1. Mensagem de José Eduardo Oliveira (JERO) (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/66), com data de 4 de Março de 2010:
Boa noite Carlos Vinhal
Segue mais um texto "Em terras com nome de Santo...passado...presente...e futuro...".
Embora tenha a intenção de divulgar um edifício histórico da zona de Benavente tem principalmente a ver com um camarada nosso em fase de grande solidão.
Os mais velhos de nós enfrentam a doença e a solidão. Mais do que esperar pela ajuda de instituições oficiais devemos ser nós -os camaradas e amigos - a dar uma mão.
É o alerta que tento fazer com este texto sem mencionar nomes por razões óbvias.
Um abraço
JERO
Em terras com nome de Santo… passado, presente e… futuro!
Um velho amigo dos tempos da vida militar – um amigo a que quero como a um irmão – está a viver temporariamente na região de Benavente. O meu amigo dos tempos da guerra (Guiné 1964-66) está numa fase complicada da vida. De costas para a família – ou a família de costas para ele – vive muito só. Tem o seu orgulho e não dá parte de fraco. Pelo sim pelo não dois ou três amigos mais chegados andam com olho nele.
Um dia destes visitei-o. Falámos da vida e da morte… O meu amigo contou-me que tinha oferecido o seu corpo a uma Faculdade de Medicina. Olhei-o, sem palavras, e ele explicou-me.
- Quando morrer… não quero nenhum sacana no meu velório a dizer que eu era um gajo porreiro e tal e tal… Que os pariu… Quando eu morrer vou para cima de uma “cama de pedra” na Universidade… para me estudarem… O médico com quem falei começou a tentar animar-me e a levantar algumas dificuldades mas… eu consegui convencê-lo. Disse-lhe que não ia ao médico há mais de vinte anos e que seria portanto um bom caso para estudo. Mas já agora punha umas condições. Só médicas, de preferência jeitosas, é que me podiam mexer no “cabedal”… Esta condição foi aceite e… está tudo tratado.
Perante esta conversa, que não deixou de me surpreender, partimos para outras. Recordações de bons velhos tempos tiraram algum dramatismo à inesperada “confissão” do meu amigo.
Fomos dar uma volta pela região, e com o “desenrascanso” a que sempre me habituou o meu amigo dos tempos da Guiné, levou-me a conhecer um “condomínio fechado” da região de Santo Estêvão. Se era “fechado” mas estava “aberto” podíamos entrar… E entrámos!
Explicou-me o meu amigo que Santo Estêvão, que fica apenas a 50 quilómetros de Lisboa, tem vindo a registar um grande desenvolvimento, o que tem a ver com o loteamento de diversas herdades existentes na zona. O local é lindíssimo razão suficiente para ter sido escolhido por figuras públicas, nomeadamente ligadas ao mundo do futebol. Cristiano Ronaldo é um dos que tem uma vivenda em construção na região.
Passámos por um Campo de Golf – o Santo Estêvão Golf – que viemos depois a saber que tem um lago enorme (14 hectares) implantado num espaço de lazer de cerca de 450 hectares.
Este empreendimento está inserido numa parte da Herdade de Monte dos Condes, chamada Aroeira.
Quando passávamos por estes lados comecei a avistar ao longe um edifício em ruínas com um “traço” muito especial. Pedi ao meu amigo para parar e fui tirar umas fotografias. Nunca tinha visto nada parecido com “aquilo”!
Andámos mais uma centenas de metros e perguntámos a um agricultor que ruínas eram aquelas.
- Ah, isso é do tempo dos Reis. É muito antigo!
Fomos à Junta de Freguesia. Mostrámos as fotografias da nossa máquina digital e a atenciosa funcionária não sabia o que era. Fomos à Câmara de Benavente e aqui sim disseram-nos alguma coisa. O que tanto nos tinha surpreendido era um “ovil”.
- E o que era um ovil?
Era um estábulo para ovelhas. No caso - o da Herdade da Aroeira de Manuel Luís Anastácio - teria tido cerca de 2000 ovelhas. As ovelhas eram guardadas dia e noite por 4 ou 5 “ganhões”…
Para saber mais sobre o assunto teria que encontrar o livro “Santo Estêvão de Benavente – Passado, presente e futuro…”
Não foi fácil mas… como somos teimosos… demos com o livro e (e uns bons 15 dias depois…) fizemos a sua aquisição à Junta de Freguesia de Santo Estêvão(1) ,com a ajuda dos serviços competentes da Câmara Municipal de Benavente.
Mas voltando ao ovil da Herdade da Aroeira…
Afinal não era dos tempos dos Reis…
…No início dos anos 40 o dono da herdade, Manuel Luís Anastácio, mandou construir de raiz, um ovil, com capacidade para abrigar 1000 a 2000 ovelhas. Respeitou a arquitectura regional tendo em conta a defesa do ambiente. Era um projecto preparado ecologicamente, à frente no seu tempo, para permitir uma ventilação natural permanente do estábulo e ainda a recolha, por gravidade, dos dejectos líquidos do gado. Estes seriam aproveitados posteriormente, para enriquecimento dos terrenos circundantes.(2)
Parece que existe a vontade de fazer obras de recuperação deste extraordinário conjunto, o que entretanto nos foi confirmado pelo Presidente da Junta de Freguesia de Santo Estêvão. Esperemos que sim… antes que o tempo dê cabo do que resta…
A tarde chegava ao fim… O ovil da Aroeira tinha tido o mérito de nos ter feito esquecer, por algum tempo, problemas da vida…
Foi nesse dia de contrastes um “tempo” de quietude…
Mas pode ser que a paz ainda chegue para os lados do meu “amigo da guerra”… Vamos esperar que sim…
Se isso acontecer teremos que voltar ao ovil da Aroeira para beber um “copo”. À reveria da paz, em honra da vida.
Nessa parte… esta nossa “estória” fica pendente… A aguardar melhores dias…
Que, em nome do passado, Santo Estêvão nos ajude… no presente e no futuro!
(1) Já agora vale a pena referir que Santo Estêvão é uma freguesia do concelho de Benavente, com 62,42 km² de área e 1 381 habitantes (2001), com uma densidade de 22,1 habitantes/km².
(2) “(pg.278 do livro “Santo Estêvão de Benavente – Passado, presente e futuro…, da autoria de Maria Conceição Quintas e Vera Dimas.”
JERO
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 3 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5923: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (4): Lugar aos novos, Emanuel Fernando Gonçalves Pereira, cooperante na Guiné-Bissau
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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