sábado, 29 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22949: Os nossos seres, saberes e lazeres (489): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (35): Faiança polícroma, corda seca, ponta de diamante, o azulejo decorativo visto à lupa (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Dezembro de 2021:

Queridos amigos,
Havia que repartir por uma curta série de textos a visita a um dos mais esplendorosos museus nacionais, implantando no Convento da Madre de Deus com a sua deslumbrante igreja. Logo o restaurante-cafetaria é do maior interesse, bem como o espaço da estufa, e depois continua a viagem pela evolução do azulejo em Portugal, a contemplação do retábulo Nossa Senhora da Vida, passamos pela importante pintura Panorama de Jerusalém, nesse mesmo rés-do-chão temos a igreja, uma das mais importantes do barroco português, vamos desfrutando de silhares de azulejos, de painéis em que não falta o exotismo, como O Casamento da Galinha, o extraordinário presépio, as figuras de convite, e assim avançamos até ao século XX, e a coroar a visita o extraordinário conjunto da Grande Vista de Lisboa. É para visitar com tempo e pensar em regressar depressa.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (35):
De um belo presépio à grande vista de Lisboa antes do terramoto, Museu Nacional do Azulejo


Mário Beja Santos

Seria imperdoável pormos termo a esta visita ao Museu Nacional do Azulejo sem fazer uma referência à monumental Natividade que se encontra na capela de Santo António. Trata-se de um dos conjuntos mais importantes de uma tradição portuguesa. Estava agora na chamada Sala do Presépio, hoje reduzida a um terço da sua dimensão original, é uma criação de valor excecional dos barristas portugueses, o visitante confronta-se com anjos músicos, foliões, a Sagrada Família, as imagens dos Reis Magos e muitíssimo mais. É de visita obrigatória.
A sua grande importância a exposição do azulejo do século XX, desde a Arte Nova até à atualidade. Ganha destaque um painel relevado de Jorge Barradas, pintor e ilustrador do modernismo português, um grande renovador da cerâmica, figura da primeira geração de modernistas. Como escreve Maria Antónia Pinto de Matos, “O decorativismo adequou-se ao gosto do artista, que já o manifestara na sua atividade gráfica, conduzindo-o a uma produção escultórica que associa a graciosidade requintada, por vezes quase barroca a um tratamento que se aproxima à tradição barrista dos oleiros portugueses. O seu interesse pelas formas escultóricas está patente nesse painel, criado para a fachada do Museu de Arte Contemporânea, hoje Museu do Teatro, uma alegria às artes da pintura e da escultura, representadas por duas figuras andróginas”. Antes, porém, temos o decorativismo de Raul Lino, carateres geometrizantes do fim da Arte Nova.
Seguem-se duas imagens da evolução azulejar que vai de Maria Keil a Júlio Resende e Eduardo Nery. Maria Keil é uma figura destacada pelo seu trabalho na primeira fase do Metropolitano de Lisboa, exigiram-lhe uma grande sobriedade nos seus padrões, era um tempo em que o decorativismo parietal ocupava um papel secundário, parecia que o passageiro do metro não tinha direito à fruição estética na atmosfera da estação, tudo se resolvia com umas cores garridas e música ambiente, conceito que está hoje totalmente ultrapassado.
Outro ângulo do claustro concebido por Diogo Torralva, atenda-se à harmonia das proporções, independentemente de todos os trabalhos posteriores, designadamente a adaptação dos andares superiores a espaço museológico.
Despedimo-nos com alguns pormenores do silhar de azulejos Grande Vista de Lisboa. Demos a palavra à autora do guia do museu: “Este extraordinário conjunto, um dos mais importantes da história da azulejaria portuguesa e uma das joias do Museu Nacional do Azulejo, é, simultaneamente, um documento único para a História de Lisboa, mostra-nos a cidade vista a partir do azulejo antes do terramoto de 1755. A sua execução tem vindo a ser associada a um dos primeiros mestres da azulejaria barroca nacional, Gabriel del Barco, ainda que seja, provavelmente, obra de uma oficina. Com cerca de 23 metros de comprimento, nele estão representados 14 quilómetros de costa, de Algés a Xabregas, retratando palácios, igrejas, conventos e casas de habitação, para além de toda uma vivência que se observa desde as áreas mais densamente povoadas aos campos e arrabaldes de Alcântara ou Belém. Outrora numa sala do Palácio dos Condes de Tentúgal, na Rua de Santiago, em Lisboa, ele terá sido aplicado como silhar, ou seja, colocado nas paredes, junto ao rodapé, com a visão do Palácio Real seguramente em destaque, na parede do topo do espaço. Deste modo, o acentuar da linha de costa ganharia uma ênfase própria, que a colocação do conjunto relevando o espaço, numa visão a 360º, dotaria de uma visão similar ao que viriam a ser, futuramente, os diaporamas”. Parece sentir-se o movimento da cidade, podemos agora comparar o que foi engolido pelo terramoto, num dos extremos do painel temos o Convento Madre de Deus e numa perspetiva avantajada avulta o Palácio Real e o Terreiro do Paço, numa dimensão desproporcionada, aquele local era o eixo a partir do qual a vida de Lisboa se articulava.
Está-se a crer que é uma imagem do essencial para que o leitor tome a decisão de visitar ou voltar de novo a este extraordinário museu.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE JANEIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22930: Os nossos seres, saberes e lazeres (488): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (27): Faiança polícroma, corda seca, ponta de diamante, o azulejo decorativo visto à lupa (Mário Beja Santos)

4 comentários:

Fernando Ribeiro disse...

Espero que, quando a Pastelaria Mexicana fechar definitivamente as portas, transfiram para o Museu do Azulejo o espetacular painel cerâmico de Querubim Lapa que está lá dentro.

Valdemar Silva disse...

O mesmo é desejável para os azulejos da Casa da Sorte, na Rua Garrett (Chiado), também dos mestre Querubim Lapa.

Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

... E já agora:


"Terraço", painel cerâmico, 1994, Avenida da Índia, Lisboa (e muitos mais)

https://pt.wikipedia.org/wiki/Querubim_Lapa


...sem esquecer o painel cerâmico "A Ciência ao Serviço da Saúde", no átrio principal do Instituto Nacional de Saúde dr. Ricardo Jorge, em Lisboa (Av Padre Cruz).

(...) "Querubim Lapa executou ao longo sua vida inúmeras obras cerâmicas, encontrando-se muitos destes trabalhos em espaços públicos ou locais de acesso ao público como, por exemplo, o Instituto Ricardo Jorge, em Lisboa. "A Ciência ao serviço da Saúde" é um painel cerâmico policromado encomendado por António Pardal Monteiro (1928-2012), autor do projeto arquitetónico do Instituto, a Querubim Lapa e colocado no átrio principal do edifício-sede em Lisboa.

"Este painel, assinado e datado no canto inferior esquerdo, remete toda a composição para a missão do próprio Instituto Ricardo Jorge: a Ciência ao Serviço da Saúde. Destaca-se uma figura humana estilizada enquadrada num esquema compositivo espiralado, a azul, o qual tem o seu centro num sistema de vasos comunicantes, remetendo simbolicamente para a investigação científica sobre o corpo humano. A ladear esta figura-se encontram-se representações gráficas de anéis aromáticos, fórmulas químicas, células e estruturas moleculares.

"Do lado esquerdo, é representada uma outra figura humana junto a um microscópio e toda a composição apresenta elementos que remetem para a atividade científica e laboratorial desenvolvida no Instituto. O painel é constituído por placas relevadas, onde o autor utilizou técnicas tradicionais com elementos enxaquetados, com arestas vivas e salientes, conferindo volumetria ao painel." (...)


http://www2.insa.pt/sites/INSA/Portugues/ComInf/Noticias/Paginas/PainelQuerubimLapa.aspx

Valdemar Silva disse...

Em tempos, a RTP apresentou uma visita aos espectaculares azulejos da cozinha da casa de Querumbim Lapa.

Valdemar Queiroz