1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Fevereiro 2019:
Queridos amigos,
Para contextualizar, factualizar, documentar e interpretar a guerra da Guiné, com bases no rigor científico da hermenêutica e heurística, é indispensável obtermos os múltiplos depoimentos das hostes cabo-verdianas que combateram na Guiné. Há recolhas já efetuadas, recordo que Leopoldo Amado juntou um acervo de testemunhos a propósito do livro sobre Aristides Pereira, em que colaborou. José Vicente Lopes, jornalista e escritor cabo-verdiano, procedeu ao estudo do movimento subversivo no interior do arquipélago, das tensões e frustrações aí existentes, cria-se uma luta armada que não vinha. E os depoimentos são vários, mas são peças soltas, infelizmente. Por isso mesmo, é de toda a utilidade visitarmos sites como este, são outras abordagens, outras clarificações, contributos para um poliedro, esse sim, poderá ter a capacidade de ajudar a compreender o todo que anda por aí fragmentado.
Um abraço do
Mário
Depoimentos de combatentes cabo-verdianos na Guiné:
André Corsino Tolentino e outros
Beja Santos
André Corsino Tolentino viu os seus livros apreendidos no Lar dos Estudantes Ultramarinos, em 1967. Foi expulso e anos depois passou a dedicar-se inteiramente à luta como dirigente do PAIGC. Regressou a Cabo Verde em 1974, exerceu funções ministeriais e atualmente é administrador não-executivo da Fundação Amílcar Cabral.
Neste site podemos ler a sua entrevista mas também a de outros cabo-verdianos que combateram na Guiné como Pedro Pires, antigo Presidente de Cabo Verde e que liderou a delegação que negociou com Portugal o reconhecimento da independência da Guiné e depois de Cabo Verde; Carlos Reis, que ensinou na escola-piloto do PAIGC e que estava em Conacri aquando da invasão portuguesa em 1970, e da morte de Amílcar Cabral; Lilica Boal, escolhida por Amílcar Cabral para dirigir, em Conacri, a escola que preparava os filhos dos combatentes para a independência; e Pedro Martins, o prisioneiro mais jovem do Tarrafal.
André Corsino Tolentino conta como depois da sua expulsão seguiu para França, passou pela Suíça até chegar à Bélgica. Guarda boas recordações da Universidade de Lovaina e da comunidade cabo-verdiana como também do grupo de professores que apoiava os estudantes das colónias. E observa:
“Esta comunidade de estudantes já tinha uma relação com a comunidade vizinha, principalmente com a França e a Holanda. Havia até um certo intercâmbio cultural entre esses estudantes e os emigrantes daquela região. O primeiro objetivo era conseguir mobilizar alguns jovens emigrantes cabo-verdianos. Os obstáculos e preconceitos nesta mobilização eram enormes: Nós éramos terroristas para o regime salazarista, mas éramos também uma espécie de mensageiros do comunismo. E do comunismo no seu pior, daquele comunismo que chega e redistribui tudo o que se tem, desde o mais íntimo. Havia que desfazer essa ideia, o que era relativamente fácil, quando as pessoas conheciam a realidade, os interlocutores. Por exemplo, quando eu falava com as pessoas da ilha de Santo Antão era relativamente fácil desmontar esta propaganda. Para os meus colegas da ilha de Santiago, de São Vicente ou da ilha da Boavista era igualmente fácil, mas o encontro tinha de acontecer e a conversa tinha de ocorrer também para que isso fosse possível”.
Recebeu treino militar em Madina do Boé, e esteve durante um ano na Escola de Marinha em Odessa, no ano seguinte. Perguntado se acreditava realmente que algum dia seria possível em Cabo Verde a luta de guerrilha, André Corsino Tolentino elogiou a estratégia de Amílcar Cabral por este ter pensado e conseguido formar o PAIGC com guineenses e cabo-verdianos, mas não ilude a questão da frustração dos cabo-verdianos dentro do próprio PAIGC e da emigração. “Só depois viemos a saber que, de facto, era muito difícil em termos militares, sobreviver a um desembarque nas ilhas de Cabo Verde. Era altamente perigoso porque podia haver um fácil aniquilamento nos guerrilheiros. Houve discórdia entre Amílcar Cabral e Che Guevara na altura, porque Guevara defendia o princípio dos focos. Dizia que desde que as pessoas se instalem e tenham armas e o abastecimento garantido do exterior, a guerrilha poderá depois mobilizar a base e avançar. E Cabral defendia que a guerrilha só vinga se emergir da população local”.
Questionado sobre a sua viagem de Conacri para o interior da Guiné, depois de maio de 1964, respondeu:
“Houve uma explosão de alegria. A guerra durou muito tempo, mais de dez anos. Este cansaço manifestava-se através de conspirações, da desistência de operações, falta de apoio das populações ou através da deserção para o inimigo. Estávamos todos cansados da guerra, quer as tropas coloniais quer a resistência. Por conseguinte, a substituição do poder em Portugal e as declarações seguintes de predisposição para realizar a Descolonização, a Democracia e o Desenvolvimento só podiam ser bem-vindas. É neste contexto que o ambiente muda radicalmente”.
Para saber mais sobre estes combatentes cabo-verdianos, ver o site https://www.dw.com/pt-002/est%C3%A1vamos-todos-cansados-da-guerra-lembra-corsino-tolentino/a-17759520.
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Nota do editor
Último poste da série de 24 DE JANEIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22937: Notas de leitura (1413): A utopia de André Álvares d’Almada, Revista Sintidus, nº. 1, de 2018 (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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