícil e se derrotou num torvelinho de banalidades ou de acasos.
O livro ficará como pertença do blogue.
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 17 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6009: Notas de leitura (79): sairòmeM Guerra Colonial, de Gustavo Pimenta (Beja Santos)
Queridos amigos,
Este livro de Manuel Viana (não consegui encontrar dados sobre o autor) é uma completa surpresa.
É uma Guiné fantástica, há lá indícios que coisas que vivemos mas a fantasia e a cavalgada das imagens de um autor muito culto acabam por nos desorientar.
Paciência. É mais um livro sobre a Guiné, não sei se vai deixar saudades.
Um abraço do
Mário
De Bissau para Dakar, de Marselha para Paris, daqui para Lisboa
Beja Santos
“Abalada do Pidjiguiti”, de Manuel Viana (Editorial Escritor, 2001) é um livro de difícil classificação. Aliás, o autor hesita se se trata de novela ou romance ou mesmo de simbiose de géneros. É uma prosa onde abunda a linguagem vernacular, a variedade vocabular, como se o autor se sentisse seguro na floresta de termos, à moda de Camilo Castelo Branco ou Aquilino Ribeiro. Não é por acaso que aqui os invoco. Se é facto que a estrutura narrativa lembra a de uma obra modernista, o barroco das imagens, o rebuscado dos sons, os adágios e os anexins sucedem-se em tropel. Dois jovens amam-se em Bissau, são potenciais candidatos a uma história de Romeu e Julieta, até as famílias estão divididas. Alcino amava Maria. Talvez já desde o princípio, quando ainda era criança. E Maria o vice-versa. Reviam-se na natureza que os envolvia a ambos. A família de Alcino parte para a Guiné, aqui já chegou a guerra, ele e a família vivem num cubículo acanhado frente ao cais do Pidjiguiti. Para o autor, Alcino vive num mundo genesíaco: olores apimentados, trovoadas convulsivas, um rio cheio de tubarões, umas descargas de canhões não muito longe. O pai, um cantineiro, rebaixando a mãe e esmiuçando-lhe os erros do caderno.
Decide fugir, lança-se sozinho pelo mato, corre os mais desvairados perigos, é a imagem da sua Maria que o conduz como estrela ao longe. É assim que chega perto de Bissorã, corre os riscos do macaréu, conhece uma nativa que mais tarde fugirá com ele a caminho do Senegal: passaram rios e ribeiras, saltaram moitas e cômoros; fugiram de cobras verdes e beberam água de coco, comeram mangos e figos de acajueiro. As imagens, para que conste, são lindas, poéticas e exóticas: “Amestraram iguanas e guaribas urradores. Lobos maus da floresta e papagaios palradores de bico em pinça recurva próprio para vazar olhos. Abutres esgargalados de pescoço depenado saltavam de tronco em tronco a rezar-lhes pela pele grasnando lugubremente. Viram gafanhotos verdes devorarem os parceiros a partir do abdómen após cópulas prolongadas com um único fim à vista: perpetuar a espécie... Passaram no meio da mata por um hospital de campanha desmantelado pela força da barbari de que este mundo é feito. Viram passar guerrilheiros nos trilhos do mato grosso, e as tropas regulares nos trilhos de quatro rodas... Durante várias semanas caminharam para norte, umas vezes a direito e outras aos ziguezagues. Evitavam os contactos com a população nativa, e esperavam pela noite para se proverem de víveres ao nível do patamar da pura sobrevivência”. E assim chegaram a Dakar, Alcino e Iolanda.
Ambientam-se, encontraram trabalho, ambos estudam. Introduzindo uma nota erótica, Alcino tem um “caso” com a patroa, a criada de nome Melissa amava-o talvez mesmo sem saber. Os parágrafos são espessos, já se percebeu que estamos num mundo de aventuras, pressente-se que Alcino vai dar a volta ao mundo, ou quase. Mete-se num barco “graneleiro” no porto de Dakar, são dias e dias no inferno do porão, lá dentro também vai Iolanda, não se percebe bem como, chegam a Marselha, ele estuda, ela dedica-se à profissão mais antiga do mundo.
Para que não haja equívocos de que estamos na pura fantasia, Maria aparece em Marselha, mais tarde os pais sabem da existência de Alcino, chovem as ameaças, ele tem que fugir para Paris, no fundo é um indocumentado, um adolescente que tem próximo os deveres militares. Em Paris, Alcino estuda afincadamente. Iolanda, grávida de Alcino, fica em Marselha e agora dedica-se também ao teatro. Já estamos num ritmo de folhetim, todos os papéis se podem trocar, todas as aproximações podem acabar na mais dolorosa distância. Para se provar que a cultura portuguesa é universal, há um tunisino que estuda Francisco Lacerda, um músico açoriano que teve grande projecção internacional como maestro. O amigo de Alcino quer estudar a sua obra de compositor. Em Paris aparece Madame Dupont, aquela senhora consulesa que em Dakar teve prazeres carnais com Alcino. Melissa também veio e revela que a patroa deu à luz um filho de Alcino. Chegou a vez de Iolanda também aparecer em Paris. O grande circo está montado. Imprevistamente, chegam notícias de Lisboa, ocorreu uma revolução, consta que as crianças põem cravos nas espingardas dos soldados. Aos poucos, toda esta gente em permanente viagem chega a Portugal, aqui vão ocorrer catástrofes enquanto prossegue uma revolução muito festiva. Maria, afinal, vai casar com outro; Iolanda encontra um companheiro. Com a descolonização, os pais vêm da Guiné, mergulham na província. Alcino é professor em Lisboa, perto da Praça Paiva Couceiro. Num passeio à Fonte da Telha, Alcino é desconsiderado por Madame Dupont. Como não pode deixar de ser, todos os caminhos vão levar à tragédia, aos poucos toda a gente vai morrendo, por afogamento, durante as barreiras revolucionárias, etc.
Coisa curiosa, é um relato pícaro, imaginativo, de uma inviabilidade que não engana ninguém. É uma aventura truculenta, uma peregrinação delirante, chega-se mesmo a perguntar se a Guiné, o Pidjiguiti, aquela correria de dois adolescentes até Dakar, a sua adaptação a terras francesas, o rocambolesco, as peripécias demenciais, não encerram uma máxima moralizante: pede tudo à vida, oferece-te por inteiro, mas não te tomes a sério, em todas as circunstâncias. Em rigor, esta “Abalada do Pidjiguiti”, mesmo com recorte literário deixa-nos a sensação de uma enorme fluidez de uma escrita laboratorial, é a história de um desastre de um anti-herói que tudo fez para cumprir os seus sonhos, que ganhou mais difícil e se derrotou num torvelinho de banalidades ou de acasos.
O livro ficará como pertença do blogue.
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 17 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6009: Notas de leitura (79): sairòmeM Guerra Colonial, de Gustavo Pimenta (Beja Santos)
Guiné 63/74 - P6016: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (6): Na prisão é que está a dar
1. Mensagem do nosso camarada José Eduardo Oliveira* (JERO) (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/66), com data de 15 de Março de 2010:
Boa noite Carlos Vinhal
Espero que já estejas recuperado dos "desencontros" do V Encontro...
Mando mais uma das minhas "estórias" do blogando e andando, que me aconteceu em passado recente.
A vida não pára de nos surpreender!
Um abraço e até um dia destes. No V Encontro de 2010.
JERO
Na “prisão” é que está a dar!
Começo por declarar que sou um felizardo em termos de amigos. Tenho um “património de afectos” que não é brincadeira.
Sempre que posso dou uma saltada para visitar o meu amigo Moreira. Um amigo especial. Amigo das tropa.
Podemos estar alguns meses sem nos falarmos mas quando o telefone toca não são precisos nomes.
Como estás e onde estás?
Estive com ele na semana passada.
Nesta fase do “campeonato da vida” deu em agricultor.
Levei-lhe uma prenda simbólica e obrigou-me a trazer laranjas e limões. E contou-me uma história da vida… Lindíssima. Pelo menos eu achei. Vou partilhá-la com quem tem a paciência de me ler de quando em quando.
Até ao ano passado tive neste barracão com rede cerca de 150 pássaros. Tinha alguns melros e disseram-me que eram aves protegidas, que não podia ter em cativeiro. Por essa e outras razões chateei-me com tanta passarada e resolvi devolvê-los à liberdade.
Tinha alguns pombos e poucos dias depois apercebi-me que, contra a sua vontade, já tinham feito parte do “petisco” de uns caçadores que moravam por perto.
O Moreira, que é transmontano, disse seguidamente uns palavrões, que não reproduzo, mas que queriam dizer que mais valia ter estado quieto.
Mas como nem tudo é mau na vida teve recentemente uma boa surpresa.
Num arbusto que tem dentro do seu barracão vedado com rede (mas com uma abertura no cimo) avistou um dos seus antigos melros. Tinha voltado à “prisão” e fazia com afã um ninho. O seu ninho.
O Moreira via-o entrar e sair, trazendo materiais para a sua “habitação”. Sentia-se em casa, desfrutando com à vontade a segurança da sua antiga prisão. Dias depois o ninho estava pronto e tinha 3 bonitos ovos.
Disse ao Moreira:
- Agora é que o teu melro, da tal espécie protegida, está efectivamente protegido. Vais pô-lo fora?
- Nem pensar. Aqui é que ele (ou ela) está bem.
Tirei umas fotos, dei um abraço ao meu amigo da tropa, e regressei a Alcobaça.
Apanhei pouco trânsito e fartei-me de pensar no melro do Moreira.
Um pássaro “diz-nos” que a “prisão” é opção mais segura do que viver em liberdade! Dá que pensar!
Nos dias anteriores serviços noticiosos das televisões e jornais nacionais tinham referido o suicídio de uma criança em idade escolar e a morte de um professor que (eventualmente) não aguentou a pressão da sua profissão e acabou com a vida.
Afinal que tempos são estes em que vivemos?
A segurança para viver está na cadeia?
A opção do melro dava-me que pensar.
Uma espécie protegida pela lei estava bem porque estava em cativeiro…
Segurança para viver… precisa-se!
JERO
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 9 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5959: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (5): Em terras com nome de santo...
Boa noite Carlos Vinhal
Espero que já estejas recuperado dos "desencontros" do V Encontro...
Mando mais uma das minhas "estórias" do blogando e andando, que me aconteceu em passado recente.
A vida não pára de nos surpreender!
Um abraço e até um dia destes. No V Encontro de 2010.
JERO
Na “prisão” é que está a dar!
Começo por declarar que sou um felizardo em termos de amigos. Tenho um “património de afectos” que não é brincadeira.
Sempre que posso dou uma saltada para visitar o meu amigo Moreira. Um amigo especial. Amigo das tropa.
Podemos estar alguns meses sem nos falarmos mas quando o telefone toca não são precisos nomes.
Como estás e onde estás?
Estive com ele na semana passada.
Nesta fase do “campeonato da vida” deu em agricultor.
Levei-lhe uma prenda simbólica e obrigou-me a trazer laranjas e limões. E contou-me uma história da vida… Lindíssima. Pelo menos eu achei. Vou partilhá-la com quem tem a paciência de me ler de quando em quando.
Até ao ano passado tive neste barracão com rede cerca de 150 pássaros. Tinha alguns melros e disseram-me que eram aves protegidas, que não podia ter em cativeiro. Por essa e outras razões chateei-me com tanta passarada e resolvi devolvê-los à liberdade.
Tinha alguns pombos e poucos dias depois apercebi-me que, contra a sua vontade, já tinham feito parte do “petisco” de uns caçadores que moravam por perto.
O Moreira, que é transmontano, disse seguidamente uns palavrões, que não reproduzo, mas que queriam dizer que mais valia ter estado quieto.
Mas como nem tudo é mau na vida teve recentemente uma boa surpresa.
Num arbusto que tem dentro do seu barracão vedado com rede (mas com uma abertura no cimo) avistou um dos seus antigos melros. Tinha voltado à “prisão” e fazia com afã um ninho. O seu ninho.
O Moreira via-o entrar e sair, trazendo materiais para a sua “habitação”. Sentia-se em casa, desfrutando com à vontade a segurança da sua antiga prisão. Dias depois o ninho estava pronto e tinha 3 bonitos ovos.
Disse ao Moreira:
- Agora é que o teu melro, da tal espécie protegida, está efectivamente protegido. Vais pô-lo fora?
- Nem pensar. Aqui é que ele (ou ela) está bem.
Tirei umas fotos, dei um abraço ao meu amigo da tropa, e regressei a Alcobaça.
Apanhei pouco trânsito e fartei-me de pensar no melro do Moreira.
Um pássaro “diz-nos” que a “prisão” é opção mais segura do que viver em liberdade! Dá que pensar!
Nos dias anteriores serviços noticiosos das televisões e jornais nacionais tinham referido o suicídio de uma criança em idade escolar e a morte de um professor que (eventualmente) não aguentou a pressão da sua profissão e acabou com a vida.
Afinal que tempos são estes em que vivemos?
A segurança para viver está na cadeia?
A opção do melro dava-me que pensar.
Uma espécie protegida pela lei estava bem porque estava em cativeiro…
Segurança para viver… precisa-se!
JERO
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 9 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5959: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (5): Em terras com nome de santo...
Guiné 63/74 - P6015: Em bom português nos entendemos (7): O kapuxinho vermelho, contado aos nosso netos, de Lisboa a Dili, de Bissau a S. Paulo (Nelson Herbert / Luís Graça)
1. O nosso Nelson Herbert, jornalista na Voz da América, nascido em Bissau, há cerca de 50 anos, mandou-nos um peça de antologia que tanto poderia ser publicada na série Humor de Caserna, como na série Em Bom Português Nos Entendemos... Optámos por esta, que tem estado inactiva (*).
Trata-se de uma paródia da história do Capuchinho Vermelho e do Lobo Mau (Le Petit Chaperon Rouge) que, como se sabe, é da autoria do francês Charles Perrault (1628-1703), considerado o pai da literatura infantil...
Não sei quem mais gosta deste conto tradicional, se as crianças se os adultos... Estes últimos são mais dados à paródia do texto e às suas interpretações simbólicas e psicanalíticas (A adolescente, o vermelho, a avózinha, o lobo mau que come a jovem e a velha deram origem a múltiplas e delirantes leituras, que vão deste o comportamento sexual predador dos machos até aos fantasmas da violação e ao tabu do canibalismo...).
Na realidade, esta versão (Capuchinho Vermelho pós-Acordo Ortográfico) é mais facilmente lida e compreendida pelos nossos jovens lusófonos (do Rio de Janeiro a Luanda, de Bissau a Dili, de Lisboa a New Jersey) do que os clássicos da lusofonia, do Camões ao Craveirinha, do Eugénio Tavares ao Machado de Assis...
De tanto circular pela Net, como Spam, já ninguém sabe quem é o seu autor. Em princípio, pretende ser apenas uma paródia ao último Acordo Ortográfico... Na pior das hipóteses, lá teremos que falar assim, chungas e chonés!, dentro de alguns anos, para os queridos netinhos nos entenderem, aos fins-de-semana, antes de irem para a cama, quando lhes contarmos as inocentes histórias do nosso tempo de meninos e moços... Tázaver, meu ? Mikas a cena, kamarada ?
Quem quer que seja (ou tenha sido) o autor desta versão yah, yah, bué bakana, prontes, man!, merece uma chapelada... Ainda há gente com talento e disposição para o humor (que é uma forma sublimada de amor...), e que é de resto um coisa que andamos a precisar à brava (muito), nesta recta final do inverno e neste 1º trimestre do ano de 2010 marcado por muitas nuvens negras no horizonte do nosso futuro...
Há um toque, meu, neste texto, em dilalecto chunga ou basofe ou portuguex, que, se bem interpreto o gesto do Nelson, pode também ser visto - e porque não ? - como uma homenagem à lusofonia e ao universo de mais de 250 milhões de falantes nossa língua (que todos juntos ocupam quase 11 milhões de quilómetros quadrados do planeta azul)... (LG)
Trata-se de uma paródia da história do Capuchinho Vermelho e do Lobo Mau (Le Petit Chaperon Rouge) que, como se sabe, é da autoria do francês Charles Perrault (1628-1703), considerado o pai da literatura infantil...
Não sei quem mais gosta deste conto tradicional, se as crianças se os adultos... Estes últimos são mais dados à paródia do texto e às suas interpretações simbólicas e psicanalíticas (A adolescente, o vermelho, a avózinha, o lobo mau que come a jovem e a velha deram origem a múltiplas e delirantes leituras, que vão deste o comportamento sexual predador dos machos até aos fantasmas da violação e ao tabu do canibalismo...).
Na realidade, esta versão (Capuchinho Vermelho pós-Acordo Ortográfico) é mais facilmente lida e compreendida pelos nossos jovens lusófonos (do Rio de Janeiro a Luanda, de Bissau a Dili, de Lisboa a New Jersey) do que os clássicos da lusofonia, do Camões ao Craveirinha, do Eugénio Tavares ao Machado de Assis...
De tanto circular pela Net, como Spam, já ninguém sabe quem é o seu autor. Em princípio, pretende ser apenas uma paródia ao último Acordo Ortográfico... Na pior das hipóteses, lá teremos que falar assim, chungas e chonés!, dentro de alguns anos, para os queridos netinhos nos entenderem, aos fins-de-semana, antes de irem para a cama, quando lhes contarmos as inocentes histórias do nosso tempo de meninos e moços... Tázaver, meu ? Mikas a cena, kamarada ?
Quem quer que seja (ou tenha sido) o autor desta versão yah, yah, bué bakana, prontes, man!, merece uma chapelada... Ainda há gente com talento e disposição para o humor (que é uma forma sublimada de amor...), e que é de resto um coisa que andamos a precisar à brava (muito), nesta recta final do inverno e neste 1º trimestre do ano de 2010 marcado por muitas nuvens negras no horizonte do nosso futuro...
Há um toque, meu, neste texto, em dilalecto chunga ou basofe ou portuguex, que, se bem interpreto o gesto do Nelson, pode também ser visto - e porque não ? - como uma homenagem à lusofonia e ao universo de mais de 250 milhões de falantes nossa língua (que todos juntos ocupam quase 11 milhões de quilómetros quadrados do planeta azul)... (LG)
KAPUXINHO VERMELHO... (em dialekto xunga)
Tás a ver uma dama kom um gorro vermelho? Yah, essa cena! A pita foi obrigada pela kota dela a ir à toka da velha levar umas cenas, purke a velha tava a bater mal, tázaver?
E atão disse-lhe:
- Ouve, nem te passes! Népia dessa cena de ires pelo refundido das árvores, ke salta-te um meko marado dos kornos para a frente e depois tenho a bófia à kola!
Pá, a pita enfia a karapuça e vai na deskontra pela estrada, mas a toka da velha era bué longe, e a pita kagou na cena da kota dela e enfiou-se pelo boske. Népia de mitra, na boa e tal, kurtindo o som do iPod...
É atão ke, ouve lá, salta um baita dog marado, todo xinado e bué ugly mêmo, ke vira-se pa ela e grita:
- Yoo, tá td? Dd tc?
- Tásse... do gueto alí! E tu... tásse? - disse a pita
- Yah! E atão, ke se faz?
- Seka, man! Vou levar o pakote à velha ke mora ao fundo da track, ke tá kuma moka do kamâno!
- Marado, marado!... Bute ripar uma até lá?
- Epá, má onda, tázaver? A minha kota não kurte dessas cenas e põe-me de pildra se me kata...
- Dâsse, a kota não tá aki, dama! Bute ripar até à kasa da tua velha, até te dou avanço, só nakela da kurtição. Sem guita ao barulho nem nada.
- Yah, prontes, na boa. Vais levar um baile katéte passas!!!
E lá riparam. Só ke o dog enfiou-se por um short no meio do mato e chegou à toka da velha na maior, com bué avanço, tázaver? Manda um toke na porta, a velha 'kem é e o kamâno' e ele 'ah e tal, e não sei kê, ke eu sou a pita do gorro vermelho, e na na na...'.
A velha abre a porta e PIMBA!!!, o dog papa-a toda... Mas mêmo, abre a bokarra e o kamâno e até xuxou os dedos...
O mano xêga, vai ao móvel da velha, saka uma shirt assim mêmo à velha ke a meka tinha lá, mete uns glasses na tromba e enfia-se no VL... o gajo tava bué abixanado mêmo, mas a larika era muita e a pita era à maneira, tázaver?
A pita xêga, e tal, e malha na porta da velha.
- Basa aí ká pa dentro! - grita o dog.
- Yo velhita, tásse?
- Tásse e tal, kuma moka do kamâno... mas na boa...
- Toma esta cena, pa mamares-te toda aí...
- Bakano, pa ver se trato esta cena.
- Pá, mika uma cena: pa ké esses baita olhos, man?
- Pá, pa mikar melhor a cena, tázaver?
- Yah, yah... E os abanos, bué da bigs, pa ke é?
- Pá, pa poder kontrolar melhor a cena à volta, tázaver?
- Yah, bakano... e essa kremalheira toda janada e bué big? Pa ké a cena?
- É PA XINAR ESSE KORPO TODO!!! GRRRRRRRR!!!!
E o dog manda-se à pita, nakela mêmo de a engolir, né? Só ka pita dá-lhe à brava na kapoeira e saka um back-kick mesmo direkto aos tomates do man e basa porta fora! Vai pela rua aos berros e tal, o dog vem atrás e dá-lhe um ganda baite, pimba, mêmo nas nalgas, e kando vai pa engolir a gaja aparece um meko dakêles ke korta as cenas kum serrote, saka de maxado e afinfa-lhe mêmo nos kornos. O dog kinou logo alí, o mano xina a belly do dog e saka de lá a velha toda xeia da nhanha. Ina, man, e a malta a gregoriar-se toda!!!
E prontes, já tá...
[Autor: Anónimo. Fonte: WWW / Fixação de texto / revisão: L.G.. Ilustração: Gustave Doré, 1832-1883. Imagem do domínio público. Cortesia: Wikipédia]
________
Nota de L.G.:
(*) Vd. último poste da série > 13 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3447: Em bom português nos entendemos (6): Histórias... ou estórias de guerra ? Venham elas... (J. Mexia Alves)
Tás a ver uma dama kom um gorro vermelho? Yah, essa cena! A pita foi obrigada pela kota dela a ir à toka da velha levar umas cenas, purke a velha tava a bater mal, tázaver?
E atão disse-lhe:
- Ouve, nem te passes! Népia dessa cena de ires pelo refundido das árvores, ke salta-te um meko marado dos kornos para a frente e depois tenho a bófia à kola!
Pá, a pita enfia a karapuça e vai na deskontra pela estrada, mas a toka da velha era bué longe, e a pita kagou na cena da kota dela e enfiou-se pelo boske. Népia de mitra, na boa e tal, kurtindo o som do iPod...
É atão ke, ouve lá, salta um baita dog marado, todo xinado e bué ugly mêmo, ke vira-se pa ela e grita:
- Yoo, tá td? Dd tc?
- Tásse... do gueto alí! E tu... tásse? - disse a pita
- Yah! E atão, ke se faz?
- Seka, man! Vou levar o pakote à velha ke mora ao fundo da track, ke tá kuma moka do kamâno!
- Marado, marado!... Bute ripar uma até lá?
- Epá, má onda, tázaver? A minha kota não kurte dessas cenas e põe-me de pildra se me kata...
- Dâsse, a kota não tá aki, dama! Bute ripar até à kasa da tua velha, até te dou avanço, só nakela da kurtição. Sem guita ao barulho nem nada.
- Yah, prontes, na boa. Vais levar um baile katéte passas!!!
E lá riparam. Só ke o dog enfiou-se por um short no meio do mato e chegou à toka da velha na maior, com bué avanço, tázaver? Manda um toke na porta, a velha 'kem é e o kamâno' e ele 'ah e tal, e não sei kê, ke eu sou a pita do gorro vermelho, e na na na...'.
A velha abre a porta e PIMBA!!!, o dog papa-a toda... Mas mêmo, abre a bokarra e o kamâno e até xuxou os dedos...
O mano xêga, vai ao móvel da velha, saka uma shirt assim mêmo à velha ke a meka tinha lá, mete uns glasses na tromba e enfia-se no VL... o gajo tava bué abixanado mêmo, mas a larika era muita e a pita era à maneira, tázaver?
A pita xêga, e tal, e malha na porta da velha.
- Basa aí ká pa dentro! - grita o dog.
- Yo velhita, tásse?
- Tásse e tal, kuma moka do kamâno... mas na boa...
- Toma esta cena, pa mamares-te toda aí...
- Bakano, pa ver se trato esta cena.
- Pá, mika uma cena: pa ké esses baita olhos, man?
- Pá, pa mikar melhor a cena, tázaver?
- Yah, yah... E os abanos, bué da bigs, pa ke é?
- Pá, pa poder kontrolar melhor a cena à volta, tázaver?
- Yah, bakano... e essa kremalheira toda janada e bué big? Pa ké a cena?
- É PA XINAR ESSE KORPO TODO!!! GRRRRRRRR!!!!
E o dog manda-se à pita, nakela mêmo de a engolir, né? Só ka pita dá-lhe à brava na kapoeira e saka um back-kick mesmo direkto aos tomates do man e basa porta fora! Vai pela rua aos berros e tal, o dog vem atrás e dá-lhe um ganda baite, pimba, mêmo nas nalgas, e kando vai pa engolir a gaja aparece um meko dakêles ke korta as cenas kum serrote, saka de maxado e afinfa-lhe mêmo nos kornos. O dog kinou logo alí, o mano xina a belly do dog e saka de lá a velha toda xeia da nhanha. Ina, man, e a malta a gregoriar-se toda!!!
E prontes, já tá...
[Autor: Anónimo. Fonte: WWW / Fixação de texto / revisão: L.G.. Ilustração: Gustave Doré, 1832-1883. Imagem do domínio público. Cortesia: Wikipédia]
________
Nota de L.G.:
(*) Vd. último poste da série > 13 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3447: Em bom português nos entendemos (6): Histórias... ou estórias de guerra ? Venham elas... (J. Mexia Alves)
Guiné 63/74 - P6014: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (2): Levar a lenha e sair queimado
1. Continuação do relato da Batalha de Guidaje, de autoria do nosso camarada Daniel Matos (ex-Fur Mil da CCaç 3518, Gadamael, 1972/74), enviado ao nosso Blogue em 6 de Março de 2010:
Após cerca de 13 meses claustrofóbicos em Gadamael, estar sediado em Brá (COMBIS), a poucos quilómetros do centro de Bissau, era estar no paraíso! Mantendo a operacionalidade, passámos a prestar serviços diversos, entre os quais, fazendo escala para a segurança ao anel de Bissau, turnos de sentinela, por exemplo, no Quartel-General e no edifício do estúdio radiofónico do PFA (lê-se “PêFêÀ”, Programa das Forças Armadas), no Hospital Militar de Bissau, na residência do comandante-adjunto operacional (brigadeiro Leitão Marques), protecção às portas da rede da cidade, missões de patrulhamento e vigilância suburbana, nomeadamente aos bairros de Bandim (e mercado), Chão de Papel, Alto do Crim, Mindara, tabancas da Pedreira e Fábrica da Telha, do Reino e Gambefada, zona entre as bombas da SACOR e a segunda Avenida de Cintura, estrada do Aeroporto, Belém e estrada de Bor, Bairro da Ajuda, incluindo Madina e Missirá e, com uma periodicidade incerta, escoltando as tais colunas para Farim. Faziam-se sempre num só dia, ida e volta.
Nesse tempo, com bom piso e unidades militares ao longo da estrada, nomeadamente em Nhacra, Jugudul, Mansoa, Mansabá e no destacamento K3, – locais onde passa a estrada para Farim, – o percurso não se revelava demasiado perigoso. No essencial, é a proximidade da zona sul da mata do Oio, no enfiamento do Olossato e, cá mais para baixo, da base do Morés, que obriga a redobrado respeitinho, pois é sítio que fez História pelas muitas emboscadas aí efectuadas pelos guerrilheiros do PAIGC, retraçando corpos ao longo dos anos.
Vista aérea do aquartelamento e povoação de Mansabá
Estrada Mansabá/Farim, cujo último troço a ser asfaltado foi o de Bironque ao K3 em 1970/71.
Aquartelamento do K3
Fotos: © Carlos Vinhal e Carlos Silva. Direitos reservados.
Ora, a 14 de Maio de 1973, o pessoal dos primeiro e segundo pelotões parte de manhãzinha (cinco horas e trinta minutos) para mais uma rotineira coluna a Farim, levando simplesmente nos bolsos alguns trocos para comprar cigarros e beber uns copos no local de destino. E é sabido que nem todos terão a possibilidade de o fazer, já que a uma parte dos homens nem é permitido atravessar o rio Cacheu, não só porque a preguiçosa, rangente e fumegante jangada é peça única e, no seu vagar, efectua o vaivém entre margens atulhada de camionetas civis e de passageiros, mas também porque alguém tem de ficar a montar segurança às viaturas militares que permanecem na margem sul a aguardar a viagem de regresso.
As colunas que chegam de Bissau visam abastecer a região com os mais variados géneros. Embora o Cacheu seja navegável até Farim, mesmo por barcos de razoável envergadura, considera-se muito mais lógico e seguro o transporte por terra, e não é por acaso que, tal como outras, aquela estrada estratégica só foi alcatroada em plenos anos da guerra, tantas vidas e sacrifícios tendo custado aos militares que nessa fase por lá andaram. De facto, antes da guerra colonial ter eclodido na Guiné, o território possuía míseros sessenta quilómetros de estradas asfaltadas (e existiam em 1969 mais de mil quilómetros de vias rodoviárias)!
O mesmo princípio se aplica ao reduzidíssimo número de escolas: até há poucos anos, em todo o território, apenas se podia estudar até ao 2.º ano do primeiro ciclo; nos anos setenta, mais de 75% dos professores pertencem à tropa; filhos da terra (não europeus) licenciados na metrópole, serão apenas 6 (o engenheiro agrónomo Amílcar Cabral é um deles)… Ora, em escassos anos de guerra, o PAIGC já conseguira formar em diversos países (de diferentes regimes) dezenas e dezenas de quadros guineenses e cabo-verdianos, com licenciaturas em distintas áreas. A penúria e o subdesenvolvimento são generalizados, o abandono por parte das autoridades é total. Pensemos em hospitais e postos de assistência médica e sanitária? Pois um mês antes do 25 de Abril, o próprio comandante-chefe, general Bettencourt Rodrigues, constata que dos 82 médicos existentes no território, 76 são militares e dois são família de militares! A generalidade do que existe, e não é muito, foi construído só depois do massacre do Pindjiguiti (greve de estivadores barbaramente reprimida pela polícia, a 3 de Agosto de 1959) e do consequente início da “luta armada de libertação nacional” do PAIGC, mais acentuadamente em 1961 e 1963, entre a margem direita do Cacheu e a fronteira senegalesa. Aliás, e como é óbvio, por alguma razão se desencadearia uma guerra pela independência da Guiné!...
Neste dia, portanto, as viaturas civis e também algumas GMC a pedir reforma seguem carregadinhas de sibe – madeira para reordenamentos. Reordenamentos, são construções alinhadas em aldeias estratégicas, que a dado momento começaram a construir-se concentrando populações num mesmo espaço, sempre coladas aos aquartelamentos das forças armadas e cercadas por redes duplas de arame farpado. Entre estas, montavam-se fornilhos (explosivos de segurança accionados electricamente, – geralmente ligados a uma bateria de automóvel – e compostos por granadas de mão, cuja fragmentação seria reforçada com materiais “fora de prazo”, tais como granadas de avião, de artilharia e de morteiro que por qualquer razão não haviam explodido quando utilizadas e que rebentariam “por simpatia” se conectadas a outra subtileza explosiva). Com os reordenamentos, dizem os responsáveis, impedem-se fugas e contactos com o exterior, “protege-se” a população e faz-se dela um escudo, pois se o IN bombardear o quartel, poderá é estar a matar os seus próprios familiares.
A construção de reordenamentos do território (aldeias estratégicas) não é de agora. Foi o general Arnaldo Schultz (governador da Guiné antes de Spínola, tido como um duro do regime e nomeado directamente por Salazar) que iniciou a política dos aldeamentos estratégicos, com grande propaganda, como se isso fosse uma maravilha para as populações guineenses. Pretendia suster o avanço da guerrilha e controlar os movimentos das populações rurais. Segundo Cabral, os reordenamentos “não têm dado os resultados positivos esperados pelos portugueses, por serem criados sobretudo nas zonas sujeitas à influência dos chefes tradicionais” (de súbito, forte aposta das autoridades coloniais), “especialmente na região de savanas do centro, maioritariamente fulas”. “Mais realista que esses chefes, o Povo foge quando pode e prefere o refúgio das agruras da guerra nos países vizinhos”. A agravante foi o impor determinadas chefias ao povo, que não as respeitava, ou por pertencerem eventualmente a etnias rivais, ou por estarem em desuso, ou por serem inclusivamente contra-natura. Por exemplo, a etnia balanta (a mais numerosa, que representa 30% da população, seguida, por esta ordem, pelos fulas, manjacos e mandingas) dispensava bem ter chefes a mandar, estava habituada desde sempre a resolver os seus problemas e a decidir em comunidade, exercendo um tipo de democracia com que a “civilização ocidental” tinha, e tem, muito a aprender! Além disso, a colagem dos chefes tribais nomeados pela governação da “província” contribuiu ainda mais para aumentar a desconfiança popular. Esse servilismo nota-se aos mais diversos níveis. A política incrementada já por Spínola, que incide na acção psicológica da “Guiné de Hoje, Guiné Melhor”, organizou os chamados Congressos do Povo em que, para representar esse mesmo Povo, são convocados essencialmente esses chefes tribais, – régulos, sipaios, etc.. Tipificando o comportamento desses dignos representantes, lembro uma cena passada em Bafatá, num desses congressos. Usa da palavra o Al Hagi Zacarias Baú, chefe religioso que viveu sete anos em Meca (Al Hagi, também Alaio, significa O Peregrino, e todos os fiéis que fazem a peregrinação a Meca passam a usar essa designação colada ao nome). A dado passo, – qual Dr. Luís Filipe Menezes a bramar contra os sulistas num congresso do PPD/PSD, – foge-lhe “a boca para a verdade” e exclama: “a guerra só acabará quando os brancos forem para casa”! Os cerca de dois mil delegados convidados a participar neste IV Congresso tossem, ficam estupefactos, geram burburinho. O régulo de Ganadu (a regedoria a que Zacarias Jau pertence) exige que o homem lhe seja entregue, pois “sabe muito bem o que lhe há-de fazer”. Passado algum tempo, já em Bissau, o régulo de Badora, Mamadú Bonco Sanhá (condecorado com a Cruz de Guerra de 1.ª classe), disse: “Nós costumamos pescar à gamboa. Às vezes, o peixe pescado à gamboa apodrece e temos que o deitar fora. Al Hagi Zacarias Jau é o peixe podre. É bom que nos desembaracemos dele!”
Às 6 horas, a coluna passa pelo Quartel-General, aí incorporando as viaturas que transportam o tal material de construção civil. Em progressão lenta, a longuíssima coluna/auto pára dez minutos em Mansoa quando são oito horas, passa por Mansabá quando faltam vinte minutos para as nove e chega a Farim (à margem esquerda do Cacheu) às nove e meia.
Tudo decorre dentro da normalidade quando, à chegada, “por decisão superior”, os alferes Igreja e Cruz são informados que, desta vez, também os Unimog e Berliet devem atravessar o rio, a bordo da jangada. Regressarão a Bissau as viaturas Daimler, de cavalaria, em protecção de alguns camiões civis, mal estes descarreguem as mercadorias. Os Marados de Gadamael recebem a notícia de que tão depressa não voltam a Bissau e que nessa noite pernoitarão em Farim e ficarão em reforço ao BCaç 4512/72 (“Firmes, Constantes”). Os homens são apanhados desprevenidos: não tinham levado, sequer, as rações de combate que lhes haviam distribuído, já que esperavam voltar ao COMBIS ainda a tempo de almoçar de faca e garfo. Mas essa dificuldade é superada quando os informam que podem almoçar e jantar na cantina e nas messes de Farim. Quanto a despesas (bebidas, mancarra, tabaco) podem efectuá-las por “requisição” (vales), que as contas irão parar à respectiva companhia, com quem as acertarão mais tarde (e assim viria a suceder, dois meses depois, até ao último centavo!).
Entretanto, tomamos conhecimento de que no dia seguinte participaremos em nova coluna, tendo por missão transportar até Guidaje parte do sibe que trouxemos de Bissau. E vamos ouvindo extraordinários relatos da situação operacional naquelas paragens e nos últimos dias: sabemos dos muitos mortos em ciladas recentes e das muitas horas debaixo de fogo que uma companhia teve de aguentar no acesso à aldeia de Guidaje, já sitiada! Nestas histórias, é sabido, quem as relata em geral nem foi participante activo e fala só do que ouviu falar, costumando cometer excessos e exagerar na dramatização dos acontecimentos. Todavia, nos dias que correm, e nos casos em apreço, nem têm necessidade de o fazer, tamanhos são os temores e a carnificina.
Importa aqui referir que em mais de um ano de estada em Gadamael a companhia contou com múltiplos ataques de artilharia, sofreu 4 mortes e alguns feridos, quer devido a flagelações quer por causa do accionamento de minas, sobretudo na picada para Guileje. Em Bissau, por múltiplas razões, a actividade operacional passou a ser diferente, e muitos dos homens que dantes não saíam “ao mato” passaram a alinhar por escala nos diferentes serviços e colunas. Isto para referir que entre os efectivos que se preparam para amanhã levar a “lenha” ao destino e ter muito prováveis contactos com o IN (asseguram-nos que uma emboscada num local chamado Cufeu será inevitável), há quem nunca tenha, tão-pouco, feito uma patrulha ou saído da porta de armas.
Também por isso, custa a passar esta noite de insónias. Embora reforçados com alguns fuzileiros de Ganturé, soldados africanos e um grupo de milícias – e enquadrados por graduados do batalhão local, que conhecem a zona, – como será possível que dois pelotões possam chegar a bom porto (Guidaje) se, à excepção da coluna de 12 de Maio, outras tropas, até especiais e muito mais bem equipadas, não conseguiram fazê-lo?
__________
Nota de CV:
Vd. primeiro poste da série de 16 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6000: Os Maradados de Gadamael (Daniel Matos) (1): Por onde andaram e com quem estiveram?
Os Marados de Gadamael
e os dias da
Batalha de Guidaje
Parte II
Daniel de Matos
Levar a lenha e sair queimado!
e os dias da
Batalha de Guidaje
Parte II
Daniel de Matos
Levar a lenha e sair queimado!
Após cerca de 13 meses claustrofóbicos em Gadamael, estar sediado em Brá (COMBIS), a poucos quilómetros do centro de Bissau, era estar no paraíso! Mantendo a operacionalidade, passámos a prestar serviços diversos, entre os quais, fazendo escala para a segurança ao anel de Bissau, turnos de sentinela, por exemplo, no Quartel-General e no edifício do estúdio radiofónico do PFA (lê-se “PêFêÀ”, Programa das Forças Armadas), no Hospital Militar de Bissau, na residência do comandante-adjunto operacional (brigadeiro Leitão Marques), protecção às portas da rede da cidade, missões de patrulhamento e vigilância suburbana, nomeadamente aos bairros de Bandim (e mercado), Chão de Papel, Alto do Crim, Mindara, tabancas da Pedreira e Fábrica da Telha, do Reino e Gambefada, zona entre as bombas da SACOR e a segunda Avenida de Cintura, estrada do Aeroporto, Belém e estrada de Bor, Bairro da Ajuda, incluindo Madina e Missirá e, com uma periodicidade incerta, escoltando as tais colunas para Farim. Faziam-se sempre num só dia, ida e volta.
Nesse tempo, com bom piso e unidades militares ao longo da estrada, nomeadamente em Nhacra, Jugudul, Mansoa, Mansabá e no destacamento K3, – locais onde passa a estrada para Farim, – o percurso não se revelava demasiado perigoso. No essencial, é a proximidade da zona sul da mata do Oio, no enfiamento do Olossato e, cá mais para baixo, da base do Morés, que obriga a redobrado respeitinho, pois é sítio que fez História pelas muitas emboscadas aí efectuadas pelos guerrilheiros do PAIGC, retraçando corpos ao longo dos anos.
Vista aérea do aquartelamento e povoação de Mansabá
Estrada Mansabá/Farim, cujo último troço a ser asfaltado foi o de Bironque ao K3 em 1970/71.
Aquartelamento do K3
Fotos: © Carlos Vinhal e Carlos Silva. Direitos reservados.
Ora, a 14 de Maio de 1973, o pessoal dos primeiro e segundo pelotões parte de manhãzinha (cinco horas e trinta minutos) para mais uma rotineira coluna a Farim, levando simplesmente nos bolsos alguns trocos para comprar cigarros e beber uns copos no local de destino. E é sabido que nem todos terão a possibilidade de o fazer, já que a uma parte dos homens nem é permitido atravessar o rio Cacheu, não só porque a preguiçosa, rangente e fumegante jangada é peça única e, no seu vagar, efectua o vaivém entre margens atulhada de camionetas civis e de passageiros, mas também porque alguém tem de ficar a montar segurança às viaturas militares que permanecem na margem sul a aguardar a viagem de regresso.
As colunas que chegam de Bissau visam abastecer a região com os mais variados géneros. Embora o Cacheu seja navegável até Farim, mesmo por barcos de razoável envergadura, considera-se muito mais lógico e seguro o transporte por terra, e não é por acaso que, tal como outras, aquela estrada estratégica só foi alcatroada em plenos anos da guerra, tantas vidas e sacrifícios tendo custado aos militares que nessa fase por lá andaram. De facto, antes da guerra colonial ter eclodido na Guiné, o território possuía míseros sessenta quilómetros de estradas asfaltadas (e existiam em 1969 mais de mil quilómetros de vias rodoviárias)!
O mesmo princípio se aplica ao reduzidíssimo número de escolas: até há poucos anos, em todo o território, apenas se podia estudar até ao 2.º ano do primeiro ciclo; nos anos setenta, mais de 75% dos professores pertencem à tropa; filhos da terra (não europeus) licenciados na metrópole, serão apenas 6 (o engenheiro agrónomo Amílcar Cabral é um deles)… Ora, em escassos anos de guerra, o PAIGC já conseguira formar em diversos países (de diferentes regimes) dezenas e dezenas de quadros guineenses e cabo-verdianos, com licenciaturas em distintas áreas. A penúria e o subdesenvolvimento são generalizados, o abandono por parte das autoridades é total. Pensemos em hospitais e postos de assistência médica e sanitária? Pois um mês antes do 25 de Abril, o próprio comandante-chefe, general Bettencourt Rodrigues, constata que dos 82 médicos existentes no território, 76 são militares e dois são família de militares! A generalidade do que existe, e não é muito, foi construído só depois do massacre do Pindjiguiti (greve de estivadores barbaramente reprimida pela polícia, a 3 de Agosto de 1959) e do consequente início da “luta armada de libertação nacional” do PAIGC, mais acentuadamente em 1961 e 1963, entre a margem direita do Cacheu e a fronteira senegalesa. Aliás, e como é óbvio, por alguma razão se desencadearia uma guerra pela independência da Guiné!...
Neste dia, portanto, as viaturas civis e também algumas GMC a pedir reforma seguem carregadinhas de sibe – madeira para reordenamentos. Reordenamentos, são construções alinhadas em aldeias estratégicas, que a dado momento começaram a construir-se concentrando populações num mesmo espaço, sempre coladas aos aquartelamentos das forças armadas e cercadas por redes duplas de arame farpado. Entre estas, montavam-se fornilhos (explosivos de segurança accionados electricamente, – geralmente ligados a uma bateria de automóvel – e compostos por granadas de mão, cuja fragmentação seria reforçada com materiais “fora de prazo”, tais como granadas de avião, de artilharia e de morteiro que por qualquer razão não haviam explodido quando utilizadas e que rebentariam “por simpatia” se conectadas a outra subtileza explosiva). Com os reordenamentos, dizem os responsáveis, impedem-se fugas e contactos com o exterior, “protege-se” a população e faz-se dela um escudo, pois se o IN bombardear o quartel, poderá é estar a matar os seus próprios familiares.
A construção de reordenamentos do território (aldeias estratégicas) não é de agora. Foi o general Arnaldo Schultz (governador da Guiné antes de Spínola, tido como um duro do regime e nomeado directamente por Salazar) que iniciou a política dos aldeamentos estratégicos, com grande propaganda, como se isso fosse uma maravilha para as populações guineenses. Pretendia suster o avanço da guerrilha e controlar os movimentos das populações rurais. Segundo Cabral, os reordenamentos “não têm dado os resultados positivos esperados pelos portugueses, por serem criados sobretudo nas zonas sujeitas à influência dos chefes tradicionais” (de súbito, forte aposta das autoridades coloniais), “especialmente na região de savanas do centro, maioritariamente fulas”. “Mais realista que esses chefes, o Povo foge quando pode e prefere o refúgio das agruras da guerra nos países vizinhos”. A agravante foi o impor determinadas chefias ao povo, que não as respeitava, ou por pertencerem eventualmente a etnias rivais, ou por estarem em desuso, ou por serem inclusivamente contra-natura. Por exemplo, a etnia balanta (a mais numerosa, que representa 30% da população, seguida, por esta ordem, pelos fulas, manjacos e mandingas) dispensava bem ter chefes a mandar, estava habituada desde sempre a resolver os seus problemas e a decidir em comunidade, exercendo um tipo de democracia com que a “civilização ocidental” tinha, e tem, muito a aprender! Além disso, a colagem dos chefes tribais nomeados pela governação da “província” contribuiu ainda mais para aumentar a desconfiança popular. Esse servilismo nota-se aos mais diversos níveis. A política incrementada já por Spínola, que incide na acção psicológica da “Guiné de Hoje, Guiné Melhor”, organizou os chamados Congressos do Povo em que, para representar esse mesmo Povo, são convocados essencialmente esses chefes tribais, – régulos, sipaios, etc.. Tipificando o comportamento desses dignos representantes, lembro uma cena passada em Bafatá, num desses congressos. Usa da palavra o Al Hagi Zacarias Baú, chefe religioso que viveu sete anos em Meca (Al Hagi, também Alaio, significa O Peregrino, e todos os fiéis que fazem a peregrinação a Meca passam a usar essa designação colada ao nome). A dado passo, – qual Dr. Luís Filipe Menezes a bramar contra os sulistas num congresso do PPD/PSD, – foge-lhe “a boca para a verdade” e exclama: “a guerra só acabará quando os brancos forem para casa”! Os cerca de dois mil delegados convidados a participar neste IV Congresso tossem, ficam estupefactos, geram burburinho. O régulo de Ganadu (a regedoria a que Zacarias Jau pertence) exige que o homem lhe seja entregue, pois “sabe muito bem o que lhe há-de fazer”. Passado algum tempo, já em Bissau, o régulo de Badora, Mamadú Bonco Sanhá (condecorado com a Cruz de Guerra de 1.ª classe), disse: “Nós costumamos pescar à gamboa. Às vezes, o peixe pescado à gamboa apodrece e temos que o deitar fora. Al Hagi Zacarias Jau é o peixe podre. É bom que nos desembaracemos dele!”
Às 6 horas, a coluna passa pelo Quartel-General, aí incorporando as viaturas que transportam o tal material de construção civil. Em progressão lenta, a longuíssima coluna/auto pára dez minutos em Mansoa quando são oito horas, passa por Mansabá quando faltam vinte minutos para as nove e chega a Farim (à margem esquerda do Cacheu) às nove e meia.
Tudo decorre dentro da normalidade quando, à chegada, “por decisão superior”, os alferes Igreja e Cruz são informados que, desta vez, também os Unimog e Berliet devem atravessar o rio, a bordo da jangada. Regressarão a Bissau as viaturas Daimler, de cavalaria, em protecção de alguns camiões civis, mal estes descarreguem as mercadorias. Os Marados de Gadamael recebem a notícia de que tão depressa não voltam a Bissau e que nessa noite pernoitarão em Farim e ficarão em reforço ao BCaç 4512/72 (“Firmes, Constantes”). Os homens são apanhados desprevenidos: não tinham levado, sequer, as rações de combate que lhes haviam distribuído, já que esperavam voltar ao COMBIS ainda a tempo de almoçar de faca e garfo. Mas essa dificuldade é superada quando os informam que podem almoçar e jantar na cantina e nas messes de Farim. Quanto a despesas (bebidas, mancarra, tabaco) podem efectuá-las por “requisição” (vales), que as contas irão parar à respectiva companhia, com quem as acertarão mais tarde (e assim viria a suceder, dois meses depois, até ao último centavo!).
Entretanto, tomamos conhecimento de que no dia seguinte participaremos em nova coluna, tendo por missão transportar até Guidaje parte do sibe que trouxemos de Bissau. E vamos ouvindo extraordinários relatos da situação operacional naquelas paragens e nos últimos dias: sabemos dos muitos mortos em ciladas recentes e das muitas horas debaixo de fogo que uma companhia teve de aguentar no acesso à aldeia de Guidaje, já sitiada! Nestas histórias, é sabido, quem as relata em geral nem foi participante activo e fala só do que ouviu falar, costumando cometer excessos e exagerar na dramatização dos acontecimentos. Todavia, nos dias que correm, e nos casos em apreço, nem têm necessidade de o fazer, tamanhos são os temores e a carnificina.
Importa aqui referir que em mais de um ano de estada em Gadamael a companhia contou com múltiplos ataques de artilharia, sofreu 4 mortes e alguns feridos, quer devido a flagelações quer por causa do accionamento de minas, sobretudo na picada para Guileje. Em Bissau, por múltiplas razões, a actividade operacional passou a ser diferente, e muitos dos homens que dantes não saíam “ao mato” passaram a alinhar por escala nos diferentes serviços e colunas. Isto para referir que entre os efectivos que se preparam para amanhã levar a “lenha” ao destino e ter muito prováveis contactos com o IN (asseguram-nos que uma emboscada num local chamado Cufeu será inevitável), há quem nunca tenha, tão-pouco, feito uma patrulha ou saído da porta de armas.
Também por isso, custa a passar esta noite de insónias. Embora reforçados com alguns fuzileiros de Ganturé, soldados africanos e um grupo de milícias – e enquadrados por graduados do batalhão local, que conhecem a zona, – como será possível que dois pelotões possam chegar a bom porto (Guidaje) se, à excepção da coluna de 12 de Maio, outras tropas, até especiais e muito mais bem equipadas, não conseguiram fazê-lo?
__________
Nota de CV:
Vd. primeiro poste da série de 16 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6000: Os Maradados de Gadamael (Daniel Matos) (1): Por onde andaram e com quem estiveram?
Guiné 63/74: P6013: Camaradas na diáspora (1): João Crisóstomo, ex-Alf Mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67), militante de causas nobres, a viver em Nova Iorque
Coruche > 19º Encontro Nacional da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missitá, 1965/67)> O Mário Beja Santos, ao centro, tendo à sua direita, o Henrique Matos (o 1º Comandante do Pel Caç Nat 52), o João Crisóstomo e na ponta o Jorge Rosales (Pel Caç Nat 54); à sua esquerda, estão dois camaradas que Freitas e o Sousa (segundo informação do João)
Coruche > 19º Encontro da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá) > O Mário mais o Henrique, ambos do Pel Caç Nat 52, e outros dois camaradas que não identificamos (As fotos vieram sem legendas: talvez o João Vaz Neto e o Cunha)
1. Há dias recebemos (e já publicámos) uma mensagem, de 8 do corrente, subscrita pelo Mário Beja Santos, na sequência do 19º encontro da CCAÇ 1439 (1965/67), a que compareceram também outros membros da nossa Tabanca Grande, como o Henrique Matos (Pel Caç Nat 52) e o Jorge Rosales (Pel Caç Nat 54) (*).
Escreveu o Mário:
"(...) Foi graças ao blogue que cheguei à fala com o Henrique Matos Francisco, 1º Comandante do Pel Caç Nat 52. Em Missirá, naqueles idos de Agosto de 1968, os soldados falavam-me de Luís Zagalo Matos, um dos seus heróis, era o seu irã. Escrevi-lhe, pedi-lhe fotografias para as fazer chegar aos soldados de Missirá, mas também aos Soncó e aos Mané.
"Com a publicação dos livros, vieram outros contactos. Por exemplo, o João Crisóstomo, alferes da CCaç 1439, estavam no Enxalé quando aqui chegou o Pel Caç Nat 52" (...)
Mas quem é afinal este camarada João Crisóstomo, já anteriormente evocado pelo Mário ? (**)
"O João Crisóstomo vive em Nova Iorque, o nosso país tem com ele uma dívida incomensurável (os principais jornais dos EUA, as grandes cadeias de televisão, apoiaram-no na defesa do povo de Timor e na preservação do património de Foz Coa, por exemplo), há uns tempos pediu-me notícias do Zagalo, acabámos por ir os dois visitá-lo na Casa do Artista, onde ele vive muito debilitado, depois de um tremendo AVC" (...).
"O almoço[, em Coruche, ] foi um turbilhão de surpresas [, a começar pelo João Crisóstomo]. Fiquei ao lado do Jorge Rosales, foi ele quem em Bolama preparou os soldados do Pel Caç Nat 52. Fiquei em frente do João Neto Vaz, um dos furriéis do Pel Caç Nat 52 que, ao fim de 20 meses de comissão, apanhou uma senhora porrada e foi despachado para Catacunda [, CART 1690], na região de Geba (Bafatá), onde foi capturado e metido numa prisão em Conacri, de onde foi libertado em finais de 1970, como é de todos sabido.(***)
"Conheci também o Cunha que, no dia em que pretendia ir a Bafatá tratar dos papéis para o casório, foi ferido gravemente num joelho, durante uma emboscada entre Xime e Amedalai.
"A companhia dos madeirenses [, a CCAÇ 1439,] entrara na minha vida pelos relatos dos soldados, era um dos meus temas preferidos quando andava de noite pelos postos de sentinela, conversava com eles, enquanto olhávamos para o interior da mata, iluminada a petromax. Esta companhia ficou no Enxalé até Abril de 1967, seguir-se-á a CART [, e não CCaç, ] 1661 [, a que pertenceu o nosso camarada Abel Rei, autor do livro Entre o paraíso e o inferno: de Fá a Bissá, Memória da Guiné, 1967/68." (...)
Guiné > Zona Leste > Enxalé > CCAÇ 1439 > Set de 1966 > Foto 1 > Na messe: 1 - Cap Mil Pires, Cmdt da Companhia [CCAÇ 1439]; 2 - Alf Mil Sousa; 3 - Alf Mil Zagalo; 4 - Médico do Batalhão; 5 - Eu [, Alf Mil Henrique Matos, Cmdt Pel cAÇ nAT 52]; 6 - Alf Mil Marchand, Cmdt do Pel Caç Nat 54; 7 - Fur Mil Antunes, falecido em combate; 8 e 9 - Fur Mil Monteiro e Altino, do meu Pelotão.
Foto: Fur Mil Viegas, do Pel Caç Nat 54. Cortesia e legenda do Henrique Matos
Foto 2 > Na enfermaria > Copos com pessoal da Companhia: de camuflado o Alf Mil Crisóstomo, ao lado estou eu de cigarro nos dedos (para variar); por trás do Crisóstomo, está o Alf Mil Freitas.
Foto: Leiria, Condutor da CCAÇ 1439. Cortesia e legenda do Henrique Matos
2. Comentário de L.G.:
O João Crisóstomo é um português das Arábias....Um dos muitos camaradas nossos que, depois do regresso da guerra, fez-se à vida, e quis conhecer o mundo largo e farto...Que na casa materna, a nossa Pátria, não cabiam todos...ou só cabiam alguns. A história, invulgar, deste nosso camarada, vim a descobri-la na Net... Confirma-se que é um militante de causas nobres (Gravuras Rupestres de Foz Coa, Memória de Aristides Sousa Mendes, autodeterminação de Timor Leste e do Sahara Ocidental).
É o primeiro a inaugurar esta série dos Camaradas na diáspora (que, de resto, já são bastantes, na nossa Tabanca Grande).
O João ainda não faz parte, formalmente, da nossa Tabanca Grande, aguardando-se a sua resposta ao convite que lhe foi endereçado pelo Carlos Vinhal.
Peço à jornalista Maria João Veloso, autora da prosa (em português e inglês), que me deixe, com a devida vénia, citar alguns (largos) excertos... A artista e o retratado bem o merecem (Os nossos leitores farão depois o favor de ler o texto na íntegra e comentá-lo):
Up Magazine > Português no Mundo > João Crisóstomo - Nova Iorque > 22/12/2009 [ Texto: Maria João Veloso; Foto: Marisa Cardoso, editada com a devida vénia]
(...) Chamam-lhe o mordomo activista. A viver em Nova Iorque há 34 anos, João Crisóstomo gasta os tempos livres a lutar por causas em que acredita. Os finais felizes para as gravuras de Foz Côa e da autodeterminação do povo de Timor-leste, contaram com a sua ajuda. Um par de causas apenas, entre tantas outras que tem abraçado.
(...) João Crisóstomo cresceu numa família com grande tradição católica. Muitos dos seus parentes seguiram a vocação religiosa e dedicaram a vida ao sacerdócio. Ele próprio, na juventude, frequentou um seminário de franciscanos, mas acabou por seguir outro rumo. Deste percurso, ficou a vontade de ajudar o semelhante: “Não sou um católico fervoroso, mas a base da minha vida é seguir a palavra de Cristo”, admite. Pode dizer-se que, nas últimas décadas, o português radicado em Nova Iorque se tem dedicado a causas quase sempre relacionadas com Portugal ou os portugueses.
Se hoje em Foz Côa existe o maior museu paleolítico ao ar livre do mundo, João Crisóstomo tem a sua quota-parte de responsabilidade, através da campanha internacional que lançou, em 1995, apelando a que não afogassem este santuário de arte rupestre. “O caso, para mim que vivo no estrangeiro, foi uma surpresa. Não fazia a mínima ideia da existência de Foz Côa e, quando li o artigo no New York Times, achei que nos EUA podia dar alguma ajuda.”
O emigrante publicou então uma carta aberta ao editor do periódico nova-iorquino que explicava o que se estava a passar em Portugal. Mandou também uma outra carta, a Boutros Ghali, então secretário-geral da ONU, onde mostrava a sua preocupação com o facto das obras da barragem de Vila Nova de Foz Côa obrigarem à submersão das figuras. O Times, a BBC, o Le Monde e o Liberation, deram-lhe um grande apoio. Da mesma forma, chegaram a Portugal epístolas suas para jornais como o Público, o Expresso, ou o Diário de Notícias. (...)
O percurso do activista português é no mínimo sui generis. Saiu de Portugal para a Europa para aprofundar os conhecimentos em línguas, tencionando depois regressar e tornar-se profissional de turismo. Mas a vida reservava-lhe várias surpresas. Andou por Inglaterra, França e Alemanha, sempre a trabalhar na área da hotelaria, tirando em simultâneo cursos de inglês e francês. Na década de 1970 rumou ao Brasil, onde começou por trabalhar na recepção de um hotel, aproveitando para tirar um curso de hotelaria na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
A convite de um professor, foi até aos EUA, onde aproveitou para estudar na universidade de Cornell. Quando se preparava para voltar ao Brasil, soube que havia uma senhora a precisar de um mordomo. Jacqueline Kennedy Onassis. “Foi uma experiência extraordinária. Ela era uma senhora em todos os sentidos. Carinhosa, diplomata, muito inteligente, tinha todos os predicados para ser uma primeira-dama.”
Terá sido um bom exemplo, nos anos em que trabalhou para ela, vê-la ajudar prisioneiros, com iniciativas de vária ordem, entre as quais mandar livros para as prisões, ou não hesitar em sair para a rua com cartazes contra a demolição do Grand Central Terminal, a emblemática estação de comboios nova-iorquina. “Inconscientemente fui influenciado pela sua determinação. Nos movimentos que entretanto lancei ela não teve influência directa, mas o John John Kennedy (o filho) sim”.
A actividade como mordomo, e depois como maître de um banco, pô-lo em contacto com personalidades de relevo americanas, da esfera da alta finança e da política, o que tem facilitado a sua actividade como defensor de causas.
Terá sido um bom exemplo, nos anos em que trabalhou para ela, vê-la ajudar prisioneiros, com iniciativas de vária ordem, entre as quais mandar livros para as prisões, ou não hesitar em sair para a rua com cartazes contra a demolição do Grand Central Terminal, a emblemática estação de comboios nova-iorquina. “Inconscientemente fui influenciado pela sua determinação. Nos movimentos que entretanto lancei ela não teve influência directa, mas o John John Kennedy (o filho) sim”.
A actividade como mordomo, e depois como maître de um banco, pô-lo em contacto com personalidades de relevo americanas, da esfera da alta finança e da política, o que tem facilitado a sua actividade como defensor de causas.
A seguir a Foz Côa, João Crisóstomo lutou pela independência de Timor-leste. Quando lhe pediram para abraçar a causa do país do sol nascente, conheceu Anne Treseder, advogada norte-americana bastante informada sobre o assunto. Os conselhos que lhe deu levaram-no, por outro lado, à descoberta do cônsul português Aristides de Sousa Mendes que, a partir de Bordéus, salvou milhares de judeus dos campos de concentração durante a segunda Guerra Mundial.
“Para ajudar Timor-Leste, impunha-se conseguir o apoio da imprensa. Ora, esta é bastante controlada pela comunidade judaica. Se quer o apoio deles, fale-lhes de Aristides de Sousa Mendes, disse-me a advogada”. O cônsul português em Bordéus tornou-se assim uma porta, e “uma causa apaixonante para mim”.
“Para ajudar Timor-Leste, impunha-se conseguir o apoio da imprensa. Ora, esta é bastante controlada pela comunidade judaica. Se quer o apoio deles, fale-lhes de Aristides de Sousa Mendes, disse-me a advogada”. O cônsul português em Bordéus tornou-se assim uma porta, e “uma causa apaixonante para mim”.
O LAMETA – Movimento Luso-americano para a Autodeterminação de Timor-leste –, da qual é presidente, deu seguimento a várias iniciativas de pressão junto das autoridades norte-americanas, como uma petição ao presidente Bill Clinton: “Quando lhe mandei o abaixo-assinado, fazia notar que estavam ali assinaturas conscientes, por exemplo de líderes portugueses e membros prestigiados da comunidade internacional, como Patrick Kennedy (filho de Ted Kennedy).” A contribuição foi decisiva para que a Indonésia mudasse a política em relação a Timor e aceitasse a realização de um referendo, passo em direcção à autodeterminação do povo timorense.
Entretanto, ao conhecer a história de Sousa Mendes, João Crisóstomo começou paralelamente um outro movimento para que se fizesse justiça ao nome do diplomata português que, com um simples carimbo no passaporte, salvou cerca 30 mil vidas, entre as quais as de 10 mil judeus.
Entretanto, ao conhecer a história de Sousa Mendes, João Crisóstomo começou paralelamente um outro movimento para que se fizesse justiça ao nome do diplomata português que, com um simples carimbo no passaporte, salvou cerca 30 mil vidas, entre as quais as de 10 mil judeus.
Na exposição Visas For Life, em Junho de 2003, no Museu da Herança Judaica de Nova Iorque, destaca-se Sousa Mendes, embora o mordomo português tenha lembrado ao curador da mostra, a relevância de outros diplomatas portugueses e brasileiros, nomeadamente Luís Martins de Sousa Dantas, Sampaio Garrido, Teixeira Branquinho e Guimarães Rosa, cuja acção diplomática permitiu salvar também milhares de judeus do holocausto.
A acção mais extraordinária desta causa, contundo, aconteceu a 17 de Junho de 2004. Por iniciativa de Crisóstomo – para assinalar o dia em que Sousa Mendes iniciou a concessão de vistos (em 1944) – organizou-se, com o apoio da Fundação Raoul Wallenberg e de vários cardeais, uma missa de Acção de Graças em 22 países, lembrando não apenas o cônsul português, mas também o sueco Wallenberg e o suíço Carl Lutz considerados por Israel como “justos entre as nações”. Em Abril do ano seguinte, aquando dos 50 anos sobre a sua morte, o nosso entrevistado conseguiu também que o “Schindler português” voltasse a ser homenageado no Museu de Herança Judaica.
João Crisóstomo conta-nos que a luta do momento se prende com a independência do Sara Ocidental
A acção mais extraordinária desta causa, contundo, aconteceu a 17 de Junho de 2004. Por iniciativa de Crisóstomo – para assinalar o dia em que Sousa Mendes iniciou a concessão de vistos (em 1944) – organizou-se, com o apoio da Fundação Raoul Wallenberg e de vários cardeais, uma missa de Acção de Graças em 22 países, lembrando não apenas o cônsul português, mas também o sueco Wallenberg e o suíço Carl Lutz considerados por Israel como “justos entre as nações”. Em Abril do ano seguinte, aquando dos 50 anos sobre a sua morte, o nosso entrevistado conseguiu também que o “Schindler português” voltasse a ser homenageado no Museu de Herança Judaica.
João Crisóstomo conta-nos que a luta do momento se prende com a independência do Sara Ocidental
: “Dizem que consigo tudo o que quero, mas só trabalhando com muito afinco”. Até hoje, tendo como quartel-general a sua casa, e como “arma” um fax, o mordomo activista tem conseguido mover montanhas.
Maria João Veloso
[ Selecção / revisão / fixação de texto / links: L.G.]
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Notas de L.G.:
(*) Vd. postes de:
10 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5969: Convívios (112): 19º Encontro da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/67)
12 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5983: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (22): As voltas que o mundo dá, graças a um blogue que congrega uma diáspora de combatentes (Beja Santos)
(**) Vd. poste de 2 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5392: Em busca de... (104): Luís Zagallo (ex-Alf Mil, CCAÇ 1439) - Um pedido de ajuda do João Crisóstomo (EUA) que me encheu de lágrimas (Beja Santos)
Foi também encenador, com conforme cartaz que aqui se reproduz, e onde se vê o Luís a contracenar com o Tozé Martinho. Esteve em cena, por exemplo, no Bombarral, em 31-01-2009 - Comédia “O Meu Menino” - TZM Produções:
"Encenação: Luís Zagalo. Interpretação: Tózé Martinho, Luís Zagalo, Fernanda Sargedas, Inês Simôes, Florbela Meneses, Rita Simões, Daniel Garcia e Gonçalo Bettencourt. Autores: Franz Arnold e Ernest Bach"... Cartaz reproduzido, com a devida vénia, do sítio da Câmara Municipal do Bombarral, que tem como único propósito homenagear um camarada nosso, atingido pelo infortúnio da doença. O Luís vive hoje no lar na Casa do Artista,
(***) Vd. poste de 13 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3057: A Guerra estava militarmente perdida (26)? A situação político-militar na Guiné. A. Marques Lopes.
(...) 10 de Abril [de 1968]– Cerca da meia-noite, ataque do PAIGC ao quartel de Cantacunda, causando um morto e fazendo 11 prisioneiros. Os outros, nove, foram obrigados a abandonar o destacamento. O ataque foi conduzido pelo comandante Braima Bangura (fuzilado em 12 de Julho de 1986, juntamente com Paulo Correia e outros, por ordem de Nino Vieira, sob acusação de tentativa de golpe de Estado em 17 de Outubro de 1985) e teve a conivência do régulo Braima Candé e da população. (...)
Guiné 63/74 – P6012: Humor de caserna (18): A nossa língua é muito traiçoeira (Armandino Alves, 1º Cabo Auxiliar de Enfermagem da CCAÇ 1589 - Beli, Fá
1. O nosso Camarada Armandino Alves (ex-1º Cabo Auxiliar de Enfermagem na CCAÇ 1589 - Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé -, 1966/68), enviou-nos uma mensagem de um momento hilariante acontecido com um Camarada da sua Companhia, em 16 de Março, que a seguir publicamos:
Camaradas,
Hoje vou-vos contar uma pequena e humorística estória passada em Béli:
No nosso aquartelamento o reabastecimento mensal (quando o havia), era efectuado por uma DO.
Era habitual eu comissionar os equipamentos e materiais medicamentosos, que encomendava nos meses anteriores, bem como o correio pois também era eu o responsável pela sua recepção e expedição (a mala do acondicionamento e transporte era a mesma).
Também era eu que habitualmente, me dirigia em primeiro lugar para junto das DOs quando elas aterravam.
Aproveitava os tempos de descarga dos reabastecimentos, para tirar um caixote e colocar outro.
Um dia eu tinha mandado para o Lab. Militar uma requisição bastante extensa, que incluía garrafões de álcool 1214, Mercúrio Cromo e outras coisas necessárias ao bom desempenho do Serviço de Saúde.
Quando a DO aterrou, perguntei ao piloto se trazia medicamentos, ao que ele me respondeu afirmativamente.
Depois de entregar o correio e a DO ter levantado voo, dirigi-me para o Posto de Socorros e qual não foi o meu espanto, ao ver que ali não havia nada para eu conferir.
Fui ter com o pessoal que tinha estado a descarregar a DO e perguntei-lhes se tinham descarregado os medicamentos, ao que me responderam que sim. Fiquei perplexo e intrigado, sobre o paradeiro dos ditos medicamentos?
Passado um bocado tudo se descortinou. Como a requisição era grande e comportava os garrafões, o Lab. Militar encaixotou tudo e, para haver cuidado no seu manuseamento, colocou a toda a volta letreiros com a palavra FRÁGIL.
Ora no pelotão tínhamos um soldado que era natural de Freigil (perto de Caldas de Aregos) e quando ele, que estava a assistir à descarga, ouviu dizer a palavra Frágil, pegou no caixote às costas e foi para o abrigo contentíssimo, pensando que era uma encomenda dos seus pais.
Claro que foi uma desilusão total para ele e ainda hoje nos convívios nós falamos nisso.
É caso para dizer que a nossa língua é mesmo muito traiçoeira.
Um Abraço,
Armandino Alves
1º Cabo Aux Enf CCAÇ 1589
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Nota de M.R.:
Vd. último poste da série em:
3 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5585: Humor de caserna (17): Mansambo no seu melhor (Parte 1) (Carlos Marques dos Santos, CART 2339, 1968/69)
Guiné 63/74 - P6011: Controvérsias (68): Ainda a tragédia de Fajonquito... Como se descavilhavam duas granadas de mão? (António J. Pereira da Costa)
1. Mensagem de António J. Pereira da Costa, com data de 15 do corrente:
Assunto - Fajonquito (*)
Assunto - Fajonquito (*)
Camarada
Aqui te envio mais uma consideração posterior.
Para descavilhar duas granadas-de-mão será necessário descavilhar uma, usando, obviamente, as duas mãos. A segunda tem de ser descavilhada usando apenas uma mão.
Aqui te envio mais uma consideração posterior.
Para descavilhar duas granadas-de-mão será necessário descavilhar uma, usando, obviamente, as duas mãos. A segunda tem de ser descavilhada usando apenas uma mão.
Como te recordas, as cavilhas tinham uma certa dificuldade em sair, pelo que não podíamos usar os dentes como os americanos faziam (pelo menos nos filmes de guerra do nosso tempo de adolescência) (**). A solução que me parece mais directa será recorrer a um prego, cabide bem fixo, gancho ou objecto similar, para o que bastava pendurar-lhe a granada e puxar violentamente com uma só mão.
Aqui surgem-me dúvidas acerca de uma possível premeditação, o que remete para o tal diferendo cujas características se nos escapam. E o 1º Sargento de quem se fala e que se afastou? Porquê? Será que previu o que ia acontecer? Como e porquê? E os dois rangers que também morreram? Estavam ao pé do capitão ou apareceram para apaziguar? Se estavam, porquê?
O soldado não teve em linha de conta que matava também dois homens que não tinham que ver com a sua situação. Daqui podemos começar a ver a necessidade que ele tinha de chamar a atenção do mundo que o cercava para a sua desgraça. O que lhe interessava era desistir, deixando a sua assinatura e o eco do seu acto, tanto mais forte quanto mais pessoas levasse com ele. Creio que seria a sua recusa ao Sistema. Será que os rangers tiveram tempo de intervir e tentar qualquer coisa ou o suicida nem sequer lhes deu tempo para isso, tal era o vigor da sua decisão?
Como vês, há mais dúvidas do que certezas. Por isso creio que é necessário investigar bem. Talvez localizando alguém da companhia: o médico, o furriel Enfermeiro, os maqueiros ou o próprio sargento…
Um abraço do
António Costa
(Cor Art na Reserva,
na efectividade de serviço,
Guiné, 1972/74)
PS - Estou a escrever mais uma história, esta sobre a evacuação de Cacoca. [para a série A Minha Guerra a Petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa)...]
O soldado não teve em linha de conta que matava também dois homens que não tinham que ver com a sua situação. Daqui podemos começar a ver a necessidade que ele tinha de chamar a atenção do mundo que o cercava para a sua desgraça. O que lhe interessava era desistir, deixando a sua assinatura e o eco do seu acto, tanto mais forte quanto mais pessoas levasse com ele. Creio que seria a sua recusa ao Sistema. Será que os rangers tiveram tempo de intervir e tentar qualquer coisa ou o suicida nem sequer lhes deu tempo para isso, tal era o vigor da sua decisão?
Como vês, há mais dúvidas do que certezas. Por isso creio que é necessário investigar bem. Talvez localizando alguém da companhia: o médico, o furriel Enfermeiro, os maqueiros ou o próprio sargento…
Um abraço do
António Costa
(Cor Art na Reserva,
na efectividade de serviço,
Guiné, 1972/74)
PS - Estou a escrever mais uma história, esta sobre a evacuação de Cacoca. [para a série A Minha Guerra a Petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa)...]
__________________
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 15 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5997: Controvérsias (67): A Páscoa Sangrenta de Fajonquito, em 2 de Abril de 1972 (António Costa)
(**) A propósito, vd no You Tube , o vídeo (1' 00'') Hand grenades are not for tourists... Parafraseando este título, também se poderia dizer que as granadas de mão não eram (ou não deviam ser) para soldados básicos...
A imagem que reproduzimos, de uma granada defensiva M26A1 m/963, foi retirada, com a devida vénia, do blogue COT 1 > 1ª CART 6323 - Os Guerreiros da Paz... ("O BART 6323 foi o primeiro a partir depois de 25 de Abril de 1974 para Angola. E certamente o primeiro a partir com mentalidade diferente dos seus antecessores. Isto é: uma mentalidade mais pacífica do que bélica").
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 15 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5997: Controvérsias (67): A Páscoa Sangrenta de Fajonquito, em 2 de Abril de 1972 (António Costa)
(**) A propósito, vd no You Tube , o vídeo (1' 00'') Hand grenades are not for tourists... Parafraseando este título, também se poderia dizer que as granadas de mão não eram (ou não deviam ser) para soldados básicos...
A imagem que reproduzimos, de uma granada defensiva M26A1 m/963, foi retirada, com a devida vénia, do blogue COT 1 > 1ª CART 6323 - Os Guerreiros da Paz... ("O BART 6323 foi o primeiro a partir depois de 25 de Abril de 1974 para Angola. E certamente o primeiro a partir com mentalidade diferente dos seus antecessores. Isto é: uma mentalidade mais pacífica do que bélica").
quarta-feira, 17 de março de 2010
Guiné 63/74 - P6010: Convívios (205): Convívio anual da CCAÇ 816, no próximo dia 8 de Maio de 2010, em Esposende (Rui Silva)
1. O nosso Camarada Rui Silva (ex-Fur Mil At Inf da CCAÇ 816 - Bissorã, Olossato, Mansoa -, 1965/67), enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 10 de Março de 2010, dando-nos notícias do próximo encontro anual da sua Companhia:
Camaradas,
Recebam um grande abraço e os maiores votos de muita saúde e boa disposição.
Serve esta mensagem para dar conta de mais um convívio anual da minha CCAÇ 816:
Companhia de Caçadores n.º 816
Convívio Anual
A Companhia de Caçadores n.º 816 (Guiné 1965-1967 – Bissorã-Olossato-Mansoa), realiza mais um Convívio Anual no próximo dia 8 de Maio, em Esposende.
Mais uma vez o camarada Carlos Salsa, a quem apresento os melhores agradecimentos da malta, pela brilhante realização da grande e maravilhosa festa que foi o Convívio do ano passado, organiza este evento, em 2010, da “Família 816” (sempre unida e já com muitos cabelos brancos).
O programa é o seguinte:
Um abraço,Mais uma vez o camarada Carlos Salsa, a quem apresento os melhores agradecimentos da malta, pela brilhante realização da grande e maravilhosa festa que foi o Convívio do ano passado, organiza este evento, em 2010, da “Família 816” (sempre unida e já com muitos cabelos brancos).
O programa é o seguinte:
Rui Silva
Fur Mil At Inf da CCAÇ 816
__________
Nota de MR:
Vd. último poste da série em:
17 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6005: Convívios (117): Encontro do Pessoal do BCAÇ 2885, ocorrido dia 6 de Março de 2010, na Batalha (Jorge Picado)
Guiné 63/74 - P6009: Notas de leitura (79): sairòmeM Guerra Colonial, de Gustavo Pimenta (Beja Santos)
1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Março de 2010:
Queridos amigos,
Este “sairòmeM” é surpreendente, conclui-se a leitura com a sensação de que autor e leitor mereciam mais confissão, mais intimidade, mais memória.
Seria muito bom que pudéssemos contar com o Gustavo Pimenta (ou quem se esconde sob este nome) para saber mais sobre Béli e Madina de Boé, por exemplo.
Um abraço do
Mário
Um beijo, minha mãe, eu prometo voltar
Beja Santos
“sairòmeM Guerra Colonial”, de Gustavo Pimenta (Palimage Editores, 1999), é, a diferentes títulos, uma obra singular no panorama da literatura da guerra colonial. Logo o título, memórias em anagrama, o que nos remete para uma charada a decifrar. Depois a estrutura em flashback, o filme dos acontecimentos que vai sendo rebobinado e como a prosa é boa, convincente e afectuosa, precisamos de três leituras, pelo menos: a primeira, para nos aproximarmos dos factos; a segunda, para nos fixarmos na cronologia de uma comissão que terá ocorrido entre 1967 e 1969; a terceira, para sorver em ecrã e nos cinco sentidos um depoimento tão sensível sobre quem viveu quase um ano em Madina do Boé e perdeu soldados naquela trágica travessia da jangada, em Fevereiro de 1969.
Este autor, que se apresenta como limiano pelo berço, vianês por amor, do Porto por circunstância e do mundo por opção, começa por nos dizer no fim das suas recordações que à despedida “O beijo da minha mãe demorava uma eternidade”. Fechou os olhos para que todas as impressões daquele momento guardassem o tempo, ele estava a despedir-se de si próprio, pressentia as mudanças que se iriam operar.
Em Setembro de 1967 chegou à Guiné, a bordo do paquete Timor, com armas e bagagens foi a unidade despejada em Fá Mandinga. Aqui foram praxados, aprendeu que a maneira mais eficaz de pescar era lançar uma granada na bolonha, os serões eram passados a jogar o póquer de dados. Surge um registo de espanto e admiração: “Não teria mais do que doze ou treze anos. Seria mandinga, mas falava uma data de línguas nativas, era o nosso guia, participava nas acções mais arriscadas. Exibia uma postura colaborante, às vezes irónica face à nossa ignorância. Nunca subserviente. Devia viver a um ritmo incrível para saber tanto com tão poucos anos. Adoptámo-lo, passou a viver connosco”. A sede do seu batalhão estava em Bambadinca, era dali que se telefonava para Portugal.
A primeira operação foi no Poidom. Em Bambadinca tinham-lhes dito que ia ser um ronco, tratava-se de revistar o local onde os guerrilheiros se acoitavam, isto depois do fogo de artilharia e aviação. Na capela de Bambadinca foi depositado um dos camaradas, morto com um tiro furtivo: “O fogo, intenso, do inimigo surpreendeu-nos. Havia pouco que os T6, connosco a poucas centenas de metros, tinham terminado o arrepiante – e belo, no seu descer a pique, largar a bomba, subir em manifesto sobreesforço do motor – exercício de bombardear o refúgio do PAIGC”.
Seguiram depois para Porto Gole, aqui se passou o primeiro Natal. Mais tarde em Nova Lamego, aquela tropa é confrontada com o pesadelo das minas, viaja-se para Madina do Boé, nova morada. O registo das impressões faz vibrar qualquer combatente, o que ele diz das abelhas, dos jogos da malha, o interior daquela fortaleza praticamente inexpugnável, as extravagantes regras do jogo da sobrevivência, o delírio da guerra: “Deslocarmo-nos para as tarefas mais comezinhas, para uma simples mijada fora do abrigo, tornara-se numa espécie de jogo do gato e do rato. Nunca sabíamos se eles estavam à coca e nos sairia na rifa o tiro isolado do dia. Aos mais afoitos, ou mais loucos, já lhes dava, às vezes, para subirem ao alto de um abrigo e despejarem insultos a tudo quanto fosse guerrilheiro e respectiva família, enquanto evidenciavam convenientes manguitos”. É um registo antológico, o de Madina do Boé: os jogos de carta dentro dos abrigos, a criação de animais nas tabancas, a solidariedade dos amigos, longe ou perto, sempre prontos a mandar vitualhas. É no meio deste inferno que o autor se confessa sobre as razões que o levaram a ir para a guerra: “De apego à minha tribo, de não sustentar que me pudessem apodar de cobarde e, também, porque sentia uma grande necessidade de ver no locar se as coisas eram como dizia a propaganda do regime. Provavelmente, o que me faltou foi coragem de atrever sozinho o desconhecido”.
A chegada do correio, descobre ele, é um evento crucial, receber correio era mais importante que o seu conteúdo, era a imperiosa necessidade de nos sabermos lembrados (“Quem passa mal, gosta de perceber que o mundo se incomoda com o mal que passa”). Cartas ou aerogramas lidos e relidos, fica a memória indelével da algazarra que rodeava a distribuição do correio, cada piloto que os visitava em Madina de Boé era recebido na pista com balde de gelo, água perrier e garrafa de uísque na mão. Conta-nos a evacuação de Béli: “Chegámos a Béli noite avançada. Tantas viaturas e tanta gente naquele espaço habitualmente ocupado somente por um grupo de combate, tinham feito temer uma flagelação com armas pesadas de consequências imprevisíveis... um grupo de picadores à frente da coluna, a tropa em protecção lateral e os T6 a despejarem bombas sempre que a picada era rodeada de acidentes geográficos que nos parecessem suspeitos, propícios à emboscada”.
Depois é a retirada de Madina de Boé até Nova Lamego. Parecia um cortejo fúnebre, mais de 40 homens tinham sido levados pela correnteza do Corubal. O autor está de férias, encurta-as em função dos acontecimentos. Seguem para Cabuca, mais tarde são colocados em S. Domingos. A curiosidade é forte, interessasse pelo povo Felupe: “Era o povo mais primitivo que já conhecêramos. Pescavam deixando deslizar as suas canoas ao sabor da corrente, sobre as quais se posicionavam em pé, parecendo estátuas, arco tenso e flecha apontada. O mergulho nas águas para recolher o peixe, sucedia-se ao disparo, que nunca vi falhar, nas cenas da nossa fascinação olhadas da margem do rio e do centro do nosso espanto”. Comprova que os imprevistos brutais não eram só os de Madina, em S. Domingos a morte também ronda: “Do lado por onde saíra a bala, o buraco. Enorme. Do outro, num ouvido, tudo chamuscado à volta e um orificiozinho. Fragmentos de couro cabeludo, miolos e sangue a manchar os beliches ao lado. A G3 caída. A mala aberta. Sobre o desalinho do seu conteúdo, um aerograma escrito para a mulher. Fechado. Outro, para o amigo lá da terra, ostensivamente aberto, exposto na indecência de explicar o inexplicável: não suportava regressar a Portugal, para a mulher, com a pichota toda estragada. O estrondo do tiro na caserna, pela tórrida calmaria da hora do almoço”.
A comissão está a findar, agora já não se teme propriamente andar na mata, o que custa é pensar no que fazem as minas anti-pessoais. Com alvoroço, partem para Bissau, entregam-lhe um cão à sua guarda. O relato termina tal como começou (isto é, começa onde tudo cronologicamente se finda): “A casa antiga – para não dizer velha – acolheu-me com o cheiro e o conforto que a memória reconheceu. Quanto tempo passado e como tudo me pareceu, de súbito, regressar ao princípio”. O pai e filho estreitam-se num abraço longo. O cão espreguiça-se, a viagem a partir de Lisboa foi de táxi, deixando três soldados em vários destinos. Com o beijo de sua mãe, ele despedira-se de si próprio, nesta chegada todos os recantos se identificam, a guerra, finalmente, ficou para trás. Décadas depois, deu público testemunho de si.
O contacto telefónico da Palimage Editores é 232 432 244 (palimage@mail.telepac.pt).
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 16 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6001: Notas de leitura (78): Morrer Devagar, de José Martins Garcia, De Catió para Farim (Beja Santos)
Queridos amigos,
Este “sairòmeM” é surpreendente, conclui-se a leitura com a sensação de que autor e leitor mereciam mais confissão, mais intimidade, mais memória.
Seria muito bom que pudéssemos contar com o Gustavo Pimenta (ou quem se esconde sob este nome) para saber mais sobre Béli e Madina de Boé, por exemplo.
Um abraço do
Mário
Um beijo, minha mãe, eu prometo voltar
Beja Santos
“sairòmeM Guerra Colonial”, de Gustavo Pimenta (Palimage Editores, 1999), é, a diferentes títulos, uma obra singular no panorama da literatura da guerra colonial. Logo o título, memórias em anagrama, o que nos remete para uma charada a decifrar. Depois a estrutura em flashback, o filme dos acontecimentos que vai sendo rebobinado e como a prosa é boa, convincente e afectuosa, precisamos de três leituras, pelo menos: a primeira, para nos aproximarmos dos factos; a segunda, para nos fixarmos na cronologia de uma comissão que terá ocorrido entre 1967 e 1969; a terceira, para sorver em ecrã e nos cinco sentidos um depoimento tão sensível sobre quem viveu quase um ano em Madina do Boé e perdeu soldados naquela trágica travessia da jangada, em Fevereiro de 1969.
Este autor, que se apresenta como limiano pelo berço, vianês por amor, do Porto por circunstância e do mundo por opção, começa por nos dizer no fim das suas recordações que à despedida “O beijo da minha mãe demorava uma eternidade”. Fechou os olhos para que todas as impressões daquele momento guardassem o tempo, ele estava a despedir-se de si próprio, pressentia as mudanças que se iriam operar.
Em Setembro de 1967 chegou à Guiné, a bordo do paquete Timor, com armas e bagagens foi a unidade despejada em Fá Mandinga. Aqui foram praxados, aprendeu que a maneira mais eficaz de pescar era lançar uma granada na bolonha, os serões eram passados a jogar o póquer de dados. Surge um registo de espanto e admiração: “Não teria mais do que doze ou treze anos. Seria mandinga, mas falava uma data de línguas nativas, era o nosso guia, participava nas acções mais arriscadas. Exibia uma postura colaborante, às vezes irónica face à nossa ignorância. Nunca subserviente. Devia viver a um ritmo incrível para saber tanto com tão poucos anos. Adoptámo-lo, passou a viver connosco”. A sede do seu batalhão estava em Bambadinca, era dali que se telefonava para Portugal.
A primeira operação foi no Poidom. Em Bambadinca tinham-lhes dito que ia ser um ronco, tratava-se de revistar o local onde os guerrilheiros se acoitavam, isto depois do fogo de artilharia e aviação. Na capela de Bambadinca foi depositado um dos camaradas, morto com um tiro furtivo: “O fogo, intenso, do inimigo surpreendeu-nos. Havia pouco que os T6, connosco a poucas centenas de metros, tinham terminado o arrepiante – e belo, no seu descer a pique, largar a bomba, subir em manifesto sobreesforço do motor – exercício de bombardear o refúgio do PAIGC”.
Seguiram depois para Porto Gole, aqui se passou o primeiro Natal. Mais tarde em Nova Lamego, aquela tropa é confrontada com o pesadelo das minas, viaja-se para Madina do Boé, nova morada. O registo das impressões faz vibrar qualquer combatente, o que ele diz das abelhas, dos jogos da malha, o interior daquela fortaleza praticamente inexpugnável, as extravagantes regras do jogo da sobrevivência, o delírio da guerra: “Deslocarmo-nos para as tarefas mais comezinhas, para uma simples mijada fora do abrigo, tornara-se numa espécie de jogo do gato e do rato. Nunca sabíamos se eles estavam à coca e nos sairia na rifa o tiro isolado do dia. Aos mais afoitos, ou mais loucos, já lhes dava, às vezes, para subirem ao alto de um abrigo e despejarem insultos a tudo quanto fosse guerrilheiro e respectiva família, enquanto evidenciavam convenientes manguitos”. É um registo antológico, o de Madina do Boé: os jogos de carta dentro dos abrigos, a criação de animais nas tabancas, a solidariedade dos amigos, longe ou perto, sempre prontos a mandar vitualhas. É no meio deste inferno que o autor se confessa sobre as razões que o levaram a ir para a guerra: “De apego à minha tribo, de não sustentar que me pudessem apodar de cobarde e, também, porque sentia uma grande necessidade de ver no locar se as coisas eram como dizia a propaganda do regime. Provavelmente, o que me faltou foi coragem de atrever sozinho o desconhecido”.
A chegada do correio, descobre ele, é um evento crucial, receber correio era mais importante que o seu conteúdo, era a imperiosa necessidade de nos sabermos lembrados (“Quem passa mal, gosta de perceber que o mundo se incomoda com o mal que passa”). Cartas ou aerogramas lidos e relidos, fica a memória indelével da algazarra que rodeava a distribuição do correio, cada piloto que os visitava em Madina de Boé era recebido na pista com balde de gelo, água perrier e garrafa de uísque na mão. Conta-nos a evacuação de Béli: “Chegámos a Béli noite avançada. Tantas viaturas e tanta gente naquele espaço habitualmente ocupado somente por um grupo de combate, tinham feito temer uma flagelação com armas pesadas de consequências imprevisíveis... um grupo de picadores à frente da coluna, a tropa em protecção lateral e os T6 a despejarem bombas sempre que a picada era rodeada de acidentes geográficos que nos parecessem suspeitos, propícios à emboscada”.
Depois é a retirada de Madina de Boé até Nova Lamego. Parecia um cortejo fúnebre, mais de 40 homens tinham sido levados pela correnteza do Corubal. O autor está de férias, encurta-as em função dos acontecimentos. Seguem para Cabuca, mais tarde são colocados em S. Domingos. A curiosidade é forte, interessasse pelo povo Felupe: “Era o povo mais primitivo que já conhecêramos. Pescavam deixando deslizar as suas canoas ao sabor da corrente, sobre as quais se posicionavam em pé, parecendo estátuas, arco tenso e flecha apontada. O mergulho nas águas para recolher o peixe, sucedia-se ao disparo, que nunca vi falhar, nas cenas da nossa fascinação olhadas da margem do rio e do centro do nosso espanto”. Comprova que os imprevistos brutais não eram só os de Madina, em S. Domingos a morte também ronda: “Do lado por onde saíra a bala, o buraco. Enorme. Do outro, num ouvido, tudo chamuscado à volta e um orificiozinho. Fragmentos de couro cabeludo, miolos e sangue a manchar os beliches ao lado. A G3 caída. A mala aberta. Sobre o desalinho do seu conteúdo, um aerograma escrito para a mulher. Fechado. Outro, para o amigo lá da terra, ostensivamente aberto, exposto na indecência de explicar o inexplicável: não suportava regressar a Portugal, para a mulher, com a pichota toda estragada. O estrondo do tiro na caserna, pela tórrida calmaria da hora do almoço”.
A comissão está a findar, agora já não se teme propriamente andar na mata, o que custa é pensar no que fazem as minas anti-pessoais. Com alvoroço, partem para Bissau, entregam-lhe um cão à sua guarda. O relato termina tal como começou (isto é, começa onde tudo cronologicamente se finda): “A casa antiga – para não dizer velha – acolheu-me com o cheiro e o conforto que a memória reconheceu. Quanto tempo passado e como tudo me pareceu, de súbito, regressar ao princípio”. O pai e filho estreitam-se num abraço longo. O cão espreguiça-se, a viagem a partir de Lisboa foi de táxi, deixando três soldados em vários destinos. Com o beijo de sua mãe, ele despedira-se de si próprio, nesta chegada todos os recantos se identificam, a guerra, finalmente, ficou para trás. Décadas depois, deu público testemunho de si.
O contacto telefónico da Palimage Editores é 232 432 244 (palimage@mail.telepac.pt).
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 16 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6001: Notas de leitura (78): Morrer Devagar, de José Martins Garcia, De Catió para Farim (Beja Santos)
Guiné 63/74 - P6008: O 6º aniversário do nosso blogue (10): 40 anos depois do meu regresso, a 9 de Abril de 1968, volto à Guiné, a Bambadinca... E tudo isto, por culpa do nosso blogue (Jaime Machado)
1. Mensagem de Jaime Machado* (ex-Alf Mil Cav, Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Março de 2010:
Caro Carlos, Caro Alvaro
Se entenderem que tem algum interesse, publiquem
Um abraço
Jaime
40 ANOS DEPOIS!
No dia exacto em que se completam 40 anos do meu regresso da Guiné (9 de Abril de 1968) parto de novo para lá, se tudo correr conforme o previsto.
Já o disse e repito.
A “culpa” de tudo isto é do Luís.
Sim, do Camarada e Amigo Luís Graça.
Há anos atrás, numa noite de insónia, resolvi escrever, no Goole, a palavra BAMBADINCA.
A partir daí nunca mais parei.
A leitura do Blogue do Luís e mais recentemente do Blogue da Tabanca de Matosinhos passaram a ser tarefa diária obrigatória.
Sucederam-se almoços e jantares, uns atrás dos outros, sempre com ex-camaradas que, como eu, permaneceram cerca de dois anos da nossa juventude na Guiné.
Tenho estado presente em inúmeros encontros a nível nacional ou regional sempre com o mesmo fim (contactar com camaradas comuns da Guiné).
Sou presença assídua nos almoços de 4ª feira em Matosinhos num convívio quase indispensável.
Colaboro em tudo o que posso ou me é pedido nos eventos ou acções promovidas pela Tabanca de Matosinhos.
Sou sócio da recém criada ONG com o número 39.
Tinha pensado, no regresso da Guiné previsto para 19 de Abril próximo, dar-vos notícias e fotos da experiência que antevejo emocionante que eu e os 16 camaradas que me vão acompanhar, vamos viver.
Mas a emoção que já sinto traiu-me. E assim resolvi hoje escrever-vos estas curtas palavras.
Quis fazer-vos sentir que, como disse, a emoção é já muita e aumenta a cada dia que passa.
Anseio pelo dia da partida, desta vez voluntária, para de novo ir sentir o cheiro e o calor daquela terra que me viu menino e moço.
Quero de novo pisar aquela terra vermelha, quero sentir a humidade da Guiné, quero provar de novo aquelas comidas, quero enfim abraçar aquela gente.
Tudo está já tratado: bilhete na mão, vacinas tomadas, visto de entrada. Sim, desta vez preciso de visto de entrada, apesar de ir como amigo.
Até comprei uma nova máquina para tirar “bonecos”.
Luís, vou mandar-te a factura da maquineta que me pagarás com a tua amizade.
Porque, como já disse, a “culpa” de tudo isto é tua.
Luís e demais camaradas, acreditem que levo para aquela gente o Abraço de todos vós.
Sei que vai ser bem recebido e retribuído.
Sei que todos vós gostaríeis de nos acompanhar.
Quem sabe um dia fretaremos um avião e levaremos à “nossa” Guiné a maior delegação que alguma vez lá se deslocou!
40 anos depois e parece que foi ontem!
Tenho, creio que todos temos ainda na memória bem vivos alguns dos momentos de então.
Dolorosos e bem diferentes daqueles que penso, estou certo, vou viver agora.
Adeus
Até ao meu regresso
Um abraço para todos do
Jaime
Ex-Alf Mil Cav
Bambadinca
1968/1970
Combinando pormenores para a grande viagem
Bilhete de avião Porto-Bissau
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 27 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4868: Parabéns a você (22): Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046 (Os Editores)
Vd. último poste da série de 17 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6006: O 6º aniversário do nosso Blogue (9): O Blogue, o futuro, os nossos encontros, os dias em que não me sinto fora de prazo... (Juvenal Amado)
Caro Carlos, Caro Alvaro
Se entenderem que tem algum interesse, publiquem
Um abraço
Jaime
40 ANOS DEPOIS!
No dia exacto em que se completam 40 anos do meu regresso da Guiné (9 de Abril de 1968) parto de novo para lá, se tudo correr conforme o previsto.
Já o disse e repito.
A “culpa” de tudo isto é do Luís.
Sim, do Camarada e Amigo Luís Graça.
Há anos atrás, numa noite de insónia, resolvi escrever, no Goole, a palavra BAMBADINCA.
A partir daí nunca mais parei.
A leitura do Blogue do Luís e mais recentemente do Blogue da Tabanca de Matosinhos passaram a ser tarefa diária obrigatória.
Sucederam-se almoços e jantares, uns atrás dos outros, sempre com ex-camaradas que, como eu, permaneceram cerca de dois anos da nossa juventude na Guiné.
Tenho estado presente em inúmeros encontros a nível nacional ou regional sempre com o mesmo fim (contactar com camaradas comuns da Guiné).
Sou presença assídua nos almoços de 4ª feira em Matosinhos num convívio quase indispensável.
Colaboro em tudo o que posso ou me é pedido nos eventos ou acções promovidas pela Tabanca de Matosinhos.
Sou sócio da recém criada ONG com o número 39.
Tinha pensado, no regresso da Guiné previsto para 19 de Abril próximo, dar-vos notícias e fotos da experiência que antevejo emocionante que eu e os 16 camaradas que me vão acompanhar, vamos viver.
Mas a emoção que já sinto traiu-me. E assim resolvi hoje escrever-vos estas curtas palavras.
Quis fazer-vos sentir que, como disse, a emoção é já muita e aumenta a cada dia que passa.
Anseio pelo dia da partida, desta vez voluntária, para de novo ir sentir o cheiro e o calor daquela terra que me viu menino e moço.
Quero de novo pisar aquela terra vermelha, quero sentir a humidade da Guiné, quero provar de novo aquelas comidas, quero enfim abraçar aquela gente.
Tudo está já tratado: bilhete na mão, vacinas tomadas, visto de entrada. Sim, desta vez preciso de visto de entrada, apesar de ir como amigo.
Até comprei uma nova máquina para tirar “bonecos”.
Luís, vou mandar-te a factura da maquineta que me pagarás com a tua amizade.
Porque, como já disse, a “culpa” de tudo isto é tua.
Luís e demais camaradas, acreditem que levo para aquela gente o Abraço de todos vós.
Sei que vai ser bem recebido e retribuído.
Sei que todos vós gostaríeis de nos acompanhar.
Quem sabe um dia fretaremos um avião e levaremos à “nossa” Guiné a maior delegação que alguma vez lá se deslocou!
40 anos depois e parece que foi ontem!
Tenho, creio que todos temos ainda na memória bem vivos alguns dos momentos de então.
Dolorosos e bem diferentes daqueles que penso, estou certo, vou viver agora.
Adeus
Até ao meu regresso
Um abraço para todos do
Jaime
Ex-Alf Mil Cav
Bambadinca
1968/1970
Combinando pormenores para a grande viagem
Bilhete de avião Porto-Bissau
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 27 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4868: Parabéns a você (22): Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046 (Os Editores)
Vd. último poste da série de 17 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6006: O 6º aniversário do nosso Blogue (9): O Blogue, o futuro, os nossos encontros, os dias em que não me sinto fora de prazo... (Juvenal Amado)
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