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Queridos amigos,
A habitação guineense comprova a maturação da identidade cultural, social e económica das diferentes etnias. As tabancas que visitávamos podiam ser pobres mas a monotonia da sua disposição espacial era uma falsa aparência, como este estudo expõe, com clarividência.
As fotografias não deixam margem para dúvidas. A casa manjaca distingue-se perfeitamente da balanta e esta da felupe ou da beafada em muita coisa: materiais, utensílios, existência ou não de implúvio, o tipo de varandas e pátios, e, obviamente, os materiais acessíveis. Isto para já não falar de que viver numa ilha não é o mesmo do que viver no interior ou na costa.
Bom seria que tivéssemos no mercado livros singelos sobre este génio arquitectónico.
Com um abraço do
Mário
Arquitectura tradicional da Guiné-Bissau
Beja Santos
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Nasceu assim “Arquitectura tradicional da Guiné-Bissau”, teve edições em 1981 e 1983, a tradução portuguesa é da cooperação sueca (então designada por SIDA, hoje ASDI), que como é de todos sabido, tem tido um papel relevantíssimo no apoio aos sistema educativo, na investigação e na cultura.
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Depois de um preâmbulo com amplas referências à geografia, à história e aos grupos étnicos da Guiné-Bissau, os autores tecem considerações sobre a habitação tradicional tendo em conta as quatro regiões mais significativas (região costeira com as ilhas, zona de transição, o interior e a região de Boé). Trata-se, por conseguinte de procurar equacionar a construção com o seu ambiental social e físico, ponderando a economia agrícola, os materiais disponíveis e os níveis de religiosidade. Só assim se poderá entender como a região costeira onde preponderam os grupos Balanta, Papel e Manjaco estabelecem diferenças com os Bijagós, Felupes e Baiotes, tanto pelas técnicas e métodos de cultivo e utensílios, como nas relações de posse, a natureza do gado produzido, as operações de armazenagem de cereais, etc. As mesmas considerações podem ser extrapoladas para a zona de transição, para o interior e Boé.
As ilustrações procuram tipificar por um lado o uso de celeiros, potes, armazéns, cabris, capoeiras e currais, bem como os tipos de vedação e as decorações que são utilizadas tanto no interior como no exterior das casas.
No caso dos balantas, os investigadores tomaram em conta factores como a religião, a cultura do arroz, os modos de povoamento, as técnicas de construção e a preparação dos construtores. E depois ilustram com plantas transversais, mostrando onde vive o chefe de família, os demais membros do agregado familiar, onde se posicionam o armazém de arroz e de sal, a casa do irã, as colmeias e o curral, o tipo de culturas que circundam a casa (bananeira, cabaceira, cajueiro, laranjeira, mangueira, papaeira, poilão, purgueira, mandioca…). As ilustrações mostram planos da construção como o vão da porta, a armação do telhado, a natureza da varanda, o capim exterior, entre outros elementos.
Este estudo, não primando propriamente pela originalidade nem sendo exaustivo, garante aos interessados o conhecimento da habitação de etnias como os balantas, os papéis, os manjacos, os brâmes, os nalus, os beafadas e os fulas. É um estudo rigoroso pelo levantamento patrimonial habitacional, dá ensejo a conhecer quem e como usa implúvios, fechaduras, a natureza dos revestimentos (purgueira ou querentim), o que distingue o envolvimento das moranças, os diferentes tipos de pátio, varandas.
Tem muito interesse o que os autores referem acerca da casa Fula. No passado, a casa dos Fulas não tinha janelas; durante o período das chuvas fazia-se o fogo num buraco do chão no interior da casa e como não existia nenhuma chaminé o fumo passava através da cobertura do telhado. O principal material de construção era o bambu. O processo de construção iniciava-se marcando um ciclo de aproximadamente 5 metros de diâmetro no solo; ao redor desde círculo enfiavam-se bambus no chão com a mesma distância um do outro, entrançavam-se as canas e assim se fazia a armação; a armação do telhado era feita no chão de cana de bambu bem seco. Modernamente, esta concepção alterou-se.
O estudo termina com a taxonomia (classificação dos tipos de casas). Tanto este livro como “A habitação indígena na Guiné portuguesa” serão obras a oferecer ao INEP que desde a guerra civil de 1998/1999 perdeu a sua importante biblioteca pelo menos a 60 %.
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 21 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8935: Notas de leitura (289): Ultramar - 1968: Quando Américo Thomaz percorreu livremente a Guiné (Mário Beja Santos)
Vd. último poste da série de 24 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8941: Notas de leitura (290): De campo em campo: conversas com o comandante Bobo Keita, de Norberto Tavares de Carvalho (Parte I): Introdução (A. Marques Lopes / Luís Graça)
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