sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4872: Controvérsias (33): Amílcar Cabral em Xangai (António Graça de Abreu)

1. Mensagem de hoje, do nosso camarada e amigo Anónio Graça de Abreu, em viagem pela China (foto à esquerda, com a esposa):

Meus caros Luis, Carlos e Eduardo

Peço vos que publiquem este meu texto como comentário ao do Beja Santos. Coloquem os acentos, por favor, porque o computador com que escrevo não tem teclado português (*).

Desde Xangai, um abraço,
Antonio Graça de Abreu



Amílcar Cabral em Xangai
por António Graça de Abreu


Mario Beja Santos fala com simpatia da figura importante de Amílcar CabraAdicionar imageml e reconhece a "capacidade genial de Cabral para liderar um movimento revolucionário." Mas o seu texto parece-me por demais contraditório (**).

Beja Santos conclui a sua análise ao Le Pouvoir des Armes, de Cabral, afirmando que os textos do revolucionário do PAIGC são uma "referência de um pensamento desajustado aos imperativos do desenvolvimento". Beja Santos diz também a propósito de propaganda que "misturava-se fantasia com realidade, realidade com desejos, factos lógicos com dados irracionais". Factos que ninguém põe em causa.

Noutra citação, leio, Cabral "era rigoroso quando enunciava a estrutura social da Guiné, mesmo quando camuflava as divergências profundas entre as etnias que mais apoiavam o PAIGC e aquelas que mais se opuseram."

Num breve comentário meu, como se pode ser "rigoroso" camuflando "as divergências profundas entre as etnias"?

Beja Santos diz ainda que Cabral era "marxista" e que "referiu em diferentes intervenções que a "libertação" da Guiné restaria ou teria uma influência decisiva em toda a África Austral, modificaria as influências de todo o imperialismo em África."

Cabral era ingénuo, e esta ingenuidade tem provocado tanto, demasiado sofrimento, e morte, aos povos amigos da Guiné-Bissau, e de tantos outros infelizes países africanos!

Mais abaixo, Beja Santos que acredita ainda na vitória militar do PAIGC sobre as tropas portuguesas, fala de uma terra que (como é possível?) passou de "um país triunfante para a situação de esmoler da caridade internacional"

E mais: "No seu entusiasmo, Cabral ficcionou cidadãos livres e uma economia próspera dirigida pelo PAIGC que, como é de todos sabido, se veio revelar um insucesso estrondoso"

Quanta contradição, digo eu...

Um comentário final.

Amílcar Cabral foi um revolucionário de acordo com um pensamento político que passou à História e falhou estrondosamente. Os seus textos são peças de um museu da utopia. E se é verdade, como dizia o poeta Sebastião da Gama, que "pelo sonho é que vamos", quando nos sonhamos o mundo melhor, a sociedade mais justa, o homem novo, tudo parece estar ao alcance de todos. Depois acordamos no mundo real, e o homem é velho, as sociedades são como são, luta-se sempre, trabalha-se para que nós e o mundo "pule e avance", mas em política, no governo dos povos, importa o real, sem utopias nem sonhos.

Escrevo-vos desde Xangai, República Popular da China, um país oficialmente marxista, com um partido comunista no poder, mas que, para crescer, prosperar, para se modernizar, deitou as ideologias para o caixote do lixo da História (onde já está o pensamento de Amílcar Cabral!), libertou-se das utopias e avançou para o estranho capitalismo real, com todas as injustiças que o capitalismo traz.

A China, que conheceu e conhece bem a Guiné-Bissau, é hoje um dos países mais poderosos do mundo.

Desde Xangai, um abraço do tamanho do rio Amarelo.
António Graça de Abreu

_________

Notas de L.G.:

(*) Em 14 de Agosto tinha-nos escrito o seguinte mail:

Meu caro Luís

Sei que estás de férias e não te vou chatear com coisas da Guiné. Vai apenas o reencaminhamento deste mail, para teu conhecimento [, dirigido ao Beja Santos, e a propósito da da missa do 7º dia da morte da sua filha Maria da Glória].

Da minha parte, abraço o Beja Santos, sempre, o pai, o camarada da Guiné.

O mail vai do computador do hotelzinho rasca onde me alojo por 4 dias, nas montanhas Wuling, Zhangjiajie, província de Hunan) a mesma onde nasceu Mao Zedong, a uns 300 kms daqui).

Tenho feito fotografias espantosas, que um dia, lá para Setembro, Outubro, com uma introdução minha ligando a Guiné à China, peço que publiques no blogue, talvez no antes e depois.

Entre picos de montanhas, respirando o fluir da magia da névoa, vai um forte abraço do

António Graça de Abreu


(**) Vd. poste de 28 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4870: Notas de Leitura (17): Le pouvoir des armes, de Amílcar Cabral (Beja Santos)

8 comentários:

Hélder Valério disse...

Já estava com saudades do A. Graça de Abreu.
Espero que a sua estada pelas terras dos mandarins (dos velhos e dos novos) prossiga com satisfação e sucesso.
Tenho pelo António G. de Abreu um carinho especial. Foi graças a ele, ao seu Livro, que cheguei ao Blogue e onde encontrei e/ou reencontrei tanta gente interessante e onde me foi permitido e possibilitado recordar uma parte da história da minha vida.
Tenho ainda uma dívida que é a de lhe comunicar, tal como me comprometi, as minhas impressões sobre os seus três livros de poesia. Ainda hei-de saldar essa dívida!
Tenho também uma admiração pela persistência, diria mesmo militância combativa, com que o A. G. de Abreu procura corrigir no Beja Santos os erros de perspectiva, as teimosias das interpretações pessoais sobre as "guerras ganhas e guerras perdidas" e outras idéias preconcebidas repassadas dos bafientos conceitos de "gauche".
Tenho cá para mim que é uma tarefa quase impossível, mas vamos aguardar, acompanhando sempre com interesse os vários episódios.
Um abraço
Hélder S.

JD disse...

Camaradas,
Espero não andar longe da verdade com o que se segue.
O Mário, como o António, são dois importantes animadores da Tabanca. São, também, autores de "Diários da Guiné", situação que os une e separa.
O primeiro, com a divulgação do seu diário, deu-nos conta da vivência no mato, com os seus caçadores nativos, a partilhar das aldeias com a população, onde, quase incrivelmente, ainda conseguia fazer cantar no gira-discos, as grandes óperas e as grandes orquestras. Leitor compulsivo, deu-nos uma relação de trillers, romances e outros escritos que leu e vasculhou. Participou em operações, fez patrulhas, colunas e emboscadas. É caso para dizer-se que esteve em grande na Guiné, pois aliou à vida operacional, as sociedades locais, de que fez necessárias e voluntárias aprendizagens, e ainda lhe sobrava tempo para a cultura e confraternização.
O segundo, contestatário do regime, com alguma cultura de viajante, ainda assim apresentou-se ao cumprimento do dever. Teve uma comissão mais pausada. Mas o seu espírito irreverente ou impulsivo levou-o, voluntariamente, por poucas mas desnecessárias vezes, a cheirar a guerra. O seu contacto permanente com altas patentes do mato, aliado a um certo dandismo na insinuação, permitia-lhe fazer de conta que fazia falta no COP. Da leitura do seu diário, apesar de grande admirador do Cor.Durão, não parecia merecer deste grandes confianças.
O Mário perfilha a ideia de que Portugal perdeu a guerra, não do ponto de vista militar, mas pelo beco sem saída em que o país se encontrava, pelo desgaste de treze anos, tanto nos recursos, como no moral.
Pois se até o Papa tomou posição! (note-se que em política, o que parece, é).
O António, ao invés, refere que Portugal não perdeu a guerra. Reconhece, naturalmente, que retirámos (ou abandonámos?) dos territórios africanos, mas não me foi dado ver qualquer explanação, quer pela continuidade, quer pela indefinição de derrota, vitória ou empate, no que respeita às consequentes independências.
Não li o livro em apreço.
A leitura do texto do Mário, que o apresenta e sintetiza, não me permite confundir a opinião do Mário com as convicções, manifestações e manipulações políticas e operacionais do Amilcar Cabral.
Nestes termos, parece-me precipitada a crítica redundante feita pelo António.
Para ambos e para a Tabanca, um abraço fraterno.
José Dinis

Anónimo disse...

Como o Mário Beja Santos, por mim questionado sobre a herança de Spínola e pelo tema da guerra perdida, achou por bem não responder a um simples furriel de farda amarela, eu que fui talvez o primeiro a matraquilhar no teclado sobre o assunto, não vou fazer nenhum comentário. Mas... solicitava ao meu amigo Zé Manuel para ler:"O Fazedor de Utopias" Uma Biografia de Amilcar Cabral de António Tomás;
Aristides Pereira "O meu testemunho" (uma luta um partido dois países).

Oh Zé Manuel se não leste o livro do Graça de Abreu, como podes opinar?

A primeira pessoa que me falou de Amilcar Cabral foi o Eng. Agónomo Manuel da Silva Rente, pois foram colegas de Curso em Agronomia.
A segunda pessoa que me falou de Amilcar Cabral, foi o Capitão da minha C.CAÇ. 763 e mais tarde homem de Spínola e comandante do COP3 apesar de não ser de Cavalaria, cuja mãe foi professora de Amilcar Cabral.

No HM de Bissau, também tive uma conversa muito interessante com um fur. miliciano Caboverdeano sobre tudo isto.


Temos de tomar o café juntos, porque nós também não acertamos "os carretos".


Para terminar, só uma explicação, o livro do Graça de Abreu, julgo que foi o primeiro Diário da Guiné.

Até breve Zé Manuel!

O abraço de sempre do tamanho do Cumbijã,

Mário Fitas

JD disse...

Caro Mário,
Eu li e possuon o livro do António. Referi que não li o livro publicado em França com textos do Amilcar Cabaral, e que gerou a crítica.
As minhas apreciações são com base no que conheço, e, por irreverência, por deformação, ou por critérios de exigência, nem tudo o que me contam se torna verdade. Aprecio o mundo pelos meus sentidos, que ajudaram exclusivamente à minha formação.
Como soi dizer-se, não sou Maria que vá com as outras. Nestas matérias procuro saber, e já mudei de opinião, ou aperfeiçoei-a. Li bastante, o que é muito pouco, e de diferentes ângulos, conversei com pessoas e amigos de diferentes posicionamentos, enfim, procuro entender as razões da vida, e os seus reflexos na(s) sociedade(s).
Setembro está aí, venha de lá o café e o abraço.
J.Dinis

Anónimo disse...

Caro José Manuel,

Já este assunto foi muito debatido no Blog.

Peço desculpa por entender que "o livro em apreço" fosse o Diário da Guiné Lama, Sangue e Água Pura e não a colectânea de artigos, conferências,seminários de Amilcar Cabral referentes a 1962/69. Todos temos direito à irreverência deformação, critérios de exigência ou outras formas de estar na vida. A democracia assim nos dá esse direito.
No entanto a mesma democracia nos dá a dever de aceitar e respeitar a opinião e conhecimento de outros.
Pelo que não sendo tu "Maria que vai com as outras", também deverias ter o conhecimento e sensibilidade para admitir de que outros tenha idêntica forma de estar na vida e convicção sem as "Marias e as outras".
Fica portanto no ar quem vai ou fica! Mantendo pela minha parte a idoneidade dos amigos com quem privo ou privei em grau de amizade, respeito e honestidades "Veros".
Julgamentos subjectivos? Não!... por aí não vou!

Até ao café!

Um abraço do tamanho do Cumbijã,

Mário Fitas

Hélder Valério disse...

Ai Zé Manel, Zé Manel....
Ainda não me esqueci dos "pontapés no rabo" que disseste que davas no pessoal quando se portavam mal... Vê lá como as coisas são, estás quase a provar do "teu remédio"!
Mas estas coisas fazem-me lembrar a minha irmã e por isso aqui vai uma inconfidência: É que a minha irmã detestava café. Vai daí, um dia quando se penteava, partiu o pente e desde então nunca mais andou de carro eléctrico!
Tás a ver?
Um abraço
Hélder S.

JD disse...

Camaradas,
Relativamente à resposta do Mário, quem é que não aceita (no sentido de examinar, considerar), a opinião r conhecimento de outros? De onde se infere que não tenho sensibilidade (o que é a sensibilidade?) para admitir que outros, ainda que com pontos de vista diferentes, também perfilhem princípios comuns aos meus e os discutam comigo?
Resvalando do assunto original a propósito de democracia: a democracia não se atinge por decreto. Em Portugal vive-se num regime designado por democrático, porque a população é regularmente chamada a votos. Mas não se vive em democracia, pois os governos fazem acordos de compadres, e os dinheiros públicos são por isso mal utilizados; a justiça não é igualmente acessível a todos; o edíficio legislativo está cheio de portas por onde escapam os bandidos; os poucos muito ricos, cotejam com a esmagadora maioria de remediados e pobres: a indecência e a corrupção campeiam; os princípios ganham expressão com a libertinagem educativa.
A democracia atinge-se quando uma sociedade vive com a percepção clara e pronta dos seus deveres e direitos para com a comunidade, qualquer coisa ainda utópica para nós, uma espécie de anarquia enquanto expressão mais elevada da ordem, onde cada um será útil e contribuinte, livre e feliz.
Relativamente ao Helder, acho que compreendi o no-sens. Mas se necessário for argumentar, como me reconhecem da fotografia, não preciso de pentes, logo, posso andar de autocarro, um transporte colectivo onde não se escolhem os companheiros de viagem.
Abraços fraternos
José Dinis

Anónimo disse...

Comentário de António Graça de Abreu, inserido a seu pedido.

Aquele meu comentário ao primeiro texto do Beja Santos levantou alguma poeira na picada.

Não era essa a minha intenção. Não sou dono de nenhuma verdade, dou simplesmente a minha opinião. No essencial até estou de acordo com 90% das análises bem feitas pelo Beja Santos.

Apontei algumas contradições, o "genial Amílcar Cabral", etc. E o falhanço rotundo da ideologia marxista em África e no mundo.
Mais nada. Mas Amílcar Cabral merece o meu respeito.
Concluo citando uma vez mais o Beja Santos, com quem concordo em absoluto:

- "Cabral considerava que a África do tempo não era tribal, seria a luta para ter pão e viver com dignidade que iria rapidamente influenciar a coesão de todos os guineenses (como se sabe, não só esta base teórica era falsa como veio a propiciar equívocos tremendos de que a Guiné ainda não se libertou)".

Há ou não há ingenuidade marxista nestes considerandos de Amílcar Cabral?
Creio que é preciso entender Amílcar Cabral, Guevara, etc., como fruto do seu tempo, da moda revolucionária da época. A História mostra depois como as utopias não vingam, porque são isso mesmo, utopias que estão assentes em análises falsas quanto à real natureza dos homens. Os homens são bem piores do que Marx, Lenin ou Amílcar Cabral sonharam. Por isso as ideologias falham.
Mas não desanimemos. É bom aprender a arte de viver, com paz, a serena sabedoria que os anos nos podem dar, amando quem nos sabe e quem nos sabemos amar, misturando-nos com a natureza, fruindo um bom vinho alentejano, ou uma fabulosa aguardente de sorgo chinesa. Se possível ajudando os outros. Talvez no fim da estrada tenhamos Deus a nossa espera.

Quanto a tudo mais, como diz o nosso Eça de Queirós, no capitulo XVII de "Os Maias" - "os anos passam, e com o passar dos anos, a não ser a China, tudo na terra passa."

Desde Xangai, um abraço do tamanho do rio Yangtse.
António Graça de Abreu