sábado, 5 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22970: Os nossos seres, saberes e lazeres (490): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (36): Numa Lisboa de fronteira, soluções ousadas com gente saloia e corrida de touros (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Dezembro de 2021:

Queridos amigos,
Tinha 7 anos quando fui viver no Bairro Social de Alvalade, junto ao Campo Grande, todo o percurso de Entre Campos ao Campo Pequeno, a Avenida 5 de Outubro que acabava num descampado mais tarde ocupado por um colégio e por uma fiada de vivendas, hoje voltadas para a Biblioteca Nacional, as visitas que comecei a fazer à Biblioteca Municipal das Galveias para ler o Cavaleiro Andante, o Mosquito, depois os livros da Biblioteca dos Rapazes, o Júlio Verne e por aí fora, tornaram-me este local familiar. Posso imaginar os problemas postos ao arquiteto para decorar o interior desta estação num território fronteiriço entre a cidade e o campo, assim aconteceu até ao fim da Segunda Guerra Mundial, depois deu-se a explosão da construção para satisfazer novos estratos sociais que emergiram na multiplicidade de serviços que o Estado Novo consentiu. Francisco Simões e a dupla dos arquitetos encontrou soluções engenhosas para representar um quadro de identidade do passado ao presente, todo aquele azul celeste e mármores em policromia acolhem o passageiro e dão-lhe oportunidade, nos minutos de espera, de ir descobrindo a cifra de toda aquela representação humana e animal.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (36):
Numa Lisboa de fronteira, soluções ousadas com gente saloia e corrida de touros


Mário Beja Santos

Aí pelos anos 1990 ampliaram-se várias estações do metro, o Campo Pequeno foi uma delas, coube ao escultor Francisco Simões e aos arquitetos Duarte Nunes Simões e Nunes Simões encontrar soluções plásticas e de remodelação num local marcado por uma praça de touros, com reminiscências de moradias, um entreposto de gados num espaço onde mais tarde se implantou uma Feira Popular, e uma vasta tradição à volta do itinerário saloio que passava por Entre Campos, eram negócios de produtos agrícolas levados da região de Loures para os principais mercados da capital. A solução estética a encontrar, diga-se em abono da verdade, não era óbvia, o Campo Pequeno tem um longo passado de zona de fronteira, durante muito tempo era o limite da zona da Lisboa urbana, depois o Campo Grande, deste ao Campo Pequeno passavam os gados para matança e consumo humano, mas havia outras atividades que Francisco Simões estudou e deu resposta com indiscutível talento.
Lembrou as lavadeiras e aguadeiras (vindas de Caneças), as vendeiras de fruta, de galinhas e ovos, as leiteiras e as floristas. Pelo eixo viário paralelo à Avenida da República, e que ainda na minha infância vi marcado por leitarias, carvoarias, tabernas e outro comércio adequado a servir esta tropa de vendedores, muitos deles vindos da Ribeira ou para lá caminhando a partir do chão saloio, pois bem, Francisco Simões perfilou esta mole humana e procurou resposta para o delicado problema da tauromaquia, num tempo em que já crescia a hostilidade às corridas de touros. Também aqui foi hábil, não há representações do ato de tourear, condiciona toda a representação plástica aos elementos do espetáculo: cavalos, touros, cavaleiros, toureiros; obviamente a imagem da mulher, como alusão erótica que a corrida contém.

Estação de metro Campo Pequeno nos primeiros tempos
Respeitaram-se integralmente os painéis por Maria Keil, os anos passam, são bem conhecidas as limitações que lhe impuseram para revestir a pele destas paredes, a artista encontrou soluções felizes, engalanando com geometria dinâmica e subtis jogos de cor todo este revestimento parietal, que hoje admiramos como clássicos da azulejaria.
Se o objetivo do escultor foi o de conceber uma arte ligada às coisas e às pessoas na confluência do Campo Pequeno, no passado e no presente, tomou opções que permitem considerar o produto final como de extrema engenhosidade: cantaria portuguesa, com o recurso ao polimento ou amaciamento dos mármores. Sabe-se que na questão da sua obra Francisco Simões utilizou diversos mármores: lioz, de Pêro Pinheiro; azulino, de Maceira; encarnadão e amarelo, de Negrais; rosa, de Vila Viçosa; ruivina, de Estremoz; brechas, de Tavira; negro, de Mem Martins; verde, de Viana do Alentejo; cinzento, de Trigaches, Alentejo, e azul da Baía, Brasil. Tudo em escultura figurativa. Impossível ao passageiro não se sentir curioso em procurar descobrir o sentido desta ligação entre o passado e o presente.
Impunha-se igualmente um diálogo permanente entre os arquitetos e o escultor. Os arquitetos não podiam fazer alterações de fundo nas dimensões da estação da autoria do arquiteto Keil do Amaral, havia que intervir naquele espaço alargado com as obras de arte, encontrou-se solução na abobada do cais com um azul-céu que aumentou virtualmente as dimensões e renovou os pavimentos mármore, garantido uma fruição dos painéis envolvendo a corrida dos touros e os seus protagonistas. A parceria arquitetura-escultura foi um sucesso.
(continua)
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Nota do editor

Guiné 61/74 - P22949: Os nossos seres, saberes e lazeres (489): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (28): Faiança polícroma, corda seca, ponta de diamante, o azulejo decorativo visto à lupa (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22969: (Ex)citações (402): adeus, Fajonquito!... Abandonámos o quartel quando vimos o primeiro macaco-cão "sorridente" (dentes ensanguentados à mostra), a ser arrastado para a cozinha... (Cherno Baldé)


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 4740 (1972/73) > O "Pifas", mascote da companhia...

Foto: © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Ninguém, civil ou militar,  português ou guineense, conseguiu até agora,  como o nosso Cherno Baldé,   descrever,  com tanta minúcia, vivacidade, humor, ironia, perspicácia e apreensão em relação ao futuro, o que foi a retração do dispositivo militar português e a ocupação, pacífica,  pelo PAIGC dos nossos aquartelamentos e destacamentosdas NT  e povoações sobre o nosso controlo, na sequência dos acordos  de Argel, de 25 de agosto de 1974, entre o Governo Português e o PAIGC. 

Com os seus 13/14 anos, ele foi uma testemunha, histórica, privilegiada, diremos mesmo única,  do que se passou na sua terra natal, Fajonquito, no dia 1 de setembro de 1974, bem como nas semanas antecedentes e subsequentes.  

Este comentário que ele deixou no Poste P22912,  obriga-nos a reproduzir, em duas ou três postes, já a partir de amanhã, o poste de antologia, P6864 (*), que por ser muito extenso e ter sido publicado há 11 anos e meio atrás, não é conhecido da maior dos nossos leitores.

Voltamos a dizer aqui que a série de que ele é autor,  "Memórias do Chico, menino e moço", já há muito merecia publicação em livro. Oxalá/Inshallah(/Enxalé ainda possa aparecer um patrocinador, individual ou institucional, que aceite custear parte ou a totalidade dos custos de produção editorial de uma obra que é já, em formato digital, no nosso blogue, um grande documento humano. 

A lusofonia só teria  ganhar com isso.  E é mais do que tempo de perdermos  a  mania do "politicamente correto" quando falamos do passado... O fortalecimento da amizade entre os dois povos, e e das relações entre os dois países, só tem a ganhar com a partilha de testemunhos "puros e duros" como o Cherno Baldé, o "Chico de Fanjanquito"... (LG)


2. Comentário de Cherno Baldé  ao poste P22912 (**)


Caros amigos,

De acordo com o plano do Estado-Maior, a entrega do quartel de Fajonquito devia acontecer no dia 02Set74 (*), na realidade esta cerimónia (fúnebre) foi antecipada um dia antes (ver a pesquisa de José Marcelino Martins sobre as companhias que passaram por Fajonquito).

O pequeno grupo (menos de um Pelotão da segunda companhia do BCAÇ 4514/72, comandada pelo Cap Mil Inf Ramiro Filipe Raposo Pedreiro Martins) que restava para a entrega,  estava com os cabelos em pé de tanta pressa para deixar a localidade.

Eu, mais um grupo de crianças (todos rafeiros profissionais) que tinha ido buscar o (seu) café da manhã, fomos dos poucos que tiveram o privilégio de assistir à rápida cerimónia que decorreu na parada, junto ao mastro da bandeira, mas fora dos arames, pois o aqurtelamento, de facto, ja estava sob o controlo dos guerrilheiros, sempre armados, que nos olhavam com aquele olhar felino de homens de mato, como que a dizerem: "Pensam que isto vai continuar, seus malandros?". 

Por algum tempo, talvez 2 ou 3 meses, ainda continuámos a comer bacalhau com arroz e um pouco de batatas dos restos que tinham ficado no depósito de géneros. Abandonámos o quartel quando vimos o primeiro babuino sorridente (dentes ensanguentados à mostra), a ser arrastado para a cozinha.

O PAIGC sabia o que estava a fazer e, para adormecer a desconfiança dos homens grandes fulas, o primeiro bigrupo que entrou na Tabanca era constituido maioritariamente de jovens e simpáticos balantas de Sul com excepçao do homem da segurança (a PIDE do partido) e do Comissário Político que eram naturais da zona e conheciam tudo e todos. Caso fossem mandingas (nossos vizinhos e arqui-rivais), certamente, a recepção não seria a mesma e muitos iriam juntar-se aos que ja estavam do outro lado da fronteira Norte.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé
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Notas do editor:

(*)  Vd. poste de 17 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6864: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (18): A (mu)dança das bandeiras em Fajonquito, em 1974

 
(***) Último poste da série > 4 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22966: (Ex)citações (401): A Suécia... sempre original (José Belo) - Parte II: A cidade de Södertälje, com mais de 70 mil habitantes (,sede de grandes empresas conhecidas como a Scania, a AstraZeneca e a Alfa Laval), vai usar corvos-da-nova-caledónia para recolher as beatas do chão

Guiné 61/74 - P22968: As tuas melhoras, camarada! ... (3): Padre Mário de Oliveira (ex-alf mil capelão, CCS/BCAÇ 1912, Mansoa, 1967/68): "hora a hora Deus melhora", diz o povo, mas sabendo-se que "a doença vem a cavalo e vai a pé"...


Guiné > Região do Oio > Mansoa > c. 1967/68  >   O alf mil capelão Mário de Oliveira, assinalado a amarelo,  entre militares da CCS/BCAÇ 1912  (1967/69) e/ou da CCAÇ 1686 (que esteve sempre em Mansoa e a que pertenceu o Aires Ferreira, alf mil inf, minas e armadilhas, e membro da nossa Tabanca Grande) . O Mário de Oliveira viria a receber ordem de expulsão do CTIG em 8 de Março de 1968. (*)

Foto: © Padre Mário da Lixa (2003). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem pessoal do nosso editor LG:


O Padre Mário da Lixa,
nascido em Lourosa,
Santa Maria da Feira,
 em 1937


Amigos e camaradas:

Tenho boas notícias!... O nosso homem, com múltiplas fraturas (bacia e pernas, devido ao choque da viatura automóvel, desgovernada contra um muro ou parede de uma casa, em Macieira da Lixa, Felgueiras, no passado dia 26 de janeiro), está a reagir bem aos antibióticos que teve de tomar devido aos problemas respiratórios e renais, a seguir à intervenção cirúrgica a que foi submetido... (**)

Ao que nos disse a enfermeira, que está com ele nos cuidados intensivos, de regresso ao serviço depois de dois dias de folga, o Mário está a recuperar bastante bem, contrariando os prognósticos mais reservados...

Esteve em coma induzido, e o bispo do Porto deslocou-se pessoalmente a Penafiel, ao Centro Hospitalar de Vale do Sousa, para se inteirar do seu estado... Alguém da equipa de saúde deu   conhecimento ao doente desse facto, e ele reagiu, entubado, com um encolher de ombros, como quem diz: "Vem atrasado mais de 50 anos!"... 

A Alice, que o conhece bem, e sabe da sua coragem e força de caráter, logo me tinha dito: "O Mário é um resistente, vai safar-se de mais esta"!...

Hoje já não estava em coma induzido, mas está cheio de ferros... Foi uma cirurgia de muitas e muitas horas...Vai ter uma dura recuperação nos tempos mais próximos... Mas os  amigos e camaradas do Mário da Lixa já podem respirar um pouco de alívio...

É, para já, o que tenho para vos contar. E citando a sabedoria popular, "hora a hora Deus melhora", mesmo sabendo-se que "a doença vem a cavalo e vai a pé"...

Força, Mário!...Queremos em breve dar-te uma "alfabravo". (***)


PS - Se acharem bem, mandem-lhe uma mensagem, para ele ler, quando sair do hospital e voltar a casa, ele vai gostar e não se importa que eu aqui divulgue o seu endereço de email: padremario@sapo.pt 

Este endereço é, de resto,  público: ver aqui o jornal digital Fraternizar, de que ele é o fundador e diretor.
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Notas do editor:



sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22967: Notas de leitura (1416): “A crise alimentar e o estado socialista na África Lusófona”, por Rosemary E. Galli, artigo publicado na Revista Internacional de Estudos Africanos, n.º 6 e 7, Janeiro/Dezembro de 1987 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Fevereiro 2019:

Queridos amigos,
É uma tremenda injustiça não se dar o devido relevo aos trabalhos desta investigadora norte-americana. Este artigo é comprovativo de alguém que investiga e que sabe arrumar o pensamento. Rosemary Galli irritou muito as elites do PAIGC entre os anos 1970 e 1990, pôs a nu muita ingenuidade e desconhecimento: estavam a repetir de portas e travessas uma estratégia que já tinha sido elaborada no Estado Novo. Ainda hoje continuam no limbo as denúncias de René Dumont que deitou abaixo a euforia do modelo industrial que se pretendia instituir na Guiné-Bissau, um sorvedouro de divisas que arrasaria o sistema financeiro, como arrasou.

Um abraço do
Mário



A economia guineense: Do desenvolvimento colonial a Nino Vieira (1)

Beja Santos

O artigo “A crise alimentar e o estado socialista na África Lusófona” por Rosemary E. Galli, publicado na Revista Internacional de Estudos Africanos, n.º 6 e 7, janeiro/dezembro de 1987, oferece-nos uma extraordinária síntese do que aproxima a perspetiva colonial para o desenvolvimento agrícola e como este mesmo desenvolvimento foi encarado pelos dirigentes do PAIGC de Luís Cabral a Nino Vieira. Rosemary Galli é um nome importantíssimo na investigação da Guiné-Bissau, é coautora de uma obra incontornável “Guinea-Bissau: Politics, Economics and Society” (1987) e autora de “The Political Economy of Rural Development” (1981), ao tempo era professora universitária em Iowa, no Wartburg College.

Na introdução, a autora justifica-se: “Este ensaio sustenta que as fontes da política governamental na África Lusófona seriam tanto históricas como contemporâneas, e que foram legitimadas por um modelo de acumulação derivado simultaneamente da tradição socialista e da prática do Governo colonial. De facto, em pouco se diferenciavam”.

A lógica do Estado Novo é bem conhecida: uma política de extração de excedentes agrícolas e minerais das colónias destinadas a fornecer matérias-primas para as indústrias portuguesas; esses produtos eram vendidos nos mercados mundiais em troca de divisas que ajudassem a equilibrar a balança comercial portuguesa. Com o objetivo de estimular o comércio com Portugal, Salazar elevou os preços da importação do algodão, do açúcar e dos óleos vegetais ligeiramente acima dos níveis do mercado mundial. Os camponeses foram obrigados a cultivar produtos tais como o algodão em Angola e Moçambique e amendoim na Guiné. Outra das políticas utilizadas foi a de encorajar a produção em grande escala de colheiras. Esperava-se que os camponeses fornecessem a mão-de-obra nestas plantações, e o regime estabeleceu uma legislação laboral que, para muitos, era uma forma moderna de escravatura. Tratava-se de acumulação primitiva na sua forma mais crua.

Vale a pena tomar à letra o essencial da argumentação de Rosemary Galli. O desenvolvimento da agricultura da Guiné teve sempre lugar no contexto de uma economia regional integrada na economia mundial. Floresceu sem qualquer intervenção direta por parte do Estado. A partir do século XIII, os guineenses constituíam parte da economia e da sociedade da Senegâmbia dominada pelo Império Mandinga do Mali. Os principais povos do litoral da Guiné – Balantas, Manjacos, Papéis, Brames – foram empurrados ao longo da costa pelos súbitos de um império que estava em plena expansão – os Mandingas. O Mali controlava o comércio internacional da África Ocidental. O comércio atlântico começou quase os portugueses transformaram as áreas costeiras em animados centros de comércio. Estabeleceram-se em claves com autorização dos governantes locais, forneciam-se produtos manufaturados em troca de ouro, marfim e, sobretudo, escravos. Os comerciantes Mandingas e mais tarde Fulas deslocaram-se para as zonas costeiras para estar perto dos entrepostos europeus.

Com a abolição do tráfico de escravos, os guineenses viraram-se para a produção de mercadorias agrícolas, a principal colheita de exportação era o amendoim. As primeiras plantações situavam-se nas ilhas Bijagós e no continente ao longo do Rio Grande.

Portugal iniciou a sua ocupação da Guiné em finais do século XIX. Em finais da década de 1980, os Balantas iniciaram a primeira de uma série de migrações maciças em direção ao sul da Guiné, para a área de Fulacunda e mais tarde para Catió, tornaram-se preponderantes no Tombali e em Quinara, construíram elaborados arrozais. Embora os portugueses fizessem concessões de terras a comerciantes portugueses, cabo-verdianos e de outras origens, os Balantas eram quem de facto possuía as terras e estabelecia uma relação comercial com os concessionários. Na década de 1920, Catió tornou-se o celeiro da Guiné e por volta de 1930 passou a exportar arroz. A influência do comércio português até ao Estado Novo foi bastante difusa. Os franceses controlavam o comércio do amendoim, os alemães e os belgas tinham desenvolvido o comércio da borracha e de produtos derivados da palmeira até à I Guerra Mundial e o arroz encontrava-se nas mãos de pequenos comerciantes, sendo a produção e a recolha feita por camponeses.

O Estado Novo tentou instituir um monopólio comercial português. Colocou o comércio de importação e exportação nas mãos da Companhia União Fabril, que operava na colónia através da Companhia António Silva Gouveia. Uma vez que as sucursais da Casa Gouveia não conseguiam cobrir todo o país, uma série de outros comerciantes portugueses e sírio-libaneses foram autorizados a funcionar como agentes de recolha, e a administração colonial estabeleceu uma quantidade de centros comerciais tornando obrigatória a entrega de colheitas aos compradores oficiais sediados nesses centros. O comércio obrigatório foi complementado pelo cultivo obrigatório do amendoim. O Estado Novo distribuiu aos produtores variedades de amendoim melhoradas. A partir dos anos 40, os funcionários administrativos locais passaram a ser responsáveis pela demonstração de novas técnicas de produção e novas culturas junto dos produtores rurais. Os Serviços Agrícolas distribuíram variedades de arroz e de amendoim altamente produtivas e procuraram introduzir a tração animal.

Nos anos 50 e 60, uma expansão significativa do número de portugueses residentes em Bissau e outras localidades foi responsável pela alta percentagem de importações de alimentos e vinho. Além disso, o regime colonial recrutou cerca de 5 mil cabo-verdianos e guineenses com instrução para os níveis inferiores da administração e das empresas comerciais. Estes também adotaram padrões portugueses de consumo que, especialmente após a independência, limitaram severamente os recursos nacionais. Os dirigentes do PAIGC que levaram a colónia à independência tiveram origem neste estrato privilegiado mas contaram com o apoio de uma grande parte da população rural. Na altura da independência prometeram apoio governamental ao desenvolvimento rural mas as políticas levadas a cabo tenderam a agravar a frágil situação dos produtores, provocada especialmente pela guerra de libertação nacional.

(continua)

Fotografias e comentários da doutoranda Lúcia Bayan, que amavelmente cedeu este precioso material ao nosso blogue:

A produção e comercialização do vinho de palma ocorrem na época seca. A recolha e produção são feitas pelos homens e a comercialização pelas mulheres.

Para a colheita do vinho de palma, os homens trepam ao cimo das palmeiras, com a ajuda de um cinto, feito essencialmente com o caule de uma folha da palmeira. Chegados ao topo, ferem o tronco da palmeira e recolhem o vinho (a seiva) para garrafas de plástico, através de um funil feito com uma folha, um instrumento que parece uma flor.

O vinho é recolhido uma vez por dia e despejado em bidões de 25 litros, que são guardados em pequenos recintos no mato. Aqui o homem gere o grau de fermentação, de acordo com as necessidades do mercado.

Depois as mulheres levam os bidões até aos mercados e pontos de venda. Nos primeiros, o vinho é trocado por outros produtos, vendido à unidade ou a granel a comerciantes senegaleses, sendo estes os principais compradores. Nos segundos, o vinho é vendido a granel aos senegaleses.

O comércio a granel é muito forte. Na época seca, uma carrinha senegalesa percorre a estrada, entre São Domingos e Varela Iale, uma vez por semana, parando em todos os mercados das tabancas, que ficam junto à estrada, e em pontos de venda, instalados junto à estrada para servir as tabancas mais afastadas, como, por exemplo, Catão. No pico da época, Março e Abril, a carrinha senegalesa faz esta viagem duas vezes por semana. Sendo assim uma importante fonte de rendimento para os Felupe.

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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE JANEIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22952: Notas de leitura (1415): "Guerra da Guiné", da autoria do Coronel Fernando Policarpo; Quidnovi, 2006 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22966: (Ex)citações (401): A Suécia... sempre original (José Belo) - Parte II: A cidade de Södertälje, com mais de 70 mil habitantes (,sede de grandes empresas conhecidas como a Scania, a AstraZeneca e a Alfa Laval), vai usar corvos-da-nova-caledónia para recolher as beatas do chão


 

Corvo-da-nova-caledónia (Corvus moneduloides). Gravura de John Gerrard Keulemans,
1877. Fonte Catálogo dos Pássaros no Museu Britânico,  Volume 3. Imagem do domínio público. Cortesia da Wikimedia Commons.



José Belo

José Belo, jurista, o nosso luso-sueco, cidadão do mundo, membro da Tabanca Grande, reparte a sua vida entre a Lapónia (sueca), Estocolmo e os EUA (Key West, Nova Orleans...); (ii) foi nomeado por nós régulo (vitalício) da Tabanca da Lapónia, agora jubilado; (iii) na outra vida, foi alf mil inf, CCAÇ 2391, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); (iv) é cap inf ref do exército português; (v) durante anos alimentou, no nosso blogue, a série "Da Suécia com Saudade"; (vi) tem 215 referências no nosso blogue; e (vii( faz hoje anos.


1. Mensagem do José Belo:

Data - terça, 1 fev 2022, 12:34

Assunto - A Suécia... sempre original (*)

Caro Luís

Um pouco de ar de New Orleans (ou NOLA como se diz localalmente)...

Seguem dois artigos, do jornal inglês "The Guardian", um sobre corvos "funcionários camarários" para apanhar "beatas", e outro relacionado com as pontes construídas para as renas sobre algumas autoestradas da Laponia.

Um grande abraco com votos de saúde. J. Belo

https://www.theguardian.com/world/2021/jan/20/sweden-to-build-bridges-for-reindeer-to-safely-cross-roads-and-railways

https://www.theguardian.com/environment/2022/feb/01/swedish-crows-pick-up-cigarette-butts-litter
.

2. Comentário do editor Luís Graça:

José, a tua segunda pátria, a terra dos teus filhos, onde vives há quatro décadas,  é de facto um país "sui generis"... (muito mais rico, de resto,  que o nosso, embora equivalente em população, com um PIB per capita de 45, 9 mil euros , contra os 19,4 mil euros de Portugal).

E o segundo exemplo que nos mandas (*)  não deixa também de nos fazer sorrir e sobretudo refletir... Pôr corvos (de uma espécie que é oriunda da Nova Caledónia, e que revelam um grau de inteligência pouco vulgar entre as aves e os demais animais não primatas), a apanhar as beatas dos fumadores sem educação cívica, é uma ideia original... Faz parte de um projeto de uma autarquia sueca que quer manter as ruas limpas e reduzir os custos da limpeza urbana...

O artigo do Guardian, citando fontes suecas, diz que mil milhões de pontas de cigarro (!), equivalemte a 50 mil milhões de maços de cigarros, são deitadas para o chão, todos os anos, na Suécia, representando 62% de todo o lixo das ruas (!). E ainda dizem que a Suécia é um modelo de virtudes... cívicas.

A cidade de Södertälje, com mais de 70 mil habitantes (,sede de grandes empresas conhecidas como a Scania, a AstraZeneca e a Alfa Laval, e que fica acerca de 30km a sudoeste de Estocolmo), gasta 20 milhões de coroas suecas (mais de 1,9 milhões de euros) na limpeza das ruas. A redução de custos da limpeza de beatas,  feitas pelos "novos almeidas",  poderia atingir os 75%.

Aqui vão mais alguns excertos do artigo, fazendo eu (e o resto da Tabanca Grande, em coro!) votos de que estejas  a passar um maravilhoso dia de aniversário!...

PS - Só espero que o corvo-da-nova-caledónia. agora nacionalziado sueco, não se envaideça com o seu novo cargo  e não caia na esparrela do paleio das matreiras raposas deste mundo, como acontece na fábula O Corvo e a Raposa, de La Fontaine...


3. Suécia: município usa corvos para recolhar as beatas do chão

Os corvos-da-nova-caledónia (Corvus moneduloides) estão a ser cobaias de uma experiência-piloto na cidade de Södertälje, perto de Estocolmo, ao serem utilizados para apanhar, com o bico, as beatas lançadas no chão. Por cada beata, recolhida e depositada numa máquina desenhada para o efeito, o corvo recebe um pouco de comida.

Christian Günther-Hanssen, fundador da Corvid Cleaning, empresa que está por detrás do projeto, diz que os corvos da Nova Caledônia, membros da família dos pássaros corvídeos, são tão bons em raciocínio quanto uma criança humana de sete anos, de acordo com a investigação mais recente, pelo que seriam os pássaros mais adequados para este tipo de tarefa.

Günther-Hanssen acrescenta: “Eles são mais fáceis de ensinar e também há uma chance maior de aprenderem uns com os outros. Ao mesmo tempo, há um risco menor de eles comerem qualquer lixo por engano." 

A saúde das aves terá de ser acautelada, antes que a operação se estenda a toda a cidade. Se a experiência tiver sucesso, abrem-se perspetivas interessantes para a aplicação do método em outros ambientes...

[ Tradução, resumo, adaptação livre, fixaçáo de texto, para efeitos de publicação neste poste: LG]

Fonte: Daniel Boffey - Swedish firm deploys crows to pick up cigarette butts. The Guardian, Tue 1 Feb 2022 09.35 GMT... Com a devida vénia...
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P22965: (Ex)citações (400): A Suécia... sempre original (José Belo) - Parte I: as "renoducts", pontes para as renas sobre as linhas férreas e estradas da Laponia...


No país dos Samis (, lapões, é um termo racista...)... As renas do Zé Belo, que também estão ser a vítimas das alterações climáticas... Foto do álbum do autor (2021)



José Belo

José Belo, jurista, o nosso luso-sueco, cidadão do mundo, membro da Tabanca Grande, reparte a sua vida entre a Lapónia (sueca), Estocolmo e os EUA (Key West,  Nova Orleans...); (ii) foi nomeado por nós régulo (vitalício) da Tabanca da Lapónia, agora jubilado; (iii) na outra vida, foi alf mil inf, CCAÇ 2391, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); (iv) é cap inf ref do exército português; (v) durante anos alimentou, no nosso blogue, a série "Da Suécia com Saudade"; (vi) tem 215 referências no nosso blogue; e (vii( faz hoje anos.


1. Mensagem do José Belo:


Data - terça, 1 fev 2022, 12:34

Assunto - A Suécia... sempre original (*)


Caro Luís


Um pouco de ar de New Orleans (ou NOLA como se diz localalmente)...

Seguem dois artigos, do jornal inglês "The Guardian", um sobre corvos "funcionários camarários" para apanhar "beatas", e outro relacionado com as pontes construídas para as renas sobre algumas autoestradas da Laponia.

Um grande abraco com votos de saúde. J. Belo

https://www.theguardian.com/world/2021/jan/20/sweden-to-build-bridges-for-reindeer-to-safely-cross-roads-and-railways

https://www.theguardian.com/environment/2022/feb/01/swedish-crows-pick-up-cigarette-butts-litter


2. Comentário do editor Luís Graça

Tens razão, a tua segunda pátria (?) , a terra dos teus filhos,  onde já vives há mais anos do que aqueles que viveste em Portugal e no seu ex-império, é um país... "original".  Pelo menos onde se pode dizer que economia, concertação social, democracia, equidade social (igualdade de oportunidades) e ecologia até podem "rimar"...

Essa de construir pontes para renas sobre estradas e linhas férreas na Lapónia, nunca lembraria ao diabo em Portugal... Primeiro porque não há renas, muito menos rebanhos de renas,  em Portugal  (, a não ser no "jardim zoológico"...) e o diabo é capaz de ser mais amigo dos contribuintes portugueses do que das renas samis... Não há renas, mas há outra bicharada, dos linces aos veados, que também são trucidados nas autoestradas e caminhos de ferro... 

Vamos ao "teu" primeiro artigo, deixando o outro para melhor ocasião, ou para a II parte deste poste...

O primeiro é  da autoria de  Jon Henley, e foi publicado no jornal inglês The Guardian, quarta-feira, 20 de janeiro de 2021 13h16 GMT... Tem mais de um ano, avisam-nos. Faço uma adaptação, com tradução mais ou menos livre, e nalguns casos reproduzindo alguns excertos.

Espero que este poste seja, em 4 de fevereiro de 2022,  no dia dos teus anos, uma boa "prenda de aniversário" para ti (**)... e para as tuas renas!... Se tivesses ovelhas no Alentejo estavas bem pior... com a seca com que começámos o primeiro mês do  ano da graça de 2022...  Ainda me lembro do tempo, em que os putos da escola praguejavam, para poder fazer fazer gazeta: "Quem dera que chova três dias sem parar!"...  Eram cheias certas no Rio Grande da minha vilória, construída em antigo leito de mar... (LG)


3. A Suécia, para fazer face às alterações climáticas,  está a construir pontes para renas sobre estradas e linhas férreas

A Suécia vai construir uma dúzia de pontes para que as renas possam atravessar,  em segurança,  as linhas férruas e as principais estradas do Norte do país,  como resposta ao problema do  aquecimento global  que obriga os animais  a percorrer maiores distâncias em busca de comida.  

A medida tem o apoio de investigadores na área da ecologia e das ciências agrárias...para quem “num clima em mudança com condições difíceis de neve, será extremamente importante encontrar e ter acesso a  pastagens alternativas”...Os  pastores de renas também foram consultados sobre a localização e as especificações técnicas  das pontes bem como sobre este projeto, deveras original.

A primeira destas pontes terá começado já  a ser construída  (ou estará construída) em 2021,  na cidade oriental de Umea, segundo a emissora pública Sveriges Radio. “Renoducts” é o nome destas pontes,  uma junção da palavra reno (renas) e  de viaduct (viaduto). 

O  aquecimento global está já ter  um impacto devastador nas 250 mil  renas da Suécia e nos 4.500 proprietários indígenas Sami (lapões),  com licença para as pastorear. (Em média, 55,5 renas por rebanho..).  Algumas pastagens de inverno ainda estão a  recuperar de secas e incêndios florestais que atingiram, sem precedentes,  o Norte da Suécia.

Os líquens  constituem uma parte fundamental da dieta das renas. Ora está-se a tornar difícil para elas encontrar os líquens, no inverno, agora mais quente e húmido. Em vez de neve, cai chuva. Quando as temperaturas descem abaixo de zero,  formam-se  entretanto camadas impenetráveis ​​de gelo  no solo  em vez da normal  crosta de neve macia. Nestas circunstâncias, as renas são incapazes de sentir o cheiro do líquen  ou de escavar para chegar até ele...

Estes animais, para além do sua função ecológico e cultural, têm grande importância económica para as populações locais, sendo criadas pelo valor  da sua  carne, da sua pele e das suas hastes...

As renas são agora obrigadas a deslocar-se  para  mais longe em busca de comida. Pelo caminho, têm de atravesar  linhas férreas ou estradas principais, muitas vezes vedadas,   e onde correm o risco de serem atropeladas e mortas.

As doze "renoducts" cuja construção está planeada   n Norte, nos condados de Norrbotten e Västerbotten,  pretendem mitigar ou aliviar a situação...  E, pelo menos,  as autoridades já não terão, 
de futuro,  de fechar a principal autoestrada norte-sul, a  E4,  quando um rebanho estiver em  trânsito.

[ Tradução, adaptação livre, fixaçáo  de texto, para efeitos de publicação neste poste: LG]

Fonte: Jon Henley - Sweden to build reindeer bridges over roads and railways. The Guardian, 20Wed 20 Jan 2021 13.16 GMT... Com a devida vénia...

 
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 19 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22920: (Ex)citações (399): Ética na guerra ? O caso do "matador" do comandante de bigrupo Mário Mendes (1943-1972): "Não se mata um homem de costas", disse ao António Duarte, o apontador da HK 21, do 4º Gr Comb da CCAÇ 12... (Seria o Cherno Baldé ?)

Guiné 61/74 - P22964: Parabéns a você (2032): José Belo, Cap Inf Ref, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2381, "Os Maiorais", (Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70) e Dr. Mário Bravo, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 6 (Bedanda e Bisau, 1971/72)


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Nota do editor: 

Último poste da série 2 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22957: Parabéns a você (2031): Germano Santos, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 3305 (Mansoa, 1970/73)

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22963: Efemérides (362): Faz hoje 49 anos que a CCAÇ 12 e a CART 3494 sofreram uma emboscada em Ponta Varela, Xime, sofrendo um ferido ligeiro e o IN 2 mortos e 1 ferido... E para mim foi o batismo de fogo (António Duarte)



Excerto da história do BART 3873 (Bambadinca, 1971/74) (*)


[António Duarte, foto à esquerda: [ex-fur mil da CART 3493, a companhia do BART 3873, que esteve em Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972-1974; foi transferido para a CCAC 12 (em novembro de 1972, e onde esteve em rendição individual até março de 1974; economista, bancário reformado, formador, com larga experiência em Angola; tem mais de meia centena de referências no nosso blogue]

1. Mensagem do António Duarte

Data - 3 fev 2022, 18:59 
Assunto - Emboscadas de 3/2/1973 e 25/2/1973

Boa tarde Camaradas e Amigos.

Faz hoje 49 anos que a CCAÇ  12 e a CART  3494 tiveram uma emboscada perto de Ponta Varela. (**)

Segundo o livro do Batalhão de Artilharia 3873, o IN  teve 2 mortos e 1 ferido. As nossas tropas 1 ferido ligeiro.
 
Para a terceira geração da CCAÇ 12 foi o primeiro contacto com o IN e jâ com o ca
pitão Simão, o cap mil inf  José António de Campos Simão.

Participámos neste "evento" três membros da nossa Tabanca:  eu, o António Sucena Rodrigues, infelizmente já falecido,  e o Jorge Araújo,  da "subtabanca" de Abu Dhabi (Emiratos Árabes Unidos).
.
O João Candeias da Silva e o Emílio Costa (os dois da CCAÇ 12) com os quais mantenho contacto, pessoalmente com o Candeias e por mensagem com o Emílio, também foram recordados deste acontecimento.

De salientar que o Jorge Araújo da CART 3494, já tinha tido outros contactos, um deles com 1 morto do nosso lado (fur Bento em 22 de abril de 1972).

Daquilo que me recordo no regresso ao Xime, o Araújo relatou que teve mesmo num frente a frente com um homem do PAIGC (à época a  CCAÇ12, ainda estava em Bambadinca).

Fica a curiosidade que um dos nossos, na troca de carregador vazio por um segundo, cheio, perdeu o primeiro e acaba por chegar ao quartel com menos um carregador de G3. Consequência, teve de o pagar. Rídiculo. Penso que foram 5 escudos, mas o nosso primeiro não perdoou.
 
Assim era, um guerra poupadinha e com contas certas.

Na foto junto vai evidenciada uma nova emboscada a 25 do mesmo mês, que fica para depois, mas onde não estive, por ter vindo de férias.

E pronto, por hoje é tudo.

Estranho, passado tantos anos ainda recordamos estes temas. A experiência foi mesmo traumatizante.

Abraço,
António Duarte
Cart 3493 (Mansambo)  e Ccaç 12 (Bambadinca e Xime( (1971/74)
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Notas do editor:



Guiné 61/74 - P22962: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XXVI: Antigua Guatemala, Guatemala, 2016







Guatemala, Antigua Guatemala, 2016


Fotos (e legenda): © António Graça de Abreu (2021) Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da série "Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo", da autoria de António Graca de Abreu [, ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74. (*)



António Graça de Abreu

Escritor e docente universitário, sinólogo (especialista em língua, literatura e história da China); natural do Porto, vive em Cascais; autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); é membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem já três centenas de referências no blogue.



Antigua Guatemala, Guatemala, 2016


por António Graça de Abreu

Texto e fotos recebidos em 23/10/2021


Nesta América Central, 2016, venho por aí acima, 130 quilómetros desde o Oceano Pacífico, subindo montes, por estradas rasgadas nas encostas de montanhas vulcânicas que se elevam até aos 4.000 metros. Só no caminho, aqui à volta, passamos por quatro vulcões, o Pacaya, o Água, o Fuego e o Acatenango.

A Guatemala tem a particularidade de contar com trinta e um vulcões, quatro deles activos. É, por isso, um país ciclicamente sujeito às calamidades naturais, tremores de terra, erupções vulcânicas com a lava escorrendo por penhascos e desfiladeiros, devorando, ao avançar, terras férteis, vilas e aldeias. 

Para além de todos os desvairos da natureza, os guatemaltecos estão igualmente sujeitos às infindáveis loucuras dos homens. Entre 1960 e 1996 a Guatemala, maior do que Portugal com 190 mil quilómetros quadrados de superfície, viveu tempos de quase permanente guerra civil, em lutas fratricidas por efémeros poderes que se calcula terem provocado 200 mil mortos.

A cidade de Antigua, conhecida localmente como La Antigua, foi fundada por colonizadores espanhóis em 1543, como escrevi encravada entre vulcões. Foi a primeira capital do país, quase totalmente destruída por um terramoto, seguido de grandes inundações, em 1773. Nessa altura construíu-se uma nova capital, a actual cidade de Guatemala, na planura de um vale, mais segura e de mais fáceis acessos, a 50 quilómetros de distância.

Parto à descoberta da Antígua Guatemala, património Mundial pela Unesco. Uma urbe colonial traçada em quadrícula, ruas pavimentadas com um velhíssimo empedrado, casas térreas com pátios interiores quadrados, à moda andaluza, jardins com buganvílias, água a correr, espaços frescos para viver e habitar. Duas dezenas de igrejas e capelas, treze conventos, tudo edificado há três ou quatro séculos, algumas construções já muito arruinadas. É o testemunho dos tempos de Espanha e da fé cristã assumida pelo povo desta terra onde a morte precoce e inesperada espreitava a cada esquina. Implorava-se a protecção de Cristo ou da Virgem Maria, pedia-se um pouco de felicidade em vidas breves, ansiava-se por um descanso eterno. Ingratos, sinuosos, inesperados os caminhos do Céu.

Na Antigua Guatemala metade da população é constituída por pessoas da etnia maia e os traços identitários de cada um saltam à vista. Não contaminados por sangue espanhol, ou europeu, os maias têm a pele mais escura, o cabelo muito negro e liso, os narizes aquilinos, os olhos grandes, encovados que me pareceram sempre tristes. Vestem, no entanto, roupas coloridas em trabalhados entrançados de lã. São a gente mais pobre e desfavorecida da Guatemala, um país onde me dizem que uma dúzia de famílias muito ricas controlam quase toda a produção de açúcar, café, bananas e borracha, as principais exportações do país. Será mesmo assim?

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 24 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22935: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XXV: Berlim, Alemanha, 1969

Guiné 61/74 - P22961: As tuas melhoras, camarada!... (2): Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, "Zorba", Gadamael e Ganturé, 1967/68), está há várias semanas internado no Hospital das Forças Armadas



Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68), lapidador de diamantes reformado, e colaborador sénior do nosso blogue (com 130 referências no nosso blogue)


1. SMS que me mandou o Mário Gaspar, em 27/1/2022,às 9h39:

Camarada Luís Graça:

Estiu hospitalizado no Hospital das Forças Armadas há dez dias. Problemas complicados.

Abraços para todos,

Mário Vitorino Gaspar


2. Telefonei-lhe ontem, ainda lá estava, com dificuldades em falar, mas sentindo-se melhor. Mandou "um abraço para a Tabanca". Já lhe tinha respondido, também por SMS, às 15h57, do dia 27:

Tempos tramados, Mário. Só vejo notícias dessas, tristes.  A malta está-se a ir abaixo das canetas... Mas tu és como a Fénix Renascida... Vais sair pelo teu pé... Ou não fosses um "Zorba"|...

Agora tens que te deixar tratar. Vai dando notícias. Estás num bom hospital. Força para ti. Estou na fisioterapia. 

Abraço fraterno, Luís

Ele vai gostar de receber um SMS ou até uma chamada de viva voz, dos amigos e camaradas da Guiné. Aqui fica o seu nº de telemóvel: 936 214 284 . (*)



3. E, a propósito da sua companhia, a CART 1659... Eles não eram "Os Zorbas", mas tão apenas "Zorba"... Divisa: "Os Homens não morrem"..."Zorba" (**)

Vd. aqui a ficha de unidade:

Companhia de Artilharia nº 1659 

Identificação: CArt 1659

Unidade Mob: RAC - Oeiras

Crndt: Cap Mil Art Manuel Francisco Fernandes de Mansilha

Divisa: "Os Homens não Morrem" - "Zorba"

Partida: Embarque em 11 Jan67; desembarque em 17Jan67 ! Regresso: Embarque em 300ut68


Síntese da Actividade Operacional

Em 19Jan67, rendendo a CCaç 798, assumiu a responsabilidade do subsector de Gadamael, com um pelotão destacado em Ganturé, e ficando integrada no dispositivo e manobra do BCaç 1861 e depois do BArt 1896 e ainda do BCaç 2834.

Em Ju168, face à intensificação da actividade de patrulhamento de itinerários e emboscadas na linha de infiltração inimiga na região de Guileje, o destacamento de Ganturé foi reforçado, temporariamente, por outro pelotão da companhia.

Em 200ut68, foi rendida no subsector de Gadamael pela CArt 2410 e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso.

Observações - Tem História da Unidade (Caixa n." 81 - 2.a Div/d." Sec, do AHM).  Tem cerca de 

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas das Unidades: Tomo II - Guiné - 1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002, pág.448. (Com a devida vénia...).

Guiné 61/74 - P22960: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (31): "Iscas com elas..."


Lourinhã > Atalaia >  Restaurante Adega do Careca > 23 de janeiro de 2022 >  As icas com elas, da dona Fátima.

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Há dias deu-nos para a saudade, lá na Tabanca do Atira-te ao Mar, a ver o pôr do sol e a beber um Confraria Branco Leve Moscatel,  da Adega do Cadaval ((passe a publicidade)... 

"Há quanto anos é que vocês não comem iscas com elas ?", perguntou a Maria do Céu Pintéus aos habituais tabanqueiros. "O meu pai, no Cadaval, adorava o petisco!... E eu aprendi com ele a gostar das iscas com elas ou sem elas"... Ou sejas, as iscas de fígado (de bovino ou de porco), cortadas fininhas, marinhas e depois fritas, podiam ser servidas com "elas" (batatas no prato) ou  "sem elas" (no pão, como "sandocha").

Olhando para trás, descobrimos que não comíamos essas "miudezas" deste a crise das vacas loucas nos primeiros anos de 1990, no século passado. Muita tinta correu então sobre a doença de Creutzfeldt-Jakob, e milhares de vacas foram abatidas  em Portugal. Houve até um ministro da agricultura que comeu mioleiro para transmitir confiança aos consumidores e salvar a pecuária nacional...

A doença tinha um raio de nome de que já ninguém se lembra: encefalopatia espongiforme bovina   ou BSE (do acrônimo inglês,  bovine spongiform encephalopathy)

A verdade é que, na nossa casa, eu e a Alice deixámos de comer estes "petiscos", a começar pelas "iscas com elas" que, de resto, são apreciadas também no Norte e na nossa Tabanca de Candoz.  As criancinhas também deixaram de comer "mioleira", que era receita pelos pediatras... Mas continuamos a  apreciar as "tripas" (à moda do Porto) ou a "dobrada" (à moda "chef" Alice)...  Há, porém outras "miudezas", de que tenho saudades como, por exemplo, os "tomates" (túbaro) de carneiro com ovos mexidos; ou a "língua de vitela", estufada, com puré, que a minha mãe fazia, a par das "iscas com elas"...

A Maria do Céu pegou nas suas tamanquinhas e deu um pulo à vizinha, a dona Fátima, a "chef" do Restaurante Adega do Careca, fundado em 1977 por ela e seu marido, já falecido, que foi sargento da Força Aérea em Angola (, creio que passou pelo BCAÇ 21, em 1970/72, ao tempo do nosso amigo e camarada, também lourinhanense, o ex-alf mil paraquedista Jaime Bonifácio Marques da Silva. 

Somos clientes do restaurante (passe a publicidade), mas nunca tínhamos lá ido comer as "iscas com elas", que de resto não fazem parte do cardápio, mais especilaizado em peixe e marisco. Mas a dona Fátima preparou-as só para nós, os quatro, eu, a Alice e os "duques do Cadaval", régulos da Tabanca do Atira.te ao Mar (que não precisa de publicidade)... O Jaime, andarilho, em romagem pelo Norte,  não estava, não sabe o que perdeu...E foi um sucesso. Só vos digo: foi de comer e chorar por mais. na esplanada do Careca, com vista de mar...

Apenas um reparo: podiam ter uma corzinha de salsa, fica sempre bonito no prato. E tanto quanto me lembro, a minha mãe adicionava, à marinada, um pouco de baço raspado, para engrossar o molho. Vou pergntar ao "chef" Tony (Levezinho) qual é a sua receita secreta... Aposto que ele também adora iscas (ou, como dizia, o alfacinha do tempo do seu avô, os "bifes de cabeça chata")...

Na Guiné, não tenho ideia de as comer... Nem sei se as magricelas das vacas guineenses tinham fígado... As iscas de fígado deviam ser um petisco só para o vagomestre e o pessoal "menor" da cozinha, no tempo em que o cozinheiro da tropa ainda não era "chef"... Se fosse agora, outro galo cantaria, com os cozinheiros a atingirem o estrelato... No nosso tempo,  mandavam-se os soldados básicos para a cozinha...  Hoje cozinheiro da tropa tem que ser "general" de uma ou mais estrelas...


2. Este prato, muito popular, mas tascas de Lisboa, desde o séc. XIX, era comidinha das classes populares que não podiam chegar ao bife de vaca ou de novilho... E até já deu, em 2012,  origem a uma dissertação de mestrado em antropologia. Para um antropólogi não temas menores ou maiores...

O autor é  o Pedro Manuel Pereira da Silva. E o trabalho está aqui disponíbel, em formato pdf, no repositório deo ISCTE - IUL.

Silva, P. M. P. (2012). As iscas com elas ou Iscas à portuguesa: património, gastronomia e turismo em Lisboa [Dissertação de mestrado, Iscte - Instituto Universitário de Lisboa]. Repositório do Iscte. http://hdl.handle.net/10071/4983 .

Aqui o resumo do trabalho:

(...) "Nesta dissertação, apresentamos um estudo de caso sobre o prato tradicional Iscas de Fígado com/sem Elas. A partir de uma abordagem antropológica, analisamos o modo como este prato se tornou num símbolo e o seu papel como oferta gastronómica da cidade de Lisboa, num âmbito temporal que vem desde o século XIX até à actualidade, bem como a sua relação com o turismo. O ponto de vista dos anfitriões, em particular no que respeita aos restaurantes do centro da cidade, foi um dos aspectos analisados neste trabalho. 

Os resultados da pesquisa documental, dos levantamentos e das entrevistas efectuadas permitiu-nos identificar as características deste prato no âmbito da gastronomia portuguesa. Consequentemente, possibilitou-nos estabelecer uma perspectiva histórica e social da sua forma de consumo no espaço da cidade, reconhecer o seu papel no âmbito dos processos de patrimonialização que subsequentemente enformam as estratégicas de divulgação turística; e, finalmente, examinar a presença deste prato na oferta gastronómica da cidade de Lisboa. 

A legitimação antropológica da patrimonialização deste prato, em virtude da sua relevância gastronómica no contexto dos hábitos e vivências alimentares específicos da cidade de Lisboa, convive com a inexistência de divulgação institucional deste património no âmbito do turismo, o que tem fomentado o desconhecimento desta realidade gastronómica por parte de muitos anfitriões e profissionais de restauração. Simultaneamente, e de forma paradoxal, verifica-se a presença das Iscas de Fígado com/sem Elas numa vasta percentagem de restaurantes e casas de comida no centro histórico de Lisboa. (...)

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Nota do editor:

Último poste da série > 29 de agosto de 2021 >
Guiné 61/74 - P22495: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (30): Bacalhau com couves no forno, à moda da minha avó Maria, que era do Minho (Valdemar Queiroz)